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Processo n.º 168/2009 Data do acórdão: 2011-5-12
(Autos de recurso civil)
  Assuntos:
  – indeferimento liminar da petição
– manifesta improcedência do pedido
  – art.o 394.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Civil
– contrato-promessa de compra e venda de imóvel
– execução específica
– aplicação da lei no tempo
– Lei n.o 20/88/M
S U M Á R I O
Sendo a questão de aplicação da lei no tempo à possibilidade de execução específica do contrato-promessa de compra e venda do imóvel dos autos celebrado em 1978 uma questão não tão linear ou evidente como considerou o juiz a quo no ora impugnado despacho liminar de indeferimento da petição, proferido com invocação do art.o 394.o, n.o 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Civil de Macau, até porque poderá entrar em discussão também a eventual aplicabilidade do regime jurídico plasmado na Lei n.o 20/88/M, de 15 de Agosto, afigura-se ao tribunal ad quem processualmente mais adequado mandar prosseguir os autos no tribunal recorrido, a fim de permitir a notificação da parte ré para contestar a acção, em prol da justa composição do litígio, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
O relator por vencimento,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 168/2009
(Autos de recurso civil)

ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
Nos presentes autos de recurso civil n.o 168/2009 deste Tribunal de Segunda Instância, foi apresentado pelo M.mo Juiz Relator à discussão e deliberação do presente Tribunal Colectivo ad quem o seguinte douto Projecto de Acórdão:
– <<[…]
Relatório

1. A, com os sinais dos autos, propôs, no T.J.B., acção declarativa de condenação contra “B COMPANHIA CONSTRUÇÃO CIVIL”, C, D, E, alegando o que segue:
“1.° "B Companhia de Construção Civil", ora primeiro R, é um estabelecimento propriedade de C, ora segundo R. (Cfr. Doc. n° 1 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
2° Em 17 de Abril de 1978, o ora A. prometeu comprar os ora RR., "B Companhia de Construção Civil", C, D e mulher E, e estes prometeram vender-lhes, a fracção autónoma para habitação, designada por" XX" do X° Andar do prédio n°s, 12K a 14 da Estrada de Adolfo Loureiro e n°s. 74 a 74-B da Rua do Almirante Costa Cabral, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° 13293 do Livro B-35, Freguesia de St°, António e inscrito na matriz predial de Macau sob o n° 37347(Cfr. Doc. n° 2 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
3° Esta compra e venda, supra, ficou expressa no contrato-promessa de compra e venda e no conhecimento do imposto de sisa em que é promitente vendedor C que outorgou naquele acto como procurador de D e de sua mulher E, e cujo preço foi de HK$102.400,00 (Cento e dois mil e quatrocentos Hong Kong Dólares), ou seja MOP$105.472,00 (Cento e cinco mil quatrocentos e setenta e duas patacas), que se encontra integralmente pago (Cfr. Doc. n°. 2).
4° Assim, com a assinatura deste contrato promessa por todas as partes, foi prometida vender pelos RR. ao A. a fracção autónoma designada por "XX" do X° Andar do prédio n°s 12K a 14 da Estrada de Adolfo Loureiro e n°s. 74 a 74-B da Rua do A.1mirante Costa Cabral, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° 13293 do Livro B-35, Freguesia de St°., António e inseria na matriz predial de Macau sob o n° 37347 (Cfr. Doc. n°. 2).
5° No contrato, foi estipulado que desde a data da outorga do mesmo, 17 de Abril de 1978, o A. assumia a responsabilidade pelo pagamento de todas e quaisquer despesas respeitantes ao imóvel, nomeadamente as do imposto de selo, escritura, registo e honorários de advogado (cfr. Clausula 3ª do contrato-promessa).
6° Nos termos contratuais, a escritura definitiva de compra e venda seria outorgada antes do dia 17 de Abril de 1979, isto é, passados que fossem 360 dias de sol sobre a data da assinatura do contrato (Cfr. Clausula 2ª do contrato).
7° No entanto, até ao presente os RR. não lograram marcar, nem celebrar a escritura definitiva de compra e venda do imóvel em causa.
8° Motivo pelo qual em 08 de Novembro de 2007, o ora A. requereu no Tribunal Judicial de Base uma notificação judicial avulsa para que os RR. realizassem a escritura definitiva de compra e venda, uma vez que o preço se encontra totalmente pago, tendo a mesma resultado negativa (Cfr. Doc. n° 2 e 3 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
9° Perante a certidão judicial negativa da notificação, efectuou o A. a publicação da notificação, para que os RR. realizassem a escritura definitiva de compra e venda, no prazo de 15 dias, uma vez que o preço se encontra totalmente pago, em dois jamais da RAEMacau (Cfr. Doc. n°
2, 3 e 4, 5, 6 e 7 que ora se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
10° Também esta notificação edital não surtiu qualquer efeito.
11° Assim, até ao presente momento não foi celebrada qualquer escritura de compra e venda sobre o prédio em apreço e prometido vender pelos ora RR. ao A. à mais de vinte anos atrás, por culpa exclusiva dos promitentes vendedores.
12° Com efeito, obrigaram-se os ora RR. na cláusula 1ª do contrato promessa a vender e transferir para o A. a propriedade do imóvel em apreço, sendo que,
13° Nos termos da cláusula 5ª do contrato, a responsabilidade dos RR. só cessará quando for devidamente outorgada a competente escritura pública de compra e venda, o que ainda não aconteceu.
14° Os contratos celebrados devem ser pontual e escrupulosamente cumpridos - art. 406° do Código Civil.
15° Nos termos do n° 1 do artigo 820° do Código Civil "Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida."
16° E nos termos do n° 2 do mesmo artigo "Para efeitos do n° anterior, a simples existência de sinal prestado no contrito promessa, ou a fixação de pena para o caso de não cumprimento deste, não ê entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havido convenção em contrário, o promitente adquirente, relativamente a promessa de transmissão ou constituição onerosas de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato."
17° Todos os RR. são solidáriamente responsáveis pelo integral cumprimento desta obrigação nos termos do artigo 357° do Código Comercial.
18° Está assim o A. em condições de pedir a execução especifica do contrato-promessa, devendo o Tribunal proferir sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos faltosos.”;

A final, pediu pois a procedência do pedido de execução específica que formulou na petição inicial; (cfr., fls. 2 a 8).

*

Procedendo a uma análise liminar da petição apresentada, proferiu o Mm° Juiz do T.J.B. o seguinte despacho:
“A, melhor identificado nos autos, instaurou a presente acção declarativa com processo comum e forma ordinária, contra B - Companhia de Construção Civil, C e D e mulher E, todos melhor identificados nos autos.
Cumpre apreciar liminarmente a petição inicial.
Salvo o devido respeito, a petição inicial terá de ser liminarmente indeferida.
Vejamos porquê.
O Autor peticiona ao Tribunal que "produza a declaração negocial dos Réus para que se opere a aquisição definitiva do direito de propriedade para o Autor" (citámos).
Alega o Autor, para justificar o seu pedido, ter celebrado com os Réus um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel cujo preço se mostra integralmente pago, contrato esse que os Réus não cumpriram uma vez que até à data não se mostra celebrado o contrato definitivo.
Pretende o Autor, portanto, obter a execução específica do contrato-promessa que alega ter celebrado com os RR. Em 17 de Abril de 1978. Será isto possível? A resposta só pode ser negativa.
Como resulta do art. 11° o n° 1 do Código Civil de Macau, a lei em vigor ao tempo da celebração do contrato, é aplicável não só à validade da constituição deste como também aos seus efeitos, mesmo que já decorridos no domínio da vigência da lei posterior, tais como os efeitos do incumprimento em qualquer uma das suas modalidades. Isto porque, em princípio e por regra, a lei só vale para o futuro e porque se trata de situações jurídicas que não abstraem dos factos que lhes deram origem.
Daí que seja a lei vigente na data da celebração do contrato-promessa a aplicável à questão de saber se é ou não possível a execução específica - neste mesmo sentido, veja-se, na jurisprudência comparada, perante dados legislativos semelhantes aos nossos, os Acs. STJ 20.02.1997, STJ 18.01.1996, STJ 26.10.1995, Relação Lx, 18.01.1996, www.dgsi.pt.
Mais. O próprio facto do alegado incumprimento terá ocorrido ao abrigo do Código Civil de 1966, uma vez que, de acordo com o que o Autor alega, a escritura definitiva de compra e venda deveria ser outorgada no dia 17 de Abril de 1979, ocorrendo, portanto, mora desde essa data.
Ora, na versão primitiva do Código Civil de 1966, ao abrigo do qual, alegadamente, terá sido celebrado o contrato-promessa aqui em causa, a execução específica era afastada havendo convenção das partes em contrário, valendo como convenção em contrário a existência de sinal - art. 830° n°s 1 e 2 do Código Civil de 1966.
Por outro lado, nos termos da norma do art. 441° do Código Civil de 1996, no contrato-promessa de compra e venda presumia-se o carácter de sinal em relação a toda a quantia entregue pelo pronitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.
Resulta da conjugação das citadas disposições legais que o Autor não pode pedir a execução específica do contrato-promessa que alega ter celebrado com os Réus, restando-lhe fazer funcionar o mecanismo ressarcitório do sinal.
Tudo visto e sem necessidade de maiores considerações, é para nós evidente que a pretensão da Autora não pode proceder e que, por isso a petição inicial deverá ser liminarmente indeferida – art. 394° n° 1 al. d) do CPCM.”

Nesta conformidade, indeferiu liminarmente a dita petição; (cfr., fls. 45 a 46-v).

*

Não se conformado com o assim decidido, o A. recorreu.
Alegou para concluir que:
“A - No caso vertente não existiu sinal, mas sim a antecipação total do cumprimento da obrigação por parte do A.;
B - Existiu tradição do imóvel objecto do presente contrato;
C- Não assiste razão ao Meritíssimo Juiz ad quo ao afirmar que nos termos do artigo 441° do Código Civil de 1966 - entendemos que o 1996 é mero lapso de escrita - no contrato-promessa de compra e venda presumia-se o carácter de sinal em relação a toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação do preço ou principio de pagamento valendo este, na sua interpretação, como convenção em contrário das partes e consequente afastamento da execução especifica;
D- A interpretação das normas aplicáveis ao caso vertente foi feita de forma incorrecta;
E - A presunção constante do artigo 441° do Código Civil de 1966 é uma presunção juris tantum e como tal ilidível por prova em contrário;
F - Dispõe o n° 3 do artigo 442° do CC de 1966 que " Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830°;
G - A interpretação das normas supra só pode ser exactamente a oposta àquela que o Meritíssimo Juiz ad quo fez, uma vez que é a própria lei a prever que, independentemente da existência ou não do sinal, e do recurso ao regime ressarcitório do mesmo, pode o promitente-comprador, porque não faltoso, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830°;
H - Pelo que a presunção ora em causa só pode ser uma presunção relativa que terá que ser manifestamente afastada em relação a contratos-promessa que respeitem a edifícios ou fracções autónoma, já construidos, em construção ou a construir;
I - Apesar do contrato-promessa de compra e venda em análise remontar a 1978, o facto é que só em 2007, durante a vigência do actual Código Civil, os RR. foram intimados pelo A. a cumprir a obrigação;
J - Em 1988 através da publicação da Lei n° 20/88/M, de 15 de Agosto, sob a epígrafe "Defesa dos direitos do promitente-comprador", o legislador de Macau tendo em vista a defesa dos legítimos direitos do consumidor, veio introduzir inovações no regime jurídico dos contra os de promessa que incindem sobre bens imóveis;
K - Neste diploma, o legislador diz expressamente que procura, através dele, regularizar, sem encargos para os interessados, situações referentes a fracções autónomas de prédios que foram transaccionados, sem prévia inscrição da constituição do regime da propriedade horizontal no registo predial;
L - O legislador é assim claríssimo ao dizer que este diploma se aplica às situações já existentes visando mesmo a sua regularização face aos direitos do promitente comprador;
M - Em conformidade com a intenção do legislador da Lei n° 20/88/M, de 15 de Agosto, dispõe o artigo 3° desta que" Havendo sinal entregue ou prestações por conta do preço, pode o promitente-comprador, ainda que haja convenção, expressa ou tácita, em contrário, requerer, nos termos do artigo 830° do Código Civil, a execução específica dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, depositando, a diferença do preço";
N - Dispõe o n° 2 do artigo 11° do Código Civil que "Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor"
O - Na interpretação das normas estabelecidas por lei; que regulam direitos, independentemente dos respectivos factos constitutivos e, no que a estas diz respeito, deve presumir-se que abrangem as próprias situações já existentes, podendo modificar-lhes o conteúdo ou até suprimi-lo (2ª parte do n° 2 do art° 12° do C.C.);
P - O artigo 3° da Lei n° 20/88/M, de 15 de Agosto, bem como o artigo 820° do Código Civil de Macau, pertencem a esta categoria de normas;
Q - Quer as normas contidas no artigo 3° da Lei n° 20/88/M, de 15 de Agosto, quer no artigo 820° do Código Civil vigente, são norma, que vieram alterar o conteúdo da relação jurídica dos contratos-promessa, referentes a transacção de fracções autónomas de prédios que foram transaccionados, sem prévia inscrição da constituição do regime da propriedade horizontal no registo predial, independentemente dos concretos contratos que lhe deram origem;
R - E, em consequência, de acordo com o disposto na segunda parte do n° 2 do art° 12° do C.C., são aplicáveis aos contratos "que subsistam à data da sua entrada em vigor", ou seja, aos contratos promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor dos respectivos diplomas legais;
S - Pelo que o MM° Juíz ad quo além de não fundamentar suficientemente a sua decisão, entrou em manifesta oposição entre os fundamentos de facto e de direito utilizados e a decisão final, tendo mesmo efectuado uma errada apreciação e aplicação da legislação vigente aplicável ao caso sub judicie, uma vez que nada obsta à presente execução especifíca, porquanto o despacho recorrido é nulo nos termos do n° 1 alineas b) e c) do artigo 571° do Código de Processo Civil.”

Pede a revogação da decisão recorrida com a consequente devolução do processo ao T.J.B. para aí seguir os seus termos; (cfr., fls. 48 a 64).

*

Sem resposta, vieram os autos a este T.S.I..

*

Nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

*

A tanto se passa.

Do direito

3. Insurge-se o A. contra a decisão proferida pelo Mm° Juiz do T.J.B. que indeferiu liminarmente a petição inicial que apresentou e, na qual, pedia a execução específica do imóvel que prometeu comprar aos RR..

A decisão recorrida entendeu aplicável o C.C. de 1966, e, nesta conformidade, dando aplicação ao estatuído nos seus art. 441° e 830°, concluiu ser evidente que a pretensão do A. não podia proceder.

Outro é porém o entendimento do A., que, com os motivos atrás já expostos, pede a revogação da dita decisão.

Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Mostra-se adequado começar com uma breve análise a fim de se apurar qual o regime legal aplicável ao contrato promessa em causa: se o do C.C. de 1966, da Lei n° 20/88/M ou do C.C.M..

Vejamos.

Para efeitos da decisão a proferir, importa ter em conta que o contrato promessa em questão foi celebrado em 17.04.1978, que o preço acordado está integralmente pago, e que, tanto quanto nele se previa, a outorga da escritura definitiva de compra e venda devia ter lugar antes de 17.04.1979, havendo assim incumprimento dos RR..

Pois bem, invocando o art. 11°, n° 1 do C.C. de Macau, entendeu o Mm° Juiz do T.J.B. que, in casu, aplicável era o C.C. de 1966.

Estatui o citado normativo que:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”

E ponderando no assim preceituado, cremos que correcto foi o entendimento assumido.

Aliás, o art. 16° do D.L. n° 39/99M com o qual se aprovou o C.C.M. dispõe também que:
“Os contratos-promessas celebrados antes da entrada em vigor do novo Código Civil ficam sujeitos ao regime de execução específica até então aplicável, e não ao novo regime, salvo o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 820.º do novo Código, que lhes é extensivo quando a hipoteca tenha sido constituída já na sua vigência.”

Assim, e excluída que nos parece estar a aplicação ao caso das disposições do C.C.M., poder-se-ia ainda dizer – como o faz o recorrente – que aplicáveis eram as da Lei n° 20/88/M que, como sabido é, introduziu significativas alterações ao regime do contrato promessa antes consagrado no C.C. de 1966.

Cremos também que não.

Como acertadamente se consignou na decisão recorrida, “a lei em vigor ao tempo da celebração do contrato, é aplicável não só à validade da constituição deste como também aos seus efeitos, mesmo que já decorridos no domínio da vigência da lei posterior, tais como os efeitos do incumprimento em qualquer uma das suas modalidades. Isto porque, em princípio e por regra, a lei só vale para o futuro e porque se trata de situações jurídicas que não abstraem dos factos que lhes deram origem.”, (tendo-se também citado alguma jurisprudência comparada em conformidade e que merece a nossa adesão).

Aqui chegados, e esclarecido o regime legal aplicável, vejamos.

Prescreve o art. 441° do C.C. de 1966 que:
“No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”

Por sua vez, nos termos do art. 830° do mesmo código:
“1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
2. Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.
3. Tratando-se de contrato em que ao obrigado seja ilícito invocar a excepção de não cumprimento a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”

Considerando que houve, por parte do A. ora recorrente, a entrega de sinal, e, concluindo assim que houve “convenção em contrário” à pretendida execução específica, decidiu o Mm° Juiz do T.J.B. que manifestamente improcedente era aquela pretensão.

Alega porém o A. ora recorrente – e na parte que ora interessa – que:
“A - No caso vertente não existiu sinal, mas sim a antecipação total do cumprimento da obrigação por parte do A.;
B - Existiu tradição do imóvel objecto do presente contrato;
C- Não assiste razão ao Meritíssimo Juiz ad quo ao afirmar que nos termos do artigo 441° do Código Civil de 1966 - entendemos que o 1996 é mero lapso de escrita - no contrato-promessa de compra e venda presumia-se o carácter de sinal em relação a toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação do preço ou principio de pagamento valendo este, na sua interpretação, como convenção em contrário das partes e consequente afastamento da execução especifica;
(...)
E - A presunção constante do artigo 441° do Código Civil de 1966 é uma presunção juris tantum e como tal ilidível por prova em contrário;”

Ora, antes de mais, há que dizer que não se pode ter em conta a alegada “tradição do imóvel”, pois que assim não se tinha alegado na petição inicial, constituindo assim tal factualidade “matéria nova” que não pode ser objecto de ponderação em sede do presente recurso.

Quanto a não ter existido sinal, mas “antecipação do cumprimento da obrigação”, há que dizer que tal afirmação colide frontalmente com o que se estatui no art. 441° atrás transcrito.

Não se olvida que – como afirma o A. que – “A presunção constante do artigo 441° do Código Civil de 1966 é uma presunção juris tantum e como tal ilidível por prova em contrário”.

Sendo efectivamente uma presunção “iuris tantum”, é verdade que “cede perante prova do contrário”; (cfr., J.B. Machado in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, pág 112).

Porém, tal realidade em nada altera o “estado de coisas”.

Com efeito, verifica-se que na sua petição inicial não alegou o A. que, não obstante o “sinal” (ou antecipação do pagamento), não quiseram as partes excluir ou afastar a possibilidade da pretendida execução específica.

Assim, não se tendo alegado tal facto – que ao A. cabia alegar, pois que quem invoca 1 direito tem o ónus de alegar e provar os factos que constituem o pressuposto de tal direito – e independentemente do que se disse quanto à presunção iuris tantum, não se vê como é que, com o prosseguimento dos autos, poderia o A. a provar o mesmo, já que não se apresenta como admissível a prova de um facto que não existe porque não (oportunamente) alegado.

Dest’arte, há que concluir que bem andou o Mm° Juiz do T.J.B., e necessárias não nos parecendo outras considerações, confirma-se o decidido.

Decisão
   
4. Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
[...]>>.
Entretanto, como o Mm.o Juiz Relator acabou por sair vencido da votação então feita, cabe decidir do recurso em questão nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
Para o efeito, há que, desde já, converter em definitivo todo o teor do “Relatório” do douto Projecto de Acórdão acima transcrito.
E agora do Direito falando, cumpre, desde já, observar que o Mm.o Juiz a quo indeferiu liminarmente a petição inicial somente com fundamento em que lhe era evidente que a pretensão do Autor não podia proceder – art.o 394.o, n.o 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Civil de Macau.
In casu, invocou materialmente o Autor, nos art.os 15.o e 16.o da sua petição inicial (a fl. 6 e 7 dos autos), a letra do art.o 820.o do Código Civil de Macau para fundar o seu pedido de execução específica do contrato-promessa dos autos, celebrado em 17 de Abril de 1978, da qual consta a menção da “tradição da coisa objecto do contrato” (na parte final do art.o 16.o da petição).
Ora, sendo a questão de aplicação da lei no tempo à relação material controvertida dos autos uma questão não tão linear ou evidente como considerou o Mm.o Juiz a quo no despacho liminar agora sob impugnação (sendo, aliás, prova viva da não simplicidade dessa questão o facto de o Mm.o Juiz Relator dos presentes autos recursórios também ter usado não pouca tinta para sustentar a sua posição jurídica no douto Projecto de Acórdão acima transcrito), até porque poderá entrar em discussão também a eventual aplicabilidade do regime jurídico plasmado na Lei n.o 20/88/M, de 15 de Agosto, afigura-se a este Tribunal ad quem processualmente mais adequado mandar prosseguir os autos na Primeira Instância, a fim de permitir a notificação da Parte Ré para contestar a acção, em prol da justa composição do litígio, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Dest’arte, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, revogando o despacho de indeferimento liminar da petição, com consequente seguimento da causa no Tribunal a quo.
Sem custas pelo presente processado recursório.
Macau, 12 de Maio de 2011.
______________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
______________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(Vencido nos termos do projecto de acórdão que – em 02.04.2009 – submeti à conferência e que foi incorporado no presente veredicto).
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