Processo n.º 227/2011 Data do acórdão: 2011-5-19
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– tráfico de estupefacientes
– art.o 8.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M
– multa penal
– prisão subsidiária
– art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M
S U M Á R I O
A prisão subsidiária da multa penal prevista no tipo legal de tráfico de estupefacientes do art.o 8.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, deve ser achada equitativamente dentro da escala de seis dias a um ano referida no art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M, preambular do Código Penal de Macau, à proporção da moldura de cinco mil a setecentas mil patacas da própria multa.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 227/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
Nos presentes autos de recurso penal n.o 227/2011 deste Tribunal de Segunda Instância, foi apresentado pelo M.mo Juiz Relator à discussão e deliberação do presente Tribunal Colectivo ad quem o seguinte douto Projecto de Acórdão:
– <<[…]
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar a arguida A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelo n.º 1 do art. 8° do Decreto-Lei n.° 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão e na multa de MOP$20.000,00 convertível em 133 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 337 a 337-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
Inconformada a arguida recorreu para, em síntese, pedir a redução da pena de prisão e de multa; (cfr., fls. 354 a 356-v).
*
Em resposta, conclui o Exmo. Magistrado do Ministério Público nos termos seguintes:
“O Ministério Público entende que o Tribunal a quo proferiu a respectiva decisão conforme os factos provados, e tinha considerado plenamente as circunstâncias favoráveis de que a recorrente é delinquente primária e confessou a prática de crime, tinha atendido ainda à ilicitude e à gravidade da sua conduta bem como tinha comparado as leis nova e antiga.
2. Não se deve ignorar que a quantidade das drogas em causa é grande, pelo que a influência negativa sobre a sociedade é relativamente maior.
3. Sendo assim, o grau de culpa mostrado mediante as suas condutas não é nada baixo.
4. O grau de culpa da recorrente e as necessidades de prevenção criminal também já foram considerados na condenação.
5. Por isso, é adequado e imparcial a condenação proferida pelos juízes a quo quanto ao crime praticado pela recorrente, não existe a situação de violação do n.° 1 do art.° 40° e art.° 65° do Código Penal.
Pelo exposto, deve ser rejeitado o recurso interposto pela recorrente por ser insuficientes as motivações”; (cfr., fls. 365 a 367 e 389 a 405).
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Nesta Instância, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Pretende a recorrente a redução da pena que lhe foi imposta no douto acórdão.
Vejamos.
A Lei n°, 17/2009, no que tange à pena aplicável ao tipo-padrão do tráfico de estupefacientes, face ao Dec.-Lei n°, 5/91/M, reduziu sensivelmente o seu limite mínimo e elevou em menor proporção o seu limite máximo.
E, com essa nova amplitude, permite, naturalmente, uma melhor individualização das respectivas medidas concretas.
Em benefício da arguida, “in casu”, nada de relevante se apurou.
Não se mostra, nomeadamente, que a sua confissão tenha contribuído, de qualquer forma, para a descoberta da verdade.
O facto de ser primária, por seu turno, tem um valor despiciendo.
Em termos agravativos, por outro lado, há que destacar a quantidade de droga apreendida, bem como a grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
Quanto aos fins das penas, são muito elevadas, como é sabido, as exigências de prevenção geral.
Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada, através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada ...” (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pg. 106).
E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimidatório subjacente a esta finalidade da punição.
Não pode olvidar-se, a propósito, o contributo decisivo dos" correios" para a proliferação do tráfico da droga.
E a situação da R.A.E.M., nesse âmbito, suscita preocupações crescentes.
Tudo ponderado, enfim, a pena aplicada na esfera do Dec. Lei n°. 5/91/M deve ter-se como justa e equilibrada.
Já o mesmo não se pode dizer, a nosso ver, da pena imposta na órbita da Lei n°, 17/2009.
Há que atentar, além do mais, que o ponto médio da L.N., entre o mínimo e o máximo, se situa nos 9 anos de prisão - sendo que o da L.A. ascende a 10.
A Lei n°. 17/2009 emerge, em suma, do confronto de regimes, como mais favorável.
A sua aplicação aponta, de facto, em nosso juízo, para uma medida concreta inferior à de 10 anos e 6 meses de prisão, fixada ao abrigo do Dec. Lei n°, 5/91/M (cr., como referência, ac. do TUI, de 23/9/2009, proc. n°, 28/2009; e, mais recentemente, ac. do mesmo Tribunal, de 6-10-2010, prac. n°. 45/2010).
Se assim não se entender, entretanto, sempre o acórdão recorrido merecerá uma correcção.
Em consonância com a Jurisprudência dessa Segunda Instância, com efeito, tendo em conta o comando do art. 60 do Dec.-Lei na. 58/95/M, de 14-11, o “quantum” da pena de prisão subsidiária deve ser objecto de adequada redução (cfr., entre outros, ac. de 17-7-2008, proc. na. 370/2008).
Este o nosso parecer”; (cfr., fls. 407 a 410).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. “1. Em 8 de Março de 2009, por volta das 15h00, os agentes da Polícia Jurídica interceptaram a arguida A na área de bagagens do edifício de posto fronteiriço do Aeroporto Internacional de Macau, levaram-no posteriormente ao gabinete da PJ no aeroporto para efeitos de averiguação. A arguida em causa chegou ao Aeroporto Internacional de Macau por volta das 14h48 no voo n.° MH362 da Malaysia Airlines.
2. No gabinete da PJ no aeroporto, os agentes encontraram na divisão interna da parte inferior da mala levada pela arguida A, um saco de pó em cor leitoso embrulhado pelo papel de estanho, além disso, foram encontrados na posse da arguida A USD$800,00, HKD$4.000,00, 1 telemóvel de marca NOKIA, 1 telemóvel de marca MOTOROLA, 3 cartões SIM, 2 baterias, 1 um canhoto do bilhete de avião e 1 documento de bilhete electrónico (vd. o auto de apreensão constante das fls. 24 dos autos).
Submetido a exame laboratorial, ficou provado que o pó em cor leitoso acima referido continha substância de Heroína, que é abrangida pela Tabela I -A da lista anexa ao Decreto-Lei n.° 5/91/M, com peso líquido de 1973,46 gramas (De acordo com análise de métodos quantitativos, a Heroína corresponde a 37,05%, no peso de 731,17
gramas).
3. As referidas drogas foram colocadas na divisão interna da parte inferior da mala por indivíduo não identificado, entregues depois à arguida A para trazê-las em Macau e transportá-las posteriormente para outrem.
4. A arguida A, bem sabia que estavam escondidas drogas na divisão interna da parte inferior da mala acima referida, trouxe ainda as aludidas drogas a Macau no intuito de entregar a indivíduo não identificado.
6. A arguida A bem sabia que não tinha autorização legal para assim proceder.
7. Os telemóveis (incluindo cartões) e bilhetes electrónicos supra mencionados foram entregues à arguida A por indivíduo não identificado, servindo de aparelhos de comunicação e bilhetes de avião relativos à prática de tráfico supra referido.
8. A arguida A agiu livre, voluntária e conscientemente.
9. A arguida A sabia perfeitamente que as condutas supra referidas eram proibidas e punidas por lei.
Segundo o registo criminal, a arguida é delinquente primária”; (cfr., 385 a 387).
Do direito
3. Vem a arguida recorrer da decisão que a condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelo n.º 1 do art. 8° do Decreto-Lei n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão e na multa de MOP$20.000,00 convertível em 133 dias de prisão subsidiária.
Pede, a redução de tal pena.
E, ponderando na factualidade dada como provada, em especial, na quantidade de estupefaciente em questão, cremos que tem a ora recorrente razão, mostrando-se de aqui subscrever as doutas considerações pelo Ilustre Procurador Adjunto tecidas no seu Parecer.
Vejamos.
Atento o estatuído no art. 2°, n.° 4 do C.P.M. – onde se preceitua que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado” – entendeu o Colectivo a quo que no âmbito do regime legal previsto na Lei n.° 17/2009, ao crime em questão cabia a pena de 11 anos e 6 meses de prisão, e, assim, (dando aplicação ao mencionado art. 2°, n.° 4 do C.P.M.), à ora recorrente decretou a pena em questão, por lhe ser mais favorável.
Outro é porém o nosso ponto de vista.
Com efeito, atenta a factualidade provada e a moldura penal pela dita Lei n.° 17/2009 prevista para o crime pela ora recorrente cometido – 3 a 15 anos de prisão – afigura-se-nos que no âmbito deste mesmo diploma legal adequada seria uma pena de 9 anos e 3 meses de prisão, que, assim, e por ser mais favorável que a pelo T.J.B. decretada, (no âmbito do D.L. n.° 5/91/M), deve ser a pena a aplicar ao caso, com a consequente procedência do recurso.
Dest’arte, (e prejudicado ficando assim a questão do eventual excesso da pena de multa), resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Honorários à Exma. Defensora no montante de MOP$1.000.00.
[...]>>.
Entretanto, como o Mm.o Juiz Relator acabou por sair vencido da votação então feita, cabe decidir do recurso em questão nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
Para o efeito, há que, desde já, converter em definitivo todo o teor dos Ponto 1 (“Relatório”) e 2 (“Dos factos”) do douto Projecto de Acórdão acima transcrito.
E agora do Direito falando, como as duas penas de prisão achadas pelo Tribunal recorrido respectivamente nos termos do art.o 8.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro (vigente à data dos factos, e tido como “lei antiga”), e do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (como “lei nova”), para efeitos do art.o 2.o, n.o 4, do Código Penal de Macau (CP), já não podem, aos olhos do presente Tribunal ad quem, e à luz dos padrões da medida da pena ditados sobretudo nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, admitir mais redução, atentas as circunstâncias da prática do crime de tráfico de estupefacientes já apuradas e descritas na fundamentação do acórdão recorrido (e sobretudo por causa da quantidade concreta de Heroína por ela trazida para Macau), é realmente mais favorável à arguida a pena de dez anos e seis meses de prisão imposta final e concretamente pelo Tribunal a quo sob a égide da “lei antiga”, pelo que independentemente de demais indagação por ociosa, é de manter na presente lide recursória instaurada pela arguida, esta pena concreta de prisão.
Quanto à quantia de vinte mil patacas de multa penal, encontrada no acórdão recorrido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, desse Decreto-Lei, o mesmo montante, vistos os mesmos já acima referidos critérios legais da medida da pena, também não tem mais margem para a pretendida redução, devido à grande quantidade de droga traficada pela arguida.
Apesar disto, já se vislumbra mais equitativo reduzir, a pedido da recorrente, o número dos dias da prisão subsidiária, de 133 (cento e trinta e três) para 13 (treze), isto porque a prisão subsidiária da multa penal prevista no tipo legal de tráfico de estupefacientes do art.o 8.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M deve ser achada equitativamente dentro da escala de seis dias a um ano referida no art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M, preambular do Código Penal de Macau, à proporção da moldura de cinco mil a setecentas mil patacas da própria multa.
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, reduzindo, por conseguinte, a prisão subsidiária fixada no acórdão recorrido para a multa de vinte mil patacas imposta nos termos do art.o 8.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, de centro e trinta e três dias para treze dias.
Pagará a arguida as custas do recurso na parte que ora decaiu, com três UC de taxa de justiça correspondente.
Fixam em mil patacas os honorários da Exm.a Defensora Oficiosa, suportando a arguida três quartos dessa quantia, enquanto o restante um quarto fica por conta do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância, o qual adianta desde já o pagamento de toda a quantia.
Macau, 19 de Maio de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(Vencido nos termos do meu projecto de acórdão que foi incorporado no presente aresto).
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