Processo n. 793/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 / 05 / 2011
Descritores: Revisão de sentença
Divórcio
SUMÁRIO
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
3- É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Republica Popular da China que decreta o divórcio por “conciliação civil” ou mútuo consentimento, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública ou qualquer obstáculo à sua revisão.
Proc. n. 793/2010
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, do sexo feminino, divorciada, de nacionalidade chinesa, possuidora do BIR de Macau nº XXXXX (X), reside em Macau, Rua do XX nº XX, XX, Edf. XX, XXº andar - XX, nº de contacto XXXXX, veio intentar, nos termos dos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau, contra B, com base nos seguintes fundamentos:
1.
A requerente contraiu casamento civil com B em 24 de Fevereiro de 1984 no Bairro Changning de Shanghai da RPC (anexo 1).
2.
O casal decidiu tratar do divórcio em Shanghai por não existir mais amor entre eles.
3.
O divórcio foi realizado no Tribunal Popular do Bairro Changning de Shanghai através da conciliação civil sob o processo nº XXXX de (2010) 長民一初字 (anexo 2).
4.
O instrumento de conciliação civil acima referido dissolveu o casamento do casal em 2 de Abril de 2010.
5.
O instrumento de conciliação civil acima referido disse: “As duas partes chegaram a acordo sobre os seguintes pontos: 1. A autora divorcia-se, voluntariamente, do réu B; 2. As duas partes não têm outro argumento sobre o caso; 3. A custa de admissão do processo é de RMB200. O assunto é abordado em processo sumário e a custa é reduzida a metade (RMB 100) que será suportada pela autora voluntariamente.” O referido instrumento de conciliação civil é, sem dúvida, o procedimento legal para resolver o caso. No fim, foi decretada a dissolução do casamento deles.
6.
Pelo exposto, o teor e o uso do instrumento de conciliação civil são muito claros e explícitos, não se verifica qualquer dificuldade ou problema em percebê-los.
7.
O instrumento foi emitido pelo Tribunal Popular do Bairro Changning de Shanghai e o documento 2 foi reconhecido notarialmente pelo Cartório Notarial de Dong Fang de Shanghai após verificado o original, por isso, a sua autenticidade é inquestionável.
8.
O instrumento de conciliação civil foi elaborado em 2 de Abril de 2010 nos termos da Lei de Casamento da República Popular da China e a decisão já foi transitada em julgado
9.
Uma vez que a requerente e o requerido contraíram casamento civil em Shanghai, o Tribunal Popular do Bairro Changning de Shanghai era competente quanto ao referido instrumento de conciliação civil, não se verificando nenhuma fraude à lei.
10.
O divórcio abordado no referido instrumento não está perante uma situação de litispendência ou decisão judicial transitada em julgado.
11.
Por outro lado, a decisão judicial proferida no instrumento não é da competência exclusiva dos tribunais de Macau.
12.
A requerente e B participaram pessoalmente no procedimento de conciliação civil, tendo sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes no procedimento inteiro.
13.
Além disso, a decisão judicial no instrumento de conciliação civil não violou moral e cultura social de Macau, nem a sua ordem pública.
14.
Nos termos expostos, o instrumento de conciliação civil preenche perfeitamente os requisitos previstos no artigo 1200º do Código de Processo Civil de Macau.
Face a tudo o exposto, solicita aos Mmºs Juízes que julguem procedente o presente requerimento e confirmem o instrumento de conciliação civil elaborado pelo Tribunal Popular do Bairro Changning de Shanghai”.
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Formulou também pedido e apoio judiciário em termos que aqui damos por reproduzidos.
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O Réu foi citado, mas não deduziu contestação.
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O Digno Magistrado do MP opinou no sentido do deferimento do pedido de apoio judiciário (entretanto decidido a fls. 47 verso) e sobre o mérito do pedido não se manifestou contra a sua procedência.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III – Os Factos
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1- A requerente contraiu casamento civil com B em 24 de Fevereiro de 1984 no Bairro Changning de Shanghai da RPC (doc. fls. 6, 7 e 8 dos autos; tradução a fls. 8 do apenso traduções).
2 - Este casamento foi dissolvido por divórcio decretado no Tribunal Popular do Bairro Changning de Shanghai através da conciliação civil sob o processo nº XXXX de (2010) em 2 de Abril de 2010 (fls. 11 a 13 dos autos e 10 e 11 do referido apenso).
3- O teor da decisão é o seguinte:
República Popular da China
Tribunal Popular do Bairro Changning da Cidade de Shanghai
Instrumento de Conciliação Civil
Nº XXXX de (2010) 長民一(民)初字
Autora A, do sexo feminino, nascida em XX de XX de 19XX, residente de Macau, com domicílio na Região Administrativa Especial de Macau, Rua do XX nº XX, XX, Edf. XX, XXº andar - XX.
Representante constituída C (irmã mais nova da autora), nascida em XX de XX de 19XX, reside em Shanghai, XX區XX村 nº XX, Sala XX.
Réu B, do sexo masculino, nascido em XX de XX de 19XX, residente de Macau, com domicílio na Região Administrativa Especial de Macau, Rua do XX nº XX, XX, Edf. XX, XXº andar - XX.
Assunto do processo: Conflito de divórcio
Este Tribunal fez a conciliação durante o julgamento do caso. As duas partes chegaram a acordo sobre os seguintes pontos:
1. A autora A divorcia-se, voluntariamente, do réu B;
2. As duas partes não têm outro argumento sobre o caso;
3. A custa de admissão do processo é de RMB200. O assunto é abordado em processo sumário e a custa é reduzida a metade (RMB100) que será suportada pela autora voluntariamente.”
O acordo acima mencionado está de acordo com os termos da lei e é confirmado por este Tribunal.
O presente instrumento de conciliação produz efeitos jurídicos após assinado por ambas as partes.
O Juiz Substituto D
2 de Abril de 2010 (Carimbo do Tribunal Popular do Bairro Changning da Cidade de Shanghai)
Escrivão E
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IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio por conciliação civil (mútuo consentimento) com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta do documento que os efeitos do acordo de divórcio se começaram a produzir logo que assinado o instrumento, o que se verificou no mesmo dia 2 de Abril de 2010.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Popular do Bairro Changning da Cidade de Shangai da República Popular da China de 2 de Abril de 2010 que decreta o divórcio por “conciliação civil” entre A e B nos precisos termos acima transcritos.
Mais acordam em fixar ao douto patrono oficioso os honorários no montante de Mop$ 1500 (art. 29º, DL nº 41/94/M, de 1/08 e tabela da Portaria nº 265/96/M, de 28/10).
Custas pela requerente.
TSI, Macau, 12 / 05 / 2011
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José Cândido de Pinho
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)