Processo nº 535/2010(/) Data:03.03.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “homicídio por negligência.”
Atenuação especial.
Indemnização do direito à vida.
Lucros cessantes.
Indemnização por danos não patrimoniais.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial da pena apenas deve ocorrer em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. No caso dos autos, em que o arguido cometeu um crime de “homicídio por negligência” na pessoa da sua irmã, pelo qual se sente “triste”, “culpado” e “envergonhado”, viável é a atenuação especial da pena atento também o estatuído na al. e) do art. 66° do C.P.M., onde se prevê como “circunstância” para tal atenuação “ter o agente ficado especialmente afectado pelas consequências do facto”.
3. A indemnização pelo direito à vida” nada tem a ver com a que se arbitra a título de “lucros cessantes”. Com aquela (e reconhecendo-se que incalculável é o valor de qualquer “vida humana”), pretende-se (tentar) “compensar uma vida”, e estes, (“o lucro cessante ou frustrado”), abrangem os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que à data da lesão, ainda não tinha direito. Tem pois a ver com a titularidade de uma situação jurídica, que mantendo-se, lhe daria direito a este ganho.
4. No que toca à indemnização do direito à vida incidem duas opiniões.
Em conformidade com certa corrente doutrinal e jurisprudencial, há que ter presente que o dano morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros, o que equivale a dizer que a indemnização não deve ser aferida pelo custo da vida para a sociedade ou para os parentes da vítima, mas sim pelo valor da vítima enquanto “Ser”, sendo assim um “prejuízo igual para todos os Homens”.
Por sua vez, também se defende que a vida é um bem não só pessoal, mas também da comunidade, de onde são beneficiários mais próximos os elementos da “família nuclear”. E, nesta ordem de ideias, embora constitua – repete-se – um “bem sem preço”, as realidades da sociedade exigem que pela sua perda se fixe uma indemnização onde se deve atender à “situação concreta”.
No fundo, coloca-se a questão de se saber se, (apenas) para efeitos compensatórios, é a vida de (v.g.) uma pessoa com elevadas e exigentes responsabilidades públicas, ou de um cientista, equiparável à de um operário não qualificado, se a vida de uma jovem, recém casada e grávida, saudável e com desafogada situação económica, é equiparável a de um idoso, enfermo, em fase terminal de um maleita e com dificuldades económicas...
Estatuindo o art. 487° do C.C.M. que no cálculo da indemnização se deve atender a critérios de “equidade”, ao “grau de culpa” e “às demais circunstâncias do caso”, adequado parece o entendimento segundo o qual se deve atender à “situação concreta”.
5. Com a morte, a vítima de lesão não adquire direito aos vencimentos que viria presumivelmente a auferir na sua vida activa, a título de lucros cessantes, pois a morte faz extinguir a personalidade jurídica.
Em caso de morte, o responsável pela lesão é obrigado a indemnizar aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, nos termos do n.º 3 do art. 488.º do Código Civil.
6. No cômputo dos “danos não patrimoniais” deve-se procurar uma quantia que permita, tanto quanto possível, proporcionar ao lesado momentos de alegria ou de prazer que neutralizem a dor sofrida.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 535/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se:
- condenar o (1°) arguido A, pela prática em autoria material de 1 crime de “homicídio por negligência”, p. p. pelo art.º 134.º n.º 1 do C.P.M. e art.º 66.º n.º 1 do Código da Estrada, (atento o estatuído no art. 2°, n° 4 do C.P.M.), na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, e 1 contravenção, p. p. pelo art.º 14.º n.º 2 e art.º 72.º n.º 1 do Código da Estrada, na multa de MOP$500;
- condenar a (2ª) arguida B pela prática em autoria material de 1 crime de “homicídio por negligência”, p. p. pelo art.º 134.º n.º 1 do C.P.M. e art.º 66.º n.º 1 do Código da Estrada, (também aqui atento o estatuído no art. 2°, n°4 do C.P.M.), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, e 1 contravenção, p. p. pelo art.º 15.º n.º 1 e art.º 72.º n.º 1 do Código da Estrada, na multa de MOP$500, condenando-se também ambos os arguidos na suspensão da validade da licença de condução por um período de 1 ano; e,
- condenar a demandada do pedido de indemnização civil enxertado nos autos, “COMPANHIA DE SEGUROS DA C (MACAU), S.A.” (C保險(澳門)股份有限公司), a pagar aos demandantes H (este, também assistente), e F, a quantia total de MOP$564.035,96 e juros; (cfr., fls. 425 a 426 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados com o assim decidido, do mesmo vieram recorrer os (1° e 2ª) arguidos, o assistente e demandantes cíveis e a demandada seguradora.
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Em sede de conclusões, afirma o (1°) arguido A o que segue:
“1. Dos factos provados neste processo se pode ver que, perto do poste de iluminação n.º 012D01, quando a arguida B pretendeu mudar da via de trânsito direita para a via de trânsito esquerda, por causas não provadas, a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem dar anúncios claros e necessários da sua intenção, resultando em que em caso de não haver aviso ou precaução, ou pela menos é difícil evitar ou se tinha tentado mas não podia evitar, o motociclo conduzido pelo arguido A embateu-se no veículo da arguida B;
2. O embate acima referido resultou directamente nas lesões crânio-encefálicas de D;
3. Isso significa que este acidente infeliz foi primeiro provocado pelas condutas de condução incauta da arguida B, e a seguir completado pelas condutas de condução do arguido A; a condução incauta da arguida B é a origem do acidente e o embate causado pelo arguido A também foi originado pelas condutas da arguida B;
4. Daí se pode ver que o embate dos dois veículos não teria ocorrido se não fosse a condução incauta da arguida B, e em consequência não teria causado o ferimento e a morte da vítima;
5. As condutas da arguida B têm uma relação de causalidade com o embate dos dois veículos e o facto da morte da vítima;
6. A arguida B é o principal agente da condução incauta no acidente do embate e é a responsável original pela morte da vítima;
7. Por não se provar o facto de que “a arguida B dirigiu o automóvel na via de trânsito esquerda, e ao aproximar-se dum parque de estacionamento para veículos abandonados, um automóvel de carga saiu de súbito do parque de estacionamento”, o tribunal a quo considerou como provados os factos constantes do art.º 3.º da petição inicial do Juízo de Instrução Criminal: “Perto do poste de iluminação n.º 012D01, quando a arguida B pretendeu mudar da via de trânsito direita para a via de trânsito esquerda, por causas não provadas, a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem anunciar claramente a sua intenção, (...)”;
8. Também se provou que: “Também, este acidente de viação foi causado porque a arguida B, sem verificar que não haver perigos ou não impedir outros utentes da via, não anunciou a sua intenção de deslocação lateral do veículo ou mudança de via de trânsito ao arguido A atrás dela, por meio do correspondente sinal, mas reduziu de repente a velocidade e parou o veículo, causando o embate, (...)”;
9. Acusou-se a arguida B de ter praticado uma contravenção p. p. pelo art.º 15.º n.º 1 e art.º 72.º n.º 1 do Código da Estrada com base no facto hipotético de que “a arguida B dirigiu o automóvel na via de trânsito esquerda, e ao aproximar-se dum parque de estacionamento para veículos abandonados, um automóvel de carga saiu de súbito do parque de estacionamento”, e agora o tribunal a quo prova que por causas não provadas e sem verificar que não haver perigos ou não impedir outros utentes da via, a arguida B reduziu de repente a velocidade e parou o veículo, causando o embate;
10. Por isso, reconhece-se que as condutas de súbita diminuição da velocidade e paragem do veículo da arguida B não foram praticadas em caso de perigo iminente;
11. As condutas desta arguida também constituem uma contravenção prevista pelo art.º 22.º n.º 4 do Código da Estrada;
12. O legislador dispõe que a contravenção supracitada é mais grave do que a contravenção condenada pelo tribunal a quo;
13. De facto, as condutas da arguida B resultaram no embate, e daí se pode reconhecer que antes da diminuição súbita da velocidade e da paragem do veículo, a arguida B não garantiu que tais manobras não resultaram no perigo para os outros utentes da via;
14. O tribunal a quo devia condenar a arguida B pela prática das duas contravenções supracitadas;
15. Se assim não for entendido, o recorrente entende que as condutas culposas da arguida B reveladas nos factos provados devem ser reflectidas na medida da pena para um crime de homicídio por negligência;
16. Dos factos provados supracitados se pode concluir que na altura, a arguida B conduziu o veículo sem atender aos perigos derivados das suas condutas para os outros utentes da via, e a arguida B sabia disso, ainda agiu de forma livre e voluntária ao praticar as condutas acima referidas, pelo que o seu grau de culpa é mais elevado do que o do arguido A;
17. Sob condições favoráveis objectivas, a arguida B devia conduzir o automóvel de forma prudente, mas os factos provados mostram que a arguida não agiu assim;
18. A medida da pena das condutas do recorrente feita pelo tribunal a quo mostra que este ignorou os factos provados e o juízo crítico que devia ser tido segundo estes;
19. Como resultado, quanto à medida da pena, as penas condenadas no acórdão a quo revelam-se desproporcionadas com a culpa e a gravidade da negligência dos arguidos;
20. O julgador deve realizar oficiosamente a justiça relativa da punição, o que revela-se especialmente necessário para a punição dos co-agentes no mesmo processo;
21. Em comparação com a pena de prisão de 1 ano e 3 meses aplicada à arguida B pelo acórdão a quo, o recorrente não deve ser condenado na pena de prisão de 1 ano e 4 meses, mas no limite mínimo da moldura penal.
22. Sendo um dos co-lesantes negligentes que causaram o grave ferimento e a morte da sua irmã mais velha, o recorrente sente-se ralado de remorsos pela grave consequência causada pelas suas condutas culposas;
23. O recorrente sente-se envergonhado perante a vítima e os seus pais, ficando deprimido e arrependido todos os dias e tendo muita pressão.
24. O recorrente tem um profundo desgosto com o facto de que ele próprio é responsável pela morte da irmã, sentindo-se arrependido e angustiado.
25. Antes do acidente, o recorrente deu-se bem com a vítima;
26. Até o presente, quanto às consequências do acidente, o recorrente ainda se sente inquieto e angustiado;
27. Este acidente infeliz também causou danos não patrimoniais ao recorrente;
28. Isso deve ser uma simples presunção legal obtida conforme os dados constantes dos autos ou as regras de experiência;
29. Desde o dia do acidente, o recorrente começou a compreender a importância de condução prudente, e daquele dia até o presente, o recorrente conduziu sempre de forma prudente e não teve mais acidente;
30. O recorrente mantém bons comportamentos por período de cerca de 6 anos;
31. O recorrente entende que o tribunal a quo deve atenuar especialmente a pena lhe aplicada nos termos do art.º 66.º, n.º 1 e n.º 2, al.s d) e e) do Código Penal de Macau.
32. Conforme a supracitada alínea A, a culpa e a gravidade da negligência do recorrente são mais leves do que as da arguida B, apesar de tudo, o crime praticado pelo recorrente é crime negligente, e os resultados não são o que o recorrente deseja;
33. O acidente também causou danos ao recorrente;
34. De acordo com os assentos judiciais, é punido com pena acessória da suspensão da validade da licença de condução quem for condenado por qualquer crime cometido no exercício de condução.
35. Pelo que o acórdão a quo violou as disposições legais atrás citadas, designadamente os dispostos nos art.ºs 65.º e 66.º do Código Penal de Macau e no art.º 73.º do Código da Estrada.”; (cfr., fls. 502 a 512 e 722 a 743).
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Motivando o seu recurso, conclui também a (2ª) arguida PAN CHAN IAN que:
“1ª Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que condenou a ora recorrente como autora material, pela prática, na forma consumada, de um crime homicídio por negligência, na pena de um ano e três meses de prisão suspensa na sua execução por um período de dezoito meses e na pena de suspensão da validade da licença de condução por um período de um ano;
2.ª Imputa a recorrente à decisão recorrida o vício do n.º 1 do artigo 400.º Código de Processo Penal, qual seja, o da desproporcionalidade da pena;
3.ª Dispõe o artigo 356.º, n.º1 do CPPM que: 《A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando nomeadamente, se for caso disso, o início do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social》;
4.ª 《A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade》, sendo que 《em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa》- cfr. artigo 40.º, n.º s 1 e 2, do Código Penal de Macau;
5.ª O artigo 65.º do mesmo Diploma, estipula, por outro lado, que 《a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal》;
6.ª Sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, a função primordial de uma pena, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos. O seu limite máximo, fixar-se-á - em salvaguarda da dignidade humana do agente - em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir;
7.ª O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena, que em concreto, ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos;
8.ª Dentro destes dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente, sendo certo que, para o efeito, o tribunal deverá atender 《a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele》- cfr. artigo 65.º, n.º 2 do Código de Penal de Macau;
9.ª Ora num contexto como o evidenciado, a aplicação de uma pena de um ano e três meses de prisão quando se considerou que a ora recorrente apenas teria 20% de culpa no acidente comparativamente com os 80% de culpa do 1.º arguido que apenas foi condenado na pena de um ano e quatro meses de prisão, é demonstrativo de uma evidente desproporcionalidade da pena. Isto é, de uma pena manifestamente excessiva;
10.ª É, pois manifesta a violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade das penas;
11.ª Com efeito, o princípio da proporcionalidade determina que as restrições de direitos e liberdades fundamentais só podem ter lugar desde que proporcionais à gravidade e aos efeitos dos factos cuja prática as fundamenta;
12.ª O que significa que o princípio da proporcionalidade tem aplicação, em matéria de penas - quer no momento da sua previsão legal, quer no momento da determinação concreta da medida da pena a aplicar - e de medidas de coacção - cfr. artigo 178.º, n.º 1 do Código de Processo Penal de Macau;
13.ª A ora recorrente tem perfeito conhecimento que a fixação da pena dento dos limites do marco punitivo é um acto de discricionariedade judicial. Sem embargo, esta discricionariedade não é livre, mas sim vinculada aos princípios individualizadores que, em parte, não estão escritos, mas que radicam na própria finalidade da pena;
14.ª A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente a finalidade da mesma;
15.ª Aprofundando ainda o exposto, mas agora em sede de violação do princípio da proporcionalidade, torna-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade da culpa expressa no facto e a gravidade da pena. Ao cometer um crime, o agente incorre na sanção do Estado, no exercício do seu direito de punir e esta sanção poderá importar uma limitação de sua liberdade;
16.ª Uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente, invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo isto é invadir na medida do estritamente necessário à finalidade da pena que se aplica porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido;
17.ª É certo que a determinação da concreta medida definitiva da pena tem sempre presente pontos de vista preventivos. Dado que o parâmetro da culpa representa um estádio na determinação da medida definitiva da pena a sua dimensão final fixa-se, também, de acordo com critérios preventivos dentro dos limites impostos pela culpa. Também neste contexto a proibição de excesso tem uma importância determinante;
18.ª Na verdade, e atribuindo consistência prática ao exposto, as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social - mais que ao dano social - que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido porquanto a sua garantia é o principal fundamento da referida intervenção;
19.ª Pelo exposto, a pena aplicada à ora recorrente merece crítica por ser manifestamente desproporcionada, violando o disposto no artigo 65.º do Código Penal de Macau”; (cfr., fls. 457 a 472 e 621 a 648).
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Por sua vez, concluem o assistente e demandantes cíveis que:
“1. Nos termos do art.º 22º, n.º 4 do Código da Estrada, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via nem perturbação ou entrave para o trânsito, salvo se tal procedimento for motivado por perigo iminente;
2. Pelos factos provados, descobre-se facilmente que a arguida B não só cometeu a contravenção, p. e p. pelo art.º 15º (Sinais dos condutores), n.º 1 e art.º 72º, n.º 1 do Código da Estrada, mas também a contravenção, p. e p. pelo art.º 22º (Velocidade), n.º 4, conjugado com o art.º 70º, n.º 3 do mesmo Código.
3. Referidos nos factos provados: (...) quando a arguida B pretendeu mudar da via de trânsito direita para a via de trânsito esquerda, por causas não provadas, a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem anunciar a sua intenção. Com isso vislumbra-se que, na dada altura, a arguida B não só diminuiu subitamente a velocidade, mas também parou repentinamente o veículo, pelo que se verifica que a sua conduta conforma com os requisitos previstos no art.º 22º, n.º 4 do Código da Estrada: o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via nem perturbação ou entrave para o trânsito, salvo se tal procedimento for motivado por perigo iminente;
4. Os recorrentes consideram que, na ocorrência dos factos, a arguida B conduziu de forma completamente imprudente, ignorando o perigo que podia causar aos outros utentes da via. Mesmo que tivesse perfeito conhecimento das consequências, a arguida B ainda agiu livre e voluntariamente o referido acto, sendo assim, a culpabilidade desta era mais elevada do que a do arguido A e, através das consequências efectivas do acidente, demostraram-se que a sua conduta era extremamente grave.
5. Como o tempo estava bom, o estado da via e a intensidade do trânsito eram normais, bem como não existiam quaisquer outros elementos do ambiente exteriores ou perturbações e influências por terceiro, a arguida B devia estar em condições para tomar uma atitude benéfica e prudente na condução;
6. Pelas razões supramencionadas, averigua-se que no acórdão a quo existe omissão da aplicação dos dispostos no art.º 22º, n.º 4, conjugado com o art.º 70º, n.º 3 do Código da Estrada;
7. Os recorrentes vêm solicitar aos Venerandos Juizes que condenem ainda a arguida B pela prática da contravenção, p. e p. pelo art.º 22º (Velocidade), n.º 4, conjugado com o art.º 70º, n.º 3 do mesmo Código e, também, pela prática do crime de homicídio por negligência, na pena de 2 anos de prisão, ou, pelo menos, condenem-na numa pena de prisão superior à da pena imposta ao arguido A;
8. Se os Venerandos Juizes não entenderem assim, vêm requerer que qualifiquem, em conformidade com os factos provados, a condução imprudente da arguida B como a contravenção, p. e p. pelo art.º 22º (Velocidade), n.º 4, conjugado com o art.º 70º, n.º 3 do Código da Estrada, e, em consequência, seja a mesma condenada numa pena mais grave pela prática do crime de homicídio por negligência.
9. Quanto à proporção da culpa, Pelos factos provados em apreço, constata-se que perto do poste de iluminação n.º 012D01, quando a arguida B pretendeu mudar da via de trânsito direita para a via de trânsito esquerda, por causas não provadas, a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem anunciar a sua intenção ao arguido A atrás dela, fazendo com que o motociclo do mesmo embateu no automóvel da arguida B sem qualquer alerta e precaução, ou, pelo menos, foi uma situação inevitável ou tentou desviar o motociclo para evitar o embate mas não resultou (uma vez que estava fixado um canteiro de pedra na parte direita do ponto do embate, restringindo assim o espaço para o desvio do motociclo).
10. O embate acima referido resultou directamente nas lesões crânio-encefálicas de D e no coma desta. D foi transportada para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário para a salvação e foi verificado seu óbito após o socorro;
11. É de salientar que não foram apurados os seguintes factos: “a arguida B dirigiu o automóvel na via de trânsito esquerda, e ao aproximar-se dum parque de estacionamento abandonado, um camião saiu de súbito do parque de estacionamento” e “a vítima D não usou capacete”;
12. Daí, verifica-se que o primeiro factor provocante do acontecimento desgraçado em causa é a condução imprudente da arguida B e o segundo é a atitude da condução do arguido A que também contribuiu para o acidente, dos quais a condução imprudente da arguida B é a origem do acidente de viação e que este factor deu também origem ao embate feito pelo arguido A, ou seja, a condução imprudente da arguida B é a causa provocada do embate dos referidos dois veículos, sendo assim, a arguida B é considerada a culpada ou, pelo menos, a culpada principal do acidente;
13. Tal como referido na parte I, a arguida B também cometeu a contravenção, p. e p. pelo art.º 22º, n.º 4, conjugado com o art.º 70º, n.º 3 do mesmo Código.
14. Estabelecida pelo legislador que a contravenção supracitada é mais grave do que a contravenção imputada no acórdão a quo;
15. Pelos factos provados acima expostos, apura-se que, na ocorrência dos factos, a arguida B conduziu de forma completamente imprudente, ignorando o perigo que podia causar aos outros utentes da via. Mesmo que tivesse perfeito conhecimento das consequências, a arguida B ainda agiu livre e voluntariamente o referido acto, sendo assim, a culpabilidade desta era consideravelmente elevada e, através das consequências efectivas do acidente, demostraram-se que a sua conduta era extremamente grave;
16. Daí, vislumbra-se que se não fosse a arguida B a conduzir de forma imprudente, não deveria ter acontecido o embate dos dois veículos em apreço e, se não houvesse o dito embate, não causaria a morte da vítima;
17. Existe causalidade adequada entre a conduta da arguida B, o embate dos referidos dois veículos e a morte da vítima, sendo assim, a referida arguida é a responsável primária pela morte da vítima;
18. A indemnização tem uma função reparadora mas também punitiva, sendo assim, considera-se que a indemnização e a pena impostas à arguida B devem ser equitativas;
19. O Tribunal a quo condenou os dois arguidos, pela prática do mesmo crime de homicídio por negligência, nas penas quase idênticas (com apenas a diferença de 1 mês da pena de prisão), mais, condenou-os, pela prática de contravenção, nas multas com o valor idêntico e na pena acessória de suspensão da validade da licença de condução pelo período idêntico;
20. Analisada a medida da pena que foi considerada a mais adequada, verifica-se que, após ter atendido a todos os factos provados e circunstâncias, o Tribunal a quo considerou que os dois arguidos tinham praticamente o mesmo grau de culpa dos danos causados à vida da vítima e da morte da mesma;
21. Perante os dois arguidos, o Tribunal a quo proferiu a decisão quase unânime na matéria da punição criminal, mas a diferença entre as percentagens da proporção da culpa da indemnização cível atribuída aos dois arguidos chegou a três vezes, mostrando-se a perda de equilíbrio, de equidade e de proporcionalidade entre os dois tipos de responsabilidade;
22. Como é sabido que a responsabilidade civil resulta do acto ilícito criminal;
23. Por outras palavras, a punição do acto ilícito criminal e a responsabilidade civil devem ser correspondentes e congruentes, ou, pelo menos, a proporção entre as quais deve ser compatível;
24. O art.º 557º do Código Civil dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão;
25. Sub judice, a decisão proferida no acórdão a quo perante a proporção da culpa da responsabilidade civil dos dois arguidos violou a norma basilar – a responsabilidade civil resulta do acto ilícito criminal (vide art.º 477º do Código Civil); simultaneamente, pelo acima exposto, verifica-se que existe nexo de causalidade entre a conduta da arguida B, o embate dos referidos dois veículos e a morte da vítima, sendo esta uma decisão do Tribunal a quo que é incompatível com a norma pressuponente – nexo de causalidade da obrigação de indemnização cível (vide art.º 557º do Código Civil);
26. Os recorrentes consideraram que, pelo menos, a proporção da culpa dos dois arguidos devia ser repartida em metade para cada um deles;
27. Por outro ponto de vista, caso existam vários responsáveis pelos prejuízos, como autores do dano, o direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis; contudo, face à indemnização pelo prejuízo provocado à vítima, caso a proporção da culpa dos co-responsáveis seja duvidosa ou discutível, o julgador deve aplicar a ora presunção legal;
28. O n.º 2 do art.º 490º do Código Civil dispõe: O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis;
29. Pelos factos provados, designadamente, “perto do poste de iluminação n.º 012D01, quando a arguida B pretendeu mudar da via de trânsito direita para a via de trânsito esquerda, a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem anunciar a sua intenção, fazendo com que a parte dianteira do motociclo de matrícula ME-20-XX embateu na traseira do automóvel ligeiro de matrícula MI-75-XX e, depois, caiu no chão”, “no dia do acidente, o tempo era bom e a iluminação da rua era suficiente, também eram normais o estado da via e a intensidade do trânsito” e “também, sem verificar que não haver perigos ou não impedir outros utentes da via, a arguida B não anunciou, de forma necessária, a sua intenção de deslocação lateral do veículo ou mudança de via de trânsito ao veículo que estava atrás dela, mas parou de súbito o veículo, causando o embate e a morte da vítima”, constata-se que existe dúvida no grau de culpa relativa dos dois arguidos, ou, pelo menos, tira-se a conclusão de que as culpas dos dois arguidos são semelhantes;
30. Pelo exposto, o primeiro factor provocante do acidente é a condução imprudente da arguida B e o segundo é a atitude da condução do arguido A, deste modo, os recorrentes insistiram que o Tribunal a quo devia atribuir à arguida B no mínimo 50% da proporção da culpa, ou, pelo menos, não se devia atribuir a proporção da responsabilidade em 80% ao arguido A e 20% à arguida B, com uma assimetria tão enorme, tal como a medida da proporção fixada pelo acórdão a quo.
31. Quanto ao pedido da indemnização por lucros cessantes, tanto a jurisprudência dos tribunais da 1ª instância como a da 2ª instância, reconheceu que os referidos pedidos podem ser apresentados em simultânea e fixou-se também o valor das respectivas indemnizações, tais como, o processo n.º CR1-06-0042-PCC do 1º Juízo Criminal do T.J.B. e recurso em processo penal n.º 761/2007 do T.S.I.;
32. Entendido pelo acórdão do recurso em processo penal n.º 15/2008, de 27 de Junho de 2008, do T.U.I.: por meio do disposto no art.º 488.º, n.º 3 do CC a lei garante o direito a indemnização;
33. Não há nenhuma relação entre os lucros cessantes e a indemnização por direito à vida da vítima, cuja a última referida tem a natureza independente, isto é, na fixação da indemnização pela perda da vida da vítima (que não tem preço), embora seja impossível a quantificação da vida humana, tem que ser reparada pecuniariamente por ser insusceptível de reparação natural, como, no fundo, a vida da vítima não pode ser avaliada por dinheiro, então, quer dizer que a referida indemnização pecuniária apenas serve da reparação do direito à vida da vítima, mas não abrange nenhuma perda de ganhos ou bens futuros da mesma;
34. O Tribunal a quo não devia, com base no mencionado fundamento, fixar-se apenas a indemnização por direito à vida da vítima e rejeitar o pedido de indemnização por lucros cessantes da mesma, violando assim o direito à indemnização da vítima ou dos interessados;
35. Se, de acordo com o acórdão a quo, a indemnização por direito à vida abranger os lucros cessantes da vítima, será que o valor de MOP$1.500.000,00 da indemnização por direito à vida é suficiente para cobrir os ganhos ou benefícios que, eventualmente, a vítima consegue obter durante os próximos quarenta e tal anos de vida, caso ainda esteja viva?!
36. Basta analisar rigorosamente os factos provados relacionados com o pedido da indemnização cível, encontra-se logo a resposta negativa para a pergunta em apreço;
37. Podia afirmar-se que a jurisprudência dominante dos tribunais das três instâncias defende sempre a atribuição de indemnização aos demandantes;
38. A vítima morreu em 22 anos, estava sempre bem de saúde e não tinha qualquer doença; foi uma pessoa activa, optimista, dinâmica e estudiosa;
39. Na ocorrência do acidente, a vítima frequentava o 4º ano do curso de licenciatura na literatura inglesa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Macau, teve boas notas e graduar-se-ia logo;
40. A vítima aperfeiçoou-se activamente nos seus tempos livres, tinha conhecimento de várias línguas, tinha diplomas de vários cursos profissionais e académicos, tinha certificados de dança e de piano, bem como participou activamente nas actividades de serviço social e voluntário;
41. A vítima, antes do seu óbito, dava explicações a outrem e fazia trabalhos a tempo parcial no tempo fora das aulas;
42. A Companhia de Emprego XXXX Macau Limitada prometeu que iria contratar a vítima para continuar a trabalhar naquela companhia após a sua graduação em 2006, com o vencimento mensal de MOP$20.000,00;
43. Pelos factos acima expostos, verifica-se que embora a vítima não tenha o rendimento fixo no momento do seu óbito, é permissível o cálculo prévio razoável dos seus ganhos futuros;
44. A vítima exerceu funções de escriturária temporária na Companhia de Emprego XXXX Macau Limitada, com bom empenho e dedicação no trabalho e tinha conhecimento de várias línguas, por isso, aquela empresa prometeu que iria contratá-la para continuar a trabalhar lá após a sua graduação, com o vencimento mensal de MOP$20.000,00;
45. Se se previr que a vítima iria trabalhar em um ano após a sua graduação, ela começaria obter ganhos profissionais nos seus 23 anos de idade;
46. Com base nos referidos critérios e cálculos, prevê-se que os lucros cessantes da vítima seria MOP$10.080.000,00;
47. Com o óbito da vítima, os recorrentes perderam o direito de lhe exigir alimentos;
48. Os recorrentes, como terceiros danificados, têm direito de pedir indemnização a responsáveis;
49. Independentemente das razões do respectivo pedido de indemnização, os recorrentes vêm requerer que se fixe o respectivo montante ou um valor adequado nos termos do princípio da equidade, a fim de garantir a reparação do dano causado ao titular do direito.
50. Quanto à indemnização por direito à vida da vítima, segundo a jurisprudência dominante, no quantum indemnizatório do dano morte há que ponderar a idade, a saúde, a produtividade da vítima e culpa do lesante;
51. Perante o último factor a ponderar, pelo exposto, a arguida B praticou duas contravenções em concurso por ter conduzido de modo imprudente, tendo assim um grau de culpabilidade bastante elevado; mesmo que não se concorde com isso, pelos factos provados, o grau de negligência e de gravidade da arguida B é consideravelmente elevado por ter conduzido de modo imprudente, sendo mais elevado ou, pelo menos, semelhante ao grau de negligência e de gravidade do arguido A;
52. Na ocorrência do acidente, a vítima era uma jovem de 22 anos de idade, estava bem de saúde e não tinha qualquer doença; foi uma pessoa activa, optimista, dinâmica e estudiosa; tinha boas notas nos estudos e foi elogiada pela escola;
53. A vítima tinha boas notas no ensino universitário e graduar-se-ia logo;
54. A vítima aperfeiçoou-se activamente nos seus tempos livres, tinha conhecimento de várias línguas, tinha diplomas de vários cursos profissionais e académicos, tinha certificados de dança e de piano, bem como participou activamente nas actividades de serviço social e voluntário;
55. A vítima, antes do seu óbito, dava explicações a outrem e fazia trabalhos a tempo parcial no tempo fora das aulas para ganhar dinheiro;
56. A vítima tinha emprego garantido após a sua graduação, com o vencimento mensal de MOP$20.000,00;
57. Pelo curriculum da vítima constata-se que o futuro desta seria próspero e iluminado, daí conclui-se que ela era mais produtiva do que outras pessoas;
58. Se a vítima ainda estivesse viva, a vida profissional e laboral dela seria duradoura. Desde 23 anos de idade, pelo menos, a vítima poderia trabalhar até 65 anos de idade, se exercesse actividade que não exige o esforço físico;
59. Tendo em conta que a vítima, antes do seu óbito, era jovem, saudável, com grande capacidade de produção e com longo período de produção, bem como não tinha culpa nenhuma no acidente, enquanto a arguida B, como co-lesante, tinha culpa grave por ter ignorado a segurança de vida de outras pessoas na condução e retirado da vítima a maior parte do direito à vida, pelo que os recorrentes vêm solicitar aos Venerandos Juizes que alterem o valor da indemnização fixado pelo acórdão a quo para o montante não inferior a MOP$2.500.000,00.
60. Quanto à indemnização pelo dano moral causado à vítima, com base no decurso em que se ocorreu a deterioração das condições da vítima e a morte da mesma, no socorro que durou 17 dias, nos vários tratamentos e cirurgias sofridos pela vítima (incluindo a craniotomia traumática e a acupunctura acompanhada de E), na incisão curva de 32 centímetros na região parietotemporal esquerda resultado da craniotomia (com 29 cosidelas), na hematoma cerebral, na fractura do fundo do crânio, na fractura da fossa craniana média direita (com a linha de fractura de 10 centímetros), no coma acompanhado do espasmo, na fractura da clavícula direita e nas contusões dos tecidos moles no quadrante ilíaco direito, verifica-se que a vítima, antes do seu óbito, tinha ainda sentimento, além disso, as suas dores corporais e os sofrimentos morais eram consideravelmente enormes e extremos;
61. In casu, a arguida B é funcionária pública, auferindo o vencimento mensal de cerca de MOP$18.000,00; e, foi transferida a responsabilidade da indemnização cível do acidente de viação do seu automóvel ligeiro de matrícula MI-75-XX à Companhia de Seguros da C (Macau) Limitada. Isto significa que o montante da referida indemnização deve ser aumentado em conformidade com a situação económica do agente e com a transferência da responsabilidade da indemnização, devendo procurar-se uma quantia, tanto quanto possível, proporcionar à vítima as dores corporais e os sofrimentos morais consideravelmente enormes e extremos;
62. O montante, no valor de MOP$250.000,00, é manifestamente insuficiente para satisfazer o pedido da referida indemnização, pelo que os recorrentes vêm solicitar aos Venerandos Juizes que alterem o montante para MOP$500.000,00 ou fixem um valor proporcional nos termos do princípio da equidade.
63. Quanto à indemnização pelo dano moral causado à mãe da vítima, dos factos provados acima expostos, verifica-se que os dois recorrentes amam muito a vítima, não se importaram em gastar todo o seu dinheiro e tempo em salvá-la (contrataram mestres de E de G de Macau para realizar tratamentos de E à vítima por 16 dias) e tentaram descobrir a verdadeira causa da morte da vítima (puseram anúncios nos jornais para chamar as testemunhas do acidente a contar o decurso deste);
64. Durante o período do tratamento da vítima, os recorrentes estavam sempre a acompanhá-la, guardando-a ao lado da cama; tiveram dificuldades em descansar e perderam o apetite; além de triste e preocupado, sentiram-se também cansado; e, a recorrente F desmaiou-se quando ouviu a notícia da morte da vítima D;
65. Os pais da vítima têm muitas saudades da filha e ficam deprimidos, tendo dificuldades em aceitar o facto da morte da filha;
66. Especialmente, a recorrente F foi influenciada emocionalmente e foi diagnosticada de ter resposta emergente emocional, precisando de receber tratamento psicológico;
67. À luz da orientação do acórdão supracitado e segundo os factos provados deste caso, os recorrentes consideram que o montante no valor de MOP$500.000,00 da indemnização pelos danos não patrimoniais fixado pelo Tribunal a quo, a atribuir à recorrente F, não consegue, tanto quanto possível, reparar ou neutralizar a dor sofrida pela mesma;
68. Os recorrentes vêm requerer aos Venerandos Juizes que alterem o montante da indemnização pelo dano moral causado à recorrente F para MOP$600.000,00 ou fixem um valor proporcional nos termos do princípio da equidade.
69. Quanto à indemnização pelo tratamento de E, os referidos danos patrimoniais causados aos recorrentes eram danos efectivos, e essas despesas eram necessárias para a vítima que, na altura, estava viva mas também se encontrava em coma. Como o tratamento médico ordinário não resultou, E era a única ou última forma de tratamento médico viável para curar a vítima;
70. Os referidos danos foram provocados pelo acidente, pelo que os recorrentes vêm requerer aos Venerandos Juizes que fixem o valor da indemnização pelos danos patrimoniais em causa.
71. Deste modo, o acórdão a quo violou as disposições legais, as jurisprudências e as doutrinas supracitadas.”; (cfr., fls. 473 a 489 e 649 a 721).
*
E a demandada seguradora conclui o seu recurso afirmando o que segue:
“1. A Companhia de Seguros da C (Macau) S.A. (C保險(澳門)股份有限公司), 2.ª demandada do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal do acórdão recorrido (doravante designada simplesmente recorrente), não se conformando com o acórdão recorrido na parte em que o tribunal a quo considerou que a 1.ª demandada do pedido de indemnização civil, B (2.ª arguido do processo penal) tinha 20 % da culpa no referido acidente de viação e dado que a responsabilidade civil foi transferida para a recorrente, a recorrente deve pagar 20% da quantia de indemnização total fixada pelo tribunal a quo, incluindo as de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais da vítima e dos seus pais.
2. A recorrente não se conforma com a condenação do tribunal a quo, entendendo que no referido acidente de viação, o acto de condução da 2.ª arguida é adequado, não constituindo nenhuma contravenção, e também se provou um ligeiro dano na parte traseira direita do seu veículo.
3. Aquando do acidente, a 2.ª arguida só sentiu um ligeiro choque na parte traseira direita do seu veículo.
4. Dado que o motociclo conduzido pelo 1.º arguido não manteve uma distância adequada e suficiente do veículo conduzido pela 2.ª arguida, é muito natural que quando houve um obstáculo ou ocorreu uma situação imprevista na via em que circulava, o seu motociclo que seguia atrás não conseguiu controlar a velocidade e embateu no veículo que o precedia por não manter uma distância suficiente.
5. Obviamente, o acidente de viação em causa foi provocado pelo acto de condução do 1.º arguido, podendo exactamente provar que a culpa exclusiva na produção do acidente é do 1.º arguido, existindo um nexo de causalidade directa e necessária entre a culpa do 1.º arguido e a produção do acidente.
6. Antes do embate, o 1.º arguido tentou travar o seu motociclo, mas, dado que não manteve uma distância suficiente do veículo que o precedia, o 1.º arguido não conseguiu travar o motociclo a tempo e a força de avanço daí resultante causou que a vítima foi lançada para fora do motociclo e morreu por não resistir à gravidade dos ferimentos.
7. Aquando do acidente, não houve reparação de via no local onde ocorreu o acidente e conforme o estado de via e as regras de experiência comum, é proibido parar e estacionar na via onde ocorreu o acidente, contudo, não se esquece de que há uma sucata localizada à margem da referida via onde há sempre veículos entrando e saindo (vide as fotos a fls. 34 dos autos).
8. Quando um condutor encontrar a mesma situação que a 2.ª arguida enfrentou na altura do acidente, a diminuição de velocidade e a paragem do veículo numa via estreita são condutas absolutamente adequadas e razoáveis, caso as mesmas sejam necessárias para a segurança rodoviária, não constituindo qualquer violação da lei, pelo que, sem violação da lei, não há responsabilidade.
9. Vejamos o seguinte exemplo: quando um veículo que o precede efectua uma manobra de paragem por encontrar obstáculo à sua frente e existir prova suficiente para comprovar que a sua paragem observa completamente as regras de trânsito, mas, o veículo que segue atrás não mantém uma distância suficiente e adequada daquele que o precede, o acidente torna-se inevitável.
10. A análise supracitada também pode ser aplicada ao presente caso. Quando a passageira (sic) do motociclo do presente caso perdeu o controlo e embateu na parte traseira do veículo que o precedia por não manter uma distância adequada e suficiente daquele, a culpa do acidente de viação não pode ser imputada ao condutor do veículo que o precedia (neste caso é a 2.ª arguida), pelo que, pode-se justificar que o veículo conduzido pela 2.ª arguida não tem nenhum nexo de causalidade com a produção do acidente de viação em causa.
11. O único nexo de causalidade é que a parte traseira direita do veículo da 2.ª arguida foi ligeiramente danificado pelo embate do motociclo conduzido pelo 1.º arguido.
12. Para isso, a morte da vítima decorrente do referido acidente de viação é da culpa exclusiva do 1.º arguido. Pode-se imaginar que se o 1.º arguido observasse as regras de trânsito, mantendo uma distância adequada e suficiente do veículo que o precedia, o acidente e a morte da passageira podem ser totalmente evitados.
13. Ao apreciar as provas, o tribunal a quo incorreu em erro, nomeadamente não especificou expressamente o itinerário dos dois arguidos que tem sido impugnado no presente processo, tal como referido no acórdão, o tribunal a quo verificou que ambos os arguidos tiveram reservas nos seus depoimentos.
14. Conforme a versão da 2.ª arguida, isto é, na altura, a 2.ª arguida seguia na via de trânsito esquerda da Avenida de Rodrigo Rodrigues logo depois de contornar a rotunda do Arco do Oriente, podemos ter uma justificação razoável para a produção do acidente, porém, quanto ao facto provado pelo tribunal a quo de que antes da ocorrência do acidente, o veículo conduzido pela 2.ª arguida e o motociclo dirigido pelo 1.º arguido circulavam na via de trânsito direita ao mesmo tempo, a recorrente está com grande dúvida, mesmo pode-se dizer que isso é impossível acontecer.
15. Uma vez que a via da Avenida de Rodrigo Rodrigues onde ocorreu o acidente é dividida em duas vias de trânsito por um eixo divisório, sendo no meio assinalado por linha descontínua e na parte diante e na parte traseira assinalado por linhas contínuas, e a via de trânsito direita é exclusivamente para os veículos que saem do túnel. Como acima já referido, na altura do acidente, logo depois de contornar a rotunda do Arco do Oriente, a 2.ª arguida seguia imediatamente na via de trânsito esquerda da Avenida de Rodrigo Rodrigues que é a via única para todos os veículos que entram na Avenida de Rodrigo Rodrigues depois de contornar a rotunda, e os veículos que circulam nestas duas vias de trânsito só podem mudar a via de trânsito quando chegam à linha descontínua.
16. Logo depois de contornar a rotunda, os veículos que pretendem entrar na via onde ocorreu o acidente só podem circular na via de trânsito esquerda, facto esse leva a recorrente a ficar com uma dúvida porque é que o tribunal a quo provou que na altura do acidente, os dois arguidos circulavam na via de trânsito direita ao mesmo tempo.
17. Não há razão ou motivo que pode provar que na altura a 2.ª arguida circulava na via de trânsito direita, e ao prestar depoimento na audiência de julgamento, a 2.º arguida também disse que logo depois de contornar a rotunda, ela seguia imediatamente na via de trânsito esquerda, em direcção ao Túnel de Monte de Guia. De facto, só a via de trânsito esquerda destina-se aos veículos que pretendem circular em direcção ao Túnel de Monte de Guia.
18. Para entrar no Túnel de Monte de Guia procedente da Avenida de Rodrigo Rodrigues, os condutores não escolhem circular no túnel do Arco do Oriente. Tal como a situação do 1.º arguido, na altura, o 1.º arguido pretendeu circular em direcção ao Casino XXX, procedente da Avenida de Rodrigo Rodrigues, por isso, ele escolheu circular no túnel do Arco do Oriente para entrar na Avenida de Rodrigo Rodrigues, uma vez que só a via de trânsito direita destina-se aos veículos que pretendem circular em direcção ao Casino XXX.
19. Pela razão acima referida, quanto ao facto provado pelo tribunal a quo de que os dois veículos circulavam ao mesmo tempo na via de trânsito direita, a recorrente fica com grande dúvida, e nos autos também não se encontra nenhum elemento ou documento que pode chegar a tal conclusão, mesmo o tribunal a quo também não comprovou se os dois veículos circulavam no mesmo sentido no referido túnel.
20. Mais ainda, no acórdão recorrido, o tribunal a quo referiu que existe uma grande divergência entre as versões apresentadas pelos dois arguidos sobre o decurso do acidente. Quanto a isso, sempre que prove que a 2.ª arguida e o 1.º arguido circulavam ao mesmo tempo na via de trânsito direita, o tribunal a quo deve explaná-lo suficientemente no acórdão e indicar quais as razões pelas quais provou tal facto.
21. No presente acidente, a 2.ª arguida referiu que na altura houve um veículo que saiu da sucata de veículos à sua frente do lado esquerdo (vide fls. 9 v dos autos) e o 1.º arguido também apresentou sua versão semelhante na descrição do acidente de viação constantes dos autos, contudo, dado que os arguidos podem prestar depoimentos falsos na audiência de julgamento, isto aumenta o nível de dificuldade para o tribunal a quo formar a convicção, pelo que, ao formar a sua convicção, o tribunal a quo não deve apenas ter em consideração as provas obtidas na audiência de julgamento, deve ainda atender aos factores de ambiente in loco, os elementos constantes dos autos e a convicção prudente dos julgadores.
22. O tribunal a quo não conseguiu provar que houve qualquer factor externo que perturbou a condução da 2.ª arguida, pelo que, não conseguiu provar que a 2.ª arguida tinha causas justas para efectuar as manobras de diminuição súbita da velocidade e de paragem do veículo.
23. Igualmente, dado que as razões invocadas pela 2.ª arguida não foram provadas, o tribunal a quo também não pode provar que a 2.ª arguida não tinha causas justas para efectuar as manobras de diminuição súbita da velocidade e de paragem do veículo, uma vez que conforme as regras de experiência comum, qualquer condutor de Macau sabe que é proibido parar na referida via, salvo quando haja veículo que sai da referida sucata.
24. O Tribunal a quo não analisou os factores de ambiente in loco nem considerou as regras de experiência comum e a convicção prudente. De facto, existe efectivamente dúvida sobre tal facto não provado, pelo que, deve-se observar o princípio de in dúbio pro reo em vez de atribuir à 2.ª arguida uma percentagem de culpa de 20% com base no facto não provado.
25. Os factos e fundamentos acima invocados causam que o tribunal a quo incorreu no erro na apreciação de prova, pelo que, nos termos do artigo 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, a recorrente vem recorrer do acórdão do tribunal a quo na parte em que arbitrou à 1.ª demandada do pedido de indemnização civil uma percentagem de culpa de 20% e dado que a responsabilidade civil foi transferida para a recorrente, a recorrente tem direito a recorrer desta parte da decisão.
26. A recorrente não se conforma com as 4 quantias de indemnização arbitradas pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima (falecida) e pelos seus pais:
- a indemnização pela perda do direito à vida da vítima D: MOP$1.500.000,00;
- a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima D no período que antecedeu a sua morte: MOP$250.000,00;
- a indemnização pelos danos não patrimoniais da perda da filha sofridos pela mãe de D: MOP$500.000,00;
- a indemnização pelos danos não patrimoniais da perda da filha sofridos pelo pai de D: MOP$500.000,00;
27. No presente processo, apesar de provar que antes da sua morte, a vítima D dominava várias línguas, tinha adquirido habilitações académicas superiores, era jovem activa e promitente, o quantum indemnizatório arbitrado pelo tribunal a quo em MOP$1.500,000.00, a título da perda do direito à vida, é extremamente excessivo, ficando muito acima do normalmente arbitrado pelos tribunais, e ainda dos valores correntes adoptados pela jurisprudência e pelo TSI ou pelo TUI a favor às vítimas mortais em acidentes de viação.
28. A vida humana acontece uma vez só, por isso, entre todos os direitos humanos, o direito à vida é o mais importante. Todos os indivíduos são iguais perante o direito à vida, sem distinção de raça, de condição económica, reputação social, estatuto ou habilitação académica.
29. Quanto ao valor da perda do direito à vida, a recorrente tomou como referência do acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 6/2007 para fazer uma comparação.
30. No referido processo, a vítima era homem jovem, vindo do interior da China, trabalhando como gerente, sendo fonte de vida da sua família integrada pelos pais, mulher e dois filhos. Na altura do acidente, a vítima encontrava-se na RAEM em turismo com a sua mulher mas foi imprevisivelmente embatida na zona exterior ao circuito do GP por um veículo que se despistou com alta velocidade devido à avarias no referido veículo e à insuficiência das medidas de segurança, e no referido acidente, a vítima não tinha nenhuma culpa, pelo que, o Tribunal Judicial de Base arbitrou a indemnização pela perda do direito à vida da vítima no montante de MOP$1.000.000,00, e finalmente, ambos o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal de Última Instância arbitraram a indemnização no valor de MOP$900.000,00.
31. Atendendo à quantia indemnizatória arbitrada no acórdão acima referido que serve de um parâmetro para fixar a quantia indemnizatória pela perda do direito à vida, podemos imaginar que o Tribunal Judicial de Base não arbitrou para a vítima do presente processo uma quantia indemnizatória razoável pela perda do direito à vida conforme as regras da experiência e em termos do princípio de equidade.
32. Dado que a vítima estava em coma e inconsciente antes da sua morte, a recorrente entende a quantia indemnizatória pelos danos não patrimoniais da vítima no valor de MOP$250.000,00 é excessiva, considerando a recorrente que é mais adequado e equitativo reduzir a referida quantia indemnizatória para MOP$150.000,00.
33. A recorrente também entende que a indemnização arbitrada pelo tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais para cada um dos pais da vítima D, no montante de MOP$500.000,00, fica acima da indemnização arbitrada em casos semelhantes e do parâmetro aplicado pelos tribunais superiores. Não se pode negar que para os pais da vítima, a dor da perda da preciosa filha é tão imensa.
34. Contudo, nos termos do artigo 489.º do Código Civil, por perda da filha, os pais têm direito à indemnização por danos não patrimoniais, contudo, a indemnização deve observar o princípio de equidade previsto no artigo 487.º do referido diploma. Conforme os elementos dos autos, sabemos que só há documentos comprovativos para provar que a mãe da vítima sofre o abalo psíquico emocional por perda da filha, e nos termos do artigo 560.º n.º 6 do Código Civil, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
35. A quantia indemnizatória total pelos danos não patrimoniais dos pais da vítima, no valor de MOP$1.000.000,00, também fica acima do parâmetro que vem sendo adoptado e viola o princípio de equidade, por isso, a recorrente entende mais adequado e equitativo fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais para cada um dos pais da vítima no valor de MOP$200.000,00.
36. Pelos acima expostos, as aludidas 4 indemnizações pelos danos não patrimoniais são demasiadamente excessivas, violando o parâmetro usualmente fixado conforme as regras da experiência comum e o princípio de equidade previsto nos artigos 489.º, 487.º e 560.º n.º 6 do Código Civil.
37. Para fixar razoavel e equitativamente as aludidas 4 indemnizações pelos danos não patrimoniais, a recorrente vem interpor recurso destas 4 indemnizações pelos danos não patrimoniais fixadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal.”; (cfr., fls. 437 a 456 e 576 e 620).
*
Em resposta aos recursos dos arguidos pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público pela sua improcedência; (cfr., fls. 515 a 516 e 517 a 158 e 744 a 748-v e 750 a 754).
*
Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador-Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Estão em causa, relativamente à parte criminal, os recursos interpostos pelo assistente e pelos arguidos (sendo que apenas nessa parte nos cumpre emitir parecer).
Vejamos.
No que concerne ao enquadramento jurídico-contravencional dos factos, cremos que assiste razão ao assistente e ao arguido, em relação à prática, pela arguida, da contravenção referida no art. 22°, n°. 4, do C. Estrada.
Mostra-se preenchida, realmente, a nosso ver, a factualidade prevista nesse dispositivo.
Quanto à repartição da culpa, por outro lado, afigura-se-nos que deve ser alterada a que foi estabelecida no douto acórdão.
Face à matéria de facto fixada e à comissão pela arguida da mencionada contravenção, na verdade, propendemos para essa repartição na proporção de 50% para cada arguido.
Nessa perspectiva, entretanto, há que ajuizar das penas aplicadas.
O arguido pretende a redução da pena que lhe foi imposta, pugnando, até, pela sua atenuação especial.
E chama à colação, a propósito, a circunstância contemplada na al. e) do n°. 2 do art. 66° do C. Penal.
Pode, com efeito, em nosso juízo, concluir-se pela verificação da mesma, tendo em conta que a vítima era sua irmã.
Tal circunstância, porém, não constitui fundamento, só por si, para a atenuação em questão.
A atenuação especial, como é sabido, só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais.
E a situação em apreço não integra, no nosso entender, esse condicionalismo.
Subsiste, assim, o problema de saber se a pena aplicada se mostra ajustrada.
E há que atentar, nessa órbita, que o limite mínimo abstracto corresponde a 1 ano e 1 mês de prisão.
Daí, também, que não repugne a manutenção da questionada medida concreta - aceitando-se, igualmente, uma ligeira diminuição da mesma.
A arguida, por sua vez, bate-se por uma pena inferior, "atendendo ao princípio da proporcionalidade".
O assistente, por seu turno, pretende a sua agravação.
Sendo certo que o M° P° não recorreu da decisão, este Tribunal tem entendido - sem a nossa concordância - que "o assistente em processo penal pode, mesmo desacompanhado do Ministério Público, recorrer da decisão que fixou determinada pena ao arguido" (cfr., nomeadamente, acs. de 12-07-2001 e 18-10-2001, procs. n°'s. 51/2001 e 70/2001, respectivamente).
E, se assim se continuar a entender, o "quantum" fixado deverá ser elevado para uma medida um pouco acima da do arguido (tendo em conta o anteriormente exposto).
Este o nosso parecer.”; (cfr., fls. 772 a 775).
*
Não sendo os recursos de rejeitar, teve lugar a audiência de julgamento dos recursos com integral observância do formalismo processual.
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“Em 1 de Dezembro de 2005, pelas 18h15, o arguido A estava a conduzir o motociclo de matrícula ME-20-XX ao longo da Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, na direcção do Arco do Oriente ao Casino XXX, transportando a vítima D.
Ao mesmo tempo, a arguida B estava a conduzir o automóvel ligeiro de matrícula MI-75-XX ao longo da Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, na mesma direcção com o arguido A e à frente deste.
Perto do poste de iluminação n.º 012D01, quando a arguida B pretendeu mudar da via de trânsito direita para a via de trânsito esquerda, por causas não provadas, a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem anunciar a sua intenção ao arguido A atrás dela, e o arguido A perdeu controlo da velocidade do motociclo e não podia travá-lo, causando o motociclo a embater na traseira do automóvel ligeiro de matrícula MI-75-XX. O motociclo de matrícula ME-20-XX encontrou-se fora do controle e caiu no chão, deixando a vítima D cair no chão e ficar ferida.
O embate acima referido resultou directamente nas lesões crânio-encefálicas de D e na coma desta. D foi transportada para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário para a salvação e foi verificado seu óbito às 19h13 de 17 do mesmo mês; o relatório das lesões, o certificado de óbito e o relatório da autópsia de D são constantes das fls. 27, 37, 38, 49 a 51 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
No dia do acidente, o tempo era bom e a iluminação da rua era suficiente, também eram normais o estado da via e a densidade do trânsito.
O supracitado acidente de viação foi causado porque o arguido A não observou atentamente o estado da via, não controlou adequadamente a velocidade e não manteve entre o seu veículo e o que o precedeu uma distância necessária, pelo que em caso de diminuição da velocidade e paragem do supracitado veículo, o arguido A não podia parar o motociclo a tempo, causando o embate dos veículos, o ferimento grave da vítima e a morte desta.
Também, este acidente de viação foi causado porque a arguida B, sem verificar que não haver perigos ou não impedir outros utentes da via, não anunciou a sua intenção de deslocação lateral do veículo ou mudança de via de trânsito ao arguido A atrás dela, por meio do correspondente sinal, mas reduziu de repente a velocidade e parou o veículo, causando o embate e em consequência, o ferimento grave da vítima e a morte desta.
Os arguidos A e B agiram de forma voluntária e consciente ao praticar as condutas supracitadas, e sabiam bem que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Factos provados relacionados com o pedido da indemnização cível:
Depois do acidente de viação, quando a vítima D foi transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, já estava no estado de coma e o seu corpo estava a espasmar. As condições da vítima deterioraram-se rapidamente. Através de exames de tomografia computorizada do encéfalo craniano, foram verificadas a hematoma subdural, a hemorragia na aracnóide e contusões do lobo cerebral esquerdo, e precisou-se de realizar uma craniotomia para eliminar a hematoma; depois da cirurgia, D foi transferida à unidade de terapia intensiva; às 19h13 de 17 de Dezembro de 2005, foi verificado o óbito de D.
Passaram-se 17 dias desde o acidente (as 18h15 de 1 de Dezembro de 2005) até a morte da vítima (as 19h13 de 17 de Dezembro de 2005).
Além de hematoma cerebral, a vítima D também sofreu de fractura do fundo do crânio: fractura da fossa craniana média direita, com a linha de fractura de 10 centímetros; fractura da clavícula direita e contusões dos tecidos moles no quadrante ilíaco direito. A vítima recebia vários tratamentos de emergência, dentro dos quais a craniotomia deixou uma incisão curva de 32 centímetros na região parietotemporal esquerda, que precisava de 29 cosidelas.
Na altura do acidente, a vítima D tinha 22 anos, estava bem de saúde e não tinha qualquer doença; foi uma pessoa activa, optimista, dinâmica e estudiosa.
Durante o período de 2000 até 2003, a vítima D andava na Pasadena City College na Califórnia dos EUA, e obteve “Associate in Arts Degree” em 24 de Maio de 2003, tendo boas notas e elogios.
Mais tarde D voltou para Macau, e no ano lectivo de 2005/2006, andou no 4º ano do curso de bacharel na literatura inglesa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Macau, teve boas notas e graduar-se-ia logo.
A vítima D aperfeiçoou-se activamente.
Dos 12 de Março de 2005 aos 3 de Julho de 2005, a vítima D frequentou o curso de diploma profissional do desenvolvimento da economia principal de Macau no Instituto de Educação Continuada da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, tendo boas notas.
Dos 5 de Setembro aos 2 de Dezembro de 2005, a vítima D frequentou o curso intensivo de guia (inglês) na Escola de Educação Continuada e Profissional do Instituto de Formação Turística.
Em Junho de 1999, a vítima D obteve o certificado de nível 8 da dança feminina da Real Academia de Dança de Londres.
Em 2004, a vítima D obteve o certificado de nível 8 de piano da Real Academia de Música de Londres, bem como o diploma de contabilista de LCC.
A vítima D também participou activamente nas actividades de serviço social, por exemplo, prestou serviços voluntários nos 4ºs Jogos da Ásia Oriental de Macau.
A vítima D falou várias línguas e foi voluntário dos Jogos da Ásia Oriental de Macau, trabalhando como intérprete e responsabilizando-se pela recepção dos hóspedes ilustres.
Em Setembro de 2005, a vítima D trabalhou como escriturário temporário na Companhia de Emprego XXXX Macau Limitada, que prometeu continuar a contratar a vítima para trabalhar na companhia após a sua graduação em 2006, com vencimento mensal de MOP$20.000,00.
A mãe da vítima D é dona de casa e não tem rendimento; o pai da vítima reformou-se em 3 de Janeiro de 2005, também não tem rendimento excepto as pensões de aposentação; e o irmão A ainda está na escola.
Antes do acidente, a vítima D deu aulas suplementares a outrem e fez trabalhos temporários no tempo fora das aulas.
Durante o período do tratamento da vítima D, os dois demandantes da indemnização cível acompanharam-na todo o tempo, guardando-a ao lado da cama; tiveram dificuldades em descansar e perderam o apetite; além de triste e preocupado, sentiram-se também cansado.
Ao ouvir a notícia da morte da vítima D, a mãe desta desmaiou-se e encontrou-se em estado de choque.
Os pais da vítima têm muitas saudades da filha e ficam deprimidos, tendo dificuldades em aceitar o facto da morte da filha.
A mãe da vítima foi influenciada emocionalmente e foi diagnosticada de ter resposta emergente emocional, precisando de receber tratamento psicológico.
Os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$28.910,80 para o funeral da vítima D.
Os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$65 para o certidão de nascimento da vítima constante das fls. 146 dos autos.
Os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$1.620,00 para pôr anúncios nos jornais para chamar as testemunhas do acidente a contar o decurso deste.
Durante o período no que a vítima D ficava em coma na unidade de terapia intensiva, os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$32.000,00 para contratar mestres de E de G de Macau para realizar tratamentos de E à vítima por 16 dias (dos 2 aos 17 de Dezembro de 2005).
As despesas médicas para o tratamento da vítima D no Centro Hospitalar Conde de S. Januário são de MOP$39.584,00, e ainda não são pagas.
Através do apólice de seguro n.º PTV-05-114141-3, B transferiu a responsabilidade da indemnização cível do acidente de viação do seu automóvel ligeiro de matrícula MI-75-XX à Companhia de Seguros da C (Macau) Limitada.
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Mais se provou:
De acordo com o CRC, os dois arguidos são delinquentes primários.
O 1º arguido é contabilista em acumulação, aufere mensalmente cerca de MOP$9.000,00 e tem a seu cargo os pais; agora está a frequentar o 4º ano da universidade.
A 2ª arguida é funcionária pública, aufere mensalmente cerca de MOP$18.000,00 e tem a seu cargo os pais; tendo como habilitações literárias ensino universitário.
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Factos não provados:
Deram-se como não provados os factos constantes da petição inicial, da petição da indemnização cível e da contestação e não correspondentes com os factos provados, designadamente:
D não usou capacete.
A arguida B dirigiu o automóvel na via de trânsito esquerda, e ao aproximar-se dum parque de estacionamento para veículos abandonados, um automóvel de carga saiu de súbito do parque de estacionamento.; (cfr., fls. 417 a 419 e 549 a 555).
Do direito
3. Quatro são os recursos interpostos nos presentes autos.
Um, interposto pelo (1°) arguido A, outro, pela (2ª) arguida B, e os outros dois pelos demandantes e demandada civil.
Ponderando nas questões nos referidos recursos colocadas e nas soluções que para aquelas nos parecem adequadas, mostra-se de consignar o que segue:
— Resulta da motivação e conclusões do recurso do (1°) arguido A que pretende o recorrente a redução da pena em que foi condenado pelo crime de “homicídio por negligência”, alegando mesmo que se lhe devia atenuar especialmente a pena; (cfr., concl. 31° e 35°).
É certo que alega o ora recorrente que a conduta da (2ª) arguida B constitui também uma contravenção ao art. 22°, n° 4 do Código da Estrada (cfr., concl. 11°), porém, atento o preceituado no art. 391° do C.P.P.M., e não nos parecendo que ao mesmo assista legitimidade para pugnar por tal condenação, nesta parte, nada mais se mostra de acrescentar.
Seja como for, atentas as questões pelo assistente e demandantes e demandada seguradora colocadas, mostra-se de relegar a apreciação de tal questão para o momento em que se for a proceder à apreciação dos recursos por estes interpostos.
— Busca (também) a (2ª) arguida B a redução da pena, invocando o princípio da proporcionalidade e adequação e imputando ao Acórdão recorrido a violação do art. 65° do C.P.M..
Atento ao que atrás se deixou consignado, continuemos.
— Na sua motivação de recurso, (em peça única), pedem os demandantes civis H (este, também assistente), e F, a condenação da (2ª) arguida B pela prática de uma contravenção ao art. 22°, n° 4 (cfr., concl. 2° e 7°), que se considere a mesma arguida como a principal responsável pelo acidente, ou, no mínimo, com a mesma percentagem de culpa que o (1°) arguido A, e que lhes seja atribuída uma indemnização a título de lucros cessantes no montante de MOP10.080.000,00 (que oportunamente pediram e que foi incluída “na indemnização do direito à vida da vítima, filha dos ora recorrentes), aumentando-se também (para um valor não inferior a MOP$2,500.000.00) a dita indemnização pelo direito à vida, o mesmo sucedendo com a indemnização por danos não patrimoniais da vítima e próprios, e pedindo também a condenação das demandadas no pagamento de MOP$32,000.00 a título de despesas com os “tratamentos de E à vítima por 10 dias”.
— Por sua vez, em sede do seu recurso, considera a demandada seguradora que incorreu o Colectivo a quo em erro notório na apreciação da prova, que o acidente de viação ocorreu por culpa exclusiva do (1°) arguido A, e que excessivos são os montantes indemnizatórios arbitrados.
Face ao que se deixou consignado, mostra-se adequado apreciar conjuntamente os quatro recursos interpostos, começando-se pelo vício da matéria de facto (“erro notório”), passando-se de seguida para a conduta provada dos arguidos e, a final, dos montantes indemnizatórios.
Vejamos então.
— Quanto ao “erro notório”.
Entende a recorrente seguradora que o Colectivo a quo incorreu no vício em questão dado que deu como provado que os (1° e 2ª) arguidos seguiam na faixa da direita da Avenida Rodrigo Rodrigues, considerando que se devia antes dar como provado que a (2ª) arguida seguia na faixa da esquerda.
Ora, sem embargo do muito respeito devido a entendimento em sentido diverso, não vislumbramos o assacado erro, pois que não nos parece que o Colectivo a quo tenha violado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada ou regras de experiência e legis artis.
–– Necessárias não sendo outras considerações sobre a questão, e assim, mantendo-se a factualidade dada como provada, passemos agora para as “questões de direito”.
No âmbito destas, e como se deixou relatado, importa ver se a (2ª) arguida cometeu também uma transgressão ao art. 22°, n° 4 do Código da Estrada, decidindo-se depois da percentagem de culpa de cada um dos arguidos e das penas aplicadas, e, por fim, dos montantes indemnizatórios.
A tanto se passa.
— Nos termos do referido art. 22°, n° 4, “O condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via nem perturbação ou entrave para o trânsito, salvo se tal procedimento for motivado por perigo iminente.”.
Ora, resulta da factualidade apurada que a (2ª) arguida “reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel”, provado não estando que foi tal conduta motivada por perigo iminente.
Dúvidas não há assim que incorreu a dita (2ª) arguida na referida contravenção que é punida nos termos do art. 70°, n° 3 do mencionado Código de Estrada com a multa de MOP$500.00 a MOP$2,000.00.
Atentos os critérios do art. 65° do C.P.M., e às consequências de tal conduta, fixa-se a multa de MOP$1,000.00.
— Vejamos agora da percentagem de culpa de cada um dos arguidos.
Entendeu o Tribunal a quo que o (1°) arguido tinha 80% de culpa na eclosão do acidente e a (2ª) arguida os restantes 20%.
Cremos que não se pode manter tal entendimento pois que se ao (1°) arguido é atribuída culpa por circular a uma distância inadequada do veículo da frente conduzido pela (2ª) arguida, importa igualmente não olvidar que a colisão também terá sucedido porque a dita (2ª) arguida “reduziu de repente a velocidade e parou o seu veículo”, sem assinalar prévia e devidamente tal manobra e sem se certificar que o podia fazer sem prejuízo para os outros utentes da via.
Nesta conformidade, “quid iuris”?
Admitindo-se que sobre a questão outro entendimento possa existir, (e que se respeita), cremos que se deve atribuir uma maior percentagem de culpa à 2ª arguida.
Eis o porque deste nosso entendimento.
Pois bem, antes de mais, importa ter em conta que a conduta da 2ª arguida integra – como se viu – a prática de duas contravenções, uma ao art. 15° e a outra ao art. 22°, n°4, do Código da Estrada, sendo de notar também que a contravenção ao art. 22°, n°4 é pelo mesmo código considerada de “grave”, (cfr., epígrafe do artigo), e punida com uma moldura penal mais elevada, que a cometida pelo 1° arguindo.
Por sua vez, não se pode também olvidar que a colisão ocorreu entre um veículo automóvel e um motociclo, sendo o veículo automóvel conduzido pela 2ª arguida.
Ponderando no exposto, crê-se mais adequado atribuir 65% de culpa à 2ª arguida, ficando o 1° arguido com os restantes 35%.
— Resolvida que assim fica também a questão da percentagem de culpa, vejamos agora das “penas” aos arguidos aplicadas pelo crime de “homicídio por negligência”.
Como se viu, pelo crime em questão foi o (1°) arguido A condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 18 meses.
Por sua vez, foi a (2ª) arguida B condenada na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, também suspensa na sua execução por igual período.
Em causa está saber se excessivas são tais penas, e em relação ao (1°) arguido, se devia ser a sua pena especialmente atenuada.
Pois bem, nos termos do art. 66° do C.P.M.:
“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo.”
E sobre a dita “atenuação especial” há que ter em conta que como tem este T.S.I. vindo a entender, a mesma apenas deve ocorrer em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 11.11.2010, Proc. n° 670/2010).
No caso, a vítima do acidente dos presentes autos era irmã do (1°) arguido, dúvidas não parecendo haver assim que o mesmo se sinta triste, “culpado” e até mesmo “envergonhado”, (como o próprio alega), pela sua conduta.
Nesta conformidade, podendo-se considerar o caso dos autos uma verdadeira “tragédia familiar”, e tendo presente o previsto na al. e) do aludido art. 66° e a percentagem de culpa do arguido no acidente, cremos pois que viável é a pretendida atenuação especial.
Ponderando no estatuído no art. 67° do C.P.M., (“termos da atenuação especial”, e em causa estando assim uma moldura penal de 1 mês a 2 anos de prisão), crê-se adequada a pena de 7 meses de prisão, mantendo-se a decretada suspensão da sua execução.
Quanto a uma redução da pena imposta à 2ª arguida, a mesma apresenta-se-nos como uma questão que não pode proceder.
Com efeito, o limite mínimo da pena em questão é de 1 ano e 1 mês de prisão, sendo o seu limite máximo o de 3 anos de prisão.
E assim sendo, não se vê pois margem para a pretendida redução.
— Passemos agora para os “montantes indemnizatórios”.
Atentas as pretensões dos demandantes e demandada seguradora, vejamos.
E, começando pelo fim, mostra-se-nos de dizer desde já que improcede o pedido de condenação no montante de MOP$32.000,00 a título de “despesas com os tratamentos de E à vítima”.
De facto, não nos parece de considerar razoável a condenação da demandada por tais gastos, dado até que nada nos autos demonstra que foram tais tratamentos considerados necessários (ou adequados) pelos profissionais de saúde que prestaram assistência à vítima.
Quanto ao montante de MOP$1.500.000,00 fixado pelo “direito à vida” e onde se englobou o considerado devido a título de lucros cessantes da vítima, pedem os demandantes que se aumente este valor para MOP$2.500.000,00, pugnando, por sua vez, a demandada seguradora, pela sua redução.
Pois bem, antes de mais, e como nos parece evidente, há que dizer que a “indemnização pelo direito à vida” nada tem a ver com a que se arbitra a título de “lucros cessantes”. Com aquela (e reconhecendo-se que incalculável é o valor de qualquer “vida humana”), pretende-se (tentar) “compensar uma vida”, e estes, (“o lucro cessante ou frustrado”), abrangem os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que à data da lesão, ainda não tinha direito. Tem pois a ver com a titularidade de uma situação jurídica, que mantendo-se, lhe daria direito a este ganho.; (cfr., v.g. o Acórdão deste T.S.I. de 20.03.2003, Proc. n°240/2002, do ora relator, e a doutrina aí citada).
Assim, comecemos pela indemnização do direito à vida.
Como já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar, (cfr., v.g. o Ac. de 15.04.2004, Proc. n°63/2004, do ora relator), é sabido que sobre a questão incidem (pelo menos) duas opiniões divergentes.
Em conformidade com certa corrente doutrinal e jurisprudencial, há que ter presente que o dano morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros, o que equivale a dizer que a indemnização não deve ser aferida pelo custo da vida para a sociedade ou para os parentes da vítima, mas sim pelo valor da vítima enquanto “Ser”, sendo assim um “prejuízo igual para todos os Homens”; (cfr., v.g., Leite de Campos in, “Lições de Direito de Personalidade”, pág. 64 e em estudo publicado no B,M.J. nº 365º, pág. 5 e segs., e, Ac. do S.T.J. de 06.10.94 in, B.M.J. nº 440º, pág. 408).
Por sua vez, também se defende que a vida é um bem não só pessoal, mas também da comunidade, de onde são beneficiários mais próximos os elementos da “família nuclear”. E, nesta ordem de ideias, embora constitua – repete-se – um “bem sem preço”, as realidades da sociedade exigem que pela sua perda se fixe uma indemnização onde se deve atender à “situação concreta”.
Afirma-se, pois, que de um ponto de vista individual, o bem vida pode ser valorado em abstracto através de uma indemnização uniforme.
Porém, do ponto de “vista social”, há que se fazer distinções.
No fundo, coloca-se a questão de se saber se, (apenas) para efeitos compensatórios, é a vida de (v.g.) uma pessoa com elevadas e exigentes responsabilidades públicas, ou de um cientista, equiparável à de um operário não qualificado, se a vida de uma jovem, recém casada e grávida, saudável e com desafogada situação económica, é equiparável a de um idoso, enfermo, em fase terminal de um maleita e com dificuldades económicas...
Tem este T.S.I., (cfr., v.g., entre outros, o Ac. de 05.10.2006, Proc. n° 213/2006), entendido que se deve ponderar na “situação concreta do caso”, sendo de se afastar a “orientação humanista ou individualista”.
Parece-nos pois de manter tal posição, não havendo motivos para dela nos desviarmos, tanto mais que, estatuindo o C.C.M. que no cálculo da indemnização se deve atender a critérios de “equidade”, ao “grau de culpa” e “às demais circunstâncias do caso”, este parece ser o sentido apontado pelo legislador; (cfr. artº 487º).
Nesta conformidade, atenta a situação dos autos, em que em causa está uma jovem, saudável, com mérito nos estudos, e, tudo o indica, com uma promissora carreira profissional, certo sendo que importa também acompanhar a evolução social e o custo de vida, mostra-se-nos adequado fixar o montante de MOP$1,500,000.00
Quanto aos “lucros cessantes”, vejamos.
Em douto Acórdão decidiu já o Vdo T.U.I. que:
“Com a morte, a vítima de lesão não adquire direito aos vencimentos que viria presumivelmente a auferir na sua vida activa, a título de lucros cessantes, pois a morte faz extinguir a personalidade jurídica.
Em caso de morte, o responsável pela lesão é obrigado a indemnizar aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, nos termos do n.º 3 do art. 488.º do Código Civil”; e que,
“Para os efeitos do disposto na conclusão anterior, provando-se que a vítima vivia com os pais e que contribuía com uma quantia para os encargos familiares, deve distinguir-se qual o montante que era gasto com as despesas da própria vítima, a fim de se apurar se esta prestava alimentos aos pais e qual o respectivo montante.”
In casu, provado não estando que a vítima auferia rendimentos, e que contribuía para os encargos familiares, inviável se nos mostra fixar-se qualquer indemnização a este título.
No que toca à indemnização por “danos não patrimoniais da própria vítima”, fixou o Colectivo a quo o montante de MOP$250.000,00.
Atentas as circunstâncias do acidente e ao facto de ter a vítima entrado em coma logo após o mesmo, censura não merece o decidido.
Quanto ao quantum fixado a título de “danos não patrimoniais dos demandantes”, fixou o Colectivo em MOP$500.000,00 a indemnização para cada um dos mesmos.
Atenta a factualidade dada como provada, e sem se olvidar a referida evolução social e económica, (e que o trágico acidente ocorreu em Dezembro de 2005, inegável sendo o sofrimento dos demandantes, pais da vítima, com a demora do presente processo), também aqui censura não merece o decidido.
De facto, e como tem este T.S.I. decidido, “no cômputo dos “danos morais” deve-se procurar uma quantia que permita, tanto quanto possível, proporcionar ao lesado momentos de alegria ou de prazer que neutralizem a dor sofrida.”, (cfr., v.g., Ac. de 20.03.2003, e Pedro Dias in, “O Dano Moral”, pág. 22 e segs), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”.
Aqui chegados, e sendo o total do montante indemnizatório de MOP$2.820.179,80 (MOP$1.500.000,00 + MOP$250.000,00 + MOP$500.000,00 + MOP$500.000,00 + MOP$70.179,80, fixados no Acórdão recorrido como indemnização pelos danos patrimoniais dos demandantes), vejamos.
Atenta a proporção de culpas, 35% para o 1° arguido e 65% para a 2ª arguida, a esta 2ª arguida (B) cabe pagar 65% do valor total acima referido: isto é MOP$1.833.116,87.
Verificando-se que tal quantia excede o montante constante da apólice (MOP$1.000.000,00 – cfr., fls. 315), à (2ª) arguida caberá pagar MOP$833.116,87.
*
Uma nota final.
Verifica-se que no que toca à pena de “suspensão da validade da licença de condução”, e em sede do dispositivo decidiu o Colectivo a quo fixá-la em “1 ano”, sendo que, em sede de fundamentação, se referiu ao período de “1 ano e meio”; (cfr., fls. 421 e 425-v).
Ponderando na fundamentação pelo Colectivo exposta, em especial, aquando da verificação do regime concretamente mais favorável atento o estatuído na Lei n° 3/2007, cremos que a menção ao período de 1 ano e meio constitui lapso de escrita.
Assim, atento o preceituado no art. 361° do C.P.P.M., fica o mesmo rectificado.
*
*
Apreciadas que assim parecem ficar todas as questões colocadas, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso da 2ª arguida B, julgando-se parcialmente procedente o recurso do (1°) arguido A e o dos demandantes civis H e F, e improcedente o da demandada a “COMPANHIA DE SEGUROS DA C (MACAU)”.
Custas pelos recorrentes na medida dos seus respectivos decaimentos, fixando-se, a taxa (individual) de justiça de 2 UCs para a 1° arguido e de 8 UCs para a 2ª arguida.
Macau, aos 3 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
[ Não obstante ter relatado o
Acórdão que antecede, afiguram-se-me algo excessivos os “65% de culpa no acidente” atribuídos à 2ª arguida, o mesmo sucedendo com o montante (de MOP$1,500,000.00) arbitrado a título de “indemnização pelo direito à vida” da infeliz vítima do mesmo acidente.
Quanto à “percentagem de culpa”, e atentas as circunstâncias do acidente, admitia que se atribuísse uma maior percentagem à 2ª arguida, mas não nos termos decididos, com 30% de diferença em relação ao 1° arguido.
Quanto ao “montante indemnizatório”, (e sem prejuízo de muito respeito pelo que possam os demandantes entender), o mesmo mostra-se-me inflaccionado.
Não se nega que na matéria em questão se deve acompanhar a evolução sócio-económica, e que esta, em Macau, foi, de há uns anos para cá objecto de considerável alteração, com uma subida generalizada dos preços.
Porém, importa também ter em conta os valores “normalmente” atribuídos, (que rondam MOP$1,000,000.00), devendo-se aqui ter redobradas cautelas para não se ceder a eventuais intuitos especulativos.
Nesta conformidade, e ponderando nas circunstâncias provadas nos autos, fixava o montante de MOP$1,200,000.00. ]
Chan Kuong Seng (vencido parcialmente, nos termos da declaração de voto em anexo).
就中級法院第535/2010號上訴案
2011年3月3日合議庭裁判書的
投 票 聲 明
中級法院刑事合議庭剛就第535/2010號上訴案作出裁決。
本人作為該案的第一助審法官,對上訴裁決中下列事項聲明如下:
首先,本人認為原審法庭不應把民事賠償原告方有關交通意外死者的生命權的喪失和死者的將來利益的損害之兩項索償要求視為「重複」的要求,並以此為由不對原告方就死者的將來利益之索償請求定出賠償金額(詳見原審合議庭裁判書第18頁首五段的文字內容)。
既然原審法庭已查明交通意外死者「於2005年9月份在澳門忠誠勞務有限公司任職臨時文員,該公司承諾待受害人在2006年大學畢業後聘請其繼續為該公司工作,每月薪金為澳門幣兩萬圓」,且亦查明在2005/2006學年受害人在本澳就讀大學四年級,成績優良,快將畢業,本人認為根據澳門《民法典》第558條第2款首半部份的行文,上訴庭理應定出受害人因在交通意外身亡而不能享有已預計享有的將來工作收益的賠償金額。
至於受害人的母親的精神損害賠償,原審法庭已查明受害人母親除了與受害人父親同時懷念女兒、情緒低落和難以接受女兒去世的事實外,還查明受害人母親在得知女兒去世的噩耗後,即場暈倒休克,並因女兒的去世而「情緒受到嚴重影響,被診斷為情緒應急反應,須接受心理治療」。因此,本人尤其考慮到死者雙親在女兒去世後在精神上的受影響程度的不同之處,認為上訴庭理應滿足民事賠償原告方在上訴狀內提出的把死者母親的精神損害賠償金額由澳門幣50萬增至60萬的要求。
最後,本人認為是次上訴裁判書的正文中涉及訴訟費方面的裁決行文,應明確判處民事賠償的原告和被告雙方須按各自的最終敗訴比例,支付民事索償程序在初級法院和本中級法院所衍生的兩審訴訟費用。
澳門,2011年3月3 日。
第一助審法官
陳廣勝
陳 Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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Proc. 535/2010 Pág. 86
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