Processo nº 1018/2010
Data: 17 de Março de 2011
Assuntos: - Arresto
-Audiência prévia
- Probabilidade do crédito
- Justo receio
SUMÁRIO
1. Tratando-se de uma providência cautelar especificada, o arresto, a própria lei dispensa a audiência prévia do requerido ou a parte contrária, isto é regra própria da providência cautelar especificada, derrogando a norma geral aplicável à providência cautelar comum.
2. O arresto preventivo é uma modalidade de providência cautelar especificada e visa evitar que determinado direito de crédito fique insatisfeito, por não se encontrarem, no património do devedor, bens suficientes para o pagamento, pressupondo a satisfação dos requisitos de probabilidade da existência do crédito e justo receio da perda da garantia patrimonial – artigos 326º nº 1 e 351º do Código de Processo Civil.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 1018/2010
Recorrente: A
Recorrida : B
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
B pedir que fosse decretado o arresto dos bens imóveis descritos sob o artigo 37º e 47º, em nome da Requeria A,invocando, por um lado, que os aludidos são os únicos bens conhecidos pela Requerente e pertencente à Requerida A e que possa satisfazer o crédito da Requerente B, por outro lado, o propósito de a mesma Requerida alienar os referidos bens.
Procedida a inquirição das testemunhas arroladas, o Tribunal julgou procedente a providência cautelar e decretou o arresto dos bens registados em nome da Requerida A, como abaixo identificados:
- Fracção autónoma designada por “B8”, correspondente ao 8º andar “B”, para habitação (imóvel), e,
- Fracção autónoma designada por “21C/V2”, correspondente à 2ª Cave “21”, para estacionamento (parque de estacionamento),
ambos do prédio sito nos nºs 482 a 516 da Estrada Governador Albano de Oliveira, 2 a 16 da Rua de Viseu e nos. 1 a 11 da Avenida de Kwoong Tung, descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21730 do livro B76, inscritos a seu favor, respectivamente, sob o nº 138162G e nº 138023G, o qual se acha construído sobre terreno concedido por arrendamento sob nº 23041 de livro F25 e com o registo da propriedade horizontal sob o nº 25607F.
Notificada da providência, A, casada, de nacionalidade chinesa, residente na República Popular da China, veio deduzir oposição ao arresto pedindo que se deve declarar nula a decisão em causa, anulando-se também todo o processado posterior ao requerimento inicial ou, se assim não se entender, ser a presente oposição julgada procedente por provada, e consequentemente ser revogada a provid6encia decretada, com as legais consequências.
Procedido o julgamento, o Mmº Juiz-Presidente proferiu a sentença decidindo manter o arresto anteriormente decretado por sentença de 18 de Dezembro de 2009.
Com esta sentença não conformou, recorreu para este Tribunal A, alegando que:
A. Ao optar pelo procedimento excepcional sem justificar a dispensa da prévia audiência da requerida, o despacho de fls. 28 incorreu no vício de “falta de citação” gerador de nulidade nos termos dos preceitos conjugados nos art.ºs 140º, nº 1, alínea. a) e 141º, alínea. a) do CPCM, o que implica a nulidade de todo o processado depois do requerimento inicial.
B. Ao dar por verificado o requisito de aparência do direito ou probabilidade da existência do direito, o Tribunal a quo violou o disposto no artº 420º, nº 2 do CCM, porque não ficou provado que a cedente A tenha garantido à cessionária B, no momento da cessão, o cumprimento das obrigações pelo cedido C de que esta ficava credora.
C. B não dispõe, portanto, do direito de resolver o contrato de cessão de posição contratual de 8 de Março de 2006, nem de pedir a devolução do que foi prestado à A por conta desse contrato, pelo que não existe a aparência do direito supostamente ameaçado.
D. Por outro lado, não existe periculum in mora.
E. Isto porque atenta a função meramente preventiva do arresto parece insuficiente basear a medida cautelar no simples facto, desacompanhado de quaisquer outros, de ter ficado provado nos presentes autos que a requerida passou a favor da sua irmã uma procuração com poderes especiais para, entre outros actos, vender as únicas fracções que possui em Macau, incluindo poderes para prática de negócio consigo mesmo, já que tal acto não é um acto preparatório da venda nem é equiparável à tentativa de alienação do património.
F. Se a requerida pretendesse desfazer-se das fracções identificadas na procuração a que se refere o documento 9 junto ao requerimento inicial, tê-las-ia alienado e não passado uma procuração à sua irmã, pelo que improcede completamente o argumento de que a casa e o parque também podem ser transferidos a terceiro em qualquer momento, através da dita procuração com poderes especiais.
G. Isto porque tal possibilidade sempre existiria, independentemente de ter ou não sido outorgada a procuração em causa, sem que isso, por si só, consista num procedimento anómalo que revele o propósito de a Requerida não cumprir a obrigação ou numa actuação que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito.
H. Neste sentido concorre o fato de não terem sido sequer alegados quaisquer factos susceptíveis de indiciar o receio de insolvência da Requerida (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas), ou do da ocultação, por parte desta, dos seus bens (se, por exemplo, ela tivesse começado a diligenciar nesse sentido, ou se costumasse fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas).
I. Também não ficaram provados factos susceptíveis de indiciar o receio de que a Requerida vendesse os seus bens (como sucederia se se tivesse provado que estava a tentar fazê-lo…) ou de que os transferisse para o estrangeiro (como sucederia se, por exemplo, tivesse ameaçado fazê-lo, ou se já tivesse transferido alguns.
J. Assim, do confronto dos factos provados descritos sob os travessões 13 e 14 de fls. 246 e 246v com o facto provado a fls. 140 sob o nº 43, resulta que a requerida não estará em vias de dissipar a casa e o parque, tendo muito pelo contrário, fortes razões para o não fazer, designadamente a manutenção e renovação da autorização de residência temporária na RAEM por investimento (nas fracções em causa) ao abrigo do regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, aprovado pelo Regulamento Administrativo 3/2005.
K. Acresce que face aos depoimentos das testemunhas arroladas pela requerida nada obstava que tivessem ficado indiciariamente provados os factos a que referem os artigos 10º, 11º, 21º, 24º, 31º e 32º da Oposição.
L. Já quanto aos factos artigos 39º, 40º, 41º e 43º provados pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela requerente, os mesmos não deveriam ter sido sequer considerados por violação do disposto no art.º 589º, nº 1 do CPCM.
Ao recurso respondeu a ré B alegando que:
1. Há procedimentos cautelares nominados que, pela sua natureza, devem ser sempre decretados sem audi6encia do(a) requerido(a), como é precisamente o caso do arresto que foi decretado nos presentes autos.
2. O próprio artigo 353º, nº 1, do CPC é perfeitamente claro nesse sentido ao estatuir que “Produzidas as provas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais”.
3. Concluindo-se assim de que não havia, no caso sub judice, qualquer dever por parte da Mmª Juíza de fundamentar a decisão de não ouvir a ora Recorrente até porque, muito embora o principio do contraditório seja a regra em sede de direito processual civil, no domínio das providências cautelares é, já ele, uma excepção.
4. A juíza titular do processo não violou assim qualquer disposição legal ao designar a data para a inquirição das testemunhas da ora Recorrida, sendo que o despacho judicial de fls. 28 posto em crise está totalmente em conformidade com o disposto no artigo 353º, nº 1, do CPC porque no arresto, salvo melhor entendimento, a audi6encia prévia é sempre dispensada, i.e., a parte contrária nunca é ouvida antes da decretação ou não da providência solicitada.
5. Não merecendo, por conseguinte, qualquer censura a sentença recorrida na parte em que julgou totalmente improcedente a excepção da nulidade invocada pela ora Recorrente.
6. In casu, haveria sempre lugar ao contraditório diferido porquanto a audição prévia da ora Recorrente iria necessariamente colocar em risco o fim da providência e, assim, a efectividade do direito que a ora Recorrida pretendia acautelar.
7. Não se pode olvidar que há providência cautelares – como é o caso do presente arresto – que pelas suas características correm sérios riscos de inutilidade com a audiência prévia da parte contrária, sendo necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre o direito de acção e o direito de defesa.
8. Concluindo-se assim que, no caso em apreço, o juiz poderia limitar-se a ordenar as diligências de prova requeridas sem ter que justificar a não audi6encia da ora Recorrente, tal como veio a verificar-se, não violando o despacho em causa qualquer normativo legal.
9. Acresce que a nulidade suscitada não poderia nem deveria ser deduzida em sede de oposição, sobretudo se atentarmos que o poder jurisdicional da Mmª Juíza o quo esgotou-se com a prolação do despacho em causa que ordenou a realização das diligências de prova requeridas, não podendo a mesma Magistrada anular o despacho que ela mesma proferiu e, consequentemente, todo o processado posterior.
10. A cessão da posição contratual só vale, como é evidente, a partir da prestação do consentimento da outra parte (contraente cedido), ou seja, é sempre essencial para a validade do negócio o consentimento da outra parte na transmissão.
11. Esse consentimento é elemento integrante do negócio: o acordo entre o cedente e o cessionário dá origem a um negócio in itenere cuja validade e eficácia está subordinada ao consentimento do outro contraente.
12. No caso sub Júdice, as partes não celebraram um contrato de cessão strictu sensu uma vez que, para tanto, seria necessária uma terceira vontade negocial (ou seja, do cedido C) que consentisse na transmissão da posição contratual.
13. Ora, este consentimento nunca foi dado pelo que, faltando esta declaração negocial, não se operou qualquer cessão da posição contratual.
14. Mesmo que se interprete a cláusula 9ª do contrato-promessa celebrado entre C e a ora Recorrente como uma declaração de consentimento prévio à cessão da posição contratual, o certo é que para que a cessão se tornasse eficaz seria sempre necessário que a mesma fosse levada ao conhecimento do contraente cedido (C), por meio de notificação, ou, em alternativa, que este a reconhecesse (v., a propósito, artigo 418º, nº 2, do CC).
15. Ora, C nunca tomou conhecimento da referida cessão, fosse por meio de notificação fosse por outro meio qualquer, nem tão pouco a reconheceu, de forma expressa ou tácita.
16. Mas esta ausência não invalida os efeitos obrigacionais do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, não já como cessão da posição contratual, mas como vínculo contratual gerador de responsabilidade civil ou obrigação de indemnizar.
17. Temos assim que o contrato de cessão da posição contratual outorgado entre a Recorrente e a Recorrida é ineficaz, por falta de um elemento integrante e constitutivo do mesmo – falta de consentimento do contraente cedido (C) ou, existindo hipoteticamente um consentimento prévio por parte deste, falta de notificação ou reconhecimento posteriores -, assistindo assim à Recorrida o direito de exigir da Recorrente a restituição da prestação por inteiro, ou seja, do montante de HKD$720,000.00 que aquela entregou a esta ao abrigo do contrato celebrado entre as duas partes, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da ora Recorrente.
18. É que não se pode olvidar que a Recorrente requereu judicialmente a devolução do sinal em dobro que prestou e, como tal, a destruição unilateral (resolução) do contrato-promessa de 7 de Maio de 2004 no âmbito da acção declarativa de condenação registada sob o nº CV2-09-0067-CAO.
19. Com a interposição daquela acção judicial instaurada contra C, veio a Recorrente, na prática, a inviabilizar definitivamente qualquer possibilidade da Recorrida vir a ocupar a posição contratual que aquela (Recorrente) ainda ocupa naquele contrato-promessa, inviabilizado a concretização do acordo de cessão da posição contratual e do próprio contrato promessa.
20. É, pois, perfeitamente objectiva a perda de interesse da própria Recorrida no cumprimento do contrato que celebrou com a Recorrente pelas razões acima aludidas, contrato esse que, embora ineficaz perante C, ainda se mantém válido perante as partes contratantes, impondo-se assim a sua resolução e, bem assim, a devolução do preço que foi pago pela Recorrida a esse título.
21. A Recorrente incumpriu assim definitivamente o acordo de cessão da posição contratual celebrado com a Recorrida, estando aquela obrigada consequentemente a restituir a favor desta o montante que recebeu no valor global de HKD$720,000.00, sendo que, como se pode ler na sentença recorrida, nunca foi intenção das partes, fosse através da cláusula 5ª fosse através de qualquer outra cláusula do contrato de cessão, que a Recorrida tivesse renunciado ao direito de receber aquele preço que pagou à Recorrente.
22. Em conclusão, não merece qualquer censura o segmento da sentença recorrida na parte em que considera, ainda que indiciariamente, que a Recorrida tem para com a Recorrente um crédito, dando assim por verificado o requisito de aparência do direito ou probabilidade da existência do direito exigido no artigo 352º do CPC.
23. Em face da matéria dada como plenamente assente, concluir-se, sem sombra de dúvidas, que a Recorrida receava justificadamente não conseguir cobrar o seu crédito uma vez que existia o sério risco da Recorrente alienar as fracções autónomas arrestadas e com isso a Recorrida perder a única garantia patrimonial que conhece.
24. Por outras palavras, existia um justo receio de que a Recorrente pudesse entrar numa situação de insuficiência patrimonial ao dissipar o seu património consubstanciado nos imóveis acima identificados, sendo que, nesse caso, a Recorrida teria sérias dificuldades em conseguir salvaguardar os seus direitos que se veriam, em termos práticos, inutilizados, tal como vem reconhecido na sentença recorrida.
25. A existência da procuração em causa conferindo poderes especiais à respectiva mandatária para, entre outros, actos, vender aquelas fracções autónomas, incluindo poderes para a prática de negócio consigo mesmo, e o próprio comportamento da Recorrente ao recusar-se terminantemente a devolver à Recorrida o montante em causa, furtando-se inclusivamente aos contactos repetidos encetados por esta junto daquela com vista a receber essa quantia, comprova precisamente o justo receio por parte da Recorrida de perder a única garantia patrimonial do seu crédito.
26. Pelo que também aqui não merece qualquer censura o segmento da sentença recorrida na parte em que considera plenamente verificado o requisito em caus – periculum in mora – igualmente exigido no artigo 352º do CPC.
27. A possibilidade conferida pela lei do processo civil de reapreciação da matéria de facto não deve ser erigida num regime-regra, antes configura um meio excepcional, circunscrito às hipóteses em que a renovação dos meios de prova se revele absolutamente indispensável ao apuramento da verdade material e ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto aos pontos da matéria de facto impugnada.
28. Em face desse carácter excepcional da renovação dos meios de prova em sede de recurso, é jurisprudência unânime que a eventual alteração da matéria de facto só pode ter lugar quando haja elementos cuja análise a imponham muito claramente, não sendo suficiente que a análise da prova possa sugerir respostas diferentes das que foram dadas.
29. Ora, no caso presente temos como inquestionável que o Tribunal a quo valorou adequadamente o depoimento das testemunhas D e E prestado no dia 7 de Julho de 2010 (cfr. fls. 240 e 241 dos autos).
30. O que não se mostra possível é pretender uma reescrita dos factos com base no pressuposto de que o depoimento integral daquelas testemunhas corresponderia necessariamente à verdade absoluta dos factos, tendo o Tribunal obrigatoriamente que dar como provado tudo o que aquelas testemunhas afirmaram.
31. Estando os factos em questão sujeitos ao princípio geral da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558º, nº 1, do CPC, dispunha o Tribunal a quo da capacidade analítica e crítica para avaliar da veracidade desses depoimentos de forma a dar como assente, parcialmente assente ou mesmo não provada a matéria em causa.
32. O Tribunal a quo julgou segundo a sua consciência e a convicção que formou, não estando adstrito nem vinculado a qualquer quadro de valoração do depoimento prestado, não tendo agora o TSI, em sede de recurso, poderes para censurar a convicção a que, a esse respeito, chegou a 1ª instância.
33. Acresce ainda que a Recorrente não apresenta qualquer elemento fornecido pelo processo que pudesse impor decisivamente uma decisão diversa da adoptada pelo Tribunal a quo, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova, ou qualquer documento novo superveniente e que, por si só, fosse suficiente para destruir a prova em que aquela decisão de facto assentou (v., a este propósito, alíneas b) e c) do artigo 629º do CPC).
34. Em suma, analisando as provas produzidas somas levados a concluir necessariamente que a decisão de facto adoptada pelo Tribunal de 1ª instância relativamente aos artigos 10º, 11º, 21º, 24º, 31º e 32º da Oposição ao Arresto não assentou em qualquer erro nem tão pouco se mostrou contrária às regras da experiência, da lógica e/ou dos conhecimentos científicos, não podendo a mesma decisão deixar de subsistir.
35. Por outro lado, o depoimento da testemunha D não incidiu sobre a matéria dos artigos 39º, 40º, 41º e 43º do requerimento de arresto de fls. 2 e ss. pelo que não pode o mesmo ser valorado como contraprova daquela mesma matéria nos termos pretendidos pela Recorrente.
36. Acresce que a oposição contra a providência tem por fundamento especifico factos em contrário daqueles que serviram de fundamento à providência ou que aconselhem a sua redução a justos limites, ou seja, tem por finalidade a apresentação de outros factos que não foram anteriormente tidos em conta pelo Tribunal de modo a afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
37. Ora, tendo a Recorrente utilizado apenas aquele meio, não pode vir agora impugnar a decisão de facto que sustentou a providência decretada, designadamente a matéria plasmada nos artigos 39º, 40º, 41º e 43º do requerimento de arresto de fls. 2 e ss. que foi dada como totalmente assente, a qual se tem por inteiramente inabalável.
38. A esfera de acção da Recorrente teria forçosamente que limitar-se à apresentação de outros factos (que não aqueles que justificaram a providência decretada) e que, de alguma forma, pudessem infirmar os fundamentos que norteram o respectiva decisão judicial de decretamento da mesma providência ou, no mínimo, determinar a sua redução.
39. Em conclusão, a decisão do Tribunal de 1ª instância relativamente aos artigos 39º, 40º, 41º e 43º do requerimento de arresto de fls. 2 e ss. Não assentou em qualquer erro de julgamento, devendo a decisão de facto recorrida (que considerou aqueles factos provados) manter-se totalmente incólume.
40. Por fim, não encerra a decisão de facto proferida a coberto da sentença de fls. 137 e ss. qualquer violação do artigo 539º do CPC, tendo as testemunhas em causa (F e G) formulado o seu depoimento sobre toda a matéria do requerimento inicial de arresto de fls. 22 e ss. (cfr. acta de inquirição de testemunhas de fls. 135 e 136), com isenção e imparcialidade, indicando ainda a razão de ciência que sustentou o seu conhecimento dos factos em causa.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida que decidiu manter o arresto anteriormente decretado por sentença de 18 de Dezembro de 2009.
Cumpre-se decidir.
Foram colhidos os vistos legais.
À matéria de facto foi dada por assente a seguinte factualidade:
A. Da sentença que decretou o arresto
- Em 7 de Maio de 2004, C e a ora Requerida, A, celebraram um contrato-promessa de compra e venda de quatro lugares de estacionamento.
- De acordo com o referido contrato-promessa, C comprometeu-se a vender à ora Requerida quatro lugares de estacionamento com os nos. 11, 12, 13 e 14 do prédio urbano denominado “Lote N18” sito na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), Rua de Londres, nos. 10 a 116, Alameda Dr. Carlos D'Assumpção, nos. 82 a 122, Avenida do Governador Jaime Silvério Marques, nos. 81 a 123, e Rua de Madrid, nos. 9 a 117, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21937 do livro B-104A, pelo preço global de HKD233,000.00, equivalente a MOP$240,340.00.
- Tendo as partes estipulado assim o preço de HKD58,250.00 por cada lugar de estacionamento (cfr., cláusula 1ª do referido contrato-promessa).
- Os referidos parques de estacionamento com os nos. 11, 12, 13 e 14 são actualmente quatro fracções autónomas designadas, respectivamente, por “A1-79”, “A1-80”, “A1-81” e “A1-82”, correspondentes ao 1º andar “A”, para estacionamento, do referido prédio urbano.
- No momento da celebração do referido contrato-promessa, a ora Requerida pagou a C o montante de HKD116,500.00 equivalente a metade do preço convencionado, tendo liquidado o remanescente do preço três dias mais tarde, i.e., em 10 de Maio de 2004.
- Em 11 de Maio de 2004, a ora Requerida pagou os 3% de imposto de selo relativo à (promessa de) compra e venda dos referidos lugares de estacionamento.
- No momento da celebração do referido contrato-promessa, C não era, nem ainda é, o proprietário daqueles lugares de estacionamento porquanto aqueles imóveis estão ainda inscritos em nome da “Sociedade Fomento Predial XXX, Limitada” conforme inscrição n.º 69587 do livro G.
- Ora, fazendo fé no que diz a ora Requerida, C, no momento da celebração daquele contrato-promessa, exibiu a A o contrato-promessa anterior “a fim de provar que já adquirira o direito à aquisição dos referidos lugares de estacionamento”.
- E, segundo ainda a mesma Requerida, por essa razão esta acreditou que C possuía o direito de aquisição dos lugares de estacionamento em causa, decidindo então celebrar o referido contrato-promessa.
- De acordo com a cláusula 2ª do referido contrato-promessa, a escritura de compra e venda deveria ser formalizada no prazo de três meses a contar da celebração do mesmo contrato, ou seja, até 7 de Agosto de 2004.
- Sucede que, no dia 28 de Fevereiro de 2006, por contrato particular, a ora Requerida, A, ora representada pela D, prometeu transmitir à ora Requerente, B, a sua posição contratual no referido contrato-promessa (de 7/05/2004) de compra e venda dos 4 parques de estacionamentos acima identificados.
- No referido contrato-promessa de cessão da posição contratual as partes estipularam que o preço total da cessão era de HKD$720,000.00 (equivalente a MOP$741,600.00) que seria pago da seguinte forma:
- no acto de assinatura deste contrato, a ora Requerente pagaria à ora Requerida quantia HKD$360.000,00, correspondente a 50% do preço convencionado, a título de princípio de pagamento e sinal;
- o remanescente do preço, no montante de HKD360.000,00, seria pago pela Requerente no momento da celebração do contrato prometido de cessão da posição contratual, o qual seria celebrado até ao dia 30 de Março de 2006.
- Conforme acordado entre as partes, em 28 de Fevereiro de 2006 a Requerente entregou à D, representante da Requerida e com poderes para o efeito, o montante de HKD$360,000.00, através do cheque n.º 2066909 sacado sobre o BCM.
- Por fim, foi celebrado em 8 de Março de 2006 o contrato prometido de cessão da posição contratual no Cartório do Notário Privado Fong Kin Ip, nos termos do qual a Requerida transmitiu à Requerente a sua posição contratual de promitente compradora das referidas fracções autónomas (parques de estacionamento com os n.ºs 11, 12, 13 e 14) designadas, respectivamente, por “A 1-79”, “A1-80”, “A1-81” e “A1-82”, correspondentes ao 1º andar “A”, para estacionamento, do referido prédio urbano denominado “Lote N18” sito na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
- Na referida data, ou seja, em 8 de Março de 2006, a Requerente entregou à Requerida o montante de HKD$360,000.00, através de dois cheques (cashier order nº FTH 163227 sacado sobre o Banco Tai Fung no valor de HKD120,000.00 e cheque nº 2066911 sacado sobre o BCM no valor de HKD240,000.00).
- Sucede que, no caso sub judice, C, na qualidade de contraente cedido, nunca deu consentimento ou autorização à referida cessão da posição contratual.
- Acresce ainda que a Requerida, em 15/09/2009, veio intentar uma acção declarativa de condenação registada sob o n.° CV2-09-0067-CAO contra C que corre os seus termos no 2° Juízo Cível desse Tribunal.
- Na referida acção judicial, alega a Requerida que C não procurou marcar data para a celebração da escritura de compra e venda daqueles parques, fosse dentro do prazo convencionado no contrato - promessa de 7/5/2004 fosse posteriormente, nem tão pouco apresentou qualquer outra forma de resolução da situação, não obstante as interpelações feitas pela Requerida junto daquele nesse sentido.
- A Requerida imputa assim a C na referida acção judicial o incumprimento do contrato em causa, alegando ainda que perdeu o interesse que tinha no cumprimento daquele contrato - promessa.
- Pedindo, em consequência, nessa acção, o dobro do sinal que prestou e, subsidiariamente, a restituição do que prestou.
- No caso sub judice, as partes não celebraram um contrato de cessão de posição contratual “strictu sensu”.
- Pois, o consentimento do contraente cedido (de C) nunca foi dado, pelo que não se operou qualquer cessão da posição contratual.
- Mesmo que se interprete a cláusula 9ª do contrato – promessa celebrado entre C e a ora Requerida, A, como uma declaração de consentimento prévio à cessão da posição contratual, o certo é que para que a cessão se tomasse eficaz seria sempre necessário que a mesma fosse levada ao conhecimento do contraente cedido (C), por meio de notificação, ou, em alternativa, que este a reconhecesse, o que não foi o caso na situação em apreço.
- Efectivamente, veio a Requerida requerer judicialmente a devolução do sinal em dobro que prestou e, como tal, a destruição unilateral (resolução) do contrato. Promessa de 7 de Maio de 2004.
- Com a interposição daquela acção judicial instaurada contra C, veio a Requerida, na prática, a inviabilizar definitivamente qualquer possibilidade da Requerente vir a ocupar a posição contratual que aquela ainda ocupa naquele contrato - promessa.
- Conforme informação prestada pela Direcção dos Serviços de Finanças, a Requerida é proprietária apenas dos seguintes bens imóveis:
1) Fracção autónoma designada por "B8", correspondente ao 8º andar “B”, para habitação (imóvel), e,
2) Fracção autónoma designada por “21C/V2”, correspondente à 2ª Cave “21”, para estacionamento (parque de estacionamento),
Ambas do prédio sito nos nos. 482 a 516 da Estrada Governador Albano de Oliveira, 2 a 16 da Rua de Viseu e nos. 1 a 11 da Avenida de Kwong Tung, descritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21730 do livro B76, inscritos a seu favor, respectivamente, sob o n.º 138162G e n.º 138023G, o qual se acha construído sobre terreno concedido por arrendamento, com o registo da propriedade horizontal n. 25607F.
- O imóvel e o parque de estacionamento estão inscritos na matriz predial sob o artigo nº 40837 e possuem, respectivamente, os valores matriciais de MOP$1,026.080.00 e de MOP$125,000.00.
- Ora, a Requerida tem-se recusado terminantemente a devolver à requerente aquele montante de HKD$720,000.00,furtando-se ultimamente aos contactos repetidos que a Requerente tem vindo a encetar junto daquela com vista a receber essa quantia.
- Bem como escondeu sempre que perdeu qualquer interesse na aquisição dos parques de estacionamento e que intentou uma acção para o efeito inviabilizando a concretização do contrato assinado com a Requerente.
- A Requerente continua assim a não conseguir obter a cobrança do seu crédito, não obstante as muitas tentativas levadas a cabo para esse efeito.
- Com efeito, a Requerida outorgou recentemente, mais precisamente em 9/10/2009, uma procuração a favor de D relativamente aos referidos imóveis, conferindo poderes a esta (D) para alienar esses bens, o que denota a existência de uma grande probabilidade da mesma vender a terceiros esses mesmos bens num futuro próximo.
Factos não provados:
Não se demonstrou sumariamente os factos constantes dos artigos 21º a 28º, 32º a 33º, 36º, 42º, 44º a 50º do requerimento inicial, porquanto serem factos conclusivos ou alegação de direito.
B. Da sentença que julgou a oposição
- B sabia que o C não tinha dado o consentimento ou autorização à referida cessão. (artº 8º)
- Quando assinou o contrato de cessão da posição contratual, a B conhecia e aceitou o risco aludido na cláusula 5º do contrato de fls. 20. (artº 9)
- O preço de mercado de cada parque em causa era, à data, de cerca de HKD$280,000.00. (artº 10)
- Na altura da celebração do contrato, a B foi assistida pelo seu filho e agente imobiliário G. (artº 11)
- Antes de assinar, a B certificou-se junto ao seu filho e intermediário do negócio se o podia fazer, ao que o G respondeu afirmativamente. (artº 12)
- Depois de celebração do contrato, a A pagou a quantia de HKD$120,000.00 ao G a título de comissão na intermediação do negócio. (artº 13)
- O tal valor da comissão paga ao G prendeu-se com a dificuldade de encontrar um investidor disposto a correr o risco da celebração do contrato de 8 de Março de 2006 referido no ponto 14 dos factos provados na sentença. (artº 14)
- Três dos parques A1-80, A1-81 e A1-82 acabaram por ser adquiridos pela H em 1 de Junoh de 2006. (artº 16)
- Em 2006, a B sempre contactou com a D, para pagar o preço dos parques, conforme os cheques de fls. 19, 21 e 22, os quais foram assinados e entregues pela B à D. (artº 22)
- B e o G sabem o número do contacto telefónico da D. (artº 23)
- B chegou a contactar a D para exigir o que entendia ter direito. (artº 26)
- Provado o que consta do teor da procuração de fls. 75 e 76. (artº 30º e 31º)
- Em 12 de Setembro de 2006, a A requereu a fixação de residência por investimento no processo 2089/2006 (doc. 1 junto com a oposição), ao abrigo do “Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados” do Regulamento Administrativo nº 3/2005. (artº 33º)
- Para tanto adquiriu a referida fracção “B8” (doc. 2 junto com a oposição), tendo, por conseguinte obtido autorização de residência temporária de RAEM até 19 de Dezembro de 2010. (doc. 3) (artº 34)
Foi objecto do presente recurso a sentença proferida na oposição ao arresto.
Como se sabe, nos termos do previsto no artigo 333º do Código de Processo Civil, quando não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, o requerido pode, em alternativa: a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; e b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou fazer uso de meios de prova não considerados pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 331.º e 332.º E no caso a que se refere a alínea b) do número anterior, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
Por isso a decisão precedente que decretou o arresto constitui também parte integral do objecto do presente recurso interposto em consequência da sentença proferida na oposição ao mesmo arresto.
Foram colocadas as seguintes questões:
- Nulidade processual por falta de audiência prévia do requerido, o que equivalente à falta de citação;
- Inexistência aparente do direito;
- Inexistência do perigo de mora;
- Vício na decisão da matéria de facto, nomeadamente a violação do disposto no artigo 539º nº 1 do Código de Processo Civil.
Vejamos.
1. Audiência prévia do requerido
A recorrente invocou a falta de proceder a audiência prévia do requerido nos termos do artigo 330º do Código de Processo Civil, o que conduzia à nulidade processual, o que equivalente à falta de citação, nos termos do artigo 141º do mesmo Código.
Não tem mínima razão.
Sendo certo como regra geral, a lei exige a audiência prévia do requerido excepto quando a própria audiência puser em risco sério o respectivo fim ou eficácia (artigo 330º nº 1), Mas, como uma providência cautelar especificada, o arresto, a própria lei dispensa a audiência prévia do requerido ou a parte contrária, tendo em conta, com certeza a natureza do próprio arresto (artigo 353º nº 1).
Trata-se de uma regra própria da providência cautelar especificada, derrogando a norma geral aplicável à providência cautelar comum.
Julgou neste sentido o recente acórdão deste TSI de 24 de Fevereiro de 2011 do processo nº 995/2010.
Sem mais fundamentos alongados, e de improceder o impugnado vício nesta parte.
2. Decisão da providência cautelar do arresto
O arresto preventivo é uma modalidade de providência cautelar especificada e visa evitar que determinado direito de crédito fique insatisfeito, por não se encontrarem, no património do devedor, bens suficientes para o pagamento. Como dizia Alberto dos Reis, “aqui é nítida a feição cautelar: perigo de insatisfação do direito”.1
Para que o Tribunal possa decretar tal providência deve satisfazer, além dos pressupostos comuns (instrumentalidade – aqui hipoteca, por presuntiva de vencimento ulterior em acção principal; o periculum in mora – caracterizando pela iminência de grave prejuízo causado pela provável demora da decisão definitiva e que põe em grave risco o direito do requerente; o fumus bonni juris ou a aparência da realidade do direito invocado, a conhecer através de um exame e instrução indiciárias)2, dois requisitos: probabilidade da existência do crédito e justo receio da perda da garantia patrimonial – artigos 326º nº 1 e 351º do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 326º:
“1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhuma das providências reguladas no capítulo subsequente, a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
3. O tribunal pode decretar providência diversa da concretamente requerida.
4. O tribunal pode autorizar a cumulação de providências a que caibam formas de procedimento diferentes, desde que os procedimentos não sigam uma tramitação manifestamente incompatível e haja na cumulação interesse relevante; neste caso, incumbe--lhe adaptar a tramitação do procedimento à cumulação autorizada.
5. Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que tenha sido julgada injustificada ou tenha caducado.”
E prevê o artigo 351º:
“1. O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2. O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta secção.”
Para o efeito, cabe ao requerente do arresto o ónus de prova destes factos demonstradores daqueles dois requisitos, podendo, porém, o arrestado, caso seja convocado, impugná-lo.
Com a petição, o requerente deve oferecer prova sumária do direito ameaçado e justificar o receio da lesão – artigo 329º.
Primeiro, cabe verificar a existência aparente do direito ameaçado. Não se pode deixar de lembrar do ensino do Professor Alberto dos Reis,3 a providência cautelar, não é um fim, mas sim um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material. Portanto, a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-se definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo.
Neste conformidade, o direito a acautelar mediante o processo preventivo só pode ser o que na causa principal pudesse vir a ser declarado constituído ou exigido.
Segundo, o justo ou fundado receio de perda de garantia do seu crédito, que a lei exige ao credor alegar e provar para obter o arresto de bens do devedor, consiste num receio de que se frustre ou torne consideravelmente difícil a realização do crédito, receio que deve ser apreciado, objectiva e convincentemente, com capacidade de explicar a pretensão do requerente e não apenas segundo apreciação pessoal ou mera convicções, de carácter subjectiva do requerente.4
Não basta pois que os bens do devedor possam, com maior ou menor facilidade, ser alienados ou dissipados, sendo necessário que ele tenha praticado factos ou assumido atitudes que razoavelmente interpretadas conduzam a suspeita de que esta a preparar-se para subtrair os seus bens a acção do devedor.5
E noutro pólo desta providência, encontra-se a defesa por embargos/oposição, que se destinam afastar os fundamentos da providência cautelar, no entendimento do seu desajustamento com a realidade, e não discutir questões que são eventual objecto da acção principal de que a providência é dependência.6
Nos presentes autos, o objecto do recurso incide sobre a sentença que julgou improcedente a oposição à providência cautelar de arresto, sem ela ter sido ouvida.
Sabe-se que, conforme o disposto no artigo 333° do Código de Processo Civil, quando não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, o requerido pode, em alternativa, na sequência da notificação:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; ou
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou fazer uso de meios de prova não considerados pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 331.º e 332.º
A recorrente optou-se a segunda via, com a alegação dos factos não considerados pelo Tribunal para o afastamento dos fundamentos da providência.
Tanto o despacho inicial que decretou a providência cautelar como a sentença proferida em consequência da oposição à mesma, têm sempre com base nos factos indiciários e na sua análise até perfunctória que não implica o conhecimento total da verdadeira situação de facto e que não compromete irremediavelmente a real situação jurídica substantiva das partes.7
Neste contexto, a possibilidade conferida pela lei do Processo Civil de reapreciação da matéria de facto não deve ser erigida num regime-regra, antes configura um meio excepcional, circunscrito às hipóteses em que a renovação dos meios de prova se revele absolutamente indispensável ao apuramento da verdade material e ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto aos pontos da matéria de facto impugnada.8
No fundo, porém, a pretensão da reapreciação da prova da recorrente incide precisamente na matéria de factos indiciários que fundamenta o “justificado receio” (o periculum in mora), assim sendo, fica esta parte de “reapreciação da prova” conjuntamente com a apreciação do Segundo requisito da providência.
2.1. Do fumus bonni juris
Nas suas conclusões B e C a recorrente entendeu que B não dispõe, portanto, do direito de resolver o contrato de cessão de posição contratual de 8 de Março de 2006, nem de pedir a devolução do que foi prestado à A por conta desse contrato por não ter ficado provado que a cedente A tenha garantido à cessionária B, no momento da cessão, o cumprimento das obrigações pelo cedido C de que esta ficava credora, impugnando assim contra o Tribunal pela violação do disposto no artº 420º, nº 2 do Código Civil.
Dispõe este artigo 420° (Garantia da existência da posição contratual) que:
“1. O cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.
2. A garantia do cumprimento das obrigações só existe se for convencionada nos termos gerais.”
De facto, B (requerente) e A (requerida) tinha assinado um contrato de promessa de compra e venda de 4 lugares de estacionamento, com o qual configuraram um contrato de cessão da posição contratual anteriormente assinado entre A e C. Este último não se consentiu com a cessão da posição contratual, e por sua vez a requerida tinha intentado acção de indemnização contra esse C pelo incumprimento do contrato promessa e pela sua perda do interesse no seu cumprimento, com o pedido do dobro sinal (processo este que se registou junto do TJB sob n° CV2-09-0067-CAO).
Após o contrato entre a requerente e a requerida, a requerente tinha pago efectivamente o preço de HKD$720.000,00.
No despacho inicial que decretou o arresto, por ter entendido que se mostrava ser a requerente credor da requerida desse valor entregue, por ter demonstrado a impossibilidade da entrega do objecto do contrato.
Na sua oposição ao arresto, a requerida invocou que a requerente sabia que a cessão não obtinha o consentimento do outra parte contraente e que tinha conhecimento já no momento da assinatura do contrato do facto do registo provisório da acção sobre os imóveis em causa, devendo por si assumir o risco representado na cláusula 5° do contrato.
Constava desta cláusula que “5.乙方清楚知道上述4個停車位於澳門特別行政區法院存有訴訟,甲方不負責因訴訟結果所產生之一切法律及經濟責任。”9
O Mm° Juiz presidente que julgou da oposição, entendeu que essa cláusula não desresponsabilisar a requerida da devolução do preço entregue aquando a impossibilidade de cumprimento do contrato de cessão da posição contratual.
E no recurso a recorrente chamou a colação da aplicação do disposto no artigo 420° do Código Civil, a responsabilidade da requerida ora recorrente insubsistente por a requerente ora recorrida não dispor o direito de revolver o contrato de cessão da posição contratual nem ter pedido a devolução do montante entregue, pois não está provado que o facto de não ter garantido pela requerida ora recorrente o cumprimento das obrigações pelo cedido C.
Independentemente da eventual responsabilidade da falta da garantia pela requerida no cumprimento, que seria discutida em sede própria, já não nesta providência cautelar em que discute apenas a existência aparente do crédito a favor do requerente da mesma providência.
Dos factos está expressamente indiciado que se demonstra a impossibilidade para a requerente em obter a entrega dos imóveis, aparentemente por isso confere à requerente o direito de ver devolver o dinheiro entregue, sob pena de enriquecimento sem causa, enquanto não fazia prova que esta impossibilidade lhe foi imputável.
Tinha razão o Mm° Juiz-Presidente, pois o risco a que ela devia assumir teria incidido tão só em ver a impossibilidade de obter o cumprimento efectivo da cessão da posição contratual com a entrega efectiva dos imóveis, objecto do contrato cedido, já não o risco de perder o preço ou sinal entregue.
Logo, verificou este primeiro requisito.
2.2. Do periculum in mora.
Das restantes conclusões pretendeu a recorrente alegar a falta de verificação deste segundo requisito do arresto – a perda de garantia patrimonial do seu crédito.
No seu recurso entendeu a recorrente que não está em vias de dissipar a casa e o parque, tendo muito pelo contrário, fortes razões para o não fazer, designadamente a constituição do contrato de arrendamento sobre o imóvel e a manutenção e renovação da autorização de residência temporária na RAEM por investimento (nas fracções em causa) ao abrigo do regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados; e, enquanto o facto de ter passado uma procuração a favor da sua irmã com o poder especial de alienar a terceira até de praticar os negócios consigo mesmo não é suficiente justificar o receio de perda da garantia patrimonial do crédito. Por outro lado, não se fez prova do receio de insolvência da requerida ou do da ocultação dos seus bens.
Independentemente dos demais factos indiciários, o facto de ter passado procuração com poder especial de alienar o seu único bem imóvel na RAEM, até o poder de praticar o negócio consigo mesmo é mais do que suficiente concluir esse referido justificado receio de perda de garantia patrimonial.
É de conhecimento público na RAEM que este tipo de procuração com poder especial é uma prática muito corrente configuradora de transmissão da propriedade, nomeadamente quase em todos os casos, o procurador teria recebido o preço total dos bens imóveis. Já não seria relevante o facto de ter ou não recebido o preço da sua irmã.
O facto de ter pedido da fixação da residência na RAEM, até mesmo que estivesse provado o facto de arrendar o imóvel, nada impede que a requerida transmite o seu único bem imóvel na RAEM.
Daí, andou bem o Tribunal a quo, a sua decisão não merece qualquer reparo, o que torna irrelevantes os novos factos indiciários articulados na sua oposição, ainda por cima, a produção das provas na primeira instância não se afigura de maneira alguma ter incorrido em qualquer vício, mormente foi a mesma feita em conformidade com a experiência comum e no âmbito do seu poder de livre apreciação da prova e a livre convicção sobre a mesma.
É de improceder o recurso também nesta parte.
Ponderado resta decidir.
Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso interposto pela requerida A, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
RAEM, aos 17 de Março de 2011
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng (com declaração de voto vencido)
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
Salvo o devido respeito, entendo que o recurso merece provimento, devendo revogar a sentença que decretou o arresto, por razões seguintes:
- Dos factos considerados provados na oposição, resulta claramente que a ora recorrida B, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda dos parques em causa com a ora recorrente A, tinha perfeito conhecimento de que esta ainda não era proprietária dos mesmos e estava pendente no tribunal uma acção em que a ora recorrente pedia que fosse declarada como proprietária dos mesmos.
- Contudo, a ora recorrida aceitou o risco do negócio face ao preço bastante inferior ao do mercado, isto é, menos de HKD$100.000,00 para cada parque.
- Em consequência, desonerou a responsabilidade da ora recorrente em caso de perder a acção no tribunal (cláusula nº 5 do contrato em referência).
- A citada cláusula nº 5 tem a seguinte redacção: “乙方清楚知道上述4個停車位於澳門特別行政區法院存有訴訟,甲方不負責因訴訟結果所産生之一切法律及經濟責任。” (o sublinhado e mais carregado são nossos).
- O tribunal a quo fez a errada interpretação da referida cláusula nº 5 ao considerar que “a requerente apenas teria assumido o risco de, no caso de perder a acção judicial intentada pela requerida para obter a transmissão da propriedade dos parques de estacionamento referido nos autos, ir perder o direito da propriedade dos mesmos parques, e nunca do preço pago, sob pena de enriquecimento sem causa à custa da requerente.”.
- Se assim fosse, então a ora requerida não estaria a assumir qualquer risco, já que se a ora recorrente perder naquela acção, poderia reaver o preço pago, sem qualquer perda; se ganhar, poderia adquirir os parques com um preço bastante inferior ao do mercado.
- Pergunta-se então porque há de vender por um preço tão inferior?
- Na nossa óptica, a cláusula em causa deve ser interpretada no sentido da desoneração total da responsabilidade da ora requerente.
- Só assim é que estão equilibrados todos os interesses em jogo: para a ora recorrida, beneficia um preço inferior ao do mercado mas tem o risco de não conseguir obter os parques em causa e perder o preço pago; para a ora recorrente, consegue obter antecipadamente o preço da venda mas fica sujeita ao risco de que se vier ganhar a acção, os parques já foram vendidos por um preço bastante inferior ao do mercado.
- A lei permite as partes celebrarem contratos com natureza aleatória, desde que faça menção expressa e haja acordo das partes (cfr. artºs 867º e 871º do C.C.).
- Tendo a ora recorrente transferido o sorte da acção judicial para o sorte do negócio com a ora recorrida, não só do ponto de vista jurídico, como também do económico, a ora recorrida tinha consciência do risco que assumia, isto é, sabia que iria perder o dinheiro pago à ora recorrente em caso de impossibilidade do cumprimento do contrato resultante da perda da acção.
- É certo que no procedimento cautelar não exige a verificação efectiva da existência do crédito alegado, basta a sua probabilidade séria.
- No entanto, no caso em apreço, como a irresponsabilidade da ora recorrente resulta do próprio documento em que a ora recorrida fundamenta o seu alegado crédito, entendo que não está verificada a probabilidade séria da existência do crédito em causa, que é o requisito indispensável para o decretamento do arresto.
RAEM, aos 17 de Março de 2011.
Ho Wai Neng
1 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol, II, p. 6
2 Acórdão do então TSJ de 20 de Maio de 1998 do processo nº 833.
3 In Código de Processo Civil Anotado, I, p. 263º e ss.
4 Entre outros, vide o Acórdão do então TSJ de 27 de Março de 1996 do processo nº 391.
5 Acórdão do STJ de Portugal de 27 de Março de 1990, in www.dsgi.pt.
6 Entre outros, cita-se o Acórdão do STJ de Portugal de 12/12/95, in www.dgsi.pt
7 Acórdão deste TSI de 24 de Fevereiro de 2011 do processo n° 995/2010.
8 Acórdão do TSI de 9 de Setembro de 2004 do processo n° 277/2003, também o acórdão supra citado.
9 Em português, lê-se que “5. A 2ª parte tinha conhecimento claro que sobre os 4 parques tinham litígio no Tribunal de Macau , a 1ª parte não é jurídica e economicamente responsável por qualquer resultado da acção.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
TSI-1018-2010 Página 1