打印全文
Processo nº 925/2009
Data do Acórdão: 19MAIO2011


Assuntos:
Acção de despejo
Caducidade da acção de despejo

SUMÁRIO

1. É a cessação da circunstância de não pagamento das rendas que marca o início da contagem do prazo de um ano de caducidade do direito de acção de despejo.

2. Não ficando demonstrado qualquer facto impeditivo ou extintivo da obrigação de pagar as rendas conforme estipuladas no contrato validamente celebrado, o não pagamento das rendas por parte do arrendatário para tal contratualmente obrigado é razão suficiente para sustentar a sentença que declara a resolução do contrato e a consequente condenação no pagamento das rendas vencidas até à efectiva devolução do bem arrendado.

O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 925/2009

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificada nos autos, veio intentar uma acção de processo especial de despejo no Tribunal Judicial de Base, contra B, também devidamente identificada nos autos, acção essa foi registada sob o nº CV3-08-0165-CPE.

No decurso da audiência de julgamento no âmbito da mesma acção, foi formulado pelo Senhor Mandatário do réu o requerimento pedindo “a notificação dos danos da fracção ao lado para virem ao Tribunal prestarem depoimento sobre os factos, a fim de demonstrar que a senhoria incorreu em irresponsabilidade de não cumprimento do contacto nos termos do artº 10º da RAU e que por isso mesmo o réu deixou de fazer o pagamento das rendas”.

Requerimento esse foi indeferido por despacho do Exmº Juiz, ditado para a acta de audiência, que decidiu o seguinte:

   “Atenta o objecto do presente litígio e as declarações ora prestadas pela testemunha, não se afigura ao Tribunal que o depoimento das pessoas ora requeridas pudessem vir a contribuir para a solução do presente pleito, além disso, inexiste fundamento legal para nesta fase processual acrescentar novas testemunhas.
  Nesta conformidade, indefere-se o ora requerido pelo Réu.

Não se conformou com essa decisão, veio o réu recorrer para este Tribunal de Segunda Instância.

Notificado do despacho que admitiu o recurso e que lhe fixou o efeito meramente devolutivo e a subida diferida, veio o réu apresentar as alegações concluindo e pedindo que:

I. Em sede de audiência e julgamento, a testemunha C prestou depoimento dizendo que (relativamente à discussão que houve entre o Réu e ela) alguns vizinhos assistirama tudo.
II. Perguntada pelo Réu a identificação dos vizinhos a testemunha C informou que eram os vizinhos da fracção ao lado.
III. Pelo que o mandatário do Réu requereu ao Tribunal a quo se dignasse mandar notificar as mesmas a fim de deporem em sede de audiência e julgamento já que, na perspectiva daquele, interessa demonstrar as razões que levaram o Réu a deixar de pagar as rendas.
IV. Pois que em questão estava saber se o Réu informou a A. de que não iria pagar mais rendas e que deixaria de habitar o arrendado enquanto o problema da inundação não fosse resolvida ou, então, se o Réu nada declarou à Autora.
V. Contudo, entendeu o Tribunal a quo que somente interessava averiguar se o Réu pagou as rendas ou não, pelo que o requerimento de audição de testemunhas foi indeferido.
VI. Salvo o devido respeito, interessa para o mérito dos autos saber se o Réu se colocou numa posição de simples inadimplemento ou se actuou como resposta à posição de irresponsabilidade do senhorio relativamente à inundação (conforme posição assumida pelo Réu na sua Constestação).
VII. A lei dispõe que “Quando, no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.” (art. 548º do CPC)
VIII. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, violou o art. 548º do CPC porquanto a lei pretende salvaguardar o princípio da verdade impondo, assim, “...que se notifique para depor quem tem conhecimento de factos importantes parea a decisão da causa”.
IX. ln concreto, o mérito dos autos não respeito meramente a uma falta de pagamento de rendas: É mais do que isso, trata de uma excepção de não cumprimento devido ao incumprimento do senhorio em manter o arrendado em condições de habitabilidade.
X. Pois que, ab initio, o Réu informou que deixara de pagar rendas a partir do momento em que deixou de habitar a casa por estar com uma inundação que atingia mais de 20 centímetros de altura de água.
XI. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo devia ter deferido o requerido pelo Réu no sentido de ouvir as pessoas que uma testemunha da Autora acabara de indicar cumprindo, assim, o art. 548º do CPC.

Continuando os termos da normal tramitação, oportunamente veio o Tribunal a quo a proferir a seguinte decisão final:

I- RELATÓRIO
A, solteira, maior, de nacionalidade chinesa, estudante e residente na China ......
-
vêm propor a presente Acção Especial de Despejo contra
-
B, casado, comerciante, com residência na Rua de Roma, Praça XXX (XXX), XXº andar-XX, em Macau, e domicílio profissional na Avenida da Praia Grande, nº405, Edifício «XXXX», XXº andar - XX,
-
Alegando fundamentalmente e em síntese o seguinte:
A Autora é legítima proprietária da fracção autónoma para habitação, designada pela letra «XXXX», correspondente ao XXº andar-XX do prédio urbano denominado Praça XXX, sito em nºX a X da Rua de Roma, 6 a 116 da Rua de Bruxelas, 238 a 286 da Alameda Dr. Carlos D’Assumpção e nºX a X da Avenida do Governador Jaime Silvério Marques, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº X, a fls. 33 V do Livro B104A, por ter adquirido o direito resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção relativamente a tal fracção, conforme inscrição em seu favor nºX.
Que por escrito particular de 17 de Maio de 2006, a Autora deu de arrendamento a referido fracção autónoma ao Réu.
Para a celebração do contrato de arrendamento supra a Autora mandatou a sua mãe C para o efeito.
Que, por sua vez, a mandatária da Autora, C substabeleceu poderes para o efeito ao D que concretizou a outorga do supra referido contrato.
O qual havia sido celebrado segundo as demais condições e cláusulas desse contrato, de cujo documento havia junto aos autos pela autora com a sua p.i. e sob o nº2, que se dá por integralmente reproduzido.
Que o referido contrato de arrendamento foi feito pelo prazo de dois anos, iniciando a sua vigência em 1/6/2006.
Que a renda mensal foi acordada para HKD $4.000,00 (quatro mil dólares de Hong Kong, a que corresponde a MOP$4.126,00 (quatro mil cento e vinte e seis patacas) a pagar até ao dia 1 de cada mês por depósito bancário na conta da Autora, nº01-11-10-2XXXX do Banco da X, em Macau.
Que a partir de Agosto de 2007 o Réu não procedeu ao pagamento das rendas devidas à Autora.
Facto que a Autora tomou conhecimento em 31 de Dezembro de 2007, ao proceder a averiguação junto do Banco da X.
Em 18/6/2008 e 19/6/2008 a Autora interpelou, por carta, o Réu.
E apesar das interpelações o Réu não entregou mais à Autora qualquer quantia a título de renda.
Que até à data da propositura da acção a dívida relativa às rendas em atraso era de MOP$66.016,00, correspondente a 16 meses de renda que se venceram.
Pede, a final, que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e, em consequência, que seja resolvido o contrato celebrado entre Autora e Réu e ser o Réu condenado a despejar imediatamente o local arrendado, deixando-o devoluto de pessoas e bens e ainda condenado a pagar à Autora as rendas vencidas até à presente data e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que decrete o despejo, e, ainda, ser o Réu condenado ao pagamento de custas e procuradoria condigna.
-
Juntou para prova dos factos os documentos de fls. 6 a 31 e apresentou testemunhas em sede da audiência de discussão e julgamento.
-
Citado regularmente, o Réu apresentou contestação junto aos autos a fls. 37 a 45.
Nesse seu articulado, o Réu defendeu-se por impugnação e deduziu reconvenção, conforme melhor consta dos autos a fls.37 a 45.
*
II- PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  Este tribunal é o competente, em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e mostram-se legítimas.
  O processo é o próprio.
  E inexistem nulidades, excepções ou questões prévias que cumpre conhecer e que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.
*
III- FUNDAMENTOS
Os Factos
Resultam dos autos plenamente provados, por documentos autênticos ou autenticados ou por confissão ou acordo das partes e bem assim do depoimento das testemunhas, que depuseram com isenção e conhecimento directo, os seguintes factos pertinentes para a solução do presente pleito:
A Autora é legítima proprietária da fracção autónoma para habitação, designada pela letra «XXXX», correspondente ao XXº andar-XX do prédio urbano denominado Praça XXXX, sito em nº7 a 117 da Rua de Roma, 6 a 116 da Rua de Bruxelas, 238 a 286 da Alameda Dr. Carlos D’ Assumpção e nºX a X da Avenida do Governador Jaime Silvério Marques, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº X, a fls. 33 V do Livro B104A, por ter adquirido o direito resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção relativamente a tal fracção, conforme inscrição em seu favor nºX.
Por escrito particular de 17 de Maio de 2006, a Autora deu de arrendamento a referida fracção autónoma ao Réu.
Para a celebração do contrato de arrendamento supra a Autora mandatou a sua mãe C para o efeito.
Por sua vez, a mandatária da Autora, C, substabeleceu poderes para o efeito ao D que concretizou a outorga do supra referido contrato, o qual se encontra junto aos autos com a p.i. e sob o nº2, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
O contrato de arrendamento foi feito pelo prazo de dois anos, iniciando a sua vigência em 1/6/2006.
Ficou acordado entre Autora e Réu que a renda mensal era de HKD $4.000,00 (quatro mil dólares de Hong Kong), a que corresponde a MOP$4.126,00 (quatro mil cento e vinte e seis patacas) a pagar até ao dia 1 de cada mês por depósito bancário na conta nº01-11-10-2XXXXX do Banco da X, em Macau, da Autora.
A partir de Agosto de 2007 o Réu deixou de pagar rendas à Autora.
Em 18/6/2008 e 19/6/2008 a Autora interpelou, por carta, o Réu para pagamento das rendas em atraso.
Até à data da propositura da acção a dívida relativa às rendas em atraso era de MOP$66.016,00, correspondente a 16 meses de renda.
Em 05 de Agosto de 2007, quando o Réu regressou a casa (à noite) deparou-se com a casa toda inundada.
As razões da inundação nunca ficaram totalmente esclarecidas.
O Réu foi contactar com a agência E (Macau) Property Agency Limited a fim de saber o contacto telefónico da senhoria ora Autora.
A Autora, que se encontrava na República Popular da China, em 11 de Agosto de 2007, foi informada da inundação e da necessidade de proceder a obras urgentes de reparação.
Dois dias depois, a Autora, acompanhada de sua mãe, deslocaram-se à fracção autónoma em causa.
Encontraram o locado sob inundação e com estragos.
O Réu chegou a tentar escoar a água mas sem sucesso.
Passado cerca de duas semanas o Réu encontrou outra casa para arrendar e passou a habitar na nova casa, levando consigo todos os bens que não tinham sido estragados pela inundação.
O Réu, desde Agosto de 2007, não pagou mais quaisquer rendas nem procedeu à devolução do imóvel.
Até à presente data, não se fez nenhuma obra de reparação ao locado.
-
Não se provaram os restantes factos pertinentes para a decisão do presente litígio.
-
Questões a resolver
  Antes de mais, importa relembrar que, em relação à matéria da reconvenção, o tribunal já havia decidido em não a conhecer, pelos fundamentos já expostos a fls. 147 a 148 dos autos.
  Pelo que, basicamente, cumpre-nos aferir da relação jurídica estabelecida entre as partes, consubstanciado no contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Réu, e das consequências do seu incumprimento.
O Direito
  Desde logo, e sem necessidade de mais considerações, podemos concluir que estamos perante um verdadeiro contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Réu, por força do qual se obriga a Autora a proporcionar ao Réu o gozo temporário da fracção autónoma acima identificada e este a pagar àquela, e mensalmente, uma renda, nos termos melhor acordados no referido contrato junto aos autos a fls. 17 a 20 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
  Pelos factos dado por provados, dúvidas também não tem o tribunal que, ao deixar de pagar as rendas a que está obrigado, incorreu o Réu em incumprimento e, nos termos conjugados do disposto na alínea a) do artigo 983º, da alínea a) e seu nº2 e também do nº1, todos do artigo 794º e do nº1 do artigo 993º do Código Civil, constitui fundamento para o senhorio, a aqui Autora, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 1034º do Código Civil, resolver o contrato de arrendamento, e consequentemente, O despejo do Réu do imóvel arrendado.
  Além disso, dos factos alegados e que o Réu logrou provar em sede da audiência de discussão e julgamento também não demonstram que exista falta de cumprimento por parte da Autora, que constituam fundamento para o Réu invocar a excepção de inadimplência.
  Na medida em que o Réu pouco alegou e nada provou, como lhe competia de acordo com as regras do ónus da prova, que a inundação resulta de factos imputáveis à Autora ou que, não sendo a ela imputável, que a situação de inabitabilidade do locado se deveu ao comportamento da Autora que não se diligenciou atempadamente para a evitar.
  Importa aí reter que, a Autora só foi contactada em 11 de Agosto de 2007 quando a inundação já havia ocorrido em 5 de Agosto de 2007, ou seja, seis dias depois, sabendo o Réu na altura, ou pelo menos quando contactou com a empresa imobiliária, que a Autora não reside nesta RAEM.
  E sabendo ainda o Réu que se tratava de obras urgentes também não se percebe o porque de o Réu não ter socorrido sem demoras a auxílio de um canalizador profissional, se é que não possui tais conhecimentos, para se proceder às obras manifestamente urgentes, como qualquer arrendatário normal e mediano o faria, e que é permitido por lei (artº991º e 992º do Código Civil).
  Finalmente, também não ficou esclarecido as razões que levaram a Autora a não realizar obras no locado, sendo ela a principal prejudicada, apenas sabendo que a chave do arrendado continua na posse do Réu.
  Assim, nos termos conjugados da alínea a) do artigo 983º, da alínea a) e seu nº2 e também do nº1, todos do artigo 794º e do nº1 do artigo 993º do Código Civil, constitui fundamento para o senhorio, a aqui Autora, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 1034º do Código Civil resolver o contrato de arrendamento, e consequentemente, o despejo do Réu do imóvel arrendado.
  E de exigir ao Réu o pagamento das rendas vencidas e não pagas, e as que vencerem e não pagas até à efectiva desocupação, (Cfr. artigos 399º, nº1, 400º, nº1, 787º, 793º, 996º, nº1, todos do Código Civil).
  E porque a lei permite cumular o pedido de despejo com a condenação do réu no pagamento de rendas ou de indemnização (artigo 931º do Código de Processo Civil).
  Resta-nos tomar a seguinte:
IV- DECISÃO
  Nos termos e fundamentos expostos, julgo a acção procedente por provada e, em consequência:
  a. Declaro resolvido o contrato de arrendamento celebrado em 17 de Maio de 2006 entre a Autora A e o Réu B.
  b. Condeno o Réu a desocupar, imediatamente, o local arrendado, deixando-o devoluto de pessoas e bens.
  c. Condeno ainda o Réu a pagar à Autora as rendas vencidas e não pagas, no montante MOP$66.016,00, correspondente a 16 meses de renda que se venceram, e referente ao período compreendido entre Agosto de 2006 e Novembro de 2008 e as que vencerem até ao trânsito em julgado da decisão que decrete o despejo.
  d. Condeno ainda o Réu ao pagamento de custas e procuradoria condigna. Notifique e registe.

Não se conformando com essa sentença final, veio o réu recorrer concluindo que:

A. O Tribunal a quo violou, salvo o devido respeito, o art.1018º do C.C. ao não extrair as devidas consequências jurídicas derivadas do facto de o ora Recorrente ter deixado de pagar as rendas em Agosto de 2007 e a Recorrida meramente ter pedido a resolução judicial do contrato em 08/12/08.
B. A Recorrente tem a correr um pedido de fixação de residência na RAEM, por isso tem obrigação de aqui residir habitualmente...Pelo que é ilógica a alegação de que sómente em 31 de Dezembro de 2007 tomou conhecimento da falta de pagamento de rendas.
C. De facto falta razoabilidade ao raciocínio da Recorrente; pois que, difícilmente se acreditaria que alguém meramente fosse averiguar do pagamento de rendas alguns meses depois do início de problemas com o inquilino (e do aviso deste de iria deixar o arrendado), mas mais, servindo, assim, para apresentar ao Tribunal uma espantosa e providencial “coincidência” salvadora do prazo de caducidade.
D. O Tribunal a quo violou o art.1018º do CC, salvo o devido respeito por opinião contrária, ao não extrair as devidas consequências do retro legalmente estauído e, assim, declarar a caducidade do direito do senhorio em propor acção de resolução do contrato de arrendamento.
E. O Recorrente desde o primeiro momento afirmou que devido à inundação foi obrigado a mudar de casa e, por isso, deixou de pagar as rendas. Aliás, alegou profusamente junto do Tribunal a quo factos em que se estribam a exceptio contra a senhoria, os quais estão sumarizados sob o número dois do presente recurso.
F. Contudo, na sentença recorrida pode-se ler que: “...o Réu pouco alegou e nada provou, como lhe competia de acordo com as regras do ónus da prova, que a inundação resulta de factos imputáveis à Autora ou que, não sendo a ela imputável, que a situação de inabitabilidade do locado se deveu ao comportamento da Autora que não diligênciou atempadamente para evitar.“ (sublinhados nossos)
G. Erroneamente, salvo o devido respeito, porquanto:
a) Em 30-01-09, o ora Recorrente apresentou Contestação no qual se deduziram treze artigos relativos à inundação e ao facto de a Recorrida não ter querido assumir as suas responsabilidades resultantes da lei e do artigo nono do contrato de arrendamento;
b) Apresentou carta escrita pela Recorrida onde se descreve a situação de falta de habitabilidade e onde aquela repudia qualquer responsabilidade pelo sucedido;
c) O Recorrente apresentou prova testemunhal de trabalhador que andou a dar à bomba durante dias no arrendado;
d) O Recorrente requereu em sede de audiência e julgamento apresentação de nova testemunha em razão de nesta, a senhora C (testemunha da Recorrida) ter garantido que “...os vizinhos do lado eram os responsáveis…“ pela inundação e que “...no dia segiunte repararam o problema …“. (tendo o Tribunal a quo indeferido o requerimento de prova)
H. Apesar do reconhecimento da “...a situação de inabitabilidade do locado...“, o Tribunal a quo errou em não ter retirado as demais consequências daí derivadas, pois que segundo a Jurisprudência Comparada “...Não era exigível à Ré que continuasse a habitar o locado naquelas circunstâncias que por si não foram criadas, não ocorrendo violação da boa fé contratual por parte da Ré, ao abandonar o locado por essa razão. “
I. Perante a impossibilidade de a senhoria permitir ao arrrendatário o uso da coisa, poder-se-á defender a caducidade do contrato em razão de uma das partes estar impossibilitada de cumprir por razão de força maior como seja a inundação que causou “...a situação de inabitabilidade do locado...“.
J. Ao contrário, na douta sentença recorrida, o Recorrente foi condenado a pagar “...as rendas que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão que decrete o despejo. “
K. Parece ser um bocado difícil exigir-se o pagamento de rendas de um contrato extinto judicialmente: Mas a que título, se o Tribunal a quo decretou que fica “...resolvido o contrato de arrendamento celebrado em 17 de Maio de 2006... “?! Imagine-se, a título meramente académico, que o presente processo continuava por mais uns anos e questiona-se, então se seria razaoável exigir-se ao ex-arrendatário a continuação do pagamento de rendas de um contrato que foi resolvido... É pacífico que a “Ainda que o fundamento da acção de despejo seja a falta de pagamento de rendas, no incidente de despejo imediato apenas estarão em causa as rendas vencidas na pendência da acção. “
L. Na douta sentença recorrida, refere-se expressamente às obrigações do arrendatário, contudo, esquece que as obrigações do locador e este, nos termos da lei, o locador tem a obrigação de:
  “a) Entregar ao locatário a coisa locada;
  b) Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina. (sublinhados nossos)
M. O Recorrente reputa que o Tribunal a quo interpretou erroneamente a al.b) do art.977º do Código Civil, pois que tendo em conta “...a situação de inabitabilidade do locado...“ a senhoria, incumpriu, assim, um dos deveres contratuais essenciais...
N. Na douta sentença recorrida, refere-se expressamente que “...a Autora só foi contactada em 11 de Agosto de 2007 quando a inundação já havia ocorrido em 5 de Agosto de 2007, ou seja, seis dias depois, sabendo o Réu na altura, ou pelo menos quando contactou com a a empresa imobiliária, que a Autora não reside nesta RAEM. “ (sublinhado nosso)
O. Como haveria o Recorrente adivinhar que se pode estar a correr o prazo de sete anos para quem requer o direito de residência permanente em Macau e, espantosamente, não residir na RAEM?!!
P. Destas estranhas situações em que incorrre a senhoria, salvo o devido respeito por opinião contrária, não é exigível que o Recorrente as conheça...Uma coisa é certa, o Recorrente somente tomou conhecimento de que a Recorrida não reside na RAEM quando foi informado pela E e só contactou esta depois da agência lhe ter fornecido o número telefónico da daquela.
Q. A E tem procuração da Recorrida para tratar de todas as situações emergentes do contrato de arrendamento, por isso é completamente indefensável a tese de que o Recorrente não avisou de imediato a senhoria: Avisou sim, avisou quem estava mandatado para representar a senhoria...
R. Na douta sentença recorrida, refere-se que o “...também não se percebe o porque de o Réu não se ter socorrido sem demoras a auxílio de um canalizador profissional... “para então, “...proceder às obras...” pois que assim faria “...qualquer arrendatário normal e mediano ... “ pois que é permitido por lei, continua a sentença...
S. Em primeiro lugar, in casu, não se tratava de simples colocão pregos ou parafusos ou proceder a mudança de simples instalação eléctrica, substituição de vidros partidos, ou pintura de paredes, pois que: Na RAEM a feitura de obras (ou, até, mudança de vidros das janelas) tem de ser precedida de licença das Obras Públicas...E para requerer tal licença, somente a senhoria tem legitimidade para o fazer.
T. Em segundo lugar, o Tribunal a quo olvidou que quando o Réu chegou a casa já esta estava completamente inundada e que o seu trabalho, durante cerca de duas semanas, foi o de manter o arrendado seco através de bombagem, a inundação já tinha causado todos os seus males: Os bens do Recorrente (na sua grande maioria) estavam todos estragados!!!
U. Logo pela manha a E foi contactada telefonicamente e aí começou o jogo do empurra o qual acabou com o atirar com as culpas para os vizinhos do lado...Pelo que, salvo o devido respeito, só se o Recorrente tivesse um ataque de malária malária reparar canalização, colocação de madeira no chão, instalação eléctrica, pintura de paredes, etc. numa situação que já se ante- adivinhava conflituosa , logo a partir do primeiro telefonema feito para a E.
V. O artigo 991º do C.C. foi violado na interpretação dada pelo Tribunal a quo em razão de o locado ter deixado de possuir aptidão para o fim que as partes tiveram em vista, contudo o Tribunal a quo limitou-se a interpretar e aplicar o preceito em questão como se de simples obras urgentes se tratassem...
W. Estatui a lei no art.991º que:
“1. Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer obras que, pela sua urgência,...“
“2. Quando a urgência não consinta qualquer dilação, “ (sublinhados nossos)
Mas, in casu, não existia urgência strictu senso, pois a própria mãe da Autora afirmou que o problema da inundação só durara um dia porque os vizinhos do lado tinham resolvido o problema. Por outro lado, na versão do Recorrente, a situação estabilizara devido ao bombeamento da água.
X. Portanto, não existia urgência no estancamento de água, havia sim divergência sobre a responsabilidade da inundação (e a questão de a finalidade do contrato ter ficado prejudicado) pelo que o art.991º do CC, salvo o devido respeito, foi indevidamente interpretado e aplicado à questao sub judice.
Y. Está provado que o Recorrente deixou o locado cerca de duas semanas depois da inundação e que meramente lá deixou tudo quanto ficou irremediavelmente perdido. Contudo, na decisão recorrida ordenou-se que o Recorrente deixa-se o locado “...devoluto de pessoas e bens...”: Ad impossibilia nemo tenetur e, por outro lado, as decisões judiciais devem ter um efeito útil e não inócuo e, in casu, tal comando está totalmente inquinado em razão de se saber que o Recorrente passou a nahitar noutra casa a partir de determinada altura...
Nestes termos, e nos melhores de Direito, se requer a V.Excelências se dignem:
a) Decretar a absolviçao do Réu em razão do decurso do prazo de um ano após o conhecimento da Autora e a data da propositura da acção; caso assim não se entenda,
b) Anular a parte decisória em que se ordena o pagamento de rendas “...que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão que decrete o despejo.”
c) Anular o julgamento e mandar repetir o mesmo a fim de se apreciar toda a matéria atinente à exceptio deduzida pelo Recorrente em razão da omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo;
d) Anular o julgamento e mandar repetir o mesmo a fim de se averiguar se a agência E foi contactada logo no dia 6 de Agosto de 2007 ou se só foi contactada seis dias depois da inundação do arrendado.

Notificada da motivação do recurso, a autora ora recorrida ficou silente.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Recurso interlocutório

Comecemos pela apreciação do recurso interlocutório, dado que a sua procedência já prejudica conhecimento do recurso da sentença final.

Constitui objecto do presente recurso interlocutório a decisão que indeferiu o requerimento da notificação dos vizinhos do réu para virem ao tribunal a fim de serem inquiridos como testemunhas.

Conforme se vê na acta da audiência onde se encontra documentado o tal requerimento, o objectivo que pretendia alcançar com a formulação do requerimento é “demonstrar que a senhoria incorreu em irresponsabilidade (sic) de não cumprimento do contacto nos termos do artº 10º da RAU e que por isso mesmo o réu deixou de fazer o pagamento das rendas”.

Obviamente o pedido não pode proceder, pois o que o Senhor Mandatário pretendia demonstrar é conclusão de direito (apurar a responsabilidade imputável à senhoria) e não factos demonstrativos daquela conclusão de direito.

Como se sabe, não cabe a testemunhas dizer quem é que deveria assumir a responsabilidade.

Pois é ao julgador que compete decidir quem deveria ser responsável de acordo com a matéria de facto provada.

Sendo matéria de direito que é, naturalmente não pode ser directamente demonstrada por provas a produzir na audiência de julgamento.

Assim, sem mais delongas, é de negar provimento ao presente recurso por ser manifestamente improcedente.

Então avancemos passando a debruçar-nos sobre o recurso da sentença final.

Recurso da sentença final

Atendendo às razões deduzidas nas conclusões do petitório do recurso da sentença final, o recorrente levantou duas questões:

1. Caducidade da acção de despejo; e
2. Erro de julgamento de direito.

Vejamos.

1. Caducidade da acção de despejo

O recorrente imputa à sentença recorrida a violação do disposto no artº 1018º do CC, por entender que já decorreu mais de que um ano sobre a ocorrência do facto que serviu de fundamento da presente acção de despejo.

Ora, nos termos do disposto nesse artº 1018º, a acção de despejo deve ser proposta dentro de 1 ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.

Trata-se de uma excepção peremptória – cf. Alberto Reis, in Código de Processo Civil anotado, vol. III, Coimbra, 1950, pág. 89.

Sendo excepção peremptória que é, é de conhecimento oficioso do tribunal – artº 415º do CPC.

Assim, mesmo não deduzida antes, e só agora invocada nesta instância recursória, é de conhecer.

De acordo com o alegado na petição e mais tarde provado nos autos, o fundamento de facto em que se funda o pedido de despejo é o não pagamento das rendas a partir de Agosto de 2007, situação essa que pelo menos permanecia até à data da propositura da acção em 09DEZ2009.

Como se sabe, a renda é uma prestação periodicamente renovável que, na vigência do contrato de arrendamento, o inquilino está obrigado a pagar ao senhorio, como contrapartida de uso do bem arrendado.

Assim, enquanto prestações periodicamente renováveis, o seu cumprimento não se esgota numa só prestação.

Antes pelo contrário, nas relações de arrendamento, as obrigações de pagar rendas assumidas pelo arrendatário traduzem-se pelas prestações que se protelam no tempo.

Assim, in casu, o terminus a quo de não pagamento em Agosto de 2007 nunca pode ser tomado como a data a partir da qual se conta o prazo de caducidade da acção de despejo, pois de acordo com o alegado e provado, o arrendatário ora recorrente deixou de pagar quaisquer rendas entretanto vencidas até pelo menos à propositura da acção em 09DEZ2008, o que quer dizer que a circunstância de não pagamento de rendas permanecia pelo menos até a essa data.

Portanto deve ser a cessação da circunstância de não pagamento das rendas é que marca o inicio da contagem do prazo de um ano de caducidade do direito de acção de despejo.

Assim, é indubitavelmente tempestiva a acção de despejo intentada no momento em que não cessou ainda o não pagamento das rendas.

Evidentemente não procede a excepção da caducidade da acção, ora invocada e consequentemente improcede o recurso nesta primeira questão.

2. Erro de julgamento de direito.

É-nos algo forçoso denominar essa segunda questão levantada pelo recorrente, por “erro de julgamento de direito”, expressão essa tão abrangente que pode englobar tudo, dado que, sinceramente falando, não é fácil para nós identificar qual é o vício invocado na segunda parte das alegações e das conclusões do recurso.

Só com alguns esforços, podemos apurar que é com fundamento na impossibilidade do gozo da utilidade do bem arrendado, por inundações nele ocorridos, que o recorrente entende que não tem obrigação de pagar as rendas.

Todavia, atendendo ao que foi alegado e concluído no petitório do recurso, o recorrente está a tecer suas considerações de facto e de direito de acordo com as ilações que fez tanto de alguns factos processualmente provados nos autos, como também dos factos nem sequer articulados ou simplesmente não provados nos autos.

Não tendo o recorrente pedido a modificação da matéria de facto fixada na primeira instância nos termos do disposto no artº 629º do CPC, naturalmente não nos cabe levar em conta a matéria de facto não dada assente pela primeira instância, muito menos os factos não articulados, para apreciar a bondade da sentença recorrida.

Limitamos assim a averiguar se, perante a factualidade assente, existe erro de direito por parte do Tribunal a quo ao condenar o réu como condenou.

Ora, veio a autora invocar o seu direito às rendas e com fundamento do não pagamento das rendas pedir a declaração da resolução do contrato de arrendamento e o consequente despejo do arrendatário.

A autora logrou provar a existência do contrato de arrendamento nos termos do que mediante a disponibilização do imóvel, objecto do contrato, tem direito a receber uma renda periodicamente renovável a pagar pelo réu arrendatário.

Ficou provado que o imóvel foi colocado à disposição do réu e que a partir da certa altura, com fundamento nas inundações ocorridas no imóvel, deixou de pagar as rendas e mesmo posteriormente interpelado para tal não as pagou nem devolveu o imóvel à autora.

Ficou provado que houve inundações no imóvel, todavia não ficaram apuradas as causas das inundações, nomeadamente as causas imputáveis ou advenientes do facto da responsabilidade da autora.

Ora, perante essa factualidade assim sintetizada, não é difícil de concluir pela sem razão do lado do réu.

Pois, em regra geral, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita – artº 355º/2 do CC.

In casu, o réu logrou provar a ocorrência das inundações mas não provou quaisquer factos demonstrativos da responsabilidade da autora na produção das inundações.

Portanto, a simples circunstância de estar o imóvel inundado não gera efeito extintivo da obrigação do arrendatário de pagar as rendas contratualmente estabelecidas.

E mais, a mesma circunstância também não tem a virtualidade de extinguir a sua obrigação de devolver o imóvel.

Assim, mesmo em face do preceito especial sobre o ónus da prova, é ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento não procede da culpa sua – artº 788º do CC.

Perante o que ficou provado na sentença recorrida, tirando o facto simplesmente objectivo das inundações ocorridas no imóvel, nenhum facto demonstrativo da responsabilidade da autora na ocorrência das inundações ficou provado.

Não ficando demonstrado qualquer facto impeditivo ou extintivo da obrigação de pagar as rendas conforme estipuladas no contrato validamente celebrado, o não pagamento das rendas por parte do arrendatário para tal contratualmente obrigado é razão suficiente para sustentar a sentença que declara a resolução do contrato e a consequente condenação no pagamento das rendas vencidas até à efectiva devolução do bem arrendado.

Não merece portanto qualquer censura a sentença recorrida.

Desta maneira, sem necessidade de mais delongas, cremos que são suficientes as razões expostas para julgar improcedente o recurso nesta segunda questão.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso interlocutório e ao recurso final, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, em ambas as instâncias.

Notifique.

RAEM, 19MAIO2011
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira

Ac. 925/2009-1