Processo n.º 168/2010
Data: 12/Maio/2011
Requerente: A
Requerida: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, melhor identificado nos autos,
vem instaurar, nos termos do art.º 1199.º e ss. do Código de Processo Civil,
Acção de revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau
Contra
B, de nacionalidade chinesa, residente em XX St. Georgia St., Vancouver, British Columbia, V5V 5E1, Canada.
Nos seguintes termos:
“I.
O requerente e a requerida procederam ao casamento na cidade de Jiangmen da República Popular da China em 7 de Julho de 2003 (Anexo I).
II.
As partes passaram a residir no Canadá depois do casamento.
III.
As partes não têm filhos durante a constância do casamento.
IV.
Posteriormente, as partes requereram ao Tribunal Supremo da Colômbia Britânica divórcio por mútuo consentimento.
V.
De acordo com a sentença proferida pelo Tribunal Supremo da Colômbia Britânica em 14 de Novembro de 2006 (Proc.n.º E063306), foi julgado anulado o casamento entre o requerente e a requerida, a anulação desse entraria em vigor a 31 dias após o proferimento da sentença aludida (Anexo II e Anexo III).
VI.
Segundo o certificado proferido pelo dito Tribunal Supremo da Colômbia Britânica, é de provar que a respectiva sentença de divórcio foi transitada em julgado e começou a produzir efeitos em 15 de Dezembro de 2006 (Anexo IV).
VII.
A sentença em causa é confirmada, não há quaisquer dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a respectiva sentença nem sobre a inteligibilidade da sentença.
VIII.
O tribunal que proferiu a sentença em causa é competente, ao mesmo tempo, a respectiva sentença não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau.
IX.
Como as partes procederam ao divórcio com mútuo consentimento, o respectivo processo foi realizado de acordo com os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
X.
É óbvio que a respectiva sentença não contem decisão que conduza a um resultado incompatível com a ordem pública.
XI.
Correspondendo com os requisitos consagrados no art.º 1200.º do Código de Processo Civil, a respectiva sentença deve ser confirmada.”
Nestes termos pede que a sentença proferida pelo Tribunal Supremo da Colômbia Britânica, Canadá, proferida em 14 de Novembro de 2006, seja revista e confirmada, para efeitos de a mesma obter eficácia em Macau para todos efeitos legais.
Não foi deduzida oposição.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Com pertinência, vem certificado pelo Tribunal Supremo da Colômbia britânica, Vancouver, Canadá o seguinte relativamente ao divórcio dos ora requerentes:
“Tribunal Supremo da Colômbia Britânica
Processo de Direito de Família instaurado em conjunto pelos seguintes indivíduos
B
Parte I
e
A
Parte II
___________________________________________________________
SENTENÇA
___________________________________________________________
***
Proc.n.º: E063306
Secretária de Vancouver
Tribunal Supremo da Colômbia Britânica
Processo de Direito de Família instaurado em conjunto pelos seguintes indivíduos
Um carimbo
(Carimbo da Secretária de Vancouver do Tribunal Supremo da Colômbia Britânica)
B
Parte I
e
A
Parte II
Sentença
(sem filhos)
Perante Juiz do Tribunal ) terça-feira, 14 de Novembro de 2006
)
)
O presente processo é instaurado em conjunto pelas partes em relação ao requerimento de divórcio com mútuo consentimento, sem realização de audiência oral, após a apreciação dos respectivos juramentos e dos documentos em anexo,
Este Tribunal, nos termos do Capítulo XII. do Direito Matrimonial (do Canadá), julgou anulado o casamento entre os requerentes B e A procedido em 7 de Julho de 2003 na cidade de Jiangmen da RPC, a anulação desse entraria em vigor a 31 dias após o proferimento da sentença aludida.
Por Tribunal
(Duas assinaturas irreconhecíveis)
Escrivão regional de nomeação especial
Um carimbo (ENTERED) CHECKED)
14 de Novembro de 2006
Secretária de Vancouver
Fls. 86 do Vol. D418
* * * * *
Tribunal Supremo da Colômbia Britânica
Certificado de Divórcio
Proc.n.º: E063306
Secretária de Vancouver
Certifica-se que
B
e
A
procederam ao casamento em 7 de Julho de 2003 na cidade de Jiangmen da RPC, a relação matrimonial entre as partes é anulada pela sentença proferida por este Tribunal de acordo com o Direito de Divórcio, a respectiva sentença e anulação de casamento entraram em vigor em 15 de Dezembro de 2006.
O presente certificado foi emitido pelo signatário, com o carimbo deste Tribunal.
9 de Julho de 2009
Secretária do Tribunal Supremo da Colômbia Britânica
(Uma assinatura irreconhecível)
Escrivão regional de nomeação especial”
IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal de Vancouver, Tribunal Supremo da Colômbia britânica, canadá, - de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
Dúvidas não resultam quanto à dissolução do casamento proferida à luz do ordenamento do Estado da Colômbia Britânica, Canadá.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
3. Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida pelo Tribunal de Vancouver, Los Angeles, de 14 de Novembro de 2006 e transitada 31 dias depois, ou seja, em 15 de Dezembro de 2006, face às leis do Estado respectivo, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento.2
4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
Resulta até dos documentos juntos que a sentença proferida produziu efeitos a partir de 15 de Dezembro de 2006, depois do processo ter sido instaurado a requerimento dos interessados, sem que do casamento houvesse filhos.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice.
6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre a ora Requerente e o seu marido, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, seja por via litigiosa, seja por mútuo consenso.
O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente
Assim se confirmará a decisão proferida em todas as suas vertentes, tal como requerido.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a sentença proferida no Tribunal Supremo da Colômbia Britânica, Vancouver, Canadá, nos termos da qual foi dissolvido o casamento celebrado entre a ora requerente e o requerido, por sentença de 14 de Novembro de 2006, com efeitos a partir do dia 15 de Dezembro de 2006, nos precisos termos do documento de fls. 13 a 36 e 39.
Custas pelo requerente.
Macau, 12 de Maio de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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