Recurso Contencioso n. 736/2010
Data do acórdão: 17 de Fevereiro de 2011
Descritores: Extinção do procedimento
Inércia do requerente
SUMÁRIO:
I Sem prejuízo do dever que impende sobre o particular no procedimento de iniciativa sua de, juntamente com o requerimento, fazer o suporte documental que ao caso couber, à Administração Pública incumbe o poder/dever de procurar averiguar oficiosamente todos os factos e de determinar ao interessado que preste novas informações ou apresente diferentes provas.
II- Se o interessado acata a determinação feita pela Administração e leva ao procedimento uns elementos alegadamente comprovativos de determinado facto e justificando a razão pela qual não pode juntar outros, cumpriu o seu dever instrutório, cabendo à entidade administrativa comprovar a razão desta não junção.
III- Se A Administração não o fizer e deixar passar o prazo de seis meses sem outra qualquer diligência adicional, não pode fazer extinguir o procedimento com fundamento na inércia do interessado particular ao abrigo do art. 103º, n.2, al. a), do CPA.
Recurso Contencioso n. 736/2010
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Acordam na 2ª Secção do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, portadora do Passaporte da República Popular da China No. XXXXX emitido em 07/12/2006 pelas Autoridades da República Popular da China, residente na China, em中國XX省XX市XX區XX鎮XX村XX號 (doravante a “Recorrente”), nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso (“CPAC”), recorre contenciosamente do acto administrativo do Exmo. Secretário Para a Economia e Finanças que declarou a extinção do procedimento do pedido de autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau, apresentado pela ora Recorrente a 15 de Novembro de 2007.
Pediu a declaração de nulidade do acto administrativo nos termos do artigo 122º, nº 2, alínea d) do CPA, por violação dos artigo 10º e 93º do CPA ou, caso assim não se entenda, a sua anulação nos termos do disposto no artigo 124º do CPA por violação do disposto no artigo 103º nº 2 alínea a) do CPA.
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Contestou a entidade recorrida, defendendo a improcedência do recurso, dizendo em resumo que:
1. A documentação apresentada pelo recorrente para instruir o seu pedido apresentava uma contradição;
2. O recorrente nunca, até hoje, apresentou a documentação que lhe foi posteriormente solicitada;
3. Não recaía sobre o IPIM a obrigação de tentar obter quaisquer documentos directamente da Administração do Continente;
4. Não há lugar a audiência prévia do interessado sobre a decisão de declarar extinto o procedimento administrativo por inércia do particular.
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Prosseguiu o processo para alegações facultativas, tendo a recorrente, nas suas, apresentado as seguintes conclusões:
A) No dia 15 de Novembro de 2007, a Recorrente apresentou um pedido de autorização de residência temporária para si e seu agregado familiar, com o fundamento de investimento imobiliário tendo, em 28 de Novembro de 2007, junto os documentos solicitados pelo IPIM;
B) Durante todo o processo a Recorrente forneceu dois contactos telefónicos ao IPIM : XXXXXX e XXXXXX, através dos quais o IPIM nunca contactou a Recorrente;
C) Posteriormente, o IPIM enviou um ofício ao Ministério Público para verificação da autenticidade dos certificados de habilitações académicas submetidos pela Recorrente, tendo o Ministério Público respondido a 30 de Abril de 2009 com o entendimento de que o IPIM, como órgão administrativo, tem poderes para proceder à investigação da autenticidade dos documentos, devendo proceder directamente e essa verificação junto das autoridades da R.P.C;
D) Passaram-se quase 2 anos até o IPIM informar a Recorrente sobre o andamento do procedimento, com a notificação do IPIM para a Recorrente apresentar mais documentos comprovativos da sua situação académica, o que a Recorrente fez no espaço de 2 meses.
E) A 20 de Maio de 2010 um dos funcionários do IPIM usou um número de telefone errado (XXXX XXXX) (contacto de um Sr. A, mediador de agência predial, que não representa a Recorrente) para tentar contactar a Recorrente, o que não cumpre o requisito de audiência prévia da Recorrente.
F) A 18 de Agosto do presente ano e sem que tenha havido audiência prévia, a Recorrente foi notificada da extinção do procedimento nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 103º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), ou seja, o procedimento foi declarado extinto porque alegadamente esteve parado por mais de seis meses por causa imputável ao interessado;
G) Está provado que não é por causa imputável a Recorrente que o processo esteve parado por mais de seis meses (a Recorrente respondeu às solicitações do IPIM sempre em menos de dois meses) pelo que estamos perante uma errada aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 103º do CPA devendo o acto administrativo que declarou a extinção do procedimento administrativo ser anulado nos termos do artigo 124º do CPA;
H) O IPIM entorpeceu o procedimento administrativo ao requerer repetidamente à Recorrente a apresentação de certificados de habilitações académicas quando era da sua competência a direcção da instrução e a realização de diligências para contribuir para a decisão (conforme artigos 85º e seguintes do CPA);
I) A autenticidade e veracidade do conteúdo dos documentos apresentados pela Recorrente para fazer prova das suas qualificações académicas não foi legalmente posta em causa pelo IPIM, que também não pode arbitrariamente pedir mais e mais documentos para prova de um requisito já suficientemente provado por documentos emitidos e certificados por autoridades chinesas.
J) Com esta decisão, o IPIM, violou o Princípio da Participação (artigo 10º do CPA) que visa promover a participação dos administrados no processo de decisões que visem os seus interesses para além de promover a cooperação e integração entre Administração Pública e administrados e que nos termos do artigo 93º do CPA estabelece que “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre b sentido provável desta”. In casu, nenhum dos motivos para a inexistência ou a dispensa da audiência de interessados era válido pelo que a mesma se devia ter realizado;
K) A audiência de interessados revelava-se tão mais importante quanto era intenção do IPIM de dar parecer negativo á pretensão da Recorrente;
L) Em causa está pois a violação de um princípio geral da actividade administrativa, pelo que se conclui que o presente acto administrativo enferma de nulidade, nos termos do artigo 122º, n.º 2, alínea d) do CPA uma vez que é um acto que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito do interessado à participação na audiência de interessados”.
*
A entidade recorrida limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
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Na oportunidade, foi o processo foi com vista para parecer final do Ex.mo Magistrado do M.P., o qual, em termos que aqui se dão por reproduzidos, sustentou a procedência do recurso por, ao contrário da decisão administrativa ter considerado na sua fundamentação, não ser verdade que o procedimento tivesse estado parado por mais de seis meses por causa imputável à interessada, ora recorrente.
*
Cumpre decidir.
***
II- Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III- Os Factos
Os elementos dos autos permitem-nos fixar a seguinte factualidade:
1- No dia 15 de Novembro de 2007 a recorrente apresentou um pedido de autorização de residência temporária para si e respectivo agregado familiar, com fundamento em investimento imobiliário (doc. 1 dos autos e fls. 41 do p. a.).
2- Com o pedido a recorrente apresentou vários documentos, incluindo os certificados de habilitação escolar (fls. 28/29 e 32/33 e 35 dos autos e 122/123 e 126/127 do p.a.).
3- Nesse mesmo dia, o Instituto de Promoção do Investimento de Macau (doravante apenas IPIM) notificou a interessada para ajuntar documentos complementares, nomeadamente o certificado ou documento emitido pela escola com confirmação das autoridades educativas.
4- No dia 28/11/2007 a recorrente apresentou dois certificados notariais ao IPIM (fls. 37/38, 39/40 e 42 a 45 dos autos e 140 a 144 e 145 a 149 do p.a.).
5- No procedimento a recorrente fornecera os contactos telefónicos ns. XXXXX e XXXXX (v.g. fls. 217 do p.a.).
6- O IPIM enviou aos serviços do M.P. a verificação da autenticidade dos certificados de habilitações académicas apresentados, tendo estes respondido que o IPIM poderia verificar a autenticidade directamente junto das autoridades da R.P.C. (fls. 46 a 47 dos autos; fls. 169/170 - texto incompleto - do p.a.).
7- Somente em 23 de Setembro de 2009 o IPIM voltou a notificar a recorrente (ofício n. 1749/GKFR/2009) para apresentar no prazo de seis meses mais documentos complementares comprovativos da sua situação académica emitidos pelo Departamento de Educação da Província de Guandong ou pelo Departamento da Província respectiva, sob pena de extinção do procedimento (fls. 168 do p.a. e fls. 48 dos autos).
8- Na sequência dessa notificação a recorrente apresentou os documentos de fls. 49 a 56 dos autos e, em 9 de Novembro de 2009 comunicou ao IPIM que, segundo era do seu conhecimento, o Departamento de Educação da Província de Fujian apenas emite comprovativo autenticado dos cursos de ensino superior, não do ensino complementar e que o Centro de Autenticação de Habilitações Académicas do departamento de Educação da Província de Guandong só trata dos assuntos de habilitações académicas das pessoas de Guandong(fls. 160 do p.a.).
9- No dia 20 de Maio de 2010 o IPIM contactou o n. de telefone XXXXX indicado no documento de fls. 57 dos autos, mas este era o contacto do Sr. A, mediador imobiliário da agência “B” que tinha negociado o investimento imobiliário efectuado pela recorrente em 2007, o qual respondeu que o assunto deveria ser tratado pessoalmente com a própria recorrente.
10- Em 18 de Agosto de 2010, o IPIM notificou a recorrente através do ofício n. 14842/GJFT/2010, comunicando que o procedimento fora declarado extinto nos termos do art. 103º, n.2, a. c), do CPA, com o argumento de este ter estado parado durante mais de seis meses (fls. 61/66, tradução a fls. 70/78.
11- O teor desta comunicação é o seguinte:
“Vossa referência: À Srª A
Data de emissão: XX,
Nossa referência: 14842/GJFR/2010 Bloco XX, Loja XX,
Data: 18/08/2010 Macau
______________________________________________________________________
Assunto: Pedido de autorização de residência temporária – Notificação da extinção do procedimento administrativo (P3061/2007)
Nos termos da al. a) do artigo 68º do Código do Procedimento Administrativo, informa-se V.Exª de que, por despacho de 13 de Julho de 2010, proferido pelo Sr. Secretário para a Economia e Finanças usando o poder subdelegado pelo Chefe do Executivo da RAEM, foi declarado extinto o procedimento administrativo do pedido de autorização de residência temporária em Macau formulado em 15 de Novembro de 2007 pelas pessoas a seguir indicadas. O despacho foi proferido com base no teor do parecer sobre o processo de V. Exª (tendo no total 4 páginas, cuja fotocópia se anexa) que explica o motivo da extinção do procedimento administrativo.
Nº
Nome
Documento de Identificação e número
1.
A
Passaporte da R.P.C. nº XXXXX
2.
XXX
Passaporte da R.P.C. nº XXXXX
3.
XXX
Passaporte da R.P.C. nº XXXXX
4.
XXX
Passaporte da R.P.C. nº XXXXX
De acordo com o Código do Procedimento Administrativo, do despacho referido pode interpor reclamação para o Sr. Secretário para a Economia e Finanças no prazo de 15 dias ou interpor recurso contencioso nos termos da lei para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias, ambos a contar da notificação do mesmo despacho.
Com os melhores cumprimentos”
12- O parecer que antecedeu o despacho tem o seguinte teor:
Autorização de residência temporária – primeiro investimento em bens imóveis
Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.
(Assinatura)
13/7/10
Parecer da Comissão Executiva do IPIM
Secretário para a Economia e Finanças
Após a análise do Parecer nº 3061/Residência/2007, conclui-se que a requerente não entregou os documentos exigidos depois de ter sido notificada, o que levou à parada do procedimento por mais de seis meses, devendo ser declarado extinto o procedimento do pedido de autorização de residência temporária dos interessados abaixo indicados nos termos do artigo 103º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil. Assim sendo, proponho que seja declarado extinto o procedimento do pedido de autorização de residência temporária referido.
Nº
Nome
Relação
1.
A
Requerente
2.
XXX
Cônjuge
3.
XXX
Descendente
4.
XXX
Descendente
A requerente nunca tinha pedido ao IPIM a fixação de residência no passado.
Submeto a presente proposta para decisão de V. Exª.
(Assinatura – vide o original)
Presidente, Sbustº
22 JUN 2010
Parecer do Departamento do Director-Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
Concordo com a proposta.
11 JUN 2010
(Assinatura – vide o original)
XXX
Director-Adjunto
INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Parecer nº 3061/Residência/2007
Assunto: Apreciação do pedido de fixação de residência por investimento
À Comissão Executiva:
1. Solicitam as seguintes pessoas a autorização de residência temporária:
Nº
Nome
Relação
Documento
Número
Prazo de validade
1.
A
Requerente
Passaporte da R.P.C.
XXXXX
06.12..2011
Bilhete de identidade para estrangeiros de Gâmbia
XXXXX
2.
XXX
Cônjuge
Passaporte da R.P.C.
XXXXX
01.03.2020
Bilhete de identidade para estrangeiros de Gâmbia
XXXXX
3.
XXX
Descendente
Passaporte da R.P.C.
XXXXX
17.04.2012
Bilhete de identidade para estrangeiros de Gâmbia
XXXXX
4.
XXX
Descendente
Passaporte da R.P.C.
XXXXX
17.04.2012
Bilhete de identidade para estrangeiros de Gâmbia
XXXXX
De acordo com o Despacho nº 120-I/GM/97 do Ex-Governador, o Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau emitiu parecer sobre os documentos de viagem dos interessados, tendo notificado a este Instituto que os interessados reuniram os requisitos para pedir a fixação de residência por investimento.
2. A requerente solicitou ao IPIM a fixação de residência temporária, em aquisição de um imóvel em Macau de MOP um milhão como fundamento. O imóvel adquirido é:
Registo predial: 21502-I
Macau, Rua do XX nº XX, XX, Bloco XX, Loja XX.
Valor: MOP3.068.370,00 (a requerente detém 1/3 do bem imóvel que é equivalente a MOP1.022,790,00.)
Data de registo: 9 de Novembro de 2007 (116)
3. A requerente entregou o documento comprovativo emitido por uma instituição de crédito em Macau que comprovou que ela tinha fundos de valor não inferior a 500 mil patacas depositados a prazo naquela instituição.
Instituição de crédito emitente: Banco de XX
Nº da conta: XXXX-XXXX-XXXX-XXXX
Quantia: MOP500.000,00
Natureza: Livre de quaisquer encargos
Maturidade do Depósito: 14 de Novembro de 2007 a 14 de Novembro de 2008
Data de emissão: 14 de Novembro de 2007
4. A requerente apresentou os documentos comprovativos das habilitações literárias e da empresa comercial:
(1) Documento: Escritura pública das habilitações literais
Organismo emitente: XXº XX, XX, XX da China
Escola frequentada: XXª Escola Secundária de XX, XX da China
Grau académico: Curso secundário complementar
Período de frequência: Setembro de 1981 a Julho de 1983
Data da conclusão do curso: Julho de 1983
Data da escritura pública: 7 de Dezembro de 2006
(2) Documento: Registo comercial do Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis
Nome da empresa: Companhia de XX de Macau, Lda. (澳門XX有限公司)
Capital: MOP 25.000,00
Quota e percentagem: A requerente detinha MOP20.000,00 (80%) do capital da companhia
Data da entrada em funcionamento da empresa: 7 de Novembro de 2007
5. Após a apreciação dos documentos das habilitações académicas apresentados pela requerente, verifica-se diferença nos teores dos documentos apresentados. A referida escritura pública das habilitações literais manifesta que a requerente frequentou o curso entre Setembro de 1981 e Julho de 1983. Mas o documento emitido pela escola indicou que a requerente frequentou o curso secundário complementar, com a duração de 3 anos, naquela escola desde Setembro de 1980 (vide o documento fl. 100). Por isso, temos dúvida sobre as habilitações académicas dela.
6. Transferimos o caso ao Ministério Público para investigação, mas este enviou a lista de nomes do caso para o IPIM conferir os documentos referenciados com o respectivo serviço no Interior da China através da via administrativa adequada.
7. Para o efeito, enviámos o ofício 17492/GJFR/2009 no dia 23 de Setembro de 2009 à requerente para que esta entregasse o comprovativo autenticado das habilitações académicas emitido pelo Departamento de Educação da Província de Guangdong ou da província a que pertence, a fim de o IPIM acompanhar o seu pedido de fixação de residência temporária (vide o documento fl. 121).
8. No dia 9 de Novembro de 2009, a requerente enviou ao IPIM uma carta, indicando que, do seu conhecimento, o Departamento de Educação da Província de Fujian apenas emite comprovativo autenticado dos cursos do ensino superior mas não do ensino secundário complementar. E o Centro de Autenticação de Habilitações Académicas do Departamento de Educação da Província de Guangdong só trata dos assuntos de habilitações académicas das pessoas de Guangdong (vide o documento fl. 113).
9. O referido ofício já foi notificado à requerente. Nos termos da al. a), nº 2 do artigo 103º do Código do Procedimento Administrativo, o órgão competente para a decisão pode declarar o procedimento extinto quando por causa imputável ao interessado este esteja parado por mais de seis meses.
10. De acordo com os dados relativos aos documentos necessários, a requerente não entregou os documentos exigidos no referido ofício – comprovativo autenticado das habilitações académicas emitido pelo Departamento de Educação da Província de Guangdong ou da província a que pertence. No dia 20 de Maio de 2010, ligámos para o telefone nº (00853)XXXXX à procura da requerente. A pessoa que atendeu o telefone disse que ele é o “Senhor A” da “Agência Imobiliária B”, indicando que acompanhava o referido pedido de fixação de residência mas já deixou de fazer isso. Acrescentou que a requerente trata pessoalmente do seu pedido, por isso, não sabe nada do assunto do ofício mencionado (vide o documento fl. 164).
11. Isso quer dizer que a requerente não apresentou os documentos exigidos (comprovativo autenticado das habilitações académicas emitido pelo Departamento de Educação da Província de Guangdong ou da província a que pertence) no ofício 17492/GJFR/2009 no período de 23 de Setembro de 2009 a 20 de Maio de 2010.
12. Face a todo o exposto e com base no facto mencionado e normas legais, proponho que seja declarado extinto o procedimento do pedido de autorização de residência temporária formulado pelos seguintes interessados no dia 15 de Novembro de 2007.
Nº
Relação
1.
A
Requerente
2.
XXX
Cônjuge
3.
XXX
Descendente
4.
XXX
Descendente
À consideração superior.
O Técnico Superior
(Assinatura – vide o original)
XXX
9 de Junho de 2010
À consideração superior.”; (cfr., fls. 10 a 13 e 24 a 28).
13- Sobre tal Parecer assim opinou a Comissão Executiva do IPIM:
“Após a análise do Parecer nº 3061/Residência/2007, conclui-se que a requerente não entregou os documentos exigidos depois de ter sido notificada, o que levou à parada do procedimento por mais de seis meses, devendo ser declarado extinto o procedimento do pedido de autorização de residência temporária dos interessados abaixo indicados nos termos do artigo 103º, nº 2, al. a) do Código de Processo Ciνil. Assim sendo, proponho que seja declarado extinto o procedimento do pedido de autorização de residência temporária referido.
Nº
Nome
Relação
1.
A
Requerente
2.
XXX
Cônjuge
3.
XXX
Descendente
4.
XXX
Descendente
A requerente nunca tinha pedido ao IPIM a fixação de residência no passado.
Submeto a presente proposta para decisão de V Exª.”
14- E, seguidamente, em 13.07.2010, proferiu o Exmº Secretário para a Economia e Finanças o despacho seguinte:
“Autorizo a proposta”. (acto impugnado).
***
IV- O Direito
A questão que temos entre mãos, sendo de fácil resolução, é a seguinte:
A recorrente foi notificada para apresentar documentos complementares aos que inicialmente acompanharam o seu pedido de autorização de residência. Estava em causa a comprovação da verdadeira situação no plano das habilitações literárias da interessada, uma vez que a entidade em apreço (IPIM) entendia existir divergência entre os documentos.
A interessada satisfez o pedido logo no dia 28 de Novembro de 2007.
Mas, após uma tentativa não sucedida feita pelo IPIM junto do M.P. no sentido de investigar a autenticidade dos documentos, por estes serviços foi respondido que podia o IPIM, ele próprio, diligenciar junto da R.P.C. no sentido de obter a pretendida informação.
Porventura, o IPIM não terá conseguido eliminar todas as dúvidas. E é então que em 23 de Setembro de 2009 volta a notificar a recorrente para comprovar as suas habilitações literárias através de certidão emitida pelo Departamento de Educação da Província de Guandong.
A recorrente, mais uma vez, voltou a entregar documentos (fls. 49 a 56 dos autos), embora acrescentando que o Centro de Autenticação de Habilitações Académicas do Departamento de Educação da Província de Guandong só autentica os cursos de ensino superior, não do ensino secundário (fls. 160 do p.a)
Depois disso, a recorrente só voltou a ser notificada em 18/08/2010, mas dessa vez para lhe ser comunicado que o procedimento havia sido extinto nos termos do art. 103º, n.2, al. a), do CPA. Isto é, com fundamento no facto de o procedimento ter estado parado por culpa sua.
Ora, se bem entendemos o IPIM, a discrepância entre documentos é muito simples: num documento era dito que a interessada havia frequentado a escola entre Setembro de 1981 e Julho de 1983 (doc. Fls.29 e 33 dos autos); noutro era dito que o curso secundário havia sido frequentado na mesma escola desde Setembro de 1980 (doc. Fls. 38 dos autos). Terá o IPIM considerado, pensamos nós, que a divergência sobre o início do curso secundário (Setembro de 1981 ou Setembro de 1980) podia representar alguma eventual falsidade.
O que fazer perante a dúvida?
Vejamos.
Estamos em presença de um procedimento de iniciativa particular (art. 57º, do CPA) que tinha em vista a obtenção de uma autorização de residência. É evidente que, em casos assim, com o pedido, deve o interessado deve fazer o suporte documental que ao caso couber. É o que, além de estar implícito no art.76º do CPA, expressamente resulta do art. 87º do mesmo diploma. Portanto, não basta a pretensão.
Acontece que o procedimento administrativo, além dos deveres que estabelece sobre o requerente, também é dominado por relevantes princípios que, além de outros fins, como o de celeridade e eficiência, consagram, a montante, a realização de outras virtudes como é o caso da protecção de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art.4º, CPA), da colaboração recíproca entre Administração e particulares (art. 9º e 62º, n. 2 do CPA).
Já por isso o art. 59º do mesmo diploma, naquilo a que se chama princípio do inquisitório, vem permitir que a Administração Publica proceda às diligências achadas convenientes para a instrução. Ao mesmo tempo, deposita no órgão competente o dever de procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão, para o que permite o socorro de todos os meios de prova admitidos em direito (art. 86º, n.1, CPA).
Do mesmo modo, sem prejuízo do ónus de prova que sobre o particular impende (art. 87º, CPA), também o órgão que dirigir a instrução pode determinar aos interessados que prestem novas informações ou apresentem diferentes provas (art. 88º, CPA).
Tudo isto revela que o procedimento não realiza somente interesses públicos, mas salvaguarda ainda interesses particulares numa harmoniosa cumplicidade.
No caso concreto, a interessada recorrente fez o que devia. Além do requerimento, juntou documentos comprovativos das suas habilitações literárias. E notificada para juntar elementos adicionais, fê-lo quase imediatamente. E outra vez notificada quase dois anos depois para nova junção de elementos complementares, de novo cumpriu o dever, apresentando aqueles que lhe foi possível obter e explicando não poder satisfazer o que lhe era pedido por outra via com uma justificação absolutamente plausível: a de que a entidade referida na notificação não efectuava a certificação de habilitações do ensino secundário, mas simplesmente do ensino superior e que o Centro de Autenticação de Habilitações Académicas do departamento de Educação da Província de Guandong só tratava dos assuntos de habilitações académicas das pessoas de Guandong. Ou seja, cumpriu o seu dever, até onde lhe era possível.
Assim sendo, não se pode dizer que o processo ficou parado por sua culpa. Se o IPIM tentou contactar a recorrente pela via telefónica (facto 9), e se não foi bem sucedida, deveria, como é, aliás, regra no procedimento administrativo, proceder à notificação por via postal para o endereço de que dispunha no procedimento e para o qual, de resto, já havia anteriormente feito outra comunicação.
Quer isto dizer que a entidade em apreço não fez tudo o que podia, nem o que devia, face aos elementos disponíveis.
E assim sendo, não se pode de maneira nenhuma afirmar que o processo não teve desenvolvimento durante seis meses por inércia total da recorrente. Esta cumpriu o seu dever instrutório e, se não juntou o elemento que a entidade em causa julgava essencial, disse por que o não fazia. O IPIM, poderia ter novamente contactado a recorrente dizendo-lhe o motivo da não-aceitação da justificação por ela dada ou tentado comprovar a afirmação feita por ela junto da entidade chinesa em apreço, directamente ou indirectamente através dos canais próprios. Se achava que nada disso lhe era possível fazer, deveria ter decidido de acordo com os elementos reunidos no processo.
Mas, a verdade é que, se o procedimento não esteve parado por causa imputável à recorrente, também não podia ser extinto com tal fundamento. A consequência desta conclusão será a anulação do despacho em crise, obrigando à retoma do curso normal do procedimento até à prolação de uma decisão final sobre o pedido de autorização de residência.
Eis a razão pela qual, sufragando a tese da recorrente (de ter havido violação do disposto no art. 103º, n.2, al. al.a), do CPA) ou abraçando a do Ministério Público (segundo a qual o caso seria traduzido em erro nos pressupostos de facto), a solução sancionatória para esta invalidade é exactamente a mesma, prejudicando a apreciação dos restantes dois vícios.
***
IV- Decisão
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e anular o despacho impugnado.
Sem custas.
Macau, 17 de Fevereiro de 2011.
_________________________ _________________________
Vitor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
(Presente) (Relator)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)