Processo n.º 456/2008 Data do acórdão: 2011-05-05
(Autos de recurso civil)
Assuntos:
– art.o 383.o do Código Civil
– força probatória da perícia
– erro de julgamento de factos
S U M Á R I O
1. Não cometeu o Tribunal a quo qualquer erro no julgamento da matéria de facto, se o resultado do julgamento de factos a que chegou esse Tribunal ante os elementos probatórios dos autos não se mostra desrazoável à luz das experiências da vida humana ou aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do caso.
2. Nos termos do art.o 383.o do Código Civil de Macau, “a força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal”, pelo que a Parte Ré ora Recorrente não podem criticar o Tribunal a quo por este ter fundado a sua livre convicção também no teor do relatório feito por um engenheiro contratado pela Parte Autora, e já não no teor do relatório então subscrito e apresentado pelo próprio Réu destinado a contrariar a posição daquele engenheiro.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 456/2008
(Recurso civil)
Recorrentes (Réus): A e B
Recorridos (Autores): C e D
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com a sentença proferida a fls. 225 a 232 dos autos de acção ordinária n.o CV1-04-0053-CAO do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a acção então movida por C e sua esposa D, vieram A e sua esposa B recorrer para este Tribunal de Segunda Instância.
Ao recurso responderam os Autores no sentido final de manutenção de julgado e com almejada condenação dos Réus como litigantes de má fé, se bem que tenham suscitado, a título prévio, a questão de apresentação tardia da motivação do recurso e a falta de formulação de conclusões nessa motivação.
Subido o recurso, proferiu o Mm.o Juiz Relator decisão sumária em sede de exame preliminar dos autos, julgando, na sua essência, procedente o recurso, com revogação da decisão recorrida e consequente absolvição dos Réus do pedido.
Notificados, vieram os Autores reclamar dessa decisão sumária, para pedir ao presente Tribunal Colectivo ad quem que decidisse, em conferência, da justeza, ou não, daquela decisão liminar na parte referente à absolvição do pedido.
Ouvidos acerca da matéria dessa reclamação, pronunciaram-se os Réus no sentido de manutenção do juízo absolutório do Mm.o Juiz Relator.
Corridos os vistos legais, foi apresentado pelo Mm.o Juiz Relator à discussão e deliberação do presente Colectivo o seu douto Projecto de Acórdão no qual se pugnou pela improcedência da reclamação dos Autores.
Como o Mm.o Juiz Relator acabou por sair vencido da votação então feita sobre a sua douta Minuta de Acórdão, cabe decidir da reclamação em causa, nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
II – DOS ELEMENTOS PERTINENTES À DECISÃO
A decisão sumária ora sob reclamação pelos Autores tem o seguinte teor (cfr. fls. 289 a 293v dos autos):
– <
*
Ponderando na questão trazida à apreciação deste T.S.I., considera-se que a mesma não revela complexidade, passando-se assim a decidir do presente recurso nos termos do art. 621° do C.P.C.M..
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1. Por sentença proferida nos presentes autos decidiu-se condenar os R.R., A e B, ora recorrentes, a pagar aos A.A., C e D, o total de MOP$29.000,00 e juros assim como a procederam à reparação da canalização da sua fracção autónoma; (cfr., fls. 232).
Inconformados, vem os R.R. recorrer, alegando, essencialmente, que a factualidade provada é insuficiente para a decisão proferida, juntando também 1 documento; (cfr., fls. 244 a 248 e 280 a 285).
Respondendo, pugnam os A.A. pela confirmação do decidido.
Apreciando
2. Estão provados os factos seguintes:
“A O autor é proprietário da fracção autónoma "D" do XX° andar, do bloco XX°, do Edifício "XX", sito na Taipa, na Rua de XX, n.°s XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.°XXX, a fls. 473 do livro XXX.(vd.Doc.l)
B O réu é proprietário da fracção autónoma "D" do XX° andar do mesmo edifício onde também reside nesta fracção autónoma.
C As fracções autónomas de A e R ficam localizadas no mesmo edifício, na mesma posição vertical enquanto piso diferente, isto é, a fracção autónoma do autor fica mesmo debaixo da fracção de réu, sendo idêntica a estrutura de ambas as fracções autónomas.
C-1 Conforme descrito na al.) C dos factos confirmados, o autor contactou com o réu, dizendo-lhe que a situação de infiltração de água ocorrida na fracção autónoma dele poderá ser provocada pela fuga de água pela canalização de água da fracção do réu, pedindo ao réu que fosse a verificar se ocorria a dita situação na sua fracção autónoma.
C-2 Passando cerca de duas semanas, o autora voltou a contactar com o réu, perguntando-lhe sobre o resultado de exame e queria ver o respectivo relatório, contudo, o réu não exibiu quaisquer informações sobre o exame.
D O autor chegou a submeter requerimento junto dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a fim de apurar a causa sobre a ocorrência de mancha de água e de bolor na sua fracção autónoma.
E Ao mesmo tempo, o autor, face ao assunto acima referido, contactou com a Empresa de Administração de Propriedades "XX" (empresa esta que se responsabiliza pela administração do edifício em causa), solicitando que prestasse auxílio no sentido de apurar a origem de infiltração de água.
F De acordo com o relatório de inspecção feito pela Direcção dos Serviços dos Solos, Obras Públicas e Transportes em 21 de Julho de 2003, confirmou-se que o tecto e as paredes da sala de estar que ficam junto da casa de banho, o tecto dos dois lados juntos à janela da casa de banho que fica na corredor, na sala de estar e a viga de betão armado, bem como, as paredes do quarto que fica imediatamente ao lado da casa de banho, apresentavam mancha de água e bolor, no caixilho de janela de alumínio que fica no lugar de topo da janela da casa de banho onde foi verificado o sedimento sólido com aspecto semelhante a cal infiltrada pela água.(Doc.5)
G De acordo com o relatório de inspecção feito pela Direcção dos Serviços dos Solos, Obras Públicas e Transportes, confirmou-se também que a casa de banho que fica no corredor da sala de estar tinha sido modificada, ou seja, para além de ampliar o espaço, a original casa de banho também foi renovada e montada, em vez da original banheira foi substituída uma banheira de massagem.(Doc.5)
H A fim de localizar a origem de infiltração de água, em Novembro de 2003, o autor solicitou o senhor E, engenheiro de engenharia civil registado na entidade competente, para proceder à uma análise profunda e pormenor junto da sua fracção autónoma.
I O autor solicitou o engenheiro E para a inspecção e advogado para intentar a presente acção, sendo as despesas de honorário de engenheiro e de advogado, respectivamente, MOP$3.000,00 e MOP$10.000,00.
1° No princípio do ano 2003, à volta do início de Março, os autores descobriram que, na sua fracção autónoma, o tecto e as paredes da sala de estar junto da casa de banho apresentavam o aspecto anormal sendo como mancha de água e bolor.
2° Ao mesmo tempo, foi descoberto que na casa de banho que fica no corredor da sala de estar onde os dois lados do tecto junto da janela e a viga do betão armado apresentavam mancha de água e bolor.
3° Além disso, as paredes juntos da casa de banho também apresentavam mancha de água e bolor.
4° Pelos factos confirmados referidos na al.) c), o autor contactou com o réu, dizendo-lhe que a infiltração de água ocorrida na fracção autónoma do autor podia ser provocada pela fuga de água pelas canalizações da fracção autónoma do réu, pelo que, esperou que o réu verificasse se existisse fuga de água na sua fracção autónoma.
5° Pelos factos confirmados referidos na al.) c-2), os réus disseram aos autores que a infiltração de água não foi proveniente da sua fracção autónoma; ao mesmo tempo, a situação de infiltração de água na fracção autónoma do autor não ficou resolvida.
6° No dia 28 de Agosto de 2003, a Empresa de Administração de Propriedades "XX", em resposta ao autor, referiu que conforme os registos de informações, as observações in loco e os testes, concluindo que nos períodos entre 25/03/2002 e 23/12/2002, a fracção autónoma do réu chegou a proceder às obras de remodelações, o que levou a duvidar que a fuga de água de canalizações no quarto de hóspedes da fracção autónoma do réu originasse a situação de infiltração no tecto da fracção autónoma do autor.
7° Portanto, mais uma vez, o autor contactou com o réu, exigindo-lhe que procedesse às obras necessárias na sua fracção autónoma, a fim de reparar a situação de infiltração de água ocorrida na fracção autónoma do autor.
8° Perante a recusa de proceder às obras de reparação por parte dos réus, a infiltração de água na fracção autónoma do autor não ficou reparada.
9° O engenheiro E, elaborou o relatório de fls. 55 a 62, cujo teor se dá por reproduzido.
(...)
11° Por outro lado, os réus não indemnizaram os autores pelas despesas de reparação e de substituição oriundas dos prejuízos causados pela infiltração.
12° No dia 19 de Março de 2004, o autor solicitou à Empresa de Obras de Decoração "XX" para proceder à avaliação de reparação junto da sua fracção autónoma quanto aos lugares danificados pela infiltração de água, sendo o respectivo orçamento de despesa de MOP$26.000,00.
(...)
16° Provado apenas o que consta da alínea I dos factos assentes.”; (cfr., fls. 226-v a 227-v).
3. Transcritos que estão os factos em que assenta a decisão recorrida, vejamos de que lado está a razão.
— Quanto aos documentos pelos ora recorrentes junto.
Independentemente do demais, há que dizer que o documento em questão é um “documento particular” que, não tendo força probatória plena, não tem a virtude de alterar a factualidade dada como provada.
Assim, impõe-se ter o mesmo como irrelevante, passando-se a apreciar do recurso em harmonia com a factualidade dada como provada pelo Colectivo do T.J.B..
— Ponderando sobre a decisão condenatória recorrida e na transcrita factualidade dada como provada, mostra-se-nos que tem os R.R., ora recorrentes, razão.
De facto, e sem prejuízo por entendimento em sentido diverso, há que dizer que a dita decisão assenta numa equivocada interpretação da factualidade dada como provada, pois que desta não resulta que os danos causados na fracção dos A.A. tenham a sua origem na fracção dos R.R., ora recorrentes.
Vejamos.
Antes de mais, importa ter em conta que o único facto com base no qual se podia imputar a responsabilidade pelos referidos danos aos ora recorrentes é o que consta da resposta ao “quesito 9°”.
Porém, não obstante daí resultar que “o engenheiro E, elaborou o relatório de fls. 55 a 62, cujo teor se dá por reproduzido ”, e ainda que neste relatório se diga que os danos na fracção dos A.A. tem origem na fracção dos R.R., o certo é que provado não ficou que os “danos na fracção dos A.A. tem origem na, ou, foram causados pela fracção dos R.R.”.
De facto, uma coisa é dar como provado que “o engenheiro E, elaborou um relatório com determinado teor que se dá como reproduzido”, e outro, é dar como provado “o que o consta no dito relatório, ou que o teor do dito relatório corresponde à verdade”.
São pois coisas distintas, e que, em nossa opinião, não se devem confundir.
Por sua vez, importa ter presente que o Colectivo deu como “não provado” o “quesito 10°”, onde se perguntava se “conforme o supracitado relatório feito pelo engenheiro, pode confirmar-se que a infiltração de água é proveniente da fracção autónoma dos R.R.”, e, nesta conformidade – atento ainda à resposta de não provado ao “quesito 16°”, onde se quesitava que “Como o réu não procedeu (...) à reparação da canalização (...), assim aconteceu os factos referidos na al. I.”, e que nos parece ter sido matéria olvidada na sentença recorrida – cremos que clara é a conclusão que apurada não ficou a causa dos danos na fracção dos A.A., e, assim, inviável é a responsabilização dos R.R., ora recorrentes, não se podendo, por isso, manter a decisão recorrida.
Na verdade, aos A.A. cabia provar que a causa dos danos na sua fracção tinha origem na fracção dos R.R..
Não o tendo feito, necessária é a improcedência da sua pretensão.
4. Assim, e nos termos que se deixam expostos, decide-se julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com a consequente absolvição dos R.R..
Custas pelos A.A. recorridos, em ambas as Instâncias.
[...]>>.
Por outro lado, do teor do despacho saneador de fls. 172 a 175 dos autos, do despacho subsequentemente proferido a fls. 182 a 182v sobre a reclamação do saneador, e do acórdão de julgamento de factos finalmente emitido a fls. 211 a 211v, sabe-se nomeadamente que:
– segundo a alínea G) dos Factos Assentes, de acordo com o relatório de inspecção feita pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), confirmou-se que na fracção dos Réus, a casa de banho que fica no corredor da sala de estar tinha sido modificada, ou seja, para além de ampliação do espaço, a original casa de banho foi renovada e montada de novo, tendo a original banheira sido substituída por uma banheira de massagem;
– segundo a alínea H) dos Factos Assentes, o Autor, para determinar a origem do problema de infiltração de água, recorreu ao serviço do Engenheiro E para proceder à investigação profunda e detalhada do fenómeno de infiltração de água;
– segundo a alínea I) dos Factos Assentes, o Autor recorreu ao Engenheiro E para proceder à inspecção e ao serviço forense para propor a acção em causa, com despesas realizadas em três mil patacas e dez mil patacas, respectivamente;
– segundo a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 6, no dia 28 de Agosto de 2003, a Empresa de Administração de “XX”, em resposta ao Autor, referiu que conforme os registos de informações, as observações in loco e os testes, concluiu que nos períodos entre 25 de Março de 2002 e 23 de Dezembro de 2002, na fracção autónoma do Réu chegaram a ser feitas obras de remodelação, o que levou a duvidar que a fuga de água na canalização da casa de banho do quarto de hóspedes da fracção autónoma do Réu originasse a situação de infiltração de água no tecto da fracção autónoma do Autor;
– ao quesito 7 respondeu o Tribunal a quo no sentido de estar inclusivamente provado que o Autor contactou o Réu, para pedir a este que fizesse obras destinadas a reparar a canalização de casa de banho que deitava água por fora, a fim de resolver o fenómeno de infiltração de água;
– ao quesito 8 respondeu o Tribunal a quo no sentido de estar provado que “perante a recusa de proceder às obras de reparação por parte dos réus, a infiltração de água na fracção autónoma dos autores não ficou reparada”;
– ao quesito 9 (através do qual se quesitou a matéria alegada no art.o 19.o da petição inicial dos Autores), respondeu o Tribunal recorrido que está provado que o Engenheiro E elaborou o relatório de fls. 55 a 62, cujo teor se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
– ao quesito 10 (formulado nos seguintes termos: Com base no relatório do Engenheiro supra mencionado (i.e., no relatório de 23 de Março de 2004 do Engenheiro E, constante de fls. 55 e seguintes), pode ser reconhecido que a origem da infiltração da água provém absolutamente da fracção autónoma do Réu?), respondeu o Tribunal recorrido que não está provado;
– e ao quesito 16 (formulado finalmente nos seguintes termos: Como o Réu não procedeu à reparação voluntária do tubo de água que deitava água dentro da sua fracção autónoma nem indemnizou as mobílias do Autor que ficaram danificadas no interior da fracção deste, ocorreu o descrito na alínea I) dos Factos Assentes?), respondeu o Tribunal recorrido que está provado o que consta da alínea I) dos Factos Assentes (segundo a qual o Autor recorreu ao Engenheiro E para proceder à inspecção e ao serviço forense para propor a presente acção, com despesas realizadas em três mil patacas e dez mil patacas, respectivamente).
III – DIREITO
Como os Autores ora Reclamantes só vieram impugnar a decisão sumária do M.mo Juiz Relator na parte concretamente respeitante à absolvição dos Réus do pedido, ao presente Colectivo ad quem só cabe decidir da rectidão ou não dessa decisão absolutória.
E como método de trabalho, e em jeito de decisão da reclamação vertente, passa-se a conhecer directamente das questões postas no recurso dos Réus, os quais foram solidariamente condenados pela Primeira Instância, em procedência parcial do pedido dos Autores, a:
– 1) proceder à reparação imediata da canalização de água com problemas (de infiltração de água causada à fracção autónoma dos Autores);
– 2) pagar aos Autores três mil patacas (como indemnização das despesas da inspecção da fracção autónoma dos Autores), com juros legais contados do trânsito em julgado da decisão até integral e efectivo pagamento;
– 3) pagar aos Autores vinte e seis mil patacas (como indemnização das despesas a fazer pelos Autores para reparação indispensável do interior da sua fracção), com juros legais contados do trânsito em julgado da decisão até integral e efectivo pagamento;
– e 4) pagar aos Autores uma quantia a ser liquidada em sede de execução de sentença, acrescida de juros legais, como indemnização de todas as demais despesas a serem feitas pelos Autores por causa de adopção de todas as medidas indispensáveis à satisfação do seu direito.
Na sua motivação de recurso, os Réus suscitaram materialmente as seguintes questões para rogar a sua absolvição total do pedido (cfr. sobretudo o teor de fls. 244 a 248 dos autos):
– contradição entre a decisão do Tribunal a quo e os factos descritos como provados no texto da sentença (porquanto embora a resposta então dada aos quesitos 9, 10 e 16 da base instrutória constante do despacho saneador tenha sido em sentido favorável aos próprios Réus, a sentença recorrida reconheceu que a situação de infiltração de água de que sofre a fracção autónoma dos Autores tem a ver com a fracção autónoma dos Réus);
– falta de nexo de causalidade concreta e directa entre o acto de realização de obras então feitas pelos Réus na sua fracção autónoma “33X” e os danos sofridos pelos Autores por causa da infiltração de água de que sofre a fracção autónoma “32X” destes, ambas localizadas do mesmo Bloco 29 do complexo habitacional denominado “XX” na Taipa (porque do teor de um documento junto à motivação do recurso se retira necessariamente que a infiltração de água não foi causada pela fracção dos Réus, mas sim pela fracção “34X” do mesmo bloco), pelo que errou o Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto respeitante ao nexo de causalidade adequada entre o acto de realização de obras e o dano de infiltração de água (ao ter fundado a sua decisão neste ponto na sentença recorrida tão-só na circunstância de a fracção dos Réus se situar acima da fracção dos Autores), o que acarretou ao Tribunal a quo o vício de insuficiência da matéria de facto provada para sustentar a sua decisão tomada na sentença (até porque na sentença não foram enumerados factos provados referentes ao “modo” pelo qual o acto de realização de obras então feitas pelos Réus terá causado aos Réus o dano de infiltração de água).
Para efeitos de conhecimento da primeiramente assacada contradição entre a decisão e os factos provados, é de relembrar aqui que de acordo com o acórdão de julgamento de factos:
– ao quesito 9 (através do qual se limitou a quesitar a matéria alegada no art.o 19.o da petição inicial dos Autores), respondeu o Tribunal recorrido que está provado que o Engenheiro E elaborou o relatório de fls. 55 a 62, cujo teor se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
– ao quesito 10 (formulado nos seguintes termos: Com base no relatório do engenheiro supra mencionado (i.e. no relatório de 23 de Março de 2004 do Engenheiro E, constante de fls. 55 e seguintes), pode ser reconhecido que a origem da infiltração da água provém absolutamente da fracção autónoma do Réu?), respondeu o Tribunal recorrido que não está provado;
– e ao quesito 16 (formulado nos seguintes termos: Como o Réu não procedeu à reparação voluntária do tubo de água que deitava água dentro da sua fracção autónoma nem indemnizou as mobílias do Autor que ficaram danificadas no interior da fracção deste, ocorreu o descrito na alínea I) dos Factos Assentes?), respondeu o Tribunal recorrido que apenas está provado o que consta da alínea I) dos Factos Assentes (segundo a qual o Autor recorreu ao Engenheiro E para proceder à inspecção e ao serviço forense para propor a presente acção, com despesas realizadas em três mil patacas e dez mil patacas, respectivamente).
Entretanto, diversamente do defendido veementemente pelos Réus na motivação do recurso, afigura-se a este Tribunal ad quem que a resposta assim dada pelo Tribunal a quo a esses três quesitos não tem a pretendida virtude de sustentar a tese dos Réus de inexistência de qualquer relação entre o acto deles de realização de obras no interior da sua fracção “33X” e o dano de infiltração de água de que sofre a fracção “32X” dos Autores.
É que:
– a matéria então levada ao quesito 9 coincide com a redacção do art.o 19.o da petição inicial, onde os próprios Autores, depois de apresentarem em linhas gerais o conteúdo do relatório de inspecção subscrito em 23 de Março de 2004 pelo Engenheiro E contratado por eles, acabaram por transcrever as conclusões tiradas por esse Engenheiro nesse relatório, pelo que o facto de o Tribunal a quo ter respondido a esse quesito 9 no sentido de considerar provado o teor desse relatório não altera minimamente os dados para a resolução do litígio;
– da mesma maneira, do facto de o Tribunal a quo ter respondido ao quesito 10 no sentido de não estar provado que com base nesse mesmo relatório pode ser reconhecido que a origem da infiltração da água provém absolutamente da fracção autónoma do Réu, não pode decorrer como necessariamente sustentada a tese de inocência dos Réus na produção do dano de infiltração de água de que sofre a fracção dos Autores, visto que dessa mesma resposta ao quesito 10 também se pode retirar a ilação de que na óptica do Tribunal a quo, não se poderia reconhecer – apenas com base no dito relatório – que a origem da infiltração de água provém absolutamente da fracção autónoma do Réu, já que haveria que ponderar também outros elementos de prova então carreados aos autos (tais como o relatório de inspecção feita pela DSSOPT a que aludem as alíneas F) e G) dos Factos Assentes, e a resposta então dada ao Autor em 28 de Agosto de 2003 pela Companhia de Administração do Edifício em questão a que se refere o provado quesito 6.o), ilação lógica essa que aliás está totalmente confirmada pelo conteúdo da fundamentação da sentença concretamente tecido no último parágrafo da sua pág. 9 (a fl. 229), nos primeiros quatro parágrafos da pág. 10 (a fl. 229v), no último parágrafo da mesma pág. 10, e ainda nos dois primeiros parágrafos da pág. 11 (a fl. 230);
– finalmente, a resposta dada ao quesito 16 também não pode fundar a tese de inexistência de qualquer relação entre o acto de realização de obras no interior da fracção dos Réus e o dano de infiltração de água sofrido pela fracção dos Autores, posto que embora na resposta a esse quesito 16 não se tenha incluído o motivo, aí inicialmente quesitado, pelo qual o Autor recorreu ao serviço do Engenheiro E para proceder à inspecção e ao serviço forense para propositura da acção ora em causa, a alínea H) dos Factos Assentes já comprovou que o Autor, para determinar a origem do problema de infiltração de água, recorreu ao serviço do Engenheiro E para proceder à investigação profunda e detalhada do fenómeno de infiltração de água, por um lado, e, por outro, não se pode esquecer de que o Tribunal a quo já respondeu inclusivamente ao quesito 7 no sentido de estar inclusivamente provado que o Autor contactou o Réu, para pedir a este que fizesse obras destinadas a reparar a canalização de casa de banho que deitava água por fora, a fim de resolver o fenómeno de infiltração de água, bem como respondeu ao quesito 8 no sentido de estar provado que “perante a recusa de proceder às obras de reparação por parte dos réus, a infiltração de água na fracção autónoma dos autores não ficou reparada”. Assim sendo, não é legítimo aos Réus concluir, apenas com base no teor de resposta ao quesito 16, que há contradição entre a decisão jurídica final feita na sentença recorrida e os factos dados por provados pelo Tribunal a quo.
Do acima expendido, se vê realmente que a sentença não padece da contradição entre a decisão e os próprios factos provados, ora imputada pelos Réus no recurso.
Agora no tocante às remanescentes questões levantadas pelos Réus no recurso, mormente sobre a alegada falta de nexo de causalidade concreta e directa entre o acto de realização de obras então por eles feitas no interior da sua fracção e os danos sofridos pelos Autores por causa dos problemas de infiltração de água, cumpre notar, desde já, que a pretendida relevância probatória do documento superveniente mente apresentado (a fl. 249 a 251) com a motivação do recurso já se encontrou decidida como irrelevante na decisão sumária do Mm.o Juiz Relator, pelo que se mantém intacto esse concreto segmento decisório, que aliás nem foi sindicado na reclamação dos Autores, nem tão-pouco pelos próprios Réus em sede de resposta à reclamação.
E sobre o núcleo da questão de nexo de causalidade, e por decorrência lógica da análise acima feita sobre a alegada contradição entre a decisão e os factos provados, é de julgar totalmente improcedente a tese preconizada pelos Réus, de inexistência da causalidade adequada entre o facto e o dano, porquanto essa tese contraria toda a matéria de facto já fixada pelo Tribunal a quo sem qualquer erro no julgamento da matéria de facto (já que o resultado do julgamento de factos a que chegou esse Tribunal ante os elementos probatórios indicados na sua sentença não se mostra desrazoável à luz das experiências da vida humana ou aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do caso, pelo que não podem os Réus vir interpretar fragmentariamente determinados pontos de matéria de facto “não provada” para fazer sindicar a livre convicção do Tribunal recorrido, nem podem exigir que o órgão judicial tenha que acreditar na versão fáctica por eles próprios sustentada ao longo do processo, isto porque como nos termos do art.o 383.o do Código Civil de Macau, “a força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal”, os Réus não podem criticar o Tribunal a quo por este ter fundado a sua livre convicção também no teor do relatório de inspecção do Engenheiro E dos Autores, e já não no teor do relatório então subscrito e apresentado pelo Réu a fls. 104 a 138 destinado a contrariar a posição daquele Engenheiro).
Aliás, o próprio Tribunal recorrido já explicou muito bem e sobretudo no terceiro parágrafo e nos últimos três parágrafos da pág. 10 da sentença (a fl. 229v) e nos primeiros quatro parágrafos da pág. 11 (a fl. 230) por quê é que concluiu efectivamente verificado o nexo de causalidade adequada entre o acto de realização de obras dos Réus no interior da sua fracção e o dano provocado pela infiltração de água à fracção dos Autores: Foram efectiva e materialmente tidos em conta os seguintes factores provados: a fracção dos Réus tinha estrutura orginal idêntica à da fracção dos Autores, a qual está vertical e precisamente debaixo da fracção daqueles; o relatório do Engenheiro E concluiu que as águas que infiltraram no interior da fracção dos Autores só podiam ser provenientes da fracção dos Réus; segundo a informação da Companhia de Administração do Edifício em questão, foram realizadas obras na fracção dos Réus no período de Março a Dezembro de 2002, através das quais – e segundo o relatório de inspecção da DSSOPT – os Réus ampliaram o espaço de uma casa de banho com reordenação das respectivas instalações; e a situação de que sofre a fracção dos Autores começou a surgir a partir de Março de 2003. Na verdade, foi por consideração conjunta sobretudo do facto provado descrito na alínea G) dos Factos Assentes, da resposta positiva ao quesito 6 e da resposta ao quesito 9, que o Tribunal a quo concluiu pelo modo concreto pelo qual o acto de realização de obras então realizadas na fracção dos Réus causou o dano de infiltração de água de que sofre a fracção dos Autores, pelo que não pode padecer a sentença recorrida do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Em suma, procede a reclamação dos Autores (uma vez que o recurso dos Réus não pode ser julgado como procedente), com o que tem que naufragar mesmo a pretensão dos Réus de absolvição total do pedido.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar procedente a reclamação dos Autores, passando, pois, a negar provimento ao recurso interposto pelos Réus da sentença proferida em primeira instância.
Custas do processo nesta Segunda Instância tudo a cargo dos Réus.
Macau, 5 de Maio de 2011.
______________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
______________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(seguir declaração)
Processo nº 456/2008
(Autos de recurso em matéria civil)
Declaração de voto
Vencido, pois que como na sessão de 27.11.2008 tive oportunidade de afirmar, considero a decisão que proferi e ora objecto de reclamação, correcta, e, nesta conformidade, sou de opinião que se devia julgar improcedente a dita reclamação apresentada.
Vejamos.
Quanto à alegada “violação do princípio da livre apreciação da prova”, e como tive oportunidade de consignar no projecto de acórdão que elaborei e que não obteve a concordância dos meus Exmos. Colegas, laboram os reclamantes em equívoco.
De facto, a decisão reclamada não alterou (ou corrigiu) a factualidade pelo Tribunal a quo dada como provada, certo sendo que com a mesma se procedeu apenas a uma diversa “leitura” daquela mesma factualidade.
Na verdade, o que se fez foi tão somente uma diferente interpretação dos factos dados como provados, pelo que, em causa não está o invocado princípio.
Assim, o que importa é ver se correcta foi a diferente leitura que se fez da matéria de facto dada como provada, (e que, no fundo, corresponde à segunda questão colocada).
Porém, e sem prejuízo do muito respeito devido a entendimento em sentido diverso, também aqui se crê que adequada foi a decisão ínsita no despacho reclamado, que se mostra claro e adequadamente fundamentado, nada nos parecendo de acrescentar.
Daí, a presente declaração.
Macau, aos 05 de Maio de 2011
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