Recurso Jurisdicional n. 155/2007
Data do acórdão: 3 de Março de 2011
Relator: Cândido de Pinho
Descritores: Penhora de bens do casal
Comunhão de bens
Compropriedade
SUMÁRIO:
I- O artigo 710º do C.P.C., aplicável à compropriedade, estabelece que estando os bens indivisos, não se pode proceder à penhora de partes especificadas dele uma coisa porque cada um dos comproprietários é titular de um direito ideal sobre ela, não sobre uma parte materialmente determinada dela.
2- Na constância do casamento em que o regime de bens é o da comunhão (geral ou de adquiridos), os bens comuns não pertencem aos cônjuges em compropriedade, antes constituem uma massa patrimonial que, em bloco, pertence a ambos os conjugues, podendo dizer-se que os dois são titulares de um único direito sobre eles, aplicando-se, então, o disposto no art. 709º do mesmo Código.
3- É condição suficiente à penhora de bens comuns dos conjugues que o exequente, ao nomeá-los à penhora, requeira a citação do cônjuge não executado para que venha pedir a separação de bens. Se o cônjuge então citado nada fizer, a execução prossegue nos bens penhorados.
(Processo n. 155/2007)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
Na acção executiva para pagamento de quantia certa que o Banco A moveu contra “B, Construção Civil e Fomento Predial, Limitada”, C e D, foi a certa altura proferido o despacho de fls. 655, o qual, a requerimento de E, indeferiu o pedido de declaração de invalidade da penhora recaída sobre o prédio que esta tinha adquirido a D e mulher F.
É contra tal despacho que E recorre jurisdicionalmente, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1) O objecto do presente recurso incide sobre o despacho que julgou improcedente a nulidade ou invalidade da venda judicial da fracção autónoma “HR/C” melhor identificada nos presentes autos;
2) O despacho ora recorrido violou os preceitos legais previstos pelo disposto nos artigos 147.º, 394.º, 704.º, 709.º, 710.º, 802.º e 803, todos do CPC;
3) Prevê no disposto no artigo 704.º do CPC que o objecto da penhora só pode ser bens do executado, parte da execução;
4) Antes da aquisição da supra mencionada fracção autónoma “HR/C” por parte da ora Recorrente, a fracção autónoma em causa encontra-se em regime de compropriedade, sendo a metade indivisa pertence ao 3.º Executado D, e outra metade indivisa pertence à F;
5) Ao abrigo do disposto no artigo 710.º do CPC, no caso de compropriedade em bens indivisos, se a execução for movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada dos bens indivisos;
6) A Exequente BANCO A, SARL instaurou a presente execução apenas contra B, CONSTRUÇÃO CIVIL E FOMENTO PREDIAL, LIMITADA, C e D, e não a mulher do 3.º Executado, F;
7) In casu, a penhora da fracção autónoma “HR/C” violou os preceitos legais supra mencionados, pelos seguintes motivos:
- a fracção autónoma “HR/C” não pertence unicamente ao 3.º Executado D, mas também a sua mulher F em regime de compropriedade;
- a comproprietária da fracção autónoma “HR/C”, F não é executada dos presentes autos;
- a ora Recorrente adquiriu com o 3.º Executado D e a sua mulher F a totalidade da fracção autónoma “HR/C”, sendo por isso, pelo menos, o seu direito de propriedade sobre a quota da metade indivisa (derivada da F) sobre esta fracção autónoma é oponível à penhora em causa;
- a penhora não pode incidir sobre a totalidade da fracção autónoma “HR/C”, uma vez que, esta não pertence totalmente ao 3.º Executado D;
8) O regime aplicável ao presente caso deveria ser o do artigo 710.º do CPC, mas não o artigo 709.º do CPC, uma vez que, a identificada fracção encontra-se no regime de compropriedade em bens indivisos, pelo que, devido a presente execução for movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares, Executado D, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada dos bens indivisos;
9) A penhora que incide sobre a identificada fracção autónoma HR/C deveria ser declarada inválida e, com a invalidade da penhora, o Tribunal deverá declarar inválido os actos posteriores à penhora, nomeadamente, dá sem efeito a venda judicial realizada em 08.06.2006, nos termos do disposto nos artigos 802.º e 803.º do CPC;
10) Pelo que, REQUER, muito respeitosamente, as V. Exas. se digne ordenar a revogação do despacho em causa pelos motivos supra mencionados, com o que V. Exas. farão JUSTIÇA!”.
*
O “Banco A, SARL”, por seu turno, defendeu a improcedência do recurso nas suas contra-alegações, que concluiu da seguinte maneira:
1ª
Resulta claro que o despacho recorrido não “julgou improcedente a nulidade ou invalidade da venda judicial da fracção autónoma “HR/C” melhor identificada nos autos”, como pretende fazer crer a recorrente nas suas alegações de recurso (vide lª conclusão destas alegações), mas sim julgou improcedente a nulidade (ou invalidade) da penhora arguida a fls. 625 e 626.
2ª
Feito este reparo, importa sublinhar que, após o registo da penhora incidente sobre a fracção autónoma em causa, que teve lugar a 10 de Novembro de 2003, e após inclusive a notificação do próprio executado D da referida penhora em 3 de Novembro de 2003, este executado, por si e na qualidade de procurador da sua mulher, F, vendeu o referido imóvel a favor de E, ao abrigo de uma escritura pública datada de 19 de Novembro de 2003, recorrendo esta compradora para o efeito a um empréstimo (com hipoteca) junto do Banco G.
3ª
Ora, o exequente, ora recorrido, adquiriu pela referida penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (artigo 812º, n.º 1, do CC).
4ª
Sendo que, sem prejuízo das regras de registo, são ineficazes em relação ao exequente, ora recorrido, os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, nos termos do artigo 809º do mesmo Código.
5ª
Conclui-se assim que a penhora incidente sobre aquele imóvel continuou a garantir o cumprimento da obrigação exequenda, não obstante o mesmo ter sido transmitido a favor de E, ora recorrente, tomando em conta que essa transmissão foi efectivada e registada já depois do registo da aludida penhora.
6ª
Termos que o imóvel foi vendido judicialmente no âmbito dos próprios autos, livre de todos os direitos de garantia que o onerava bem como dos demais direi tos reais que não tinham registo anterior ao da referida penhora (artigo 814º, n.º 2, do CC), como é precisamente o caso da referida aquisição a favor da ora recorrente (inscrição n.º 74482G) cujo registo é posterior ao da referida penhora.
7ª
É correcta a interpretação de que não podem ser penhoráveis partes especificadas de bens indivisos quando a execução for movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares; mas existe uma excepção a este regime que está expressamente consagrada no artigo 709º, n.º 1, do CPC.
8ª
Efectivamente, o direito do cônjuge à meação dos bens comuns do casal traduz-se num direito a uma universalidade; todavia o artigo 709º, n.º 1, do CPC permite penhorar os bens comuns do casal compreendidos nessa universalidade, mesmo quando a execução seja movida contra um só dos cônjuges, contando que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens.
9ª
Conclui-se que o imóvel em causa não estava registado em regime de compropriedade a favor daquele casal, mas trata-se, em bom rigor, de um bem comum daqueles cônjuges sujeito ao regime do artigo 709º do CPC e não ao do artigo 710º do mesmo diploma.
10ª
Como se sabe, dispõe o artigo 709º, n.º 1, do CPC, que: “Na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contando que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens”.
11ª
Quando foi requerida a penhora da fracção autónoma “HR/C”, o exequente, ora recorrido, teve o cuidado de requerer “ainda a citação de F, para os fins do artigo 709º, n.ºs 1 e 2, do CPC, porquanto esse imóvel constituía efectivamente um bem comum do casal.
12ª
Sendo que nem F (nem o Ministério Público, em sua representação) requereram a separação de bens, não obstante ter a mesma sido citada, por éditos, para esse efeito, tal como o próprio Ministério Público, pelo que a execução prosseguiu naquele bem do casal.
13ª
Conclui-se assim pela inexistência de razões de facto ou de direito que pudessem determinar a invalidade da penhora incidente sobre a fracção autónoma designada por “HR/C”, sendo que a venda judicial do mesmo imóvel realizada no dia 8/06/2006 não enferma de qualquer irregularidade ou de qualquer vício.
14ª
Conclui-se assim que o despacho recorrido, ao julgar improcedente a nulidade arguida a fls. 625 e 626, limitou-se a dar cumprimento ao estatuído no artigo 709º, n.ºs 1 e 2, do CPC, não violando qualquer preceito legal, mormente os artigos 147º, 394º, 704º, 709º, 710º, 802º e 803º do CPC.
15ª
Acresce ainda que se revelou totalmente intempestiva a apresentação daquele requerimento de fls. 625 e 626 sobre o qual recaiu o despacho recorrido, nos termos acima expostos.
Em face do acima exposto, deve o recurso apresentado por E ser julgado totalmente improcedente, com as devidas consequências jurídicas daí decorrentes, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA!”
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
Dos autos, resulta assente a seguinte factualidade:
1- O “Banco A, SARL”moveu execução para pagamento de quantia certa contra “B, Construçao Civil e Fomento Predial Limitada”, C e D.
2- Como título executivo, invocou a exequente uma livrança subscrita pela 1ª executada e avalizada pelo segundo e terceiro executados.
3- Citados para o pagamento da dívida ou para deduzirem bens à penhora, nada disseram os executados.
4- Nessa execução procedeu-se à venda de duas fracções, uma das quais foi adjudicada ao Banco A (fls. 221,229, 231: 2º volume do apenso).
5- Noutra fase do processo, foi pelo mesmo Banco requerida a penhora da fracção “HR/C” inscrita a favor do executado D e de sua mulher F (fls. 316/2º vol. ap.).
6- Considerando que esta fracção constituía bem comum do casal, o exequente requereu, ao abrigo do art. 709º, n. 1 e 2 do CPC, a citação da mulher do executado D a fim de ela requerer a separação de bens, sob pena de a execução prosseguir quanto ao bem indicado (fls. 316 v., 2º vol. do ap.).
7- Deferido este pedido e efectuada a penhora da referida fracção (fls. 336 e 337, 2º vol. do ap.), foi determinada a citação de F para requerer a separação de bens (fls. 349, 357, 361, 364, 2º vol. ap.), o que acabou por ser feito por citação edital (453, 454, 460, do 3º vol. apenso).
8- A penhora da referida fracção foi objecto de registo em 10/11/2003, conforme certidão de fls. 372 do 2º vol. apenso) mas o executado D, por si e na qualidade de procurador de sua mulher F venderam a mencionada fracção a E por escritura de19/11/2003 (fls. 420 e sgs. 3º vol. apenso).
9- O registo desta venda verificou-se em 20/11/2003, conforme inscrição n. 74482 do livro G (certidão de 23/12/2003, a fls. 373, 2º vol. apenso).
10- Não obstante, foi ordenada a venda do imóvel por meio de propostas em carta fechada nos termos do despacho de 24/04/2006 (fls. 542, 3º vol. apenso).
11- A fracção acabou por ser vendida ao Banco A (fls. 621, apenso 4º).
12- E foi ao processo requerer a nulidade da venda mencionada no ponto 10 supra, nos termos dos arts. 147º, 704º, 710º, 802º e 803º, do CPC (fls. 625 e 626 do apenso 4º).
13- O Ex.mo Juiz do processo proferiu, então, o seguinte despacho:
”1. Vem E, a fls. 625 e 626, alegar e requerer o seguinte:
Um dos executados na presente execução é D. A mulher deste, F, não é executada.
Nos presentes autos foi penhorada a fracção “HR/C” a qual pertencia ao executado D e à sua mulher. A mesma fracção foi por estes vendida à ora requerente.
A ora requerente entende que a penhora é inválida porque foi efectuada sobre a totalidade do imóvel, sendo que apenas deveria ser efectuada sobra a metade indivisa pertencente ao executado. Daí que, continua, a aquisição pela requerente desse imóvel é oponível à penhora em causa. Invoca, entre outros, o disposto nos art. 704º e 710º do C.P.C. para sustentar a sua posição.
Conclui pedindo a declaração de invalidade da penhora e que se dê sem efeito a venda judicial efectuada.
2. A exequente “Banco A, SARL”respondeu a fls. 642 e ss. Alega, em resumo, que nada impede a penhora e posterior venda de bens comuns do casal desde que seja requerida a citação do cônjuge não executado, nos termos do disposto no art. 709º, nº1 do C.P.C..
3. Cumpre decidir.
A questão a decidir é, portanto, apenas uma: A lei permite a penhora da totalidade de um bem comum do casal numa execução em que um deles é executado e o outro não?
A lei responde expressamente, estipulando no nº1 do art. 709º do C.P.C. “Na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.”
No caso em apreço, a exequente requereu a citação da mulher do executado D, a F. Esta citação foi efectuada sem que ela tivesse requerido a separação de bens. Assim, a execução prosseguiu nos bens comuns do casal.
Não vislumbramos, portanto, qualquer razão para julgar inválida a penhora ou a posterior venda do imóvel em causa.
Nesta conformidade, e pelo exposto, julgo improcedente a nulidade ou invalidade arguida a fls. 625 e 626” (cfr. fls. 655 e verso, do apenso 4º).
13- O prédio foi adjudicado ao comprador por despacho de 23/11/2006 (fls. 660).
***
III- O Direito
Recordemos a questão central da matéria de facto: após o registo da penhora que incidiu sobre a fracção “HR/C” a favor do “Banco A”, o executado D e mulher F, donos da fracção, venderam-na a E. Apesar de saber disso, o tribunal acabou por fazer prosseguir a execução com a venda judicial.
Pergunta-se: esta venda é válida, tal como o defendeu o despacho objecto do recurso, ou inválida, tal como o sustenta a recorrente? Noutra formulação: será inválida a penhora da fracção e, por isso, deve ser “dada sem efeito”a consequente venda judicial que daquela teve lugar?
No requerimento de fls. 625 e 626 dos autos, E defendia que a penhora da fracção não podia ter sido realizada, de acordo com o disposto no art. 710º, do CPC, uma vez que se tratava de imóvel de ambos os cônjuges em regime de compropriedade. Posição que no recurso reitera, e segundo a qual a invalidade atingiria a penhora e venda judicial.
O recorrido, diferentemente, apela ao artigo 709º do CC para sustentar a validade de uma e outra.
A questão é, na nossa óptica, de relativa simplicidade, depois que se interprete bem o alcance dos artigos 709º e 710º do CPC.
Repare-se no que diz o artigo 709º do CPC:
“1. Na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.
2. Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados.
3. Apensado o requerimento ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser nomeados outros que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para a nova nomeação a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória.”.
E agora vejamos o que reza o art. 710º:
“Nos casos de comunhão num património autónomo ou de compropriedade em bens indivisos, se a execução for movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada dos bens indivisos”.
É a este segundo normativo que a recorrente se segura para defender a impossibilidade de penhora da fracção em apreço, com o argumento de que ela era compropriedade de D (executado) e sua esposa (não executada).
Ora, acontece que nem o alcance do artigo 710º é aquele que a recorrente parece conferir-lhe, nem a sua previsão se adequa ao caso sub judice.
Na realidade, o que o art. 710º proíbe é que, estando a coisa em regime de compropriedade em bens indivisos, na execução movida contra um dos comproprietários possam ser penhoradas partes especificadas dela. Isto porque cada um deles é titular de um direito sobre a própria coisa, ainda que apenas corresponda sobre uma quota ideal dela1. Nesse caso, o que se penhora é a quota ideal que cada um deles tem sobre o bem. A proibição legal compreende-se, assim, como forma de se impedir que a penhora recaia sobre bens de terceiro, retius, sobre bens do comproprietário. Logo, pode penhorar-se o direito ideal do executado sobre a coisa indivisa, não uma parte materialmente determinada2.
Todavia, este regime de penhora, exceptuada a situação de cônjuges casados em regime de separação de bens, caso em que os bens se situam numa relação de compropriedade3, já não se aplica aos casos em que esse regime é de comunhão (geral ou de adquiridos).
Na verdade, na constância de um casamento em que vigore o regime de comunhão de bens (geral ou de adquiridos), os cônjuges não são titulares de nenhuma “meação” sobre os bens determinados que integram essa comunhão. Em tal situação “os bens do casal não são necessariamente de um ou de outro cônjuge, nem pertencem a ambos em compropriedade – são antes «bens comuns» que “constituem uma massa patrimonial (…) que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela”4. São bens que se encontram numa situação de mão comum ou de património colectivo5, passando a compropriedade em caso de cessação da comunhão conjugal6 7
Importa então que se sublinhe este aspecto: a co-titularidade de bens na constância de um casamento assume características de comunhão ou de compropriedade, consoante o regime de bens por que ele se rege. Se a situação for enquadrável no primeiro dos casos, imperará o art. 709º, do CPC; se subsumível ao segundo, o regime será o do art. 710º, do CPC.
Efectivamente, o Código de Processo Civil de Macau - depois de vicissitudes várias verificadas ao longo de um percurso legislativo histórico na correspondente disposição do texto português (art. 825º) - veio permitir que na execução movida contra um dos cônjuges possam ser penhorados bens comuns do casal, desde que o exequente, ao nomeá-los à penhora, requeira a citação do outro cônjuge para requerer a separação de bens. Fê-lo no art. 709º em moldes tais que não deixam margem para dúvidas: À penhora de bens comuns do casal é condição suficiente um mero requerimento do exequente no sentido da citação do cônjuge não executado para pedir a separação de bens.
O objectivo desta divisão de bens é claro. Tem em vista proporcionar ao cônjuge não executado, por via da partilha, a possibilidade de pôr termo à comunhão e assim acautelar a sua posição jurídica perante os bens: se ficarem adjudicados a si, a penhora deixa de prevalecer e serão, então, nomeados outros que ao executado tenham cabido; se couberem ao executado, a penhora mantém-se e a execução prossegue sobre eles (art. 709º, n.2, CPC).
Mas se o cônjuge citado com aquele objectivo nada fizer, a execução prossegue nos bens penhorados até à venda 8(art. 709º, n.2, in fine).
Revertendo ao caso em análise, e uma vez que o executado D era casado com F em regime de comunhão de adquiridos (v.g., doc. Fls. 5, do 1º apenso), a fracção penhorada era um bem comum do casal que, ao abrigo do art. 709º do CPC, podia ser penhorado desde que fosse pedida a separação de bens pelo exequente, o que foi feito. Quer isto dizer que o artigo 704º invocado pela recorrente não serve os seus propósitos.
E por ser assim, mais ainda pelo facto de a mulher do executado não ter vindo requerer a separação de bens, podia a execução prosseguir até à fase da venda, como aconteceu. O que, por outras palavras vale por dizer, que nem a penhora é inválida, nem a venda tem que ser dada sem efeito, em virtude de os artigos 802º e 803º do CPC não terem aqui aplicabilidade.
A isto somando a circunstância de a penhora da fracção ter sido objecto de registo em 10/11/2003, tornou-se inquestionável o direito de o exequente ser pago com preferência sobre qualquer outro que não tivesse garantia real anterior face ao art. 812º, do Cod. Civil, nomeadamente sobre a ora recorrente, se tivermos como certo que esta somente adquiriu o imóvel em 19/11/2003 e apenas registou a aquisição em 20/11/2003.
Eis a razão pela qual nenhuma censura merece o despacho impugnado.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.
Macau, 3 de Março de 2011.
José Cândido de Pinho (Relator)
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. 3º, pag.371/372. O que aliás bem se compreende à luz dos artigos 1301º e 1307º, do Cod. Civil de Macau, preceitos dos quais resulta que os comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular e que cada um, separadamente, não pode, sem consentimento dos restantes, alienar, nem onerar parte especificada da coisa.
2 F. Amâncio Ferreira, in Curso de Execução, 7ª ed., Almedina, pag. 188/189.
3 F. Amâncio Ferreira, ob. cit., pag. 182.
4 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito de Família, pag. 367 e 507. Neste sentido, ainda, o Ac. STJ de 6/11/2008 P. 07B4517.
5 Mota Pinto, in Direitos Reais, 1971, pag. 258.
6 Ac. do STJ, de 19-1-95, www.dgsi.pt, JSTJ00029845; RC, de 12-11-2002, www.dgsi.pt, JTRC01830; RL, de 30-11-90, www.dgsi.pt, JTRL00002566.
Também, ac. R.C. de 12/02/2008, P. 133-B/1999 e T.S.I. de 27/05/2010, P. 521/2009.
7 Por isso se diz que “I -Extinto o casamento, a situação de comunhão matrimonial de bens existente entre os cônjuges finda, passando os bens à situação de compropriedade, a cujo regime ficarão sujeitos. II - Deste modo, finda a comunhão conjugal, já não será aplicável à penhora de bens comuns o disposto no artigo 825 do Código de Processo Civil, mas sim o regime do precedente artigo 824, segundo o qual pode penhorar-se o direito do executado relativo a uma universalidade indivisa ou a outros bens indivisos, mas não podem penhorar-se os próprios bens compreendidos na universalidade, ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada dos bens indivisos, a não ser que a execução seja instaurada contra todos os comproprietários (Ac. R.P. de 18/09/97. P RP199709189730730). No mesmo sentido, o acórdão da R.P. de 30/06/94 P. RP199406309450290; Ver ainda ac. R.L. de 25/06/2009, P. 2811-E/1993.
8 Neste sentido, ver ac. do TSI de 27/05/2010, Proc. 521/2009.
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