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Processo n. 488/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Maio de 2011
Descritores: Fundo Pensões
Qualidade de subscritor
Nulidade de sentença


SUMÁRIO:
I- Sob pena de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o juiz tem que pronunciar-se sobre todas as questões jurídicas essenciais invocadas, mas não tem já que debruçar-se sobre todos os argumentos instrumentais utilizados pelo impetrante em defesa da sua tese.
II- O assalariado só seria inscrito no Regime do Fundo de Pensões se, à data da entrada em vigor do DL n. 115/85/M, de 31/12 (Estatuto de Aposentação e Sobrevivência) estivesse a descontar para a aposentação. E com o advento do DL 87/89/M, de 21/12 (Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau) mantinha o direito à aposentação desde que estivessem inscritos no Fundo.
III- O contratado além do quadro, segundo o n.5 do art. 259º do ETAPM era inscrito automaticamente no Fundo, a não ser que no acto da assinatura do instrumento contratual declarasse expressamente que não queria proceder a descontos. Com a nova redacção introduzida pela Lei n. 11/92/M, de 17/08 só mediante manifestação de vontade do contratado era possível a sua inscrição, o que devia ser feito no prazo peremptório de 60 dias após a assinatura do respectivo instrumento.
IV- A inexistência de requerimento nesse sentido por parte de um trabalhador da A.P. além do quadro, contratado já sob o domínio da nova redacção, implica a não aquisição do direito, bem como a não recuperação do tempo decorrido sem descontos através de requerimento posterior com vista ao mesmo fim, a não ser que lei posterior (o que não acontece) lhe viesse conceder retroactivamente a aquisição do direito.

Processo n. 488/2009
(Recurso Jurisdicional em matéria administrativa)


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, recorreu contenciosamente da deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de 3/10/2007, que indeferiu o recurso hierárquico e manteve o indeferimento decidido pelo seu Presidente ao pedido de 4/09/2007 de descontos para efeitos de aposentação relativamente a período pretérito decidido em 4/09/2007 pelo seu Presidente.

Na oportunidade, o Tribunal Administrativo proferiu sentença julgando improcedente o recurso.

É desta sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações A apresenta as seguintes conclusões:
a) O MMo Juiz ad quo viola o seu non liquet ao não analisar e efectuar a integração jurídica dos fundamentos de recurso invocados, legitima e legalmente, pela recorrente, facto gerador da nulidade da Sentença - 571º, nº 1 alínea d) do C.P.C..
b) É que o acto recorrido é nulo, por Violação Expressa da Lei, designadamente dos arts. 86º, 88º, 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º e 122º, nº 1 alínea d) do C.P.A., uma vez que devendo tê-los cumprindo e agido em conformidade, o Fundo de Pensões não o fez, situação sobre a qual o MMº Juiz ad quo se não pronuncia;
c) Como também nada diz relativamente à invocada nulidade proveniente do Vício de Violação de Lei, pois mesmo que o D.L. nº 115/85/M e o Decreto-lei 87/89/M tivessem os contornos que o Fundo de Pensões lhe atribui, ou a interpretação que o MMº Juiz ad quo lhe atribui e retira, nunca aqueles deveriam ou poderiam ter sido aplicados, por serem Leis violadoras dos Princípio da Igualdade e dos Direitos Adquiridos, bem como dos da Prossecução do Interesse Público e Defesa dos Direitos e Interesses dos Cidadãos, consagrados nos arts. 4º, 8º, 11º, 25º, 36º, 39º, 40º, 41º da Lei Básica da RA.E.M., mas já consagrados no sistema jurídico e judiciário do Território de Macau.
d) O MMº Juiz ad quo não considerou nem se pronunciou sobre questão essencial: nos termos do disposto nos arts. 3º, 7º e 8 do Decreto-lei nº 781/76, de 28 de Outubro, arts. 3º, 14º 35º e 37º do Decreto-lei nº 427/89, de 07 de Dezembro e art. 2º do Estatuto Orgânico de Macau, o vínculo da recorrente deveria ser o de funcionária do quadro em virtude de dever ter sido convertido o contrato de assalariamento eventual celebrado, o que não aconteceu, em violação da Lei e do Direito Fundamental da recorrente a Benefícios e Regalias Sociais, bem como o Princípio da Igualdade, ambos no seu núcleo essencial, pois que a outros cidadãos foi reconhecido, e por eles exercido, esse Direito - cfr. art. 2º do D.L.. nº 15/78/M, art. 33º do D.L. nº 15/78/M, Estatuto dos Funcionários Ultramarinos, § 4º do art. 430º, art. 1º do preâmbulo do D.L. nº 115/85/M, art. 1º do D.L. 25/96/M, preâmbulo do D.L. nº 7/98/M, redacção original dos arts. 2º e 259º do ETAPM, D.L. 42/94/M e arts. 4º, 8º, 11º,28º,25º,36º,40º e 41º da Lei Básica e, ainda, arts. 5º e 122º, nº 1 alínea d) do CPA.
e) O acto recorrido é nulo, também por Vício de Violação de Lei, resultante da falta de instrução exigível e adequada e por basear-se em premissas irreais e sem matéria factual necessária de suporte, errando absolutamente nos seus pressupostos, pois não foi considerado o alegado pela recorrente no que concerne à Declaração por si assinada em 16/03/1994 - arts. 3º, 4º,5º, 7º, 8º, 9º, 10º, 54º, 76º, 77º, 85º, 86º, 88º, 93º e 122º, nº 1 alínea d) do C.P.A.;
f) A Douta Sentença recorrida é nula, pois provado que foi, testemunhalmente, que a recorrente requereu e os Serviços a informaram de que estava em processamento a sua inscrição para efectuação de descontos para aposentação, tal foi desconsiderado pelo MMº Juiz ad quo, não podendo tê-lo sido art. 571º, nº 1 alíneas c) e d).
g) Nos termos do disposto no art. 259º do ETAPM, na sua versão alterada, porque efectivamente declarou perante os Serviços querer proceder a descontos, nunca tendo sido correctamente informada, têm que ser efectuados os descontos para aposentação à recorrente de todo o período em que foi contratada além do quadro.
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O Fundo de Pensões apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte maneira:
a) Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 115/85/M, de 31 de Dezembro, o pessoal assalariado eventual ficou expressamente excluído do regime, excepto aqueles que à data da entrada em vigor deste diploma, já houvessem requerido a integração no regime e satisfeitos os respectivos descontos;
b) Tendo em conta que à data do início de funções da Recorrente na Função Pública em regime de assalariamento (01.02.1992), já se encontrava em plena vigência do ETAPM, aprovado pelo D.L. nº 87/89/M, de 21 de Dezembro, não assistia à Recorrente o direito de inscrição no Fundo de Pensões;
c) Conforme o nº 3 do art. 259º do ETAPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 1l/92/M, de 17 de Agosto, a inscrição relativa ao pessoal em regime de contrato além do quadro é facultativa e deve ser requerida até 60 dias a contar da assinatura do instrumento contratual, contudo, não consta do processo administrativo individual da ora Recorrente nenhum requerimento nesse sentido;
d) As alegações da Recorrente que ela “uma vez mais, alertou os serviços no sentido de saber como ia o seu processo de descontos para efeitos de aposentação, ...” são pouco credíveis, nem foram consideradas provadas na douta sentença recorrida;
e) Conforme o conteúdo do ofício nº 6170/DP/08 dos SS, esses Serviços têm vindo a comunicar e esclarecer aos seus trabalhadores, no momento de celebração e renovação dos respectivos instrumentos contratuais, da faculdade de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência;
f) Caso os serviços não tinham processado os seus descontos para efeitos de aposentação, a Recorrente podia e devia ter, em curto prazo, detectado esta situação, pois, é inquestionável que a Recorrente, tinha certamente verificado (através dos extractos de abonos e descontos e das listas de antiguidade) de que na altura não foram efectuados os descontos, e de que não lhe foi contado o tempo de serviço prestado desde 03.09.1993 para efeitos de aposentação e sobrevivência;
g) A verdade é que, na altura, a Recorrente nunca chegou a reclamar da sua situação junto dos serviços para efeitos da respectiva regularização, mas pelo contrário, manteve-se em silêncio ao longo dos largos anos, mesmo no momento em que foi pela primeira vez inscrita no regime em 12.08.1998, quando implicou a inscrição obrigatória;
h) Não tendo a Recorrente reclamado da sua situação ao longo dos vários anos, é porque a Recorrente na altura não queria proceder a descontos para efeitos de aposentação e os seus serviços têm actuado perfeitamente conforme a sua vontade;
i) É de notar que não existia nem existe, desde a entrada em vigor do DL 115/85/M, de 12 de Dezembro, nenhum mecanismo geral para a fixação de débitos do tempo de serviço relativamente ao qual o funcionário ou agente não tinha procedido a descontos;
j) Portanto, o pedido da Recorrente nunca pode ser concedido e a douta sentença recorrida que improcedeu o recurso contencioso interposto pela Recorrente é perfeitamente correcta, legal e adequada, devendo ser confirmada integralmente.
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O digno magistrado do M.P. opinou no sentido do improvimento do recurso.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
O recorrente foi contratado em regime de assalariamento pelos Serviços de Saúde no período de 1 de Fevereiro de 1992 a 31 de Augusto de 1993.
O recorrente foi contratado em regime de além do quadro como médico não diferenciado no período de 3 de Setembro de 1993 a 14 de Abril de 1994.
O recorrente foi contratado em regime de além do quadro como interno do internato complementar no período de 15 de Abril de 1994 a 26 de Novembro de 1997.
O recorrente foi contratado em regime de além do quadro como assistente hospitalar no período de 27 de Novembro de 1997 a 11 de Augusto de 1998.
Em 12 de Augusto de 1998, o recorrente foi nomeado, provisoriamente, assistente hospitalar.
Desde 12 de Augusto de 1999, o recorrente foi nomeado, definitivamente, assistente hospitalar.
Em 7 de Junho de 2007, os Serviços de Saúde receberam pedido interposto pelo recorrente, através de mandatário judicial, de efectuar retroactivamente os descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência relativos aos períodos de 1 de Fevereiro de 1992 a 31 de Augusto de 1993 e de 3 de Setembro de 1993 a 11 de Augusto de 1998.
Em 6 de Augusto de 2007, o presidente do Conselho de Administração do FP proferiu despacho no relatório n.º 1313/DRAS-DAS/FP/2007, indeferindo o pedido do recorrente.
Em 4 de Setembro de 2007, da decisão de indeferimento interpôs o recorrente, junto do Conselho de Administração do FP, um recurso hierárquico necessário.
Em 3 de Outubro de 2007, o presidente do Conselho de Administração do FP fez uma deliberação no relatório n.º 2536/DRAS-DAS/FP/2007, mantendo a decisão de indeferimento.
Da referida deliberação interpôs o recorrente o presente recurso contencioso.
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III- O Direito
a) Da nulidade da sentença
Nas suas alegações, o recorrente chega a imputar à sentença o vício previsto nas alíneas b), c) e d), do art. 571º do CPC.
Não partilhamos da mesma opinião. Com efeito, a sentença tomou em consideração os factos provados e fê-los subsumir ao direito alegadamente aplicável, cujas normas citou e transcreveu. E tudo foi feito de forma coerente, lógica e suficientemente completa. Por conseguinte, nada mais faz supor que aquelas disposições legais tenham sido desrespeitadas a ponto de tamanha invalidade afectar a sentença em crise. É, aliás, bom lembrar que:
- O preenchimento do ilícito contido na alínea b) do art. 571º, b), do CPC, carece de uma absoluta falta de fundamentação, isto é, de uma ausência de razões que dêem a conhecer o iter cognoscitivo do julgador, não bastando uma pouco convincente ou até mesmo parca, pobre ou muito modesta fundamentação. É o que toda a jurisprudência vem, sem tergiversação, afirmando (v.g. Ac. TSI, de 15/12/2009, Proc. n. 1027/2009; no direito comparado, v.g. Ac. STJ de 10/07/2008, Proc. n. 08A2179).
- A nulidade da alínea c) do mesmo artigo implica uma contradição insanável entre fundamentos utilizados e a decisão tomada, isto é, quando o iter cognoscitivo do juiz revela um percurso mental numa certa direcção e a sentença vem, afinal, a traduzir uma decisão em sentido oposto, numa incongruência intolerável (Ac. R.E., 15/03/2007, Proc. n. 2699/06).
- A sanção correspondente ao tipo previsto na alínea d) do art. 571º do CPC está sujeita à lavra de uma sentença que silencia totalmente uma questão jurídica essencial invocada pela parte e cujo conhecimento pudesse conduzir a resultado diferente do alcançado (v.g., Ac. STJ, de 20/06/2006, Proc. n. 06A1443).
Ora, se bem repararmos, a sentença não sofre de nenhum destes males. É verdade que não tomou expressa pronúncia sobre todos os argumentos instrumentais trazidos pelo recorrente na petição. Todavia, o juiz não tem que seguir e rebater, um a um, todos os argumentos de que a parte se serviu para invocar as razões jurídicas essenciais, já para não dizer que o julgador está dispensado de, por lei, percorrer tal caminho sempre que o conhecimento de algumas “questões” esteja prejudicado pela solução dada a outras (art. 563º, n.2, do CPC). Por exemplo, quando o recorrente fez apelo ao princípio da igualdade (art. 62º da petição), o juiz pouco ou nada podia referir, fosse para o acolher, fosse para o rechaçar, em virtude dos termos totalmente inócuos, vagos e abstractos com que a invocação foi feita. Por outro lado, outras referências que o recorrente havia feito na petição não passavam de meras opiniões ou juízos de valor, bem longe dos mais simples padrões de preenchimento de causa de pedir, por isso incapazes de consubstanciarem a noção de “questões” contida no Código (art. 571º) e, assim, desprovidas de força invalidante.
Questão diferente é o modelo observado pelo julgador para atingir a solução a que chegou. A nosso ver, a questão jurídica essencial não é tanto saber se, com a qualidade de assalariado, por exemplo, o recorrente tinha que ser inscrito no Fundo e consequente dele subscritor. Talvez fosse importante discutir isso, sim, mas apenas como escada de acesso à questão outra, que consistia em saber se, passado todo este longo período, o interessado podia recuperar o tempo transcorrido, vertendo-o na sua esfera jurídica a título retroactivo. É, de resto, o que se discute essencialmente nos autos. Ora, o julgador da 1ª instância, servindo-se dos normativos próprios para a definição do direito de inscrição no Fundo, acabou por negar-lhe essa possibilidade. Portanto, bem ou mal, deu uma explicação para a solução que tomou e, quanto a isso, nada temos a censurar. Se a decisão foi bem tomada, já o domínio de análise é outro e dele cuidaremos no ponto seguinte, porque é o campo do direito substantivo para que ele nos remete.
2- Do mérito da sentença
2.1- Para se perceber bem a matéria em litígio, recordemos que o recorrente, que nunca efectuou descontos para o Fundo de Pensões, nem alguma vez nele foi inscrito como subscritor, requereu em 7 de Junho de 2007 que lhe fosse permitido efectuar os descontos com efeitos retroactivos relativamente a dois períodos: entre 1 de Fevereiro de 1992 e 31 de Agosto de 1993 e, bem assim, entre 3 de Setembro de 1993 e 11 de Agosto de 1998. Quanto ao primeiro, por corresponder ele ao tempo em que prestou serviço como assalariado nos Serviços de Saúde; e quanto ao segundo, por corresponder ao tempo em que, como médico e assistente hospitalar, prestou serviço nos Serviços de Saúde no regime de contrato além do quadro.
Vê-se, portanto, deste pequeno retrato factual, que o recorrente vem trabalhando para os Serviços de Macau desde Fevereiro de 1992. O recorrente ainda chegou a invocar que a culpa de não ter sido inscrito como subscritor desde essa altura lhe não pode ser imputada, uma vez que, diz, tinha declarado no prazo de 60 dias após a assinatura do contrato que pretendia sê-lo. Todavia, essa matéria resultou não provada. No momento próprio deste aresto, haverá que extrair as devidas consequências deste non liquet.
Entremos na análise do mérito.
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2.2- O DL n. 115/85/M, de 31/12 (Estatuto de Aposentação e Sobrevivência) veio definir o âmbito pessoal do sistema, considerando-se como subscritores, conforme se podia ler no seu preâmbulo e comprovar parcialmente nos arts. 1º e 20º do diploma, os funcionários e agentes da Administração de Macau, com exclusão dos assalariados eventuais que não estivessem já a descontar para efeitos de aposentação e do pessoal requisitado à República. Aliás, o art. 20º prescrevia que:
“1. O pessoal em regime de assalariamento eventual que não esteja, à data da entrada em vigor deste diploma, a descontar para a aposentação, não poderá requerer o seu ingresso no sistema fixado no presente diploma.
2. Quando um assalariado eventual vier a adquirir a qualidade de funcionário ou agente da Administração, não poderá integrar-se no esquema da aposentação com efeitos anteriores à data da aquisição do novo vínculo funcional”.
Por conseguinte, este diploma tinha um âmbito pessoal restritivo e, como se vê, excluía os assalariados do direito à inscrição, embora já os incluísse se, à data da sua entrada em vigor, estivessem a proceder a descontos para efeito de aposentação. Todavia, quando eles viessem a adquirir a qualidade de funcionários ou agentes, não podiam beneficiar do tempo decorrido (a sua eficácia seria projectada somente para futuro).
Com o DL n. 87/89/M, de 21 de Dezembro, é aprovado o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) e revogado o citado DL n. 115/85/M (ver art. 28º). De acordo com este novo articulado legal, os assalariados que estivessem inscritos no Fundo mantinham o direito à aposentação (arts. 15º, n.1 e 16º, n.1)1. Mas, daí em diante só os funcionários e agentes podiam inscrever-se e ser subscritores, tal como no-lo confirma o art. 259º, n.1 do ETAPM.
Por outro lado, o n.5, do art. 259º do ETAPM dizia que o pessoal contratado além do quadro ou em comissão de serviço podia, no acto de assinatura do respectivo instrumento contratual ou da posse, declarar que não desejava proceder a descontos para efeito de aposentação e sobrevivência, enquanto no n.6 imediato estabelecia que “Quando o pessoal referido no número anterior for provido em situação que implique inscrição obrigatória no FPM poderá requerer a contagem do tempo de serviço relativamente ao qual não procedeu a descontos, realizado o pagamento dos mesmos, em prestação a fixar por aquele fundo”. Ou seja, é fora de dúvida que em comissão de serviço ou em regime de contrato além do quadro a inscrição era possível, ainda que não obrigatória, mas o mesmo não fora previsto para o assalariado, que assim continuou a ficar de fora, embora fosse como aqueles “Trabalhador da Administração Pública”(art. 2º, n.1 do Estatuto). Por conseguinte, eram-lhe aplicáveis as regras restritivas a que já aludimos e, portanto, o recorrente, enquanto assalariado, estava fora da possibilidade de inscrição no Fundo nessa data. Não tinha esse direito.
Depois disto, vieram as alterações introduzidas ao Estatuto pela Lei n. 11/92/M, de 17 de Agosto, com entrada em vigor em 22 de Agosto de 1992. E o art. 259º passou a ficar assim redigido (só transcreveremos a parte que ora ao caso interessa):
Artigo 259.º
(Inscrição e descontos)
1. Só pode ser inscrito no Fundo de Pensões de Macau (FPM) o funcionário ou agente cuja idade lhe permita perfazer o mínimo de 15 anos de serviço, para efeitos de aposentação, até atingir o limite de idade fixado para o exercício das respectivas funções.
2. A inscrição é obrigatória para os funcionários de nomeação provisória ou definitiva e é promovida oficiosamente pelos serviços que paguem os vencimentos.
3. A inscrição é facultativa para os agentes e para o pessoal nomeado em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos, devendo aquela ser requerida até 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual.
4. O pessoal a que se refere o número anterior pode requerer a todo o tempo o cancelamento da sua inscrição no FPM.
(…).
O recorrente foi contratado em 3 de Setembro de 1993 no regime de além do quadro. Nessa ocasião estava, portanto, já na mira do referido art. 259º na redacção introduzida pela Lei 11/92/M.
Ora, segundo a leitura que a sentença faz destes novos incisos, o recorrente deveria ter feito a declaração a que alude o número 3 no prazo de 60 dias a contar da posse ou da assinatura do instrumento contratual. E como o não fez, segundo a prova feita, não podia beneficiar do direito de inscrição.
Todavia, esse normativo, no nosso entendimento, continuava a ter ainda um âmbito pessoal de aplicação restrito: era dedicado somente aos agentes e pessoal em comissão de serviço. Pergunta-se: Em Setembro de 1993 o recorrente, que não era funcionário, ao menos passou a ter a qualidade de agente?
O contrato além do quadro representa um acordo que se estabelece entre a Administração Pública e um particular tendente à constituição de uma relação de emprego, nos termos do qual este se obriga a exercer funções em regime de direito público sem ocupar um lugar do quadro, mas com direito às regalias estatutárias reconhecidas aos agentes.2
Mas, sem o auxílio da doutrina, a resposta é-nos dada directamente pelo art. 2º, n.3 do Estatuto, cujo inciso se transcreve:
“3. O provimento por nomeação provisória ou em regime de contrato além do quadro confere a qualidade de agente” (negrito nosso).
Sim, era agente, portanto. Logo, podia no acto da assinatura do contrato ou até 60 dias após, ter requerido a inscrição. Este requerimento traduz uma manifestação de vontade tão relevante que se apresenta como condição sine qua non. Isto é, na medida em que a lei confere uma faculdade ao interessado de requerer a inscrição (já que esta não era automática), só a manifestação concreta representaria condição essencial à aquisição voluntária do direito.
O que a lei estabelece naquele normativo é a fixação de dois requisitos conjuntos, um substantivo, outro formal: o primeiro é o requerimento (declaração expressa de vontade); o outro é a observância de um prazo. Ambos constituem aquilo a que o legislador quis que fosse uma condição suspensiva, no sentido de que apenas se e quando (dentro do prazo pré-definido) o interessado revelasse a vontade é que adquiria efectivamente o direito.
Neste sentido, não podemos deixar de consignar aqui que o prazo de 60 dias contados da assinatura do instrumento contratual não é somente um prazo disciplinador ou meramente regulador de eficácia. É, antes disso e sobretudo, um prazo legal de natureza peremptória que não pode ser reduzido ou alargado. E se isto se diz assim, forçoso até é concluir que em mais nenhum momento fora desse limite de prazo o interessado pode manifestar a sua vontade.
Ora, não se provou que o recorrente tivesse feito qualquer pedido expresso com aquele objectivo preciso. Portanto, é de concluir que o recorrente, enquanto contratado além do quadro, não chegou a adquirir o direito naquele momento por culpa que só a si é imputável.
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2.3- Vimos até este momento que o recorrente, nem enquanto assalariado, nem como contratado além do quadro, chegou a adquirir direito à inscrição, num caso porque a lei lhe negava essa possibilidade, noutro por não ter despoletado qualquer iniciativa de exercício da faculdade que a lei colocou ao seu dispor.
Pergunta-se agora: E pode ao fim de todos estes anos vir pedir a recuperação do tempo decorrido com vista ao mesmo fim? É possível a posteriori e com efeitos retroactivos reverter para a sua esfera os efeitos de do exercício de um direito que na altura própria não chegou a adquirir?
Há alguma jurisprudência que reconhece aos interessados essa possibilidade, todavia perspectivada num ângulo diferente daquele que nos ocupa. E a diferença assenta desde logo no facto de ela partir do pressuposto de que o interessado era um contratado além do quadro que beneficiava do art. 259º do ETAPM na redacção inicial apresentada pelo DL 87/89/M. Ou seja, versava a situação de trabalhadores da Administração Pública que adquiria desde logo e automaticamente a qualidade de subscritor, a não ser que no acto da assinatura do instrumento contratual declarasse não pretender proceder aos descontos. Se nenhuma declaração fizesse, era, por lei, subscritor de pleno direito. A questão que então se colocava era saber se, não tendo os serviços processadores da Administração procedido oficiosamente aos respectivos descontos no vencimento ao longo do tempo, ainda poderia, muito tempo depois, o interessado beneficiar da aposentação com recuperação desse tempo e mediante o pagamento, com efeitos retroactivos, das respectivas quotizações. Tal jurisprudência concluiu que sim, com o argumento de que a aquisição do direito pela relação jurídica não mais é perdida em razão da falta de descontos, não só por essa falta não ser imputável ao agente, mas também por ela não fazer parte do elenco das causas de extinção do direito estabelecidas no art. 259º, n.7 (v.g. Ac. TSI de 6/04/2006, Proc. n. 99/2006; Ac. TSI, 22/05/2003, Proc. n. 104/2001).
Nada disso, porém, está aqui em causa. Nos presentes autos a situação não é confundível com a situação de facto que subjaz àqueles arestos, dado que o conteúdo da relação jurídica firmada entre Administração e ora recorrente não conferia automaticamente um direito à qualidade de subscritor, antes carecendo de uma posição expressa por banda deste, tal como referido. Enquanto além os não descontos se ficaram a dever a omissão culposa dos serviços processadores, (já que a qualidade de subscritor tinha sido recebida ope legis), aqui, diferentemente, o processamento dos descontos não teve lugar porque, a montante, faltara o pressuposto da inscrição decorrente da manifestação de vontade do interessado. Coisas distintas em ambos os casos, já se vê.
O que se passa aqui é, portanto, distinto. Expliquemo-nos.
O art. 259º do Estatuto, na redacção da Lei n. 11/92/M, dentro do universo vasto das normas consagradoras de deveres e direitos os trabalhadores da Administração Pública, é especial, porque se refere aos direitos de aposentação e respectiva inscrição.
E assim é que da relação jurídica de emprego público, por exemplo, nasce um direito à inscrição que não carece de impulso ou de manifestação de vontade do “funcionário”, pois é promovida oficiosamente pelos serviços que paguem os vencimentos (n.3). Por inerência à qualidade de funcionário, por decorrência directa da lei, ou, se se quiser, por causa da relação jurídica de emprego público, e no seio dela, nasce uma nova relação jurídica (endo-relação) entre funcionário e Fundo de Pensões. Neste sentido, o surgimento desta endo-relação aposentária escapa ao poder de ingerência da vontade do inscrito, embora, por seu turno, a extinção da qualidade de subscritor imanente já dependa, por exemplo, de cancelamento da inscrição sob requerimento expresso (n.7). Isto é, o papel da vontade é condição para a perda do direito, não já para a aquisição do direito.
No que respeita aos agentes, da relação jurídica de emprego público já não advém necessariamente uma endo-relaçao aposentária. Esta, ainda que conexa com aquela, é independente ou autónoma, na medida em que só surge por ingerência da vontade do próprio interessado.
Por outro lado, no caso em apreço não se colocam questões de sucessão de leis no tempo no quadro de alterações ao citado art. 259º (ver art. 12º do CC), uma vez que o seu contrato além do quadro foi celebrado em 3 de Setembro de 1993, já portanto sob o domínio do art. 259º citado na redacção da Lei 11/92/M.
E quanto a alterações do regime que eventualmente tenham sido inscritas em diplomas posteriores?
Vamos ver.
O DL 42/94/M, de 15 de Agosto, ao contrário do que pensa o recorrente, em nada milita em favor da sua tese. Desde logo, porque se trata de um diploma que visa a adopção de medidas excepcionais de preenchimento dos lugares dos quadros por pessoal cuja experiência é necessária à continuidade e estabilidade do funcionamento dos serviços públicos, em razão da política de modernização administrativa, de reestruturação de serviços e de redimensionamento dos quadros de pessoal. Embora este articulado viesse permitir que os assalariados e contratados além do quadro integrassem os quadros da Administração Pública (mediante concurso: art. 2º), não se esqueceu o legislador de vincar muito bem que “A contagem do tempo de serviço anterior à data da admissão no quadro não releva para efeitos de aposentação, salvo se o trabalhador tiver procedido aos respectivos descontos”(art. 7º ). Isto é, trata-se de uma exigência que não satisfaz a pretensão o recorrente, e até a anula expressamente, porque nunca fizera quais descontos.
O DL n. 25/96/M, de 27 de Maio, quanto aos assalariados, veio expressamente reconhecer aos que não estavam inscritos no Fundo de Pensões o direito3 à inscrição no Fundo Segurança Social (art.3º), contando-se todo o tempo de serviço anteriormente prestado nesse regime em quaisquer serviços e organismos públicos com efeitos reportados a partir de 1 de Janeiro de 1990 (art. 2º e 3º, n.2). Trata-se de um diploma que veio repor alguma justiça na situação daqueles que tenham prestado serviço como assalariados, sim, mas não resolve a dúvida no sentido defendido pelo recorrente, porque a sua pretensão se dirige à inscrição no Fundo de Pensões.
O DL n. 7/98/M, de 23 de Fevereiro veio alargar a amplitude da justiça que o diploma anterior tinha iniciado, através da inclusão de alguns grupos de trabalhadores que tinham ficado fora de qualquer dos sistemas de segurança social, ao tornar-lhes extensivos os mesmos benefícios de natureza social que resultavam do DL 25/96/M. Todavia, nem mesmo esse diploma vem ao encontro dos interesses do recorrente, porque, afinal de contas, ele apenas abre as portas ao regime de segurança social (FSS) a outros trabalhadores que dele estavam excluídos. Ora, não é desse regime que cuidamos no caso em análise.
O recorrente diz que a circunstância de o art. 1º desse diploma (DL 7/98/M) estender o seu alcance aos assalariados e contratados além do quadro que não estavam inscritos no Fundo de Pensões revela que o próprio legislador tinha consciência de que esses mesmos trabalhadores afinal tinham podido estar inscritos no Fundo Pensões. Nada de mais acertado, quanto acertado é o seu contrário. Com efeito, para o legislador prever a inclusão desses trabalhadores neste regime diferente, é porque arrancava do pressuposto seguro de que parte deles não estava inscrita em qualquer regime. Ora, daí não se segue que essa consciência legislativa seja favorável à posição defendida pelo recorrente, uma vez que ele fazia, precisamente, parte do elenco de trabalhadores que nunca estivera inscrito no Fundo de Pensões pelas razões acima apontadas.
Eis, então, por que nenhum texto legal posterior acode à pretensão do recorrente. E embora se aceite que colegas seus (que tenham sido assalariados ou contratados além do quadro) possam estar numa posição jurídica mais confortável que a sua, a verdade é que essa diferença não decorre da violação de nenhum princípio da igualdade ou de justiça, na medida em que as situações são desiguais: se assim se encontram é porque terão aproveitado a faculdade do art. 259º, n. 3 do ETAPM na redacção da Lei 11/92/M, coisa que ele não fez.
Por conseguinte, se em todo este ínterim nenhum diploma lhe veio permitir a recuperação do tempo decorrido mediante o pagamento dos descontos respectivos com vista à sua inscrição no Fundo e à aquisição de qualidade de subscritor, parece ser de mediana clareza concluir que a sua situação está inapelavelmente resolvida.
Vale isto por dizer que nenhuma censura merece a sentença recorrida.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
TSI, 12 / 05 / 2011
Vitor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho

Lai Kin Hong

Choi Mou Pan

1 Nos termos dos números 5 a 7 do art. 20º, mantinham-se os direitos, porém na condição de prévia inscrição no Fundo. Veja-se o teor destas disposições: “ 5. A manutenção dos direitos previstos neste artigo pressupõe a inscrição no Fundo de Pensões à data da entrada em vigor do presente diploma e a satisfação dos correspondentes encargos.6. Os trabalhadores que se encontrassem inscritos no Fundo de Pensões em 1 de Janeiro de 1986 podem requerer a contagem do tempo de serviço prestado antes daquela data e relativamente ao qual não hajam procedido a descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência, mediante pagamento dos mesmos.7. O requerimento a que se refere o número anterior deve dar entrada no Fundo de Pensões no prazo de 6 meses, a contar da data da entrada em vigor deste diploma, acompanhado dos meios de prova adequados”.

2 Pinheiro Torres, in Relação Jurídica de Emprego Público em Macau, 2000, pag. 57
3 Seriam obrigatoriamente inscritos desde então.
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