Processo nº 59/2008
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 05 de Maio de 2011
ASSUNTO:
- Execução específica do contrato promessa de compra e venda
SUMÁRIO:
- Não tendo as Rés obrigado a celebrarem o contrato de compra e venda com a Autora, nunca pode proceder o seu pedido da execução específica.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 59/2008
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 05 de Maio de 2011
Recorrente: A
Recorridas: Sociedade Fomento Predial B, Limitada
Sociedade de Construção e Fomento Predial C, Limitada
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 05/09/2007, decidiu-se julgar improcedente os pedidos da Autora, deles absolvendo as Rés.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão: o seguinte:
1. Em 12/07/1994, a 2° Ré prometeu vender à Sociedade ...... três parques de estacionamento (nos contratos, todos os parques de estacionamento vinham identificados através de simples designação numeral).
2. Houve uma série de contratos-promessa de compra e venda celebrados e os respectivos preços foram pagos e sempre os parques em questão foram identificados por ordem numérica (nem de outro modo poderiam ser identificados porquanto na altura eram estavam em construção).
3. Aliás a 2° Ré, em 12 de Julho de 1994, identificou as fracções A1-69, A1-70 e A1-71 como simplesmente os Parques de Estacionamento N°1,2 e 3; pelo que não pode deixar de ser má fé da 2° Ré, anos passados, vir aos autos alegar que os contratos celebrados são insusceptíveis de execução específica porquanto os Parques de Estacionamento Nº1,2 e 3 se encontram no Rés-do-Chão e Parques de Estacionamento identificados como A1-69, A1-70 e A1-71 se encontram no 1° andar!
4. Depois da construção dos parques, foram os mesmos apresentados na Conservatória Predial para registo e, daí, de simples números naturais (em ordem crescente) passaram a ter uma identificação jurídica registraI. (Doc.1 a 3)
5. Por outro lado, na data supra, a 2° Ré tomou conhecimento expresso do contrato celebrado num Notário Privado de Macau sem que tivesse feito qualquer referência a uma eventual discrepância entre a primitiva identificação numérica e a identificação registral posterior. (Cfr. Doc. 1 a 3)
6. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não terá razão ao invocar a imposibilidade legal de execução especifica devido à falta de correspondência entre os Parques de estacionamento identificados numericamente (1, 2 e 3) e os, posteriormente, identificados como fracções N° A1-69, A1-70 e A1-71 ...
7. Por outro lado, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo também não terá razão ao defender que " ... a 1º Ré B é alheia e não pode ser responsabilizada pelo negócio de 1994 ... ".
8. Carecendo de ser chamado à colação o facto de existir uma procuração outorgada em favor da lºRé (em 26 de Maio de 1992) no interesse desta e com o poder desta fazer negócios consigo mesma!!! (Cfr. alínea F) da especificação)
9. E que também existir uma procuração ourtorgada pela lºRé (em 14 de Fevereiro de 2003) a favor da 2ª Ré conferindo os poderes de " ... prometer vender, vender... " os parques em questão, no interesse desta e com o poder desta fazer negócios consigo mesma!!! (Cfr. alínea G) da especificação)
10. Salvo o devido respeito, não é verdade que " ... a 1ª Ré B é absolutamente estranha ao negócio que a C celebrou com a sociedade ......." E prova disso é a procuração Outorgada pela 1ª Ré em 14 de Fevereiro de 2003 em favor da 2ª Ré. (Cfr. alínea G) da especificação)
11. Por outro lado, incorre em error juris o Tribunal quando desresponsabiliza a 1ª Ré com o argumento que esta ..... comprou apenas em 22 de Agosto de 2003 à anterior proprietária os imóveis/parques designados por A1-69, A1-70 e A1-71, em relação aos quais a Autora pretende obter a execução específica." Pela simples razão de que a 1ª Ré sempre teve o poder de prometer vender e vender as fracções em questão e na autorização de cessão contratual nunca se especificou se esta era para ser utilizada por uma vez ou por várias vezes.
12. In finale, salvo o devido respeita, não será verdade que “... a execução específica só é viável, como é consabido, quando o promitente vendedor é proprietário da coisa prometida vender.", pois que, existe uma procuração especial conferida no interesse do mandatário e, assim, era este quem tinha legitimidade para ser accionado visto todos os negócios terem sido celebrados por mandatários e nunca pelo proprietário "Aterros de Macau".
13. Salvo o devido respeito, a resolução referida pelo Tribunal aquo não pode operar porquanto não se fundou nem na lei nem em qualquer convenção.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida, e, consequentemente, “decretar a) decisão que produza efeitos da declaração negocial ela faltosa b) mandar cancelar a quota parte (68/206 avos) da inscrição nº69…G do Livro G, na fracção A1-69, fracção A1-70 e fracção A1-71 em nome da 1ª Ré c) mandar realizar nova inscrição da propriedade das fracções ora designadas pelas letras A1-69, fracção A1-70 e fracção A1-71 registadas na Matriz Predial Urbana ela freguesia de Sto. António sob o artigo 7...-RC-ASRC a favor da Autora.”
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As Rés, ora recorridas responderam à motivação do recurso da Autora, nos termos constantes a fls. 438 442, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
Da Matéria de Facto Assente:
- O imóvel denominado Lote N… do NAPE encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº21….
- Através da inscrição nº 27…F de 20/9/2002 foi registada a concessão do terreno a favor da "Macau - Obras ……, Limitada".
- Através da inscrição nº 27…F de 20/9/2002 foi registada a constituição do prédio em propriedade horizontal.
- Através da inscrição n° 69…G de 22/8/2003 foi registado a aquisição pela primeira ré "B" à "Macau Obras ……, Limitada" das fracções/parque designadas por A1-69, A1-70, e Al-71.
- Através da inscrição n° 44…C de 9/10/2003 foi registada a hipoteca voluntária constituída a favor do "Banco ……, S.A." pela primeira ré "B" para garantir o pagamento de um crédito concedido à "Sociedade Investimento Imobiliário ……, Limitada" no montante de MOP$123,600,000.00.
- Através da inscrição n° 30…F de 21/12/2005 foi registada a presente acção (alínea A) da Especificação).
- As fracções/parque designadas por A1-69, A1- 70, e A1- 71 encontram-se inscritas na Matriz Predial Urbana da freguesia de Sto. António sob o artigo 7...-RC-ASRC (alínea B) da Especificação).
- Em 12 de Julho de 1994 a ré "C" celebrou, três contratos promessa de compra e venda, pelos quais prometeu vender três fracções autónomas (lugares de estacionamento) a construir em Macau, nos termos que constam dos documentos de fls. 198 e 199, 201 e 202, e 204 e 205 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea C) da Especificação).
- Nestes contrato-promessa as partes outorgantes estipularam como preço total dos três parques a quantia de HK$3,000.00 ( três mil doláres de Hong Kong) equivalentes a MOP$3,090.00 ( três mil e noventa patacas ) (alínea D) da Especificação).
- Na data da assinatura dos contratos referidos em C), a segunda ré recebeu, a titulo de preço total, a quantia de HK$3,000.00 (três mil de doláres de Hong Kong) dando recibo oficial da quitação total (alínea E) da Especificação).
- A 26 de Maio de 1992 a "Macau - Obras ……, Limitada", através de escritura pública, constituiu a primeira ré "B" como sua procuradora conferindo-lhe poderes para "a) reger, gerir, com livre e geral administração civil, conforme melhor entender, o terreno para construção com a área de seis quatrocentos e oitenta metros quadrados, designado por "Lote N…" sito na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número vinte e um mil …… a folhas trinta e … verso do livro B barra cento e … barra A . ... c) hipotecar, prometer - vender, vender, ou de qualquer forma aliená-lo; d)... ; e) em relação ao edifício a construir e após a sua construção, relativamente às fracções autónomas aí construídas, prometer-vender, vender, fazer e aceitar arrendamentos, mesmo os que constituam ónus reais ..." A procuração foi outorgada no interesse da mandatária. A procuração conferia poderes à mandatária para celebrar negócios consigo mesmo, tudo conforme o documento de fls. 285 a 290, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea F) da Especificação) .
- A 14 de Fevereiro de 2003 a primeira ré "B", através de escritura pública, constituiu a segunda ré "C" como sua bastante procuradora conferindo-lhe poderes para "em nome da mandante e em relação ao imóvel, constituído em propriedade horizontal, sito em Macau, RAE, na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), com os nos 10 a 116 da Rua de ……, ... , inscrito na matriz predial da freguesia da Sé, sob o nº 73…, descrito sob o nº21… do Livro B…A, inscrito a favor da Macau - Obras ……, Limitada sob o nº 27… F, prédio sobre o qual a ora mandante tem plenos poderes de gestão e administração, conforme procuração irrevogável outorgada pela proprietária "Macau - Obras ……, Limitada" em 26 de Maio de 1992, e sobre as fracções autónomas ..... e ainda sobre 138/206 avos indivisos da fracção autónoma designada por "ASR/C" do rés-do-chão "AS", constituído por r/c, 1 ° e 2º andares para estacionamento, praticar os seguintes actos: a) reger e gerir com livre e geral administração; b) ... ; c) livremente prometer vender, vender, permutar, partilhar, trocar ... ; d) ... " A procuração foi outorgada na interesse da mandatária e, por isso, só podendo ser revogada com o seu acordo. A procuração conferia poderes à mandatária para celebrar negócios consigo mesmo, tudo conforme o documento de fls. 274 a 284, cujo teor aqui se por integralmente reproduzido (alínea G) da Especificação).
Da Base Instrutória
- As fracções/parques referida em c) estavam em 1992 a ser construídas no terreno designado por "Lote N…" do NAPE, pela primeira Ré como procuradora da concessionária - "Macau Obras ……" (Resposta ao quesito 2º).
- A segunda Ré estava encarregada pela primeira Ré de proceder à comercialização dos imóveis edificados no terreno a que se alude em A) (Resposta ao quesito 4º).
- No dia 19 de Março de 2003, foi celebrado um acordo no escritório do advogado e notário privado Sr. Dr. António Passeira entre a sociedade "Companhia de Desenvolvimento e Fomento Predial ......, Limitada" e XXX (XXX), nos termos que constam do documento de fls. 245 e 246, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Resposta aos quesitos 7". 8° e 9").
- Na data da assinatura do contrato referido em 7), XXX (XXX), entregou, a quantia referida a fls, 245 a 246 dos autos (Resposta ao quesito 10º).
- A "Companhia de Desenvolvimento e Fomento Predial ......, Limitada" deu quitação total com data de 19/03/2003 (Resposta ao quesito 11º).
- No dia 05/05/2004 foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre XXX e XXX, nos termos que constam do documento de fls. 248 a 250 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Resposta ao quesito 12º).
- Neste contrato XXX (XXX) prometeu vender as 40 fracções (parques) a XXX (XXX) (cfr. fls. 248 a 249) (Resposta ao quesito 13º).
- Foi estipulado o preço total de HKD$1,300,000.00 (Resposta ao quesito 14º).
- Em 15/05/2004, XXX (XXX) entregou a XXX (XXX) a quantia referida a fls. 256 dos autos (Resposta ao quesito 14°-A) .
- No dia 07/05/2004 foi celebrado um acordo no escritório do advogado e notário privado Sr. Dr. Porfírio Azevedo Gomes, o que foi assinado pelo XXX (XXX) e pela Autora A (A) , nos termos que constam do documento de fls. 259 e 260 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Resposta aos quesitos 15°, 16° e 17º).
- Em 13/09/2004 a Autora entregou a quantia de HKD$114,750.00 equivalente a MOP$180,255.00 à XXX (XXX) o qual deu quitação total (cfr. fls. 264) (Resposta ao quesito 18º).
- A Autora e outras pessoas solicitaram à segunda Ré marcação, ou a documentação necessária para a outorga das respectivas escrituras públicas (cfr. fls. 268 a 270) (Resposta ao quesito 20º).
- A segunda Ré foi notificada por carta, mas recusou-se a outorgar a escritura pública (cfr. fls. 271 a 272) (Resposta ao quesito 21º-A).
- Em 23 de Junho de 2004 a segunda Ré "C" comunicou, mediante envio de carta registada, à promitente compradora "......" a sua intenção de não cumprir os contratos referidos em C) que considerou resolvidos (cfr. fls. 133 a 134) (Resposta ao quesito 22º).
- Nessa comunicação a segunda Ré assumia o compromisso de pagar à "......" o dobro do sinal pago, no valor de HKD$80,000.00, ou seja, HKD$2,000.00 por cada parque (Resposta ao quesito 23º).
- Esta ("......") não aceitou essa quantia (Resposta ao quesito 24º).
- As Rés para se defenderem nesta acção gastaram MOP$50,000.00 em honorários de advogado (cfr. fls. 364 a 366) (Resposta ao quesito 28º).
III – Fundamentos
O tribunal a quo julgou a acção improcedente pela impossibilidade legal da execução específica, em virtude de que:
a) os parques estacionamento nºs 1, 2 e 3 prometidos a vender pela 2ª Ré não correspondem às fracções autónomas A1-69, A1-70 e A1-71; e
b) a 2ª Ré, promitente vendedora, nunca foi proprietária dos parques em causa.
Para a Autora, os parques de estacionamento nºs 1, 2 e 3, prometidos a vender pela 2ª Ré correspondem às fracções autónomas A1-69, A1-70 e A1-71.
Contudo, esta matéria não foi dada como provada (v. resposta ao quesito 1º).
E a Autora não impugnou a referida decisão de facto, pelo que a mesma fica assente e não é susceptível de modificação.
Uma vez não ficou provado que os parques de estacionamento A1-69, A1-70 e A1-71 são os mesmos prometidos vender pela 2ª Ré, como é que possível a sua execução específica?
Mesmo que fossem correspondentes, a acção também não pode proceder.
Vejamos.
Em primeiro lugar, a 2ª Ré nunca foi, nem é, proprietária dos parques de estacionamento A1-69, A1-70 e A1-71.
A 1ª Ré nunca celebrou qualquer contrato promessa de compra e venda de parques de estacionamento com a Autora.
Em 12/07/1994, a 2ª Ré prometeu vender os parques nºs 1, 2 e 3 à Sociedade de Desenvolvimento e Fomento Predial ...... Limitada (fls. 197 a 205).
Naquela altura, a 2ª Ré ainda não era procuradora da 1ª Ré (só o era a partir de 14/02/2003), pelo que não se pode dizer que agiu em nome da 1ª Ré na celebração do referido contrato promessa de compra e venda.
Aliás, resulta do próprio contrato que a 2ª Ré agiu em nome próprio.
Em 1//03/2003, a dita Sociedade ......, mediante acordo de fls. 245 e 246, declarou ceder a sua posição contratual de promitente comprador a um indivíduo de nome XXX, sem consentimento da 2ª Ré.
Em 05/05/2004, XXX, mediante o acordo de fls. 248 a 250, declarou ceder a sua posição contratual de promitente comprador a um indivíduo de nome XXX.
Do referido acordo apesar constarem o nome das Rés e da concessionária (Macau-obras ......, Limitada), nenhuma delas o assinou. Apenas a Sociedade de Desenvolvimento e Fomento Predial ...... Limitada é que assinou na qualidade de testemunha.
Em 07/05/2004, XXX, mediante o acordo de fls. 259 e 260, declarou ceder à Autora a sua posição contratual de promitente comprador.
Tal como aconteceu com o acordo entre XXX e XXX, este acordo também contem o nome das Rés e da concessionária, mas sem assinatura delas.
Nos termos do nº 1 do artº 418º C.C. de Macau, no contrato com prestação recíproca, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
No caso em apreço, não resulta dos autos que as cessões foram consentidas pela 2ª Ré, daí que não são eficazes em relação a ela, muito menos à 1ª Ré, já que ela nunca foi parte dos negócios em causa.
Não tendo as Rés obrigado a celebrarem o contrato de compra e venda com a Autora, nunca pode proceder o seu pedido da execução específica.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso da Autora, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Autora.
Notifique e registe.
RAEM, aos 05 de Maio de 2011.
Ho Wai Neng
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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59/2008 p.1/13