Processo nº 640/2010/A
(Autos de suspensão de eficácia)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (A), com os restantes sinais dos autos, veio requerer a suspensão de eficácia do despacho do EXM.° CHEFE DO EXECUTIVO de 08.06.2010 com o qual foi ordenada a desocupação de um terreno situado em frente ao Posto de Iluminação nº XXXC14 da “Povoação de Hac Sá”, em Coloane, e a demolição da construção aí existente.
No seu pedido, formulou as seguintes conclusões:
“1.° A recorrente apresentou em 23/07/2010, perante o Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M., recurso contencioso de anulação do acto supra referido.
2.° Neste recurso, além de invocar, violação de lei, a recorrente refere que irá intentar acção judicial "em que pedirá aquisição do terreno por usucapião ou, em alternativa, a aquisição do mesmo por acessão industrial imobiliária".
3.° Mais referiu a recorrente que vive no local referido no edital um " ... prédio de estrutura em betão armado e paredes em alvenaria de tijolo", o qual a administração da R.A.E.M., pelo acto em apreço, pretende ver "demolido e despejado ".
Ora sucede que,
4.° Ontem, dia 21 de Outubro de 2010, quando a recorrente chegou à R.A.E.M., provinda do exterior e se preparava para regressar a casa, deparou com grande aparato policial e de maquinaria, naquele local;
5.° Tendo constatado que elementos da D.S.S.O.P.T. se preparavam para iniciar a demolição daquele prédio onde reside;
6.° O que aconteceu, parcialmente.
7.° Contudo, já em 02/08/2010, a recorrente havia informado a D.S.S.O.P.T., através do documento que se anexa (doc. n° 1), que havia interposto recurso contencioso de anulação daquele acto;
8.° Requerendo expressamente que não fossem tomadas "medidas irremediáveis ... até que seja proferida decisão judicial com trânsito em julgado ".
Ora,
9.° Está em causa o direito à habitação da recorrente, o valor investido naquele prédio ali construído e todos os seus pertences que no local se encontram.
10.° Mandaria, salvo o devido respeito, o bom senso que a D.S.S.O.P.T. tivesse, no mínimo, informado a recorrente - perfeitamente identificada nos autos - que se preparava para executar a demolição da construção ali levada o efeito;
11.° O que não aconteceu.
12.° O prosseguimento da demolição em causa acarretará para a recorrente prejuízos incalculáveis, além do que colide frontalmente com o seu direito à habitação.
13.° Estão, pois, reunidos os requisitos previstos no art.° 120° e 121 ° do C.P.A.C.; e
14.° A requerente tem legitimidade para o efeito.”
Pede assim “a imediata suspensão do acto em apreço”; (cfr., fls. 2 a 4).
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Citada, e invocando o estatuído no art. 126°, n° 2 do C.P.A.C., veio a entidade recorrida afirmar, em síntese, que “considera que a não execução imediata do acto recorrido – desocupação do terreno, prejudicará gravemente o interesse público, pelo que se deve continuar a execução da respectiva ordem”; (cfr., fls. 11 a 20 e 63 a 78).
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Notificada a recorrente do supra referido expediente, nada veio a mesma dizer.
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Oportunamente, em contestação, alegou a entidade requerida o que segue:
“(1) O requerente tinha interposto antes recurso contencioso contra o acto administrativo em causa e, em consequência, o Chefe do Executivo, através do seu mandatário, apresentou, em 27 de Setembro do corrente ano, a contestação perante o V. Tribunal.
(2) Segundo o certificado emitido em 22 de Abril de 2010 pela Conservatória de Registo Predial, confirma-se que o terreno ocupado pelo requerente não foi registado em nome de pessoa particular (pessoa singular ou colectiva), pelo que, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M., o terreno em causa é propriedade do Estado.
(3) O requerente não possui qualquer documento comprovativo com eficácia jurídica para apurar que lhe tenha sido autorizada a ocupação do terreno em causa, pelo que esse acto de ocupação é ilegal.
(4) Nos termos do art.º 41º, al. o) da Lei de Terras, o Chefe do Executivo proferiu despacho em 8 de Junho de 2010, exarado na informação/proposta n.º 3299/DURDEP/2010, segundo a qual foi ordenado ao ocupante que proceda, no prazo de 30 dias, à desocupação do referido terreno, à demolição e ao despejo da construção ilegal, removendo os objectos, materiais e equipamentos nele depositados, bem como proceda à entrega do terreno ao Governo.
(5) Na sequência do aludido acto administrativo, o Órgão Administrativo notificou, nos termos da lei, a ocupantes não identificados através do edital n.º 157/E/2010 (na dada altura o Órgão Administrativo não sabia quem eram os interessados que deviam ser notificados no processo de desocupação do terreno), que foi fixado no terreno em causa; conforme o ponto 7 do referido edital: “Por força do art.º 139º do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se a todos os indivíduos acima indicados de que se não executarem a ordem referida no ponto 5, esta Direcção dos Serviços irá executar a aludida ordem, juntamente com outras entidades públicas e com a colaboração dos guardas do C.P.S.P., desde o término do tal prazo de 30 dias, (…)” (vide pp. 197, 198 e 207 do processo administrativo), pelo que, o facto indicado no ponto 11 do requerimento do requerente não é verdade.
(6) Quanto ao teor do ponto 2 do requerimento do requerente, tal como foi referido na contestação que foi apresentada pelo requerido, em 27 de Setembro do corrente ano, a V. Tribunal, o acto administrativo em causa não é ilegal e, além disso, após o estabelecimento da R.A.E.M., ninguém pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares dos terrenos estatais através de decisão judicial.
(7) Nos termos do art.º 121º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, a suspensão de eficácia dos actos administrativos é concedida quando se verifiquem os seguintes três requisitos:
“a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.”
(8) Todavia, in casu, o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo apresentado pelo requerente não reúne o requisito previsto no art.º 121º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, uma vez que essa suspensão determina grave lesão do interesse público.
(9) O acto administrativo indicado no ponto 4 consiste em ordenar ao ocupante que proceda à desocupação e à entrega da grande porção do terreno do Estado que foi ilegalmente ocupado pelo mesmo, para que:
- O Governo possa gerir eficientemente o terreno e, conforme o desenvolvimento da sociedade, usá-lo de forma tempestiva e razoável, a fim de prosseguir o interesse público;
- Se revele ao público que a lei reage quando existir o acto de ocupação ilegal do terreno público.
(10) In casu, o requerente não só ocupou ilegalmente o terreno do Estado, mas também instalou o muro de vedação/tapume na fronteira daquele terreno sem licença de obras, bem como construiu lá um prédio com betão armado, vara de aço e paredes de tijolos (a dita habitação do requerente).
(11) Todavia, segundo as informações constantes do processo administrativo, em 5 de Novembro de 2009, no decurso do exercício de funções, os fiscais da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes detectaram que alguém estava a vedar ilegalmente o terreno ilegalmente ocupado com paredes de tijolos, mas, na dada altura, ainda não se encontrava lá a dita habitação do requerente (vide pp. 3 a 7 do processo administrativo). Pelas referidas informações do processo administrativo, verifica-se que a habitação construída pelo requerente é uma nova edificação, e que as obras de construção foram realizadas de forma a negligenciar absolutamente a lei, já que:
- Em 19 de Janeiro de 2010, o pessoal da DSSOPT detectou que no terreno supra referenciado se encontrava em obras de fixação de placas e de vigas de ferro, e, em 28 do mesmo mês, detectou que no mesmo terreno se encontrava em obras de construção de uma edificação com betão armado e vara de aço, consequentemente, o Subdirector da DSSOPT proferiu a ordem de proibição da execução de obras no dia 4 de Fevereiro do mesmo ano e, logo no dia posterior a este, o pessoal daquela Direcção fixou a referida ordem na entrada do terreno em apreço; (vide pp. 14, 15, 17, 18, 21, 22, 31, 32 e 33 do processo administrativo)
- Contudo, em 3 de Março de 2010, o pessoal da DSSOPT detectou que os empregados de obras ainda estavam a levantar as paredes das divisões da referida edificação e, nestas circunstâncias, o pessoal daquela Direcção exigiu-lhes que cessassem as referidas obras, mas os empregados não lhe ligaram e continuaram a execução das obras; (vide pp. 36 e 37 do processo administrativo)
- Mais, em 19 de Março do mesmo ano, ao efectuar a fiscalização periódica às obras ilegais em Coloane, o pessoal da DSSOPT detectou que foram concluídas as obras da fixação de betão armado e de vara de aço, bem como as do reboco das paredes externas da aludida edificação, além disso, iniciaram-se as obras da montagem do telhado e do levantamento das paredes das divisões internas da edificação, pelo que, o pessoal da referida Direcção exigiu-lhes que cessassem as obras, mas não lhe ligaram e continuaram a execução das obras; (vide pp. 57 a 61 do processo administrativo)
- Posteriormente, em 24 de Março do mesmo ano, o pessoal da DSSOPT, juntamente com os trabalhadores da Companhia de Electricidade de Macau, S.A., do Corpo de Polícia de Segurança Pública e do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, realizaram a operação de “combate ao uso ilegal da electricidade” no aludido terreno. Nesta operação, o pessoal da CEM conseguiu cortar todos os cabos eléctricos encontrados naquele terreno que foram dispostos ao uso ilegal da electricidade, bem como destruiu a caixa fornecedora da electricidade. Contudo, após a referida operação, continuou-se a execução das respectivas obras ilegais, mesmo que o pessoal da DSSOPT, com a colaboração do CPSP, tivesse procedido, em 29 de Abril do mesmo ano, à vedação da aludida edificação com fitas plásticas. Não se deixaram de executar as referidas obras, mesmo que a DSSOPT levantasse o processo de desocupação do terreno e pelo qual, em 6 de Maio do mesmo ano, colocasse o anúncio nos jornais chinês e português e fixasse o edital no terreno em causa (a fim de notificar ao ocupante ilegal do terreno para apresentar, no prazo indicado, a sua opinião escrita). (vide pp. 48 a 50, 68 a 70, 86 a 87, 91 a 94, 107 a 109, 128, 133 a 134 e 208 do processo administrativo)
(12) Nos termos do art.º 136º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, caso o prazo indicado no ponto 4 for expirado e o respectivo terreno ainda estiver indevidamente ocupado, a Administração tem o poder de executar a aludida ordem de desocupação do terreno.
(13) Assim sendo, a Administração deve executar oficiosa e imediatamente a ordem de desocupação do terreno, a fim de retomar, breve e legalmente, a gerência deste, evitando a futura ocupação ilegal do mesmo.
(14) Ao abrigo do art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M., o Governo desta Região é responsável pela gestão do referido terreno, por isso, a suspensão de execução do referido acto administrativo causaria a continuação da ocupação ilegal do solo do Estado, fazendo com que o Governo da R.A.E.M. não consiga gerir eficientemente o terreno e, em consequência, ficaria gravemente prejudicado o interesse público.
(15) A reivindicação dos terrenos ocupados permite que o Governo os use, conforme o desenvolvimento da sociedade, de forma tempestiva e razoável, por isso, a suspensão de execução do referido acto administrativo provocaria a continuação de ocupação ilegal e prolongada dos terrenos (durante o período do procedimento jurídico duradouro) ou, pelo menos, esta situação seria prolongada até o momento em que o tribunal profira a sentença final perante o pedido da suspensão de eficácia do acto administrativo, impedindo o uso dos terrenos de forma razoável e em conformidade com as necessidades públicas, daí fazendo com que os membros da sociedade considerem que é permissível ou tolerável a ocupação ilegal do solo do Estado por um determinado período de tempo. Os terrenos ilegalmente ocupados têm uma área bastante vasta, por isso, provocou “grave prejuízo” ao interesse público, sendo tão grave que dificulte o cálculo do prejuízo. A par disso, segundo o acórdão n.º 190/2010/A do T.S.I.: “(…) a duração do período de ocupação ilegal dos terrenos públicos e de alteração do seu original relevo não deve ser considerada como factor de atenuação da gravidade do prejuízo causado ao interesse público. Por senso comum, quanto mais longo for o período de ocupação ilegal dos terrenos públicos e de alteração do seu original relevo, mais grave é o prejuízo causado pelo transgressor ao interesse público, pelo que, os casos mais antigos devem ser resolvidos urgentemente. Ora, se a Administração não executar imediatamente a ordem executiva em causa, o interesse público prosseguido pela ordem de desocupação do terreno seria gravemente prejudicado.”
(16) Além disso, uma das funções da lei é a “prevenção geral”, isto manifesta-se especialmente na sanção aplicada nos casos da violação da norma proibitiva, independentemente do aspecto administrativo ou penal, cuja finalidade é mostrar aos membros da sociedade que a lei reage se se verificar a violação da norma proibitiva. As normas proibitivas administrativas ou penais são sempre dispostas à protecção de um ou mais interesses públicos. Além de estabelecer sanção para os casos da violação das respectivas normas proibitivas, o legislador fixa também medidas para prevenirem ou impedirem que o acto ilegal prejudique ou continue a prejudicar o interesse público que as normas proibitivas pretendem proteger. Ocorre-se neste caso a situação acima referida, quanto à proibição de ocupação ilegal do terreno público, não só se estabelece sanção (nota: art.º 191º da Lei de Terras), mas também se permite que o Órgão Administrativo ordene a desocupação do terreno nos termos da lei. Assim sendo, se se permitir a “suspensão de execução da referida decisão administrativa”, implica-se que se permite que o requerente continue a ocupar publicamente o terreno público sem título legalmente válido. Indubitavelmente, isto pode influenciar os membros da sociedade, fazendo com que os mesmos considerem que é “permissível” ou “tolerável” a ocupação ilegal do solo estatal por um determinado período de tempo, daí resultando, inevitavelmente, a ocorrência de mais actos de ocupação ilegal do terreno, com a intenção de obter interesse indevido no curto período de tempo, mediante a ocupação do terreno público, impedindo assim o Governo da R.A.E.M. a gerir eficientemente o solo estatal e usá-lo tempestivamente para acompanhar o desenvolvimento da sociedade.
(17) Apontou-se na conclusão do acórdão n.º 32/2005 do T.U.I., publicado na II Série do Boletim Oficial da R.A.E.M. de 2 de Agosto de 2006 o seguinte: “Os terrenos na Região que não foram reconhecidos legalmente como propriedade privada passam a constituir propriedade do Estado depois da criação da Região. Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares dos referidos terrenos através de decisão judicial, independentemente de a acção ser proposta antes ou depois da criação da Região.” Pois, após o estabelecimento da Região, o requerente não pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor dele do terreno ilegalmente ocupado através de decisão judicial.
(18) Mais, o art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M. dispõe expressamente: “Os solos e os recursos naturais na R.A.E.M. são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da R.A.E.M.. (…).”; e, segundo o acórdão n.º 32/2005 do T.U.I.: “A Lei Básica foi aprovada e publicada em 31 de Março de 1993. Foi amplamente sujeita a consultas em Macau na fase de elaboração e constantemente divulgada após a promulgação (…).” Deste modo, o requerente deve ter perfeito conhecimento do teor da Lei Básica da R.A.E.M..
(19) A par disso, do princípio do ano transacto até os meados do corrente ano, o Governo reafirmou diversas vezes que “não se permitem os actos de ocupação e marcação ilegais de terreno, bem como as obras ilegais de remodelação e reconstituição de habitação” (vide anexos 1, 2, 3 e 4); mais, perante “os actos de ocupação e marcação ilegais de terreno”, a jurisprudência (vide os acórdãos n.ºs 106/2009 e 652/2009 do T.S.I.) refere que o terreno é legalmente pertencente ao Estado quando não houver documentos comprovativos para apurarem que o mesmo pertence ao particular e, em consequência, o ocupante deve proceder à desocupação e reversão da parcela do terreno ao Governo da Região; e, apontou-se no teor do acórdão n.º 106/2009 do T.S.I. que foi publicado no Jornal “Macao Daily”, datado de 10 de Maio de 2010, o seguinte: “Os dois ocupantes, declarando que possuíam escritura de papel da seda e ocupavam o terreno TN…. na Taipa que será disposto à construção de habitações económicas, interpuseram recurso. O T.S.I. proferiu o acórdão, rejeitando o recurso contencioso interposto pelos dois aludidos recorrentes contra o despacho do Chefe do Executivo, datado de 10 de Novembro de 2008.” “A causa da rejeição do recurso é o seguinte: provado está que a parcela de terreno identificada como A1, encontra-se registada a favor da R.A.E.M., e que em relação à parcela B2a, nada consta. Além disso, não há documentos comprovativos para apurarem que as referidas duas parcelas são pertencentes ao particular, e que os recorrentes, também, não possuem provas para apurarem que os mesmos tenham direito de propriedade em domínio útil e em domínio direito sobre as parcelas supramencionadas, pelo que, não há vício quanto ao despacho proferido pelo Chefe do Executivo em 10 de Novembro de 2008 e rejeita-se o recurso contencioso interposto pelos ocupantes.”; daí, vislumbra-se que não é possível que o requerente não souber que os seus actos de ocupação de terreno e de edificação são ilegais.
(20) Com base nos pontos 11 e 17 a 19, é certo que o requerente violou, publicamente, a ordem executiva que proíbe a execução de obras de construção e a ordem de “desocupação e reversão do terreno” decretada pelo Chefe do Executivo, mandou continuar as obras de construção até quando a habitação estava completamente construída, continuou a ocupar terreno público e desafiou a lei, mesmo que saiba perfeitamente que são ilegais as obras de construção realizadas no terreno por ele ilegalmente ocupado, por não possuir licença, e que é ilegal o acto de ocupação do terreno estatal, por não possuir qualquer documento comprovativo legalmente válido para apurar que o mesmo tem quaisquer direitos ao terreno ou a ele é permitida a ocupação do respectivo terreno, bem como, tenha perfeito conhecimento de que o Governo defende a posição de que o terreno em causa é propriedade do Estado. Se não se executar imediatamente a ordem de desocupação do terreno, permitindo-se que o terreno público seja ilegalmente ocupado pelo requerente, a lei poderia ficar menosprezada e sem severidade, tal como foi referido no acórdão n.º 13/2010 do T.U.I.: “O acto cuja eficácia se pretende suspender visa precisamente a repor a ordem jurídica violada, restabelecendo com premência o respeito pela lei face à sua violação sucessiva. A suspender a eficácia do acto em causa, este interesse público visado pelo acto será gravemente prejudicado.”
(21) Como é sabido de todos, a fim de reprimir os actos de ocupação ilícita do terreno estatal e os actos destrutivos da montanha, o Governo, desde o início do ano passado, desencadeou o respectivo processo administrativo de desocupação do terreno, e conseguiu reivindicar várias parcelas de terreno estatal ocupado com uma área total superior a 70.000 m2. Nos três casos iniciais, como os ocupantes das três parcelas de terreno (terrenos destinados à construção das habitações económicas, localizados respectivamente na Estrada de …., lote TN…., da Taipa, na Estrada de …., ao noroeste do …. Macau e no entroncamento entre a Estrada de …. e a Avenida de …., da Ilha de Coloane) dentro do prazo imposto, não procederam à desocupação dos terrenos para os devolver ao Governo, este obrigou-se a executar imediatamente a ordem da desocupação, a fim de reivindicar tais terrenos. Na sequência das diligências executivas imediatas da desocupação e do sucesso que o Governo obteve na reivindicação de terrenos ocupados, mais indivíduos que ocupavam ilegalmente os terrenos estatais, sucessivamente despejaram, pela sua iniciativa, as casas e devolveram os terrenos logo depois da última notificação edital publicada pelo Governo, tais como: a parcela do terreno junto à rotunda da …. da ilha de Coloane, a parcela do terreno destinado à construção de escola na Taipa, terreno junto à Rua Central de …., a parcela de terreno aproximada da Rotunda de …., a parcela de terreno junto à Estrada de …. de …., as duas parcelas de terreno na ilha de Colonae, sitas ao pé da Rua …. de …. e da Estrada de …., sendo estes os terrenos que os ocupantes voluntariamente desocuparam e entregaram ao Governo dentro do prazo cominado para este efeito. Daí que, “a execução imediata da ordem de desocupação do terreno”, de facto, reveste-se da função de prevenção geral, que consiste em afastar o público de reiterar as mesmas condutas para ocupar os terrenos estatais, a fim de evitar novos actos da mesma natureza, facilitar a gestão do terreno pela R.A.E.M. nos termos legais e proteger o interesse público contra prejuízos graves.
(22) Pelo exposto, a suspensão de eficácia do acto administrativo determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, por isso, verifica-se que o pedido do requerente não reúne o requisito previsto no art.º 121º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
(23) Mais, o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo apresentado pelo requerente, também, não reúne o requisito previsto no art.º 121º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
(24) Quanto ao “prejuízo de difícil reparação”, apontou-se no acórdão n.º 33/2009 do T.U.I. o seguinte: “A requerente da providência teria, pois, de ter alegado danos, patrimoniais ou não patrimoniais. Mas não basta. Não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação, o que se compreende perfeitamente.
Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.”
(25) Contudo, in casu, o requerente não apresentou, no seu requerimento, quaisquer factos concretos sobre a execução do acto administrativo lhe causa prejuízo de difícil reparação nem alegou e provou sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação.
(26) Além disso, embora o requerente tivesse alegado, no seu requerimento, que morava no prédio referido neste caso, tal como foi dito no ponto 8 da contestação apresentada pelo requerido, em 27 de Setembro do corrente ano, perante o V. Tribunal: “Desde o Chefe do Executivo proferiu o despacho indicado no ponto anterior até o dia 20 de Setembro de 2010, não foram cessadas as obras de construção de habitação ilegais que tiveram lugar no terreno ilegalmente ocupado e não houve quaisquer indícios de que alguém morasse no prédio em apreço”, mais, o prédio, que foi ilegalmente mandado construído pelo requerente no terreno ocupado, era uma “edificação nova”, e que aquelas obras foram realizadas de forma a negligenciar absolutamente a lei, pelo que, com base na referida “edificação nova” que foi ilegalmente construída, é difícil de se presumir que o requerente tenha eventualmente afecto e memória sobre a aludida edificação. De facto, o requerente não alegou sobre se tivesse ou não “afecto” sobre a edificação nem apresentou os factos que o levaram a “formar” e “manter” “o eventual afecto”. Ora, mesmo que se considerar que o requerente tiver sofrido danos “não patrimoniais” por ter afecto sobre a edificação em apreço, não significa que este reúne o requisito previsto no art.º 121º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, já que nem todos os danos “não patrimoniais” merecem a tutela do direito. Tal como o disposto no art.º 489º, n.º 1 do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” Daí, vislumbra-se que os danos “não patrimoniais” merecem a tutela do direito, desde que sejam confirmados como danos graves; pois, para preencher o requisito previsto no art.º 121º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, o requerente necessita de apurar que lhe poderia causar “danos não patrimoniais graves”, caso a Administração executar imediatamente o respectivo acto administrativo. Contudo, o requerente não comprovou concretamente, no seu requerimento, que tivesse sofrido “danos não patrimoniais graves” nem invocou os danos “não patrimoniais”.
(27) Além disso, o aludido “prédio” é uma edificação nova, não tem qualquer valor histórico ou arquitectónico, pelo que, os danos eventualmente causados ao requerente pela demolição imediata da referida edificação poderão ser, evidentemente, reparados por dinheiro.
(28) Em suma, o requerente não apresentou, no seu requerimento, quaisquer factos concretos sobre a execução do acto administrativo lhe causa prejuízo de difícil reparação nem alegou e provou sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação, mais, os danos eventualmente causados ao requerente pela demolição da referida edificação poderão ser reparados por dinheiro, por isso, a execução do acto administrativo em questão não causaria ao requerente prejuízo de difícil reparação, razão pela qual o pedido do requerente não reúne o requisito previsto no art.º 121º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Face ao acima exposto, o pedido do requerente não reúne, simultaneamente, os requisitos previstos no art.º 121º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, deste modo, vem solicitar aos Venerandos Juízes que não admitam ou indefiram o pedido de suspensão de eficácia do respectivo acto administrativo apresentado pelo requerente.”; (cfr., fls. 42 a 53 e 80 a 100).
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Em sede de vista, juntou o Exm° Magistrado do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Vem A requerer a suspensão de eficácia do despacho do Chefe do Executivo de 8/6/10 que, na sequência do procedimento respectivo, ordenou ao recorrente a desocupação, no prazo de 30 dias, do terreno localizado junto ao poste de iluminação n° XXXC14 da Povoação de Hác Sá, na ilha de Coloane, a demolição e despejo das construção ilegal ali existente, removendo os materiais e equipamentos nele depositados, bem como a entrega do terreno ao Governo da RAEM, sem direito a indemnização.
Tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121.° do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu nº 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
Ficando a ordem do conhecimento desses requisitos ao critério do Tribunal, não nos repugna, porém, desde logo, admitir que se não vislumbra que, no caso, resultem indícios, e muito menos fortes, de ilegalidade do recurso.
No que tange ao interesse público, estranha-se que, ao que alega o requerente e não vemos infirmado pela requerida, encontrando-se o terreno na posse de particulares há várias dezenas de anos, se veja, neste preciso momento, a Região confrontada com a iminência de grave lesão de tal interesse resultante da função de prevenção geral, não se permitindo "a ocupação ilegal do solo estatal por um determinado período de tempo, daí resultando, inevitàvelmente, a ocorrência de mais actos de ocupação ilegal do terreno, com a intenção de obter interesse indevido no curto período de tempo, mediante a ocupação de terreno público, impedindo assim o Governo da RAEM a gerir eficientemente o solo estatal e usá-lo tempestivamente para acompanhar o desenvolvimento da sociedade": como se pode argumentar que, tendo a situação, na sua generalidade, existido há dezenas de anos, período durante o qual, aliás, se implantou no terreno uma moradia, a cuja construção se não descortina ter-se a Administração oposto com eficácia, quando poderia perfeitamente tê-la embargado, invocar, neste momento, a grave lesão do interesse público na manutenção da situação até resolução do recurso contencioso?
C' os diabos, são várias dezenas de anos contra apenas alguns meses, sabendo, como se sabe, andar este Tribunal relativamente em dia com a normal tramitação dos seus processos, sendo ainda certo (a propósito da propalada necessidade de "prevenção geral") não existir notícia que, após a implantação da RAEM se tenha assistido a muitas ocupações ilegais de terrenos, em condições similares ...
Convirá, aliás, invocar, a propósito, o preceituado no art° 52° do Regulamento Geral de Construção Urbana, aprovado pelo Dec Lei 79/85/M : pois se tal dispositivo, em termos gerais, perante ordem do Governador (leia-se Chefe do Executivo) de demolição de qualquer obra de construção sem a necessária licença, prevê a ocorrência de recurso com efeito suspensivo da decisão, como não aceitar tal efeito em procedimento preventivo, fundado em alegada grave lesão do interesse público?
Mas mais : a ter-se como verificado este pressuposto, resulta inequívoco que os prejuízos decorrentes da imediata execução do acto, além do mais com a destruição de uma moradia, habitável e habitada, revelar-se-iam desproporcionadamente superiores àquela lesão do interesse público decorrente da não imediata execução do acto, pelo que, também por via do disposto no n° 4 do art° 121°, CP AC não haveria que indeferir o peticionado.
Finalmente, tem vindo a constituir jurisprudência constante o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provàvelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
A este nível, esgrime o requerente, naquilo que ousamos sintetizar nas suas próprias palavras com o facto de que "Está em causa o direito à habitação do recorrente, o valor investido no prédio ali construído e todos os seus pertences que no local se encontram ", acrescentando que "O prosseguimento da demolição em causa acarretará para o recorrente prejuízos incalculáveis, além de que colide frontalmente com o seu direito à habitação ".
Não se tratando propriamente de desejável explanação e concretização dos danos de difícil reparação a que supra se aludiu, não é difícil, contudo, perante a situação, configurar a existência de prejuízos não quantificáveis ou determináveis e que, pela sua própria natureza, se tomarão irreparáveis, decorrentes da execução do acto, bastando, para tanto, colocar-nos na situação de um cidadão perante a ameaça de demolição do seu domicílio familiar, facilmente se alcançando que tais prejuízos advirão não só da destruição das portas, janelas e paredes da habitação (danos estes, quiçá, quantificáveis, avaliáveis), como do desaparecimento de todo um património não "palpável", relativo às memórias, à ligação afectiva, ao "cordão emocional" que, por regra, liga os residentes às suas moradias familiares, para além de que, como é óbvio, com o desaparecimento de tal moradia, sem qualquer indemnização, implicaria necessàriamente situação extrema, da "falta de tecto ", com todas as perniciosas consequências daí resultantes, atinentes à falta de abrigo do requerente, danos que, pela sua própria natureza, não é possível, determinar, quantificar e avaliar.
Razões por que por verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, somos a pugnar pelo deferimento do peticionado.”;(cfr., fls. 106 a 110).
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Conclusos os autos ao ora relator, atenta a “natureza urgente” do presente processo (art. 6°, n° 1, al. g) do C.P.A.C.), ao preceituado no art. 129° do mesmo código, e nada parecendo obstar, foi determinada a sua inscrição em tabela para julgamento; (cfr., fls.111).
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Vieram assim os autos à conferência.
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Da questão prévia
2. Existe uma questão prévia sobre a qual se mostra de emitir desde já pronúncia.
Tem a ver com o suscitado “incidente” de oposição à suspensão provisória do acto cuja suspensão de eficácia é peticionado; (cfr., fls. 11 a 20 e o art. 126º do C.P.A.C.).
Vejamos.
O acto administrativo pode ser definido como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”, e, como tal, “goza da presunção de legalidade, o que envolve a sua imediata obrigatoriedade e a executoriedade dos imperativos nele contidos”; (cfr., M. Caetano in, “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 463 e segs..)
De facto, como regra geral, a interposição de recurso contencioso de um acto administrativo visando a declaração da sua invalidade, não tem “efeito suspensivo”; (cfr. artº 22º, onde se prescreve que “o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido, excepto quando, cumulativamente...”, notando-se também que na situação dos presentes autos em causa não está a aplicação do art. 52°, n° 7 do Regulamento Geral da Construção Urbana aprovado pelo D.L. n° 79/85/M de 21.08 que atribui efeito suspensivo aos recursos de decisões que determinam a demolição de obras não licenciadas, pois que a “decisão de desocupação e demolição“ ora requerida foi proferida em conformidade com o preceituado no art. 41°, al. o) da Lei n° 6/80/M – “Lei de Terras” – e ponderando-se a falta de título legalmente válido para a ocupação e aproveitamento de terreno da R.A.E.M.).
Tal ausência de efeito suspensivo – como afirma Santos Botelho, no seu “Contencioso Administrativo”, 3ª ed., pág. 446 – “prende-se e encontra a sua justificação na necessidade que, de uma maneira geral, a Administração tem de evitar que a celeridade, que com carácter normal deve presidir à actividade administrativa venha a ser entravada por um uso formalista e reprovável das garantias contenciosas. No fundo, a não atribuição de efeito suspensivo ao recurso contencioso radicaria não só na presunção da legalidade do acto administrativo, como também no apontado interesse do exercício contínuo, regular e eficaz da acção administrativa”.
Todavia, impõe-se reconhecer que situações existem em que a imediata execução do acto pode produzir efeitos tais que se torne impossível, mais tarde, quando verificada a sua nulidade ou causa da sua anulação, faze-los desaparecer.
Precisamente para obviar tais situações, admitiu o legislador a possibilidade de o particular se socorrer do meio processual de suspensão de eficácia do acto, procurando obviar a que a administração execute o respectivo acto administrativo, desencadeando os seus efeitos jurídicos e materiais de modo a criar ao particular que venha a vencer o recurso, situações tornadas irremediáveis ou dificilmente reparáveis.
O pedido de suspensão de eficácia apresenta-se assim como que ligado à necessidade de acautelar ainda que provisoriamente a integridade dos bens ou a situação jurídica litigiosa, garantindo correspondentemente a execução real e efectiva da decisão e utilidade do recurso. Tem, assim, como meio processual acessório de natureza cautelar, o objectivo de evitar os inconvenientes do “periculum in mora” decorrentes do funcionamento do sistema judicial; (neste sentido, vd., Vieira de Andrade in, “A Justiça Administrativa”, 2ª ed. pág. 167 e F. do Amaral, “Dtº Administrativo”, Vol. IV, pág. 302).
É assim a “suspensão da eficácia de actos administrativos” – matéria regulada nos art°s 120 e segs. – uma providência cautelar que visa impedir que, durante a pendência de um recurso contencioso (ou acção), ocorram prejuízos ou que a situação de facto se altere de modo a que a decisão que se vier a proferir, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-se numa decisão puramente platónica.
Daí estatuir também o art. 126°, n°1 que, após o órgão administrativo tomar conhecimento do pedido de suspensão, deve “impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução”.
Pretende-se assim a manutenção do “status quo” até que seja apreciado o pedido de suspensão de eficácia do acto praticado.
Porém, ainda que assim seja, pode o órgão administrativo proceder à imediata execução do acto em causa caso “reconheça, fundadamente, e por escrito”, que a sua não execução imediata causa “grave prejuízo para o interesse público”; (cfr., n° 2 do art. 126°).
E, precisamente, como meio de reacção a tal execução imediata de um acto administrativo – na pendência de um pedido de suspensão da sua eficácia – previu o legislador o “incidente” regulado no art. 127°.
Com efeito, prevê o art. 127°, n° 2 que o requerente do pedido de suspensão do acto pode pedir ao Tribunal onde penda o processo de suspensão(...) a “declaração de ineficácia, para efeitos de suspensão, dos actos de execução indevida”.
No caso dos presentes autos, e como se deixou relatado, citada para contestar, e, em tempo, veio a entidade requerida reconhecer que a suspensão provisória do acto requerido causava “grave prejuízo para o interesse público”; (cfr., fls. 11 a 20).
Ponderando sobre a questão, cremos que à entidade recorrida assiste razão, como mais adiante se irá expor.
Dos factos
3. Consideram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir.
– em 05.11.2009, profissionais da D.S.S.O.P.T. detectaram que um lote de terreno situado em frente ao Posto de Iluminação nº XXXC14 da “Povoação de Hac Sá”, em Coloane, (onde, na altura, não existiam construções), estava a ser vedado com um muro de tijolo;
– em 19.01.2010, profissionais da mesma D.S.S.O.P.T. detectaram que no referido terreno realizavam-se obras de fixação de placas e vigas de ferro;
– em 28.01.2010, verificou-se que se levava a cabo a construção de uma edificação de betão armado e vara de aço;
– em 05.02.2010, afixou-se à entrada do terreno cópia de decisão de proibição de execução da obra;
– em 03.03.2010, e depois de se apurar que as obras continuavam, foi novamente ordenado que fossem as mesmas imediatamente suspensas;
– em 19.03.2010, verificou-se que concluídas tinham sido as obras de fixação de betão armado e de vara de aço bem como as de reboco das paredes externas na aludida edificação, iniciando-se as obras da montagem do telhado, tendo-se, uma vez mais determinado que as obras fossem imediatamente suspensas;
– de acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial de 22.04.2010, sobre o terreno em questão não se encontra registado a favor de particular direito de propriedade ou qualquer outro direito real;
– em 29.04.2010, e perante a continuação das obras, a D.S.S.O.P.T., com a colaboração da P.S.P., procedeu à vedação do terreno;
– por despacho do Exm° Chefe do Executivo de 08.06.2010, (cfr., fls. 140 e segs. do P.I.), ordenou-se a desocupação do terreno assim como a demolição da construção aí existente, (sendo este o acto objecto do presente pedido);
– A, ora requerente, interpôs recurso contencioso do mencionado despacho do Exmº Chefe do Executivo de 08.06.2010 que ordenou a desocupação do dito terreno e a demolição da construção aí existente; e,
– seguidamente, por apenso ao dito recurso contencioso, veio requerer o presente pedido da suspensão de eficácia do referido acto administrativo, alegando e concluindo nos termos que atrás se deixou transcrito.
Do direito
4. Cumpre decidir se verificados estão os pressupostos legais para a procedência do presente pedido de suspensão de eficácia.
Sobre tal matéria incidem os art°s 120° e 121° do C.P.A.C. os quais prescrevem que:
Art° 120°:
“A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”
Art° 121°:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Atento o preceituado no art. 120°, e tendo em conta os efeitos do acto suspendendo, patente é que é o mesmo um “acto de conteúdo positivo”.
Nesta conformidade, vejamos então se verificados estão os pressupostos do art. 121°, n°1, alíneas a), b) e c) atrás transcrito, pois que, como sabido é, “A não verificação de um dos requisitos da suspensão de eficácia de acto administrativo previstos no n.° 1 do art.° 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso torna desnecessária a apreciação dos restantes porque o seu deferimento exige a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si.”, (cfr., v.g., o Ac. do T.U.I. de 13.05.2009, Proc. n° 2/2009).
No caso, atenta a factualidade dada como assente, e respeitando-se entendimento diverso, cremos que evidente é que a pretendida suspensão causa “grave prejuízo para o interesse público”.
De facto a situação dos presentes autos é idêntica à que foi recentemente apreciada pelo Vdo T.U.I. no seu Acórdão de 02.06.2010, Proc. n° 13/2010, e onde se decidiu que: “Determina grave lesão do interesse público a suspensão da eficácia do acto administrativo que ordena a demolição de uma moradia construída, de início até ao seu acabamento, sempre sob cominação de duas ordens de proibição de execução de obra, no terreno de propriedade do Estado, circunstâncias de conhecimento do interessado.”
Na verdade, e como se colhe da factualidade dada como assente, verifica-se também que, “in casu”, por várias vezes foi ordenada a (imediata) suspensão da obra, e que a mesma, não obstante tal, continuou a ser executada à revelia de tais decisões.
Ora, nos termos do estatuído no art. 7° da L.B.R.A.E.M.:
“Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. (…)”
E, dando aplicação ao assim preceituado teve já o Vdo T.U.I. oportunidade de afirmar que:
“Desta norma resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser "reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM."
Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.° 7.° da Lei Básica”; (cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I., de 05.07.2006, Proc. n° 32/2005).
Sendo de subscrever o assim entendido, e ponderando-se no teor da certidão da C.R.P. de 22.04.2010 atrás referida, constata-se que a ora requerente ocupa ilegalmente o terreno em questão e que nele edificou uma moradia sem que para tal estivesse autorizado e apesar de sucessivas ordens da autoridade administrativa competente para que fossem as mesmas obras suspensas.
É pois manifesto que a requerente insiste em ocupar ilegalmente um terreno que é propriedade da R.A.E.M., violando, consciente e deliberadamente, sucessivas ordens emitidas por autoridade administrativa competente.
Nesta conformidade, e tendo o acto administrativo em questão como objectivo repor a ordem jurídica violada, é de considerar que a sua suspensão causa “grave lesão do interesse público”, não se podendo assim dar por verificado o pressuposto ínsito na alínea b) do n° 1 do art. 121° do C.P.A.C..
Por fim, mostra-se igualmente de concluir que inexiste também “prejuízo de difícil reparação” para a ora requerente.
De facto, a construção em causa foi levada a cabo em frontal violação de sucessivas ordens de suspensão das obras, e não revestindo aquela qualquer valor histórico ou arquitectónico, inviável é considerar-se verificado o referido “prejuízo”, o que, por sua vez, torna desnecessária a apreciação da questão da “proporção” a que alude o n° 4 do art. 121° do mencionado C.P.A.C..
Dest’arte, há que julgar improcedente o pedido deduzido.
Decisão
5. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o pedido de suspensão de eficácia apresentado.
Custas pela requerente com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Macau, aos 25 de Novembro de 2010
(Relator) Presente
José Maria Dias Azedo Vítor Manuel Carvalho Coelho
(Segundo Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (subscrevo a decisão apenas, porque entendo que o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo não pode merecer provimento, por força das considerações, aqui aplicáveis “mutatis mutandis”, constantes da minha declaração de voto vencido então apendiculada ao Acórdão deste TSI subjacente ao recurso jurisdicional n.º 13/2010, decidido pelo Venerando Tribunal de Última Instância em 2/6/2010, através do douto Acórdão seu, referenciado na pág. 41 do presente acórdão).
Proc. 640/2010/A Pág. 44
Proc. 640/2010/A Pág. 1