打印全文
Processo nº 568/2010
Data do Acórdão: 31MAR2011


Assuntos:

Conflito de competência

SUMÁRIO

Na situação de revelia operante no processo comum colectivo, cabe ao Juiz Presidente do Tribunal Colectivo a elaboração de sentença.

O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 568/2010


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

O Ministério Público junto do Tribunal de Segunda Instância veio requerer a resolução do conflito negativo de competência, que se suscita entre a Mmª Juiz do 3º Juízo Cível e o Mmº Juiz Presidente do respectivo Tribunal Colectivo, ambos do Tribunal Judicial de Base, porquanto:


  Ambos os Magistrados atribuem reciprocamente a competência, negando a própria, para proferir sentença final nos autos de Acção Ordinária, registados sob o nº CV3-09-0049-CAO, em que é Autor A e Ré B.

  Os despachos em que assim foi entendido foram devidamente notificados às partes e transitaram em julgado.

  Quando a divergência sobre a respectiva competência entre Juízes do mesmo Tribunal de Primeira Instância é de carácter jurisdicional deve entender-se que se trata de um conflito de competência a ser resolvido pelo Tribunal imediatamente superior.

  Este Tribunal é legalmente competente para conhecer do conflito em causa e decidi-lo.

Nestes termos e nos mais de direito, requer a V. Exª que D. e A. seja solucionado o conflito, depois de ouvir os respectivos Magistrados e seguidos os demais trâmites legais.

Os fundamentos invocados pela Mmª Juiz do 3º Juízo Cível são os que se seguem:

  本案中,原告向被告提起訴訟程序請求判處被告支付澳門幣1161456.4元(澳門幣壹佰壹拾陸萬壹仟肆佰伍拾陸圓肆角)及相關費用。被告代表已被傳喚(第186頁)及於法定期間內沒有作出答辯。
  中級法院於2002年4月25日第235/2001號裁判中指出: 1. Quando a divergência sobre a respectiva competência entre Juízes do mesmo Tribunal de Primeira Instância é de caracter jurisdicional deve entender-se que se trata de um conflito de competência a ser resolvido pelo Tribunal imediatamente superior……. 3. O disposto no artº 24º, nº 2 da Lei nº 9/1999 de 20.12 (“Lei de Bases da Organização Judiciária”) tem apenas como escopo atribuir competência ao Juiz Presidente do Tribunal Colectivo para julgar a matéria de facto e lavrar a (respectiva) sentença nas acções que, pelo seu valor, deviam ser julgadas em Tribunal Colectivo, mas que, por “qualquer circunstância na tramitação processual” se tornou desnecessária a sua intervenção - porque desnecessária a fase da audiência de discussão e julgamento, como acontece, v.g., com as acções ordinárias não contestadas …….
  中級法院於2002年5月2日第232/2001號裁判中指出: Nos casos em que, como prevê o artigo artº 24º, nº 2 da Lei nº 9/1999 de 20 de Dezembro, a tramitação processual determinar a não intervenção do Tribunal Colectivo - tais como o pedido não ter sido contestado e não resultar a afirmação de direitos indisponíveis -, cabe ao Juiz Presidente o “dever” de julgar a matéria de facto e de lavrar a sentença final.
  《民事訴訟法典》第405條(Efeitos da revelia)規定:
1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor.
2. O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
3. Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
《司法組織綱要法》第二十三條規定:
六、在不妨礙依據訴訟法律無須合議庭參與的情況下,合議庭有管轄權審判下列訴訟程序及問題:
……
(三)在利益值超過第一審法院法定上訴利益限額的民事及勞動性質訴訟中的事實問題,以及在附隨事項、保全程序及依宣告訴訟程序的規定進行的執行程序且利益值超過上指法定上訴利益限額的程序中相同性質的問題;
《司法組織綱要法》第二十四條第2款規定:
合議庭主席的權限
二、如在訴訟步驟中出現使合議庭不能參與的情形,由合議庭主席履行審理事實上之事宜及製作終局判決書的義務。
2. Quando ocorra qualquer circunstância na tramitação processual que determine a não intervenção do tribunal colectivo, o dever de julgar a matéria de facto e de lavrar a sentença final cabe ao juiz presidente de tribunal colectivo.
  按照本人所知,於2009年11月前其他民事法庭合議庭主席對於已被傳喚及沒有答辯的通常宣告案認為由主席作出判決,而《司法組織綱要法》第24條近期並沒有被修改。
  本案中雖然被告被傳喚後沒有於期間內進行答辯,本案涉及金額超過澳門幣伍萬元,亦屬於民事通常宣告案(processo ordinário),其性質及複雜程度與其他民事通常宣告案無異。對於被告於傳喚後沒有答辯的同類案件,本人認為按目前的法律規定,應由合議庭主席閣下作出本案判決。
  本人認為有需要清晰處理本案同類案件應由那一級的法官作出判決以保障所有同類案件的判決的合法性及正當性,因為判決確定後,如敗訴一方沒有自願執行則勝訴一方可提起執行之訴,將來會以判決作為執行名義查封或變賣當事人的財產(如不動產、銀行存款或動產)。因此判決必須由有權限的法官作出以保障當事人的利益,以及保障司法體系的公平公正及穩定性。
在對相反意見作出應有的尊重的情況下,本人認為根據《司法組織綱要法》第24條第2款規定及上述中級法院第235/2001號及第232/2001號作出的裁判內容,應由合議庭主席閣下作出本案判決。本人將本案呈交合議庭主席閣下(Conclua os autos ao Mm.º Juiz Presidente do Tribunal Colectivo)。

Por sua vez o Mmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo do 3º Juízo Cível invocou o seguinte:

DESPACHO
  Foram os presentes autos a mim conclusos para proferir sentença final, por entender a Mmª. Colega que cabe da competência do Juiz Presidente do Tribunal Colectivo.
  Como já referi em outros processos, por se verificar divergência de opiniões entre colegas que compõem o Tribunal Colectivo do 1º Juízo presidido pelo signatário, por uma questão de unanimidade e igualdade, em virtude de me caber também julgar metade dos processos do 3º Juízo, levou-me a ponderar cuidadosamente sobre a questão, e salvo o devido e muito respeito por entendimento contrário, em prol da certeza e segurança jurídicas, decido manter a posição adoptada naqueles mesmos processos.
  Em suma, a questão que se levanta é saber a quem cabe proferir sentença final, ou o Juiz Titular do processo ou o Presidente do Tribunal Colectivo, quando o réu, devidamente citado na sua própria pessoa, não vem deduzir contestação, tendo para o efeito sido considerados confessados os factos articulados pelo autor.
  Para resolver a questão, importa ter em vista o artigo 24º, nº 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau (Lei nº 9/1999, adiante designada por LBOJM), em que se estipula o seguinte:
  “Quando ocorra qualquer circunstância na tramitação processual que determine a não intervenção do tribunal colectivo, o dever de julgar a matéria de facto e de lavrar a sentença final cabe ao juiz presidente de tribunal colectivo”.
  No fundo, a questão é saber em que circunstância deve aplicar a citada disposição legal.
  Vejamos.
  Para permitir dar uma resposta segura e convincente, importa desde já fazer a seguinte destrinça:
  1. Acções contestadas;
  2. Acções contestadas cujo mérito pode ser conhecido no despacho saneador por não carecer de mais prova;
  3. Acções não contestadas sendo a revelia inoperante; e
  4. Acções não contestadas sendo a revelia operante.
  O primeiro tipo de situações são situações típicas na tramitação do processo ordinário. Isto é, intentada determinada acção, contra a mesma foi deduzida contestação, e posteriormente cabe ao Juiz Titular do processo elaborar o despacho saneador e seleccionar a matéria de facto pertinente para a apreciação do fundo da causa, competindo neste caso ao Colectivo decidir da matéria de facto através de meios de prova apresentados pelas partes, e ao Presidente do Tribunal Colectivo decidir de direito (artigo 549º, nº 1 do Código de Processo Civil e artigo 23º, nº 6, alínea 3) da LBOJM).
  Quanto ao segundo tipo de situações, já não há lugar à produção de prova, por dela não carecer face aos elementos constantes dos articulados.
  Neste caso, por não haver necessidade de julgar a matéria de facto, compete então ao próprio Juiz Titular do processo apreciar de direito, proferindo saneador - sentença caso assim entenda, razão pela qual o artigo 24º, nº 2 da LBOJM deixa de aplicável. Sobre essa questão, foi já anteriormente apreciada pelo T.S.I., citando-se, para o efeito, os acórdãos do Processo nº 235/2001, de 25 de Abril de 2002, e do Processo nº 232/2001, de 2 de Maio de 2002.
  Em terceiro lugar, temos aquelas situações em que o réu não contesta, mas a falta da contestação não implica a confissão dos factos articulados pelo autor, i.e., temos a chamada revelia inoperante, nos termos do artigo 406º do Código de Processo Civil de Macau.
  Nessas situações, o julgamento não é feito perante o Tribunal Colectivo mas sim pelo Tribunal Singular, considerando o legislador ser competente o Juiz Titular do processo julgar a matéria de facto e de direito, ao abrigo do artigo 549º, nº 2 do mesmo Código de Processo Civi. Trata-se, no fundo, de um desvio à regra geral.
  Por sua vez, com a entrada em vigor da LBOJM, em especial do seu artigo 24º, nº 2, o legislador pretendeu derrogar de certo modo o disposto no processo civil, tendo, para o efeito, atribuído a competência de julgar a matéria de facto e de direito ao Presidente do Tribunal Colectivo.
  Melhor dizendo, trata-se duma “circunstância na tramitação processual que determine a não intervenção do tribunal colectivo”, pelo que por força daquela disposição “derrogativa”, as acções não contestadas (cuja revelia é inoperante) passam a ser julgadas pelo Presidente do Tribunal Colectivo, quer quanto à matéria de facto quer quanto à de direito.
  Finalmente, quanto às acções não contestadas em que a revelia é operante, isto é, situações em que o réu, apesar de devida e pessoalmente citado, não vem contestar a acção, e em consequência disso, considera-se confessados todos os factos articulados pelo autor (artigo 405º do Código de Processo Civil), nesta circunstância a quem cabe proferir a decisão final?
  Tal como acontece com o segundo tipo de situações acima descrito, não há aqui factos para serem julgados, pois os factos articulados pelo autor são dados como todos assentes em virtude do silêncio do réu. Terá neste caso de intervir o Presidente do Tribunal Colectivo, só para dar a sentença final, por força do mesmo citado artigo 24º, nº 2?
  Salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, não julgo esse último tipo de situações estar abrangido no disposto no artigo 24º, nº 2 da LBOJM.
  Em primeiro lugar, por uma razão simples - não há matéria de facto para julgar.
  Segundo a aludida disposição legal, dispõe-se que “quando ocorra qualquer circunstância na tramitação processual que determine a não intervenção do tribunal colectivo, o dever de julgar a matéria de facto e de lavrar a sentença final cabe ao juiz presidente de tribunal colectivo” (sublinhado meu) .
  Ora, o que acontece neste último tipo de situações é que os factos articulados pelo autor foram todos considerados confessados, deixando de haver lugar à fase da instrução, limitando a intervenção do tribunal à fase da sentença após dada oportunidade às partes para pronunciar sobre o aspecto jurídico da causa.
  Segundo o artigo 8º do Código Civil de Macau, “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
  De acordo com o que está consagrado no citado artigo 24º, nº 2 da LBOJM, compete ao Presidente do Tribunal Colectivo julgar a matéria de facto e proferir a sentença final. Mas nas acções em que não há lugar à produção de prova, face ao reconhecimento de toda a matéria fáctica (revelia operante), ainda aplicar-se-á a referida norma? Caso a resposta fosse afirmativa, então não se justificava por que razão teria o legislador atribuído ao mesmo tempo a competência de “julgar a matéria de facto e de lavrar a sentença final” ao Presidente do Tribunal Colectivo (sublinhado meu), quando na verdade não havia qualquer matéria de facto para julgar.
  Por outro lado, também não se compreendia por que razão teria regime diferente face ao segundo tipo de situações, em que igualmente não havia prova a produzir mas mesmo assim competia ao Juiz Titular do processo proferir, já no saneador, a sentença final (saneador sentença) .
  Assim, na fixação do sentido e alcance do alegado artigo 24º , nº 2, terá que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, sem qualquer falha na elaboração da norma, isto leva-nos a concluir, sem margens para grandes dúvidas, que a referida disposição legal não se aplica nos casos em que não há lugar à produção de prova, a saber, no caso da revelia operante.
  Na verdade, o artigo 24º, nº 2 da LBOJM só é aplicável nas situações de revelia inoperante (melhor dizendo, quando ocorrem as circunstâncias previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 406º do Código de Processo Civil), isto é, situações cuja falta da contestação não implica a confissão dos factos articulados pelo autor, sendo assim compete ao autor a prova desses mesmos factos. Ora nessas situações, não obstante que a regra é ser a matéria de facto julgada com intervenção do Tribunal Colectivo (artigo 549º, nº 1 do Código de Processo Civil), mas por força do artigo 549º, nº 2 do Código de Processo Civil, passa o Juiz Singular a ter competência exclusiva para julgar a matéria de facto e de direito, e que por sua vez, com a introdução do artigo 24º, nº 2 da LBOJM, essa competência passou para o Presidente do Tribunal Colectivo.
  Diferentemente do que passa com a revelia inoperante, na revelia operante, vimos que não há matéria de facto que carece de prova (uma vez que foi dada como toda assente), neste caso já deixa de ter, ab initio, necessidade da intervenção do Tribunal Colectivo, por inverificação do pressuposto legal sobre a existência de questões de facto por julgar, nos termos do artigo 23º, nº 6, alínea 3) da LBOJM.
  Nos termos do artigo 23º, nº 2 do mesmo diploma legal, “sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo, os tribunais funcionam com tribunal singular”, e, em regra, deve ser o Juiz titular do processo.
  O Acórdão do TSI, de 23 de Fevereiro de 2006 do Processo nº 307/2005, embora venha decidir questão diferente, mas consta da seguinte asserção que permitiria uma melhor compreensão do significado da expressão “Juiz Singular” – “E aqui ganha significado a nuance de que acima se falava quando o legislador fala em Tribunal Singular e não em Presidente do Tribunal Colectivo. É verdade que nos julgamentos de facto ou de direito efectuados pelo Presidente do Colectivo não deixamos de estar perante um Tribunal e esse tribunal não deixa de ser singular, mas não é menos certo que não é assim que o legislador habitualmente o designa. Assim se passa a compreender que a diferente terminologia utilizada não deixa de ter aqui um determinado significado quanto ao desiderato do legislador.” - sublinhado meu.
  Tudo visto e ponderado, repete-se, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, julgo que a situação em causa não se integra na hipótese prevista no artigo 24º, nº 2 da LBOJM, pelo que seguindo a regra geral prevista no artigo 23º, nº 2 do mesmo diploma, entende-se que competirá ao Juiz Titular do processo proferir a respectiva sentença final.
  Assim, com base nos fundamentos acima explicitados, abstenho-me a intervir nos presentes autos, sem prejuízo da eventual douta decisão do Tribunal Superior sobre a resolução do conflito.

Devidamente tramitados nos termos previstos no artº 37º do CPC veio o Dignº Magistrado do M. P. emitir o seu douto parecer preconizando que é competente a Mmª Juiz titular do processo.

Cumpre decidir.

Ora, há conflito, positivo ou negatvio, de competência, quando dois tribunais ou dois juizes se consideram ambos competentes, ou incompetentes, para conhecer da mesma causa.

Como vimos supra, o argumento da Mmª Juiz do 3º Juízo Cível é fundado nos artºs 23º/6-3) e 24º/2 da LBOJM e apoiado nos Acórdãos do TSI nos processos nºs 232/2001 e 235/2001.

Ao passo que o Mmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo do 3º Juízo Cível entende, em síntese, que no caso de revelia operante, cabe ao juiz titular do processo elaborar a sentença, uma vez que, na sua óptica, o artº 24º/2 do LBOJM só é aplicável nas situações de revelia inoperante, em que a falta da contestação não implica a confissão dos factos articulados pelo autor, e por força do artº 549º/2 do CPC e artº 24º/2 da LBOJM, a competência para julgar a matéria de facto e de direito passa para o Presidente do Tribunal Colectivo.

Vejamos.

De acordo com os elementos existentes nos autos, estamos perante um processo declaratório ordinário a correr no Tribunal Judicial de Base.

Por força do artº 23º/1 a 4 da LBOJM, o Tribunal Judicial de Base, enquanto um Tribunal de 1ª Instância, funciona com tribunal colectivo ou com tribunal singular.

A regra geral é sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo, os tribunais de 1ª instância funcionam com tribunal singular.

Portanto, quando o tribunal funciona com o tribunal singular, o mesmo juiz titular do processo é senhor do processo em todas as fases que integram uma acção declarativa ordinária.

Todavia, já se coloca a questão da repartição das tarefas entre o juíz titular do processo e o presidente do tribunal colectivo, quando funciona com tribunal colectivo que, por força do disposto no artº 23º/4 da LBOJM, é composto por um presidente de tribunal colectivo, o juíz titular do processo e um juíz prévia e anualmente designado pelo Conselho dos Magistrados Judiciais.

De acordo com o esquema traçado na lei, a tramitação de um processo declaratório ordinário pode ser dividida em várias fases, quais são: a dos articulados, a do saneamento e condensação, a da instrução, a da discussão e a do julgamento.

Se o processo declaratório ordinário percorrer o itinerário completo traçado na lei, ou seja, todas as cinco fases, não se levantam, em princípio, grandes dificuldades na repartição das tarefas entre o juiz titular do processo e o juiz presidente do colectivo.

Pois, atendendo à função específica de cada uma das fases e à competência do presidente do colectivo, é-nos fácil de saber quando é que deve intervir o presidente do colectivo.

Quanto à competência do presidente do colectivo, o artº 24º/1 da LBOJM estipula que:
1.Compete ao presidente de tribunal colectivo:
1) Organizar o programa das sessões do tribunal colectivo e convocá-las, ouvidos os demais juízes que o constituem;
2) Dirigir as audiências de discussão e julgamento;
3) Elaborar os acórdãos e as sentenças finais nos processos que caibam na competência do tribunal colectivo, nos termos das leis de processo;
4) Suprir as deficiências das decisões referidas na alínea anterior, bem como esclarecê-las, reformá-las e sustentá-las, nos termos das leis de processo.
Assim, o presidente do colectivo intervém nas fases da discussão e de julgamento, assim como na investigação, mediante produção de provas na audiência, dos factos que não tenham sido devidamente esclarecidos na fase anterior.

O juiz titular do processo, por sua vez, assegura o trabalho na tramitação nas restantes fases e na restante parte da fase de instrução (v. g. produção antecipada das provas e admissão dos elementos necessários à prova da matéria de facto controvertida e essencial ao julgamento da causa, antes da audiência de julgamento).

Todavia, por razões de várias ordens, nem todos os processos percorrem todas estas cinco fases.

Uma das situações em que o processo não percorre todas as fases é justamente a do presente caso da chamada revelia operante.

O Exmº Presidente do Colectivo entende que in casu ele próprio não é o juiz competente para proferir a sentença, porquanto o artº 24º/2 do LBOJM não se aplica às situações de revelia operante, pois ai não há julgamento de facto, ou seja, só se aplica o artº 24º/2 da LBOJM quando o presidente do colectivo é chamado para o julgamento de facto e de direito, tal como sucede nas situações de revelia inoperante, onde a falta de contestação não implica a confissão dos factos articulados na petição inicial e há que se proceder ao julgamento da matéria de facto. Isto é, não havendo lugar ao julgamento de facto, não se aplica o artº 24º/2 da LBOJM para a atribuir competência ao presidente do colectivo para elaborar sentença.

Na verdade, o artº 405º reza que no caso de revelia operante, o processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida a sentença, julgando a causa conforme for de direito.

O que quer dizer é a lei mandar amputar as fases do saneamento, da condensação e da instrução, de modo a que o processo entra directamente nas fases de discussão e de julgamento.

Como vimos supra, por força do disposto no artº 24º/1-2) e 3) da LBOJM, nas circunstâncias normais, intervém, em regra, o presidente do colectivo nas fases da discussão e do julgamento.

Na situação de revelia operante, as fases da discussão e do julgamento, embora existam, ficam muito mais simplificadas.

Pois na fase de discussão já não há lugar aos debates orais quanto aos aspectos de facto e de direito, mas sim apenas debate por escrito sobre o aspecto de direito (artº 405º/2), nem existe o julgamento de facto mediante a produção de provas em audiência perante o Colectivo com vista à fixação da matéria de facto necessária à decisão da causa.

Compreende-se a razão de ser do artº 405º que determina a elaboração imediata, logo após o antecipado debate de direito por escrito, da sentença julgando a causa conforme for de direito, uma vez que a inexistência da audiência de julgamento na sequência da falta da contestação já se torna desnecessária a intervenção de todos os três juizes do tribunal colectivo, cuja função primordial é julgar, em audiência, a matéria de facto controvertida, de acordo com os princípios da imediação e da oralidade.

Ou seja, a não intervenção do colectivo justifica-se pela desnecessidade por falta da matéria de facto para investigar.

O que, porém não conduz também à desnecessidade da intervenção do juiz presidente do colectivo, uma vez que por força do disposto no artº 24º/1-3) da LBOJM, numa acção de valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância, ao presidente do colectivo compete a elaboração da sentença de direito.

A razão de ser dessa norma é óbvia.

É pela circunstância de ser o presidente do colectivo considerado um magistrado, em princípio mais antigo na carreira e, presumidamente mais sabedor, sensato e experiente, e portanto mais indicado para decidir de direito numa acção que reclama garantia reforçada da justiça, atendendo ao valor elevado dos interesses em discussão.

Essa razão justificativa da competência do presidente do colectivo está bem presente mesmo nas situações da revelia operante, uma vez que os interesses em jogo merecem o mesmo grau de garantia de justiça, apesar da inércia da parte demandada.

Quanto ao argumento do Exmº Presidente do Colectivo, apoiado na expressão “......julgar a matéria de facto.....” constante do artº 24º/2 da LBOJM, parece-nos que essa expressão não é decisiva para afastar o presidente do colectivo da sua competência de proferir a sentença de direito no caso de revelia operante.

Se é certo que o artº 405º/1 do CPC prescreve expressamente que a não contestação do réu é considerada confissão dos factos articulados pelo autor na petição inicial, não é menos verdade que ao considerar a inércia do réu como confissão dos factos articulados, o que a lei está a fazer é aferir a priori a força e o valor desse meio de prova (prova por confissão das partes), criando uma prova legal vinculativa do juiz na fixação da matéria de facto.

Assim, mesmo nas situações da revelia operante, o juiz não fica dispensado de formar uma convicção, embora legalmente vinculada, sobre a existência dos factos articulados pelo autor na petição inicial.

Ou seja, não há discussão que consiste na apreciação crítica da prova produzida, mas há sempre julgamento de facto que se traduz na formação da convicção vinculada de acordo com a regra especial da apreciação da prova da confissão ficta do réu nos termos do disposto no artº 405º/1 do CPC.

Portanto, há lugar ao julgamento de facto mesmo nas situações da revelia operante.

Ademais, como vimos supra nas razões que levaram a declaração da sua incompetência, o Exmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo do 3º Juízo, além do argumento de não haver julgamento de facto nas situações de revelia operante, chegou a apontar, para reforçar o seu entendimento da não aplicabilidade do artº 24º/2 da LBOJM às situações de revelia operante, as situações de acções contestadas cujo mérito pode ser conhecido no saneador por não carecer de mais prova, situações essas que, sendo na óptica do mesmo Magistrado paralelas às de revelia operante, afastam a aplicabilidade do artº 24º/2 da LBOJM justamente por não haver matéria de facto para julgar.

É verdade que ao juiz titular do processo cabe a elaboração do saneador-sentença.

Todavia, não por interpretação a contrario do artº 24º/2 da LBOJM, ou seja, por falta de matéria de facto para julgar, mas sim por o saneador-sentença é uma decisão proferida na fase de saneamento e condensação, de que o juiz titular do processo é senhor soberano e em que a lei não prevê a intervenção do colectivo, nem o presidente do colectivo está legalmente autorizado a intervir, não obstante ser, como destacámos supra, um magistrado mais antigo na carreira, e presumidamente mais sabedor, sensato e experiente.

O que já não sucede com as situações de revelia operante, em que a sentença é proferida em sede da fase de julgamento onde, como se sabe, nas circunstâncias normais, intervém o juiz presidente do tribunal colectivo para presidir à discussão de facto e de direito e para elaborar a sentença de direito.

Assim, o que defende supra não foge a essa regra, isto é, mesmo nas situações de revelia operante, a sentença proferida na fase de julgamento deve ser da autoria do presidente do tribunal colectivo.

Deste modo, cremos ser suficientes as razões acima expostas para concluir pela aplicabilidade, ao presente caso de revelia operante, do artº 24º/2 do LBOJM, nos termos do qual ao presidente do colectivo compete a elaboração da sentença.

Concluindo e sumariando:

No caso de revelia operante, compete ao juiz presidente do colectivo para proferir a sentença final.

Tudo visto, resta decidir.

Pelos fundamentos expostos, acordam julgar competente o Mmº Juiz Presidente do respectivo Tribunal Colectivo do 3º Juízo para proferir a sentença na acção em causa (CV3-09-0049-CAO).

Sem custas.

RAEM, 31MAR2011

Lai Kin Hong (Relator)
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 568/2010-1