Recurso n.º 99/2011
Data : 24 de Fevereiro de 2011
Assuntos: - Suspensão de eficácia
- Acto de conteúdo negativo
SUMÁRIO
1. Suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo, ou, quando se encontrar um acto negativo contendo no entanto vertente positiva.
2. Perante um pedido de um acto de conteúdo negativo, deve ser sempre analisado caso a caso para se determinar se se trata de um acto negativo puro ou se coexistem efeitos secundários positivos.
3. In casu, o pedido que pretendem fazer suspender a execução do acto de adjudicação, após o concurso público em que os requerentes também participaram, do Contrato de Fornecimento do “Sistema e Material Circulante Para a 1ª Fase do Metro Ligeiro de Macau” à outra empresa, não poder ser deferi do por tratar-se de um acto de conteúdo negativo sem conter vertente positiva.
O Relator,
Choi Mou Pan
Processo n.º 99/2011
Requerentes: A (Holdings) USA INC.
China B Corporation
Requerida: Chefe do Executivo da R.A.E.M.
Contra-Interessada: Companhia C Industries, Ltd.
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A (Holdings) USA INC., sociedade constituída nos termos das leis do Estado de Delaware e com sede social em 1501 ….. Road, ….., Pennsylvania ……, por si e na qualidade de líder e representante do Consórcio XXXXX Consortium (doravante “o Requerente”), vem, nos termos dos arts. 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei No. 110/99/M (“CPAC”) requerer Providência Cautelar para Suspensão de Eficácia do Acto de Adjudicação do Contrato de Fornecimento do “Sistema e Material Circulante Para a 1ª Fase do Metro Ligeiro de Macau” o que faz como preliminar de um recurso contencioso de anulação do acto administrativo pelo qual foi ordenada a adjudicação do Contrato de Fornecimento do “Sistema e Material Circulante Para a 1ª Fase do Metro Ligeiro de Macau” à empresa C Industries, Ltd., no qual pretende cumular o pedido de condenação à prática de acto legalmente devido de adjudicação do contrato ao ora Requerente contra o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau.
Citada a entidade recorrida, esta respondeu, alegando que:
1. Quaisquer vícios que se pretendam vir a atribuir ao acto suspendendo não podem ser apreciados nesta sede, de suspensão de eficácia do acto, o que obsta a que o Tribunal deles possa conhecer.
2. Os requisitos de cumprimento obrigatório a que referem as alíneas a) e b) do nº 1 do artº 121º do CPAC, não se encontram verificados.
3. “In casu” a expectativa do Requerente que lhe viesse a ser adjudicado o Contrato trata-se, para todos os efeitos, de um interesse meramente hipotético e eventual, e, por essa razão, este não consegue cumprir o ónus, que sobre si recai, de demonstrar que os alegados prejuízos sejam de difícil reparação e que decorram de forma directa a necessária da execução do acto de Adjudicação do Contrato.
Todavia, em sentido inverso, é notório que,
4. A suspensão da eficácia do acto de adjudicação do Contrato comprometeria irreparavelmente o Interesse Público, concretamente, prosseguido pelo mesmo, e assim, também não se encontra verificada a hipótese prevista na segunda parte do nº 4 do artigo 121º do CPAC.
5. E, nessa medida, inverificada que está a satisfação dos requisitos cumulativos plasmados do nº 1 do artº 121º do CPAC, mormente os constantes nas alíneas a) e b) deste normativo, deverá ser indeferida a pretensão de suspensão da eficácia do acto de adjudicação do Contrato de Fornecimento do “Sistema e Material Circulante para a 1ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau”, formulada pelo Requerente.
Pois,
6. Caso contrário, produzir-se-á uma grave e irreparável lesão no Interesse Público, não só ao nível económico e financeiro atento, nomeadamente, os gastos já despendidos pelo Governo da RAEM na prossecução da implementação do Sistema de Metro Ligeiro de Macau, e os lucros cessantes decorrentes da ineficiente integração da RAEM com as demais regiões do Delta do Rio das Pérolas, mas, ao nível da própria melhoria da qualidade de vida da População da RAEM e do bem-estar dos seus visitantes. Sendo estes valores superiores a qualquer interesse que o Requerente possa querer alegar.
Assim face a todo o acima, deverá ser considerado improcedente o pedido se Suspensão de Eficácia do Acto.
Foi citada a contra-interessada, a Companhia C Industries, Ltd., esta apresentou a sua contestação, entendendo que deverá o presente pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo de adjudicação, apresentado pela Requerente, ser declarado totalmente improcedente porquanto:
a) não se verifica o requisito previsto na alínea a) do art. 121º, nº 1, do CPAC, uma vez que a execução imediata do referido acto administrativo não implica prejuízos para a Requerente de difícil reparação;
Sem prejuízo, e mesmo que assim não se entenda,
b) i. não se verifica o requisito previsto na alínea b) do art. 121º, nº 1, do CPAC, uma vez que a suspensão da eficácia do acto administrativo provoca grave lesão do interesse público;
ii. de igual modo, não se verifica a excepção previsto no nº 4doart. 121º do CPAC, uma vez que os eventuais prejuízos para a Requerente não são desproporcionadamente superiores aos prejuízos que se verificam para o interesse público da RAEM;
iii. a acrescer, encontra-se verificado o requisito previsto no nº 5 do art. 121º do CPAC, uma vez que os prejuízos para a Contra-Interessada serão superiores e de mais difícil reparação do que os eventuais prejuízos da Requerente;
Sem prejuízo, e mesmo que assim não se entenda,
c) não se verifica o requisito previsto na alínea c) do art. 121º, nº 1, do CPAC, pois resulta do processo a manifesta ilegalidade do recurso, dada a falta de legitimidade da Requerente.
- Do Requerimento apresentado pela Requerente em 07.02.2011, do qual a Contra-Interessada foi notificada por carta expedida na mesma data.
O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou douto parecer de que se transcreve o seguinte:
Vem “A (Holdings) USA INC.”, por si e na qualidade de líder do consórcio “XXXXX Consortium” requerer a suspensão de eficácia do acto de Chefe do Executivo de 19/11/10 que, na sequência do concurso público internacional respectivo, ordenou a adjudicação do contrato de fornecimento do “Sistema e Material Circulante para a 1ª Fase do Sistema do Metro Ligeiro de Macau” à contra interessada “C Industries, Ltd”, sendo que no concurso que visou a adjudicação do referido contrato participou, para além da requerente e contra interessada referida, o consórcio “XXXXX – CCECC-Consortium”.
Uma primeira nota, a nosso ver decisiva, sobre a pretensão formulada, não poderá deixar de reportar-se à natureza do acto suspendendo.
Fazendo uso das nossas próprias considerações expendidas no âmbito do proc. 82-2010/A, que correu termos por este Tribunal, pretende a recorrente que, considerando-se que a não admissão ou exclusão de um candidato a concurso como um “facere” relativamente a interessado que detinha legítima expectativa de nesse concurso participar, apresentando, pois, o acto de exclusão uma vertente positiva, “com muito maior razão se dirá que constitui um “facere” o acto adjudicatório desfavorável que retira um concorrente do concurso onde já havia sido admitido e o faz, para além do mais, com ablacção da sua legítima expectativa de ver a sua proposta analisada e avaliada de acordo com os critérios legais e concursais, que, na opinião do ora Requerente, a levariam a beneficiar da adjudicação”.
Com a rectificação devida de que a requerente não foi “retirada” do concurso em questão, apenas sucedendo que, na sequência desse concurso e, após analisada, ponderada e avaliada a sua proposta, bem como as restantes, se entendeu adjudicar o serviço em questão a uma outra concorrente, não vemos que lhe assista razão, no específico.
O acto de exclusão de um candidato de um concurso público não se reconduz a uma mera “passividade” da Administração relativamente a ele, mas sim a um afastamento específico do candidato, introduzindo-se uma alteração na sua situação jurídica, fazendo extinguir a sua qualidade de candidato, com ablacção da sua legítima expectativa de ver apreciada a sua proposta, detendo, pois, tal tipo de acto uma vertente positiva, sendo admissível, em sede de suspensão da sua eficácia, uma injunção à entidade administrativa no sentido de restaurar a situação que existia anteriormente à prolacção do acto, tendo como consequência directa e imediata o facto de o requerente poder ser admitido a concurso até à decisão final no recurso contencioso.
Importa, porém, realçar que, no caso, nos não deparamos com qualquer exclusão de admissão ao concurso, mas sim, após admissão do requerente ao mesmo e cumpridas as respectivas formalidades até final, ter o serviço público em causa sido adjudicado a um outro concorrente.
Neste contexto, vê-se que do acto suspendendo não decorrem efeitos acessórios ou secundários de carácter ablativo de bem jurídico preexistente, sendo que a suspensão de eficácia do mesmo deixaria o requerente na mesma situação em que se encontrava antes da sua prática, já que o eventual deferimento do pedido nunca poderia valer como ordem ou injunção de adjudicação do serviço àquele, o mesmo é dizer, não produziria, quanto a ele, quaisquer efeitos jurídicos.
Deparamo-nos, pois, face a acto de conteúdo negativo, que deixou intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um “status” anterior, tratando-se de um acto “neutro” em que nada se adquire ou se perde, sendo que, relativamente a tal tipo de actos, se tem uniformemente entendido não serem os mesmos susceptíveis de suspensão de eficácia, quer por que tal poderia ser entendido como usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, quer porque dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, designadamente o afastamento das situações danosas caracterizadas na al. a) do art. 121º CPAC, já que, tratando-se de concurso público internacional aberto aos interessados, não pode a requerente, invocando expectativas legítimas de adjudicação e repousando numa previsão de decisão favorável no concurso, com as características do presente, considerar o resultado “negativo” do mesmo como causa adequada dos prejuízos que alega (cfr, neste sentido, entre outros, ac. do STA de Portugal de 30/3/95, in proc, 37.335, aqui citado a nível puramente doutrinal).
Na verdade, perante o eventual deferimento da suspensão de eficácia, assistir-se-ia, pura e simplesmente, à suspensão da adjudicação do serviço público em questão, sem qualquer relevo na condição específica do requerente, que se manteria exactamente na mesma situação que anteriormente detinha, como candidato admitido a concurso cuja proposta se mostra escrutinada e valorada.
Nada mais.
E, quando, no nosso entendimento relatado pela requerente, advogamos a utilidade da suspensão quando da mesma puder advir para o interessado alguma utilidade “a ponto de o requerente ir obtendo algum ganho até à decisão em definitivo da questão no recurso contencioso”, reportávamo-nos, como frisámos de seguida, designadamente aos casos de recusa de admissão a concursos em que, como se adiantou já, como consequência directa e imediata do eventual deferimento da suspensão, se imporia para a Administração a injunção traduzida numa execução material : a admissão do candidato excluído a concurso, até decisão final do recurso contencioso, mal se vendo, no caso, que injunção específica relativa à requerente poderia resultar para a Administração em consequência de eventual deferimento do meio preventivo agora requerido.
É claro que, como a própria refere, a requerente detém a “...legítima expectativa de ver a sua proposta analisada e avaliada de acordo com os critérios legais e concursais”.
Convirá é não esquecer que, por um lado, o acto, constituindo uma opção na escolha das propostas apresentadas, decorre já dessa análise e ponderação e, por outro, se tal opção atropelou, por qualquer forma, as regras concursais e legais será matéria a escrutinar no domínio do recurso contencioso, que não no presente meio preventivo.
Tudo razões que nos impelem à consideração de que, por deter o acto relativamente ao requerente conteúdo puramente negativo, será de indeferir a pretensão formulada, nos termos do artº 120º, CPAC.
Revelam os seguintes elementos pertinentes para a decisão da causa:
- O Requerente é um consórcio externo composto por duas empresas internacionais, a saber:
A (Holdings) Usa Inc., que tem como actividade principal concepção, produção e fornecimento de veículos ferroviários e de aviação; e China B Corporation, que tem como actividade principal a prestação de serviços de construção e consultadoria de infra-estruturas, designadamente de estradas, pontes, túneis e infra-estruturas de transportes, conforme Declaração apresentada pelo Requerente ao Governo da RAEM para efeitos do Concurso.
- O Requerente apresentou a sua proposta, a qual foi admitida, e participou, como “Concorrente No 3”, no “Concurso Público Internacional para o Fornecimento do “Sistema e Material Circulante para a 1ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau” (doravante “o Concurso), promovido pelo Governo da Região Administrativa Especial de Macau (“RAEM”), nomeadamente pelo Gabinete para as Infra-Estruturas de Transportes (doravante ”GT”).
- Para além do Recorrente e da C foi também admitido a concurso o consórcio XXXXX – CCECC CONSORTIUM.
- O Concurso visou a adjudicação do Contrato de Fornecimento do “Sistema e Manuel Circulante Para a 1ª Fase do Metro Ligeiro de Macau” (doravante “o Contrato”), que prevê o fornecimento de bens e serviços por parte do adjudicatário ``a RAEM durante um período de 49 meses, contados desde a sua assinatura, bens e serviços esses pelos quais a RAEM se propõe pagar o valor de MOP$4,688.000.000.00 (Quatro Biliões, Seiscentos e Oitenta e Oito Milhões de Patacas)1, conforme indicado pelo próprio GIT no comunicado disponível em http://www.git.gov.mo/pt/news_detail.aspx?a_id=100145
- Tendo o Concurso corrido os seus termos, foi emitido o despacho do Chefe do Executivo da RAEM de 19 de Novembro de 2010, aposto sobre a Inf. – Proposta No. 018/COR/GIT/10, de 8 de Novembro de 2010, pelo qual a Entidade Requerida ordenou a adjudicação do Contrato (doravante a “Adjudicação”) à empresa C Industries Ltd. (doravante “C”), conforme indicado pela Carta No. 0047/ET/2011, de 7 de Janeiro de 2011.
- Sendo o ora Requerente um dos concorrentes do Concurso, foi notificado da Adjudicação pelo GIT, nos termos e para os efeitos do disposto do disposto no No. 3 do Artigo 41º do Decreto-Lei No.63/85/M, de 06 de Julho, conforme o referido Doc. No. 3 embora sem que dessa notificação constasse, nomeadamente, a fundamentação do referido despacho.
- Nessa carta, a Requerente foi informada da Adjudicação à C, sendo fixado prazo de 60 dias à Requerente para – querendo – recorrer contenciosamente da Adjudicação.
- Foi o seguinte o acto de Adjudicação:
“Aprovação da Minuta do Contrato de Fornecimento do “Sistema e Material Circulante para a 1ª Ease do Sistema de Metro Ligeiro de Macau”:
1. Como é do superior conhecimento de V. Exa., no passado dia 8 de Novembro de 2010, submetemos à consideração superior, a Informação-Proposta nº 018/COR/GIT/10, de 8 de Novembro de 2010, relativa à Adjudicação Condicionada à Aceitação da Minuta do Contrato de Fornecimento do Sistema e Material Circulante para a 1ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau (Contrato), à empresa C Industries, Ltd., concorrente que se classificou em 1º lugar, e à qual anexámos as versões, do mesmo Contrato, em língua portuguesa e em língua chinesa, com a advertência que esta última se tratava duma tradução da versão em português.
2. Presentemente, volvidos 28 (vinte e oito) dias, sobre a data daquela submissão, tivemos a oportunidade para desenvolvermos e aprimorarmos a, respectiva, versão do documento em língua chinesa, bem como, nomeadamente, através do cotejo das, respectivas, versões linguísticas permitiu-nos, também proceder a alguns aperfeiçoamentos, sendo os mais significativos ao nível do conteúdo os abaixo indicados:
“---Cláusula Décima Segunda – (Adiantamentos):----------------------
---Um. Decorridos 3 (três) meses a contar da assinatura do presente Contrato será pago ao Adjudicatário a quantia de $... … … …”, em vez de: “--- Um. No prazo de 3 (três) meses a contar da assinatura será pago ao Adjudicatário a quantia de $(…)”.
“---Cláusula Trigésima Nona – (Rescisão Sancionatória):--------------
---Três. A Entidade Adjudicante arroga-se no direito de convolar a sanção de rescisão do contrato em sanção de multa, no valor da caução prevista no número um da cláusula décima quarta, do presente Contrato, acrescida dos montantes retidos para reforço da caução, caso seja mais conveniente à prossecução do interesse público.”, em vez de mera referência à “garantia bancária”. Sendo que, a mesma alteração foi operada no parágrafo único da Cláusula Quadragésima – (Efeitos da Rescisão Sancionatória).
3. Assim, vimos, por este meio, apresentar à consideração superior de V. Exa., as duas versões linguísticas oficiais da Minuta do Contrato, a fim de serem submetidas, para os devidos efeitos, à aprovação superior de Sua Excelência o Chefe do Executivo.
À consideração superior de V. Exa.
“意見:
尊敬的 行政長官閣下:
本人同意GIT之建議,謹請 行政長官閣下審批及核准附件之合同擬本。
運輸工務司司長
XXX
10.12.2010”
“批示:
閱,核准合同擬本,並同意建議第2點。
17/12/2010”
Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo posto, a proporcionalidade.2
Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.3
Dispõe o artigo 120º:
“Artigo 120º
(Suspensão de eficácia de actos administrativos)
A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
Antes de demais, como se vê, a suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo, ou, quando se encontrar um acto negativo contendo no entanto vertente positivo.
Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 4
Há três exemplos típicos destes actos negativos: a omissão de um comportamento devido, o silêncio perante um pedido apresentado à Administração por um particular, e o indeferimento expresso ou tácito duma pretensão apresentada. E a destruição de um acto negativo implica a necessidade de praticar os actos positivos que por lei deviam ter sido praticados e não foram (é o chamado dever de praticar o contrarius actus).5
Razão por que só os actos positivos é que podem ser objecto da suspensão de eficácia e os actos de conteúdo negativo podem ser objecto de dita suspensão desde que contiver vertente positiva e a suspensão só se cinge nesta vertente (al. b. do artigo 120º do CPAC).
Assim, perante um pedido de um acto de conteúdo negativo, deve ser sempre analisado caso a caso para se determinar se se trata de um acto negativo puro ou se coexistem efeitos secundários positivos.
De um modo geral, apontam-se vários requisitos necessários para que uma situação de facto, anteriormente existente à prática de um acto negativo, possa ser objecto de suspensão:6
1. Só podem relevar situações de facto pré-existente que se tenham constituído ou se mantenham à sombra da ordem judicial;
2. O requerente deve poder suscitar uma vocação ou expectativa de alguma forma reconhecida ou protegida com vista à manutenção da situação;
3. A modificação da situação de facto em causa deve ser uma consequência imediata e necessária do acto negativo; e
4. A suspensão da eficácia do acto negativo traduz-se apenas na paralisação, a título provisório, dos efeitos ablativos e, em determinadas condições, na salvaguarda do efeito prático do recurso, ou da utilidade da sentença.
Embora se admita que a decisão que indeferiu uma pretensão, para além do seu efeito típico principal, pode ter ligado a um efeito secundário, ou acessório, que modifica a situação jurídica e de facto preexistente, que se mantivera antes, sendo essa modificação uma consequência imediata e necessária do acto negativo,7 nada vier a alterar-se as suas respectivas situações jurídicas anteriormente existentes e a suspensão da eficácia também não lhe viria a alterar as situações preexistentes.
Pois, a suspensão de eficácia de um acto administrativo traduz-se, aí, tão somente, na paralisação provisória dos efeitos ablativos do acto, aguardando-se que o recurso contencioso conheça da sua legalidade intrínseca, ou seja, tratando-se de um provisório "congelamento" da situação, de uma conservação da res integra, como é típico das medidas cautelares, visando assegurar que a sentença de mérito a proferir possa ter eficácia prática.
Já não teria potencialidade para determinar, ela mesma, a produção dos efeitos jurídicos negados ao administrado com a prática do acto suspendendo, pelo que do decretamento da suspensão da eficácia não poderia resultar para o requerente qualquer efeito útil, ou melhor, algum prejuízo (muito menos de difícil reparação) para a sua esfera jurídica.
In casu,, os consórcios ora requerentes pretendem fazer suspender a execução do acto de adjudicação, após o concurso público em que os requerentes também participaram, do Contrato de Fornecimento do “Sistema e Material Circulante Para a 1ª Fase do Metro Ligeiro de Macau” à empresa C Industries, Ltd..
Não se trata o objecto suspendendo de uma exclusão da sua candidatura e de consequente quebra da sua legítima expectativa de poder participar no concurso, mas sim uma decisão final tomada no concurso legalmente procedido, neste caso, o acto não podia deixar de ser, para os requerentes, puramente negativo, por não alterar a sua esfera jurídica preexistente, porque isto é o sentido de insusceptibilidade da suspensão de eficácia deste tipo de acto.8
Do demais, concordando totalmente com o douto parecer do Ministério Público, e, sem mais fundamentos alongados, impõe-se a indeferir a requerida suspensão.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em indeferir a suspensão da eficácia do acto de adjudicação do contrato de Fornecimento do “Sistema e Material Circulante Para a 1ª Fase do Metro Ligeiro de Macau” à empresa C Industries, Ltd..
Fixa-se a taxa de justiça, cada um, em 10 UC’s, a cargo dos requerentes.
RAEM, aos 24 de Fevereiro de 2011
Choi Mou Pan Presente
(Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Tratando-se de um concurso público sem preço base, o valor do contrato é neste momento aferido pelo valor da proposta apresentada pela C sobre a qual recai o presente requerimento e recairá o recurso contencioso.
2Acórdão do TSI do processo 30/ 00/ A.
3 Prevê o Artigo 121º (Legitimidade e requisitos) que:
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessa-dos façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
4 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
5 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
6Maria Fernanda dos Santos Maçãs, A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva, in Boletim da Faculdade de Direito de Universidade de Ciombra, Stvdia Ivridica, 22º, 1996, p. 85.
7Cfr., a propósito, Drs. Cláudio Monteiro, “Suspensão de Eficácia dos Actos Administrativos de Conteúdo Negativo” ed. A.A.F.D.L. 1990, e Pedro Machete, “Suspensão Jurisdicional da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional do Tutela Efectiva, 45-107). Neste sentido também o Acórdão deste TSI de 21 de Fevereiro de 2002 do Processo nº 190/2001/A
8 Decidiu neste sentido o Acórdão do STA de Portugal de 19 de Fevereiro de 2003, também neste sentido o Acórdão do TSJ de 16 de Nov. de 1999, do Processo nº 1240.
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TSI-99/2011 Página 1