Processo n. 413/2009
(Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Maio de 2011
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios - Licença de maternidade
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
III- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
IV- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
V- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
Proc. N.413/2009
Recorrente: STDM
Recorrida: A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$196.846,92 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde 1 de Janeiro de 1980, data em que para a ré começou a trabalhar, até 1 de Dezembro de 1993, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador, julgando parcialmente prescritos os créditos peticionados, concretamente os referentes ao período compreendido entre o início da relação até ao dia 26 de Outubro de 1986, atendendo a que a ré fora citada em 27/10/2006.
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Não houve recurso deste despacho.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 26/03/2009, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 120.147,88.
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É dessa sentença que, inconformada, a Ré STDM interpõe recurso jurisdicional, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
A. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso semanal, anual e nos feriados obrigatórios remunerados, por parte da Autora, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pelo ora Recorrida, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização com base no regime do salário mensal e abrangendo realidades distintas que são o salário diário recebido da Recorrente e as gratificações ou gorjetas recebidas de terceiros, liberalidades dos clientes frequentadores dos casinos.
B. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito, culposo e punível.
C. E, de acordo com os artigos 17º, 21 º e 23 º do RJR T de 1984 e com os artigos 17º, 20º e 24º, todos do RJRT de 1989, qualquer dos diplomas, aqui, aplicáveis, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora ou do empregador, - e consequentemente um direito a indemnização ou a uma compensação - quando, o trabalhador ou o empregado seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e aquela entidade empregadora não o remunere nos termos da lei.
D. Pelo que, por omissão de pronúncia, a Sentença é desde logo nula, devendo ser revogada, sem prejuízo do que abaixo e adiante se irá ainda concluir e expor.
E. Não podendo, de todo, proceder os montantes e valores expostos nas tabelas apresentadas a fls. 158v a 159v da douta Sentença recorrida, porque, deveria ter-se descontado os montantes recebidos pelo Recorrido em singelo, nas pretensas quantias a eventualmente apurar, o que igualmente o Mmo Tribunal recorrido não fez, ao arrepio do mais alto entendimento do Mmo TUI.
F. Nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, ou sequer culposo, logo, não punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A, não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título relembre-se que ficou provado que a A. precisava da autorização da R. para ser dispensado ao serviço.
G. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da R. e ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A, ora Recorrida, i. e., a ilicitude e a culpa do comportamento da R., ora Recorrente.
H. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário - em função do trabalho efectivamente prestado (artigos 28º e 29º do RJRT de 1984 e artigos 26º e 27º do RJRT de 1989).
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
I. A Autora, ora Recorrida, não estava dispensado do ónus da prova, quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em Audiência de Discussão e Julgamento, por meio de testemunhas ou através de meio de prova documental, ter de facto, provado que dias, alegadamente, não gozou.
J. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A, aqui Recorrido.
K. Nos termos do número 1 do artigo 342º do Código Civil de 1966 e do artigo 335º do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”;
L. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam semanais, anuais ou feriados).
M. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
N. Sendo, assim, a douta Sentença nula, devendo ser revogada e substituída por outra decisão da parte do Mmo Tribunal ad quem.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
O. O número 1 do artigo 5º do RJRT de 1984 e o mesmo normativo do RJRT de 1989, dispõem que estes diplomas não serão aplicáveis perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo os artigos 6º dos mesmos que, os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
P. O facto de a A., ora Recorrida, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
Q. É que, pois, caso a ora Recorrida auferisse apenas um “salário justo” - da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta - certamente que, esse salário seria inferior ao rendimento total que o ora Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado ou funcionário da ora Recorrente.
R. Não concluindo - e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da douta sentença ora em crise, devendo ser a mesma revogada ou alterada quanto a esta questão.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
S. A aceitação do ex-trabalhador, ora Autora e aqui Recorrida, de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
T. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica de Macau, consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70º e seguintes do Código Civil de 1966 e dos artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e semanal e os feriados obrigatórios).
U. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
V. Destarte, deveria o Mmo Tribunal recorrido, ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
W. Ao trabalhar voluntariamente - e realce-se, não ficou, em nenhuma sede, provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o ora Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
X. E, não tendo a Recorrida, sido impedida ou proibida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente à A./Recorrida.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
Y. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que a A., ora Recorrida, era retribuída com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
Z. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como à aqui Recorrida é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário de, no caso, de MOP 4.10, e finalmente, depois, de HKD$ 10.00, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado e a sua comparência ao serviço.
AA. Acresce que a fórmula do salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
BB. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com os anteriores RJRT de 1984 que vigorou até 2 de Abril de 1989 e com o RJRT de 1989 que vigorou na R. A. E. M. até 31 de Dezembro de 2008, que previa, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da Autonomia da Vontade (vertente da liberdade contratual), prevista no artigo 1º daquele mesmo diploma laboral.
CC. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que a A., ora Recorrida, era retribuída de acordo com um salário mensal, a douta Sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
DD. Salvo o devido respeito por mais douto entendimento diverso, a R. e ora Recorrente, entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
EE. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pela A, ora Recorrida, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
FF. O trabalho prestado pelo ora Recorrida em dias de descanso foi sempre retribuído em singelo.
GG. A retribuição já paga pela R./Recorrente à ora Autora/Recorrida por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que a A./Recorrida tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto (que aprovou o RJRT de 1984, igualmente aplicável), e depois, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que aprovou o RJRT de 1989, e, ainda finalmente, nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou este último RJRT pela primeira vez), aplicando-se aqui ambos os diplomas legais laborais.
HH. Tal como é entendido, hoje em dia, desde 2007 pela mais Alta Instância Jurisdicional em Macau, o Mmo TUI, em pelo menos três doutos arestos sobre esta precisão questão que envolveu - igualmente -, a ora Recorrente.
II. Assim, entre 1 de Janeiro de 1980 e 1 de Dezembro de 1993, valiam inteiramente os regimes convencionais, o princípio da autonomia privada, na vertente, em especial, da Liberdade contratual, e os Usos e Costumes do sector.
JJ. Que, hoje em dia, valem como lei e estão ressalvados pela Lei Laboral de Macau.
KK. O trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão, ao que parece na opinião da Recorrente.
LL. Ora, nos termos do número 4 do artigo 26º do RJRT em vigor, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do número 6 do artigo 17º, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
MM. Indo bem mais além e incluindo todo o descanso “legal”, nos termos do artigo 28º do RJRT de 1984, o salário referido a um determinado período (como é o caso dos doutos autos), já inclui o salário correspondente aos períodos de descanso semanal, às férias anuais e aos feriados obrigatórios, remunerados e não remunerados.
NN. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
00. A decisão aqui em recurso, enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação do anterior artigo 28º do RJRT de 1984, e igualmente, por errada aplicação da alínea b) do número 6 do artigo 17º e do artigo 26º, ambos do RJRT de 1989, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a ora Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda, concluindo, deverá também, ser considerado pelo Mmo Tribunal ad quem:
PP. Relativamente à questão de Direito e ao aspecto jurídico nuclear deste litígio,
QQ. As gratificações, luvas, prémios irregulares, prémios de produtividade, ou as gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente.
RR. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999, e agora na R. A. E. M., pelo Tribunal de Última Instância, em três decisões proferidas em 2007 (duas) e em 2008 (uma), até hoje, as únicas sobre esta questão de Direito juridicamente nuclear no presente litígio.
SS. Outras decisões do Mmo TUI se lhe seguiram, entretanto.
TT. Também neste sentido se tem pronunciado a Doutrina de uma forma pacifica e unanimemente, quer em Portugal, quer em Macau, quer na Europa.
UU. Assim, também, o entendeu o Mmo Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em douto Acórdão datado de 28 de Fevereiro de 2006:
VV. “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41 (2) and 41 C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay”. - Recurso final com o n.º 17/2005 (Direito e processo civil), em recurso do processo inicial com o n.º 204/2004.
WW. Repare-se que este excerto da decisão do Mmo T. U. I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário do aí peticionante.
XX. E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo, salvo melhor entendimento, Juízo e opinião.
YY. E a legislação comparada de Portugal: o Despacho n.º 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II - Série, n.º 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria n.º 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria n.º 129/94, de 1 de Março de 1994; e a Portaria n.º 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
ZZ. O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
AAA. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
BBB. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.
CCC. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário, vencimento, remuneração ou retribuição - vejam-se os artigos 2º e 3º da Lei n.º 2178/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
DDD. Neste sentido, qualifica o Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S. A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
EEE. Ainda, e na doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho afirma que, “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado658-659. (...) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestado662.” - páginas 552 e 553, Volume II, “Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico no original da obra.
FFF. E, agora na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que: “III - As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo número 004309, número do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
GGG. Ou, ainda, por exemplo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995, o mesmo acordou que: “II - As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria n. 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos arts. 82 e 88 da LCT69.” - Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo número 0098094, número do documento RL199503080098094, também disponível no mesmo sítio da internet, em www.dgsi.pt.
HHH. Na verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, S. A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
III. Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou das luvas cabia e coube sempre e apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
JJJ. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
KKK. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S. A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
LLL. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
MMM. A nova Lei das relações de trabalho - «LRT» - que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2009, exclui, nos seus artigos 57º a 65º - Capítulo V - da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto de 2008, as gratificações ou luvas ou gorjetas do conceito de remuneração base, não as incluindo em qualquer dos acréscimos à mesma retribuição base.
NNN. Veja-se, nesse sentido, o teor do número 1 do artigo 59º da LRT.
00O. E, no seguimento, os números 2. a 6. do artigo 59º, e os artigos 60º e 61º da mesma LRT actualmente em vigor aqui na R.A.E.M.
PPP. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia, - acredita a Recorrente -, levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações, luvas ou gorjetas.
QQQ. O valor dos rendimentos médios mensais no sector do jogo e aposta em casino em Macau, ascendeu, no ano de 2007, a cerca de mais de 11 mil patacas mensais (MOP 11.000,00), enquanto que nas outras áreas económicas e produtivas, os rendimentos apenas ultrapassaram as 7 mil patacas mensais (MOP 7.000,00), o que, desde logo, demonstra o atractivo por aquela actividade, que a ora Recorrente levou a cabo até 2002.
RRR. A Recorrente, ao que parece, não poderia, pois, ser condenada, à luz de um conceito de salário mensal ou de retribuição média diária ou de remuneração normal, quando estão em causa os descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios remunerados e os não remunerados.
SSS. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização a arbitrar, quanto às questões enunciadas e em litígio, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
TTT. Finalmente, a R. e aqui Recorrente, gostaria ainda de invocar os três doutos Acórdãos n.os 28/2007, 29/2007, e 58/2007, respectivamente datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, nos quais o Mmo TUI demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
UUU. A douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base aos 26 de Março de 2009 ora posta em crise, deverá ser revista e reformulada, absolvendo-se a ora Recorrente e considerando as presentes alegações de Direito procedentes por provadas.
*
A recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
1) A visão pessoal da recorrente em atribuir determinados sentidos às provas produzidas não vincula o tribunal recorrido;
2.) O tribunal deve seguir o princípio de “livre convicção” na sede de avaliação das provas produzidas, a não ser que haja prova vinculada;
3.) Há um círculo essencial e básico dos direitos da trabalhadora que merece de uma tutela acrescida, inderrogável pelas vontades das partes;
4.) Só assim se justifica a existência do direito de trabalho, servindo-se como direito de protecção da trabalhadora;
5.) No caso vertente, e dada ao peso que ocupa a gorjeta no vencimento da trabalhadora, o seu modo de distribuição, a prática habitual e a inegável correspectividade entre a prestação de trabalho e o seu efectivo pagamento, é legítimo em afirmar que o salário da trabalhadora é composto em duas partes, uma delas fixa e outra parte variável.
*
Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
***
II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
A Autora começou a trabalhar para a Ré em 01 de Janeiro de 1980.
E essa relação laboral cessou em 01 de Dezembro de 1993.
Como contrapartida da sua actividade laboral, como empregado de casino (croupier), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, a Autora recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
A quantia salarial fixa da Autora era de MOP$4.10 por dia, desde do seu início do trabalho até 30 de Junho de 1989, e de HK$10.00 por dia, desde de 1 de Julho de 1989 até a data da cessação de funções.
E as «gorjetas» eram distribuídas pela Ré a todos os trabalhadores dos seus casinos, e não apenas aos que têm «contacto directo» com os clientes nas salas de jogo, segundo um critério por esta fixado.
Desde a data em que a Ré iniciou a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar e até à data em que cessou a sua actividade as gorjetas oferecidas a cada um dos seus colaboradores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas pela Ré, na presença de um membro do departamento de tesouraria da Ré, de um «fl00r manager» (gerente do andar) e de um ou mais trabalhadores da Ré.
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com os clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas.
Na sua distribuição interna, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente, consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e o departamento em que trabalha, fixada previamente pela entidade patronal.
Tanto a parte fixa como a parte variável (as gorjetas) relevavam para efeitos de imposto profissional.
As «gorjetas» eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependentes do espírito de generosidade desses mesmos clientes, de cuja contabilização (do seu quantitativo) era feita exclusivamente pela Ré.
Os rendimentos efectivamente recebidos pela Autora entre os anos de 1984 a 1993 foram de:
a) 1984=45,468.00
b) 1985=48,370.00
c) 1986=47,053.00
d) 1987=51,762.00
e) 1988=54,931.00
f) 1989=65,065.00
g) 1990=76,439.00
h) 1991=73,883.00
i) 1992=61,058.00
j) 1993=61,221.00.
A Autora prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horários dos turnos os seguintes:
1)1º e 6º turnos: das 06H00 até 10H00, e das 02H00 até 06H00;
2) 3º e 5º turnos: das 14H00 até 18H00, e das 22H00 até 02H00 (dia seguinte);
3) 2º e 4º turnos: das 10H00 até 14H00, e das 18H00 até 22H00.
A Autora sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
A Autora prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro do ano 1984, de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1985,1986, 1987 e 1988, bem como de 1 de Janeiro do ano 1989.
A Autora prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1984, 3 dias do Ano Novo Chinês, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1985, 1986, 1987 e 1988, bem como 3 dias do Ano Novo Chinês do. ano 1989.
A Autora prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990, 1991, 1992 e 1993.
A Autora prestou serviços ainda nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993.
À Autora nunca lhe tinha sido pago qualquer compensação salarial pelos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados quer não remunerados.
A Autora prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
A Autora nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período. compreendido entre Janeiro de 1971 a 01 de Dezembro de 1993.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia à trabalhadora (ora Autora) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
A Autora tinha direito de pedir licenças, mas essas licenças, sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
***
III- O Direito
1. Vem imputado à sentença recorrida um alegado erro na apreciação da prova, por inexistência de elementos que revelem a ilicitude do empregador, nomeadamente que este tivesse obrigado o trabalhador a prestar serviço em dias de descanso (ou que a tivesse impedido de gozar os dias de descanso) ou até mesmo que a autora não tivesse chegado a gozar dias de descanso (semanal, anual e feriados) durante toda a relação laboral. Sem razão.
Em primeiro lugar, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou, trabalhando voluntariamente, é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Depois, a prova obtida foi no sentido de que este trabalhador nunca chegou a gozar dias de descanso e que, ao contrário, sempre trabalhou neles. Somos, pois, levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Depois, entende a recorrente que ao autor cumpria provar quais os dias de descanso que não chegou a gozar. Ora, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto a respeito desses pontos (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez. De qualquer modo, a prova obtida foi no sentido de que o trabalhador nunca gozou qualquer dia de descanso. Não seria necessário provar o menos (quantos dias não gozou), se o trabalhador provou o mais (nenhum dia gozou).
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa na soberania da convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Assim sendo, teremos que concluir pela improcedência da invocação da falta de prova como forma de alegação impeditiva do direito do autor.
2. Nas conclusões seguintes, a recorrente insurge-se contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença. Todavia, para apuramento dos factores que integram a fórmula, importa que afirmemos previamente a natureza do contrato e o valor do salário em causa.
A recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1980 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária a quantia fixa de MOP$ 4,10 até 30/06/1989 e de HK$10,00 desde 1/07/1989 até à data da cessação das funções. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
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3. Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, como no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
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4. E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebeu uma quantia fixa diária de MOP$ 4,10 durante um período e de HKD$10,00 a partir de certa altura. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nas respectivas respostas.
*
5. Como calcular a compensação?
Como o contrato atravessou a vigência dos DL n.s 101/84/M e 24/89/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer a ambos os diplomas, consoante o período a que respeite o trabalho nos dias de descanso (recordemos que o saneador considerou não estarem prescritos nenhuns créditos).
Vamos por partes. Assim:
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 101/84/M, de 25/08
No período compreendido entre 27 de Outubro de 1986 e 2 de Abril de 1989 a sentença recorrida nenhuma indemnização atribuiu por considerar não haver, face à lei compensação pecuniária pelo trabalho nos dias de descanso semanal.
Está o TSI impedido de conhecer desta matéria por não fazer parte do objecto do recurso e por a trabalhadora não ter recorrido da sentença da 1ª instância.
-
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o concluiu a sentença impugnada.
Assim, nesta parte a sentença tem que ser confirmada ao atribuir a indemnização no valor de Mop$ 92.341.90.
*
b) Feriados obrigatórios
b).1 - Na vigência do DL n. 101/84/M
Não atribuiu a sentença nenhum valor indemnizatório referente aos créditos vencidos até 2 de Abril de 1989, por considerar que o diploma em epígrafe não previa qualquer compensação pelo trabalho prestado nos dias feriados.
Não tendo havido recurso por parte da autora, está este TSI impedido de se pronunciar sobre a bondade de tal afirmação.
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b). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário, tal como decidido na 1ª instância.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, o que equivale a Mop$ 14.943,00.
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- Feriados não remunerados
Nada atribuiu a sentença em crise. Mas, porque ela nesta parte não foi impugnada, nada podemos dizer e decidir também a seu respeito.
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c) Descanso anual
c)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A sentença entendeu que esta disposição só é válida para as relações que terminem dentro do período de vigência do diploma em apreço. E porque a relação deste trabalhador terminou sob o império do DL 24/89/M, o trabalhador não teria direito a qualquer compensação.
Não concordamos. Efectivamente, esta interpretação, de tão restritiva, equivaleria, se bem a entendemos, a concluir que o valor daqueles seis dias de salário só seriam pagos no momento da cessação da relação de trabalho e se o trabalhador ainda não tivesse gozado o respectivo período de descanso anual. Mas não é assim. Julgamos que a norma tem em vista estabelecer o modo como há-de o trabalhador ser retribuído do “respectivo período de descanso anual”, que não chegou a gozar até ao momento em que terminou a relação laboral. A lei diz por outras palavras o seguinte: o trabalhador recebe em dinheiro (no montante salarial) o valor de todos esses dias.
Mas não diz que o trabalhador perca o direito à compensação pelo trabalho prestado nesses dias em anos anteriores ao período a que se refere o número 2.
Portanto, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1.
Andou bem, pois, a sentença recorrida, ao conferir à autora o direito a ser indemnizada na quantia de Mop$ 2.180,03.
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c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2 (neste caso, porém, não obstante a sentença não ter fixado valor compensatório relativamente ao ano de 1992, sendo certo que a relação terminou em Junho deste ano, a verdade é que o recorrente não a censurou no recurso, pelo que esta instância está impedida de se pronunciar sobre o assunto: art. 589º, n3 do CPC).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 (e não 2, como decidiu a 1ª instância), o que, aplicada, corresponde ao valor indemnizatório de Mop$5.341,47.
-
Visto o exposto, a indemnização global a atribuir ascende a Mop$ 114.806,40.
***
IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pela STDM e, em consequência, confirmar e revogar a sentença nos termos acima expostos e, por via disso, condenar a STDM a pagar a A a quantia de Mop$ 114.806,40, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010, tirado em sede de uniformização de jurisprudência.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 05 / 05 / 2011
_________________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(Com Declaração de voto que se janta)
Processo nº 413/2009
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 05MAIO2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong