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Processo n.º 978/2010 Data do acórdão: 2011-02-24
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– objecto do recurso
– art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– livre apreciação da prova
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
– tráfico de estupefacientes
– atenuação especial da pena
– art.o 18.o da Lei n.o 17/2009






S U M Á R I O
1. Mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas.
2. Ao ter indicado inclusivamente quais foram as provas que serviram para formar a convicção, e explicado que essa convicção sobre a matéria de facto foi obtida depois de feita a análise objectiva e global dessas provas, o Tribunal a quo já cumpriu o dever de fundamentação exigido pelo art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal (CPP).
3. O alegado facto de não se ter encontrado na posse do 2.o arguido recorrente nem na sua residência qualquer droga ou utensilagem relativa à droga não é incompatível com a lógica da versão fáctica dada por provada pelo Tribunal recorrido, de acordo com a qual cumpriu, por divisão de tarefas previamente combinada, às 3.a e 4.a arguidas guardar a droga a comando do 2.o arguido.
4. Como depois de examinados todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação fáctica do acórdão recorrido, também não se vislumbra ao Tribunal de Segunda Instância desrazoável, à luz das regras da experiência da vida humana ou das legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal recorrido, mediante a avaliação em globalidade de todas as provas produzidas na audiência então feita e já indicadas no texto do respectivo acórdão, não pode o 2º arguido fazer impor a sua visão pessoal dos factos, ao arrepio do art.o 114.o do CPP.
5. É de atenuar especialmente, nos termos permitidos pelo art.o 18.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, a pena de prisão do crime de tráfico da 3.a arguida também recorrente, porquanto após examinado todo o processado anterior dos autos, se mostra evidente que a colaboração espontânea e voluntária então prestada por essa recorrente para a Polícia Judiciária contribuiu também decisivamente para a detenção dos 1.o e 2.o arguidos, bem como relevantemente para a apreensão dos estupefacientes dos autos.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 978/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: A
B
C



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Em 20 de Outubro de 2010, foi proferido acórdão em primeira instância no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° CR3-10-0050-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por força do qual, e inclusivamente:
– o 1.o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como co-autor material de um crime consumado de tráfico de estupefacientes, punido nos termos tidos como concretamente mais favoráveis do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 7 anos e 2 meses de prisão, e como autor material de um crime consumado de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo art.o 23.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 45 dias de prisão, e como autor material de um crime consumado de detenção de utensilagem para consumo de estupefacientes, punido nos termos tidos como concretamente mais favoráveis do art.o 15.o da Lei n.o 17/2009, na pena de 45 dias de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas três penas parcelares, na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão;
– o 2.o arguido B, com os sinais desses autos, ficou condenado como co-autor material de um crime consumado de tráfico de estupefacientes, punido nos termos tidos como concretamente mais favoráveis do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 8 anos e 8 meses de prisão, e como autor material de um crime consumado de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo art.o 23.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 45 dias de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, na pena única de 8 anos e 9 meses de prisão;
–– a 3.a arguida C, com os sinais dos referidos autos, ficou condenada como co-autora material de um crime consumado de tráfico de estupefacientes, punido nos termos tidos como concretamente mais favoráveis do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, conjugado com o art.o 18.o da mesma Lei, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão (cfr. o teor do acórdão, a fls. 764 a 781 dos presentes autos correspondentes).
Inconformados, vieram esses três primeiros arguidos recorrer para esta Segunda Instância exclusivamente a propósito da sua condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, imputando o 1.o arguido A à decisão recorrida o excesso da pena achada para esse seu crime, o 2.o arguido B a violação do art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal de Macau (CPP), e, subsidiariamente, o vício de erro notório na apreciação da prova, e peticionando a 3.a arguida C uma maior atenuação da sua pena ou mesmo a dispensa da pena (cfr. as respectivas motivações de recurso, a fls. 902 a 912, 873 a 880 e 843 a 871v dos presentes autos).
Aos três recursos respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido idêntico de manutenção do julgado (cfr. as três respostas apresentadas a fls. 925 a 926v, 927 a 928v e 929 a 930 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta douto parecer (a fls. 973 a 975v), pugnando também pela improcedência dos três recursos.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento com observância do formalismo previsto no art.° 414.° do CPP.
Cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como ponto de partida para o trabalho, é de relembrar aqui todo o acervo dos factos já dados como provados pelo Tribunal a quo, e descritos na Parte II do texto do acórdão recorrido, a fls. 768v a 772v dos autos, que se dá por aqui integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
E por uma questão de sequência lógica dos vícios imputados ao acórdão recorrido, urge decidir primeiro do mérito do recurso do 2.o arguido B.
Este recorrente começou por assacar ao Tribunal recorrido a omissão do dever de explicitar no texto do respectivo acórdão, os fundamentos substanciais que tinham servido de suporte à formação da livre convicção sobre o facto, descrito como provado nesse texto decisório, de ter ele participado nos actos de tráfico de estupefacientes, não obstante o 1.o arguido, a 3.a arguida e o 6.o arguido terem negado, na audiência de julgamento entretanto realizada, a intervenção dele ora recorrente na actividade de tráfico de estupefacientes.
Entretanto, da leitura do texto do acórdão recorrido, concretamente a partir da 10.a linha da página 18 até à 4.a linha da página 19 da mesma peça, resulta claro a este Tribunal de recurso que o Colectivo a quo já cumpriu o dever de fundamentação exigido pelo art.o 355.o, n.o 2, do CPP, ao ter indicado inclusivamente quais foram as provas que serviram para formar a convicção, e explicado que essa convicção sobre a matéria de facto foi obtida depois de feita a análise objectiva e global dessas provas.
Outrossim, também improcede o subsidiariamente esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova, visto que:
– antes do mais, o alegado facto de não se ter encontrado na posse desse 2.o arguido ora também recorrente nem na sua residência qualquer droga ou utensilagem relativa à droga não é incompatível com a lógica da versão fáctica dada por provada pelo Tribunal recorrido, de acordo com a qual cumpriu, por divisão de tarefas previamente combinada, às 3.a e 4.a arguidas guardar a droga a comando do 2.o arguido;
– e, por outro lado, depois de examinados todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação fáctica do acórdão da Primeira Instância, também não se mostra a este Tribunal ad quem desrazoável, à luz das regras da experiência da vida humana ou das legis artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal recorrido, mediante a avaliação em globalidade de todas as provas produzidas na audiência então feita e já indicadas no texto do respectivo acórdão, não podendo o 2º arguido fazer impor a sua visão pessoal dos factos, ao arrepio do art.o 114.o do CPP, o qual se esqueceu, deveras, de que ele ficou condenado a título de co-autor de um crime consumado de tráfico de estupefacientes.
Não houve, pois, qualquer violação do princípio de in dubio pro reo.
Há que improceder, assim, o recurso desse 2.o arguido.
E agora quanto ao recurso do 1.o arguido A, que pede tão-só a redução para 6 anos e 6 meses, da pena de prisão aplicada no acórdão recorrido para o seu crime de tráfico de estupefacientes.
Ora, após consideradas todas as circunstâncias já apuradas no texto desse acórdão, afigura-se a este Tribunal de recurso que dentro dos parâmetros de medida da pena dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do Código Penal de Macau (CP), e considerando a falta de confissão por esse recorrente dos factos relativas ao crime de tráfico em questão, tendo em conta também o seu papel preponderante na actividade traficante (pois ele e o 2.o arguido eram os dois protagonistas dessa actividade), e a quantidade de estupefacientes em causa (tendo detido esse próprio recorrente inclusivamente mais de 53 gramas de Ketamina, para além de diversas outras substâncias estupefacientes), já não há mais margem para redução da pena de 7 anos e 2 meses concretamente imposta a esse 1.o arguido pela Primeira Instância.
Não deixa, pois, de naufragar o recurso do 1.o arguido.
Por último, cumpre analisar o recurso da 3.a arguida C.
Para já, atentas as elevadas necessidades de prevenção geral do crime de tráfico de estupefacientes, por um lado, e, por outro, sendo essa recorrente já uma delinquente não primária, parece inviável no caso dispensar-lhe a pena.
Entretanto, já não repugna a este Tribunal de recurso reduzir, nos termos permitidos pelo art.o 18.o da Lei n.o 17/2009 (aplicada no acórdão recorrido como sendo concretamente mais favorável), a pena de 4 anos e 9 meses de prisão encontrada pelo Tribunal recorrido para a pena de 3 anos de prisão efectiva, porquanto após examinado todo o processado anterior dos autos, se mostra evidente que a colaboração espontânea e voluntária então prestada por essa recorrente para a Polícia Judiciária contribuiu também decisivamente para a detenção dos 1.o e 2.o arguidos, bem como relevantemente para a apreensão dos estupefacientes dos autos. (Sendo de notar que atentos o antecedente criminal dessa arguida e as elevadas necessidades de prevenção geral do crime de tráfico de estupefacientes agora em causa, não se pode suspender a execução dessa pena de 3 anos de prisão).
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento aos recursos do 1.o arguido A e do 2.o arguido B, e conceder parcial provimento ao recurso da 3.a arguida C, reduzindo, por conseguinte, a pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão aplicada no acórdão recorrido nos termos concretos dos art.os 8.o e 18.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, para a pena de 3 (três) anos de prisão efectiva.
Pagarão os 1.o e 2.o arguidos todas as custas dos seus recursos, enquanto a 3.a arguida só paga metade das custas do seu recurso, com duas UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 24 de Fevereiro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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