Processo nº 304/2011
(Suspensão de eficácia do acto administrativo)
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Economia e Finanças
(經濟財政司司長)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A, casada, de nacionalidade chinesa, do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente nº 139XXXX(X) emitido pela D.S.I. de Macau em 8/10/2007, veio, nos termos das disposições dos artigos 120º, 121º, 123º nº 1 al. a) e 125º todos do artigo 36º da Lei nº 9/1999, de 1 de Novembro de 2004, requer a Suspensão da Eficácia do acto Administrativo do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças de Macau, exarado na notificação nº 03292/GJFR/2011, que se consubstancia o indeferimento do pedido de renovação da autorização para fixação de residência temporária (proferido no Proc. Nº P2008/2003/01R cfr. docs. nºs 1 e 2 que aqui se dam por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos tidos por legais).
Tendo sido citado para contestar o pedido de suspensão da eficácia do seu despacho, limitou-se o Secretário para a Economia e Finanças, órgão requerido a oferecer o merecimento dos autos.
O Digno Magistrado do MP junto deste Tribunal emitiu o seguinte douto parecer:
“Sendo certo que na suspensão de eficácia não poderão ser apreciados os vícios imputados ao acto administrativo, tendo de se partir da presunção da legalidade de tal acto e respectivos pressupostos de facto, temos que grande parte do alegado pelo requerente a tal nível no presente meio processual se apresenta como inócuo, nomeadamente as considerações atinentes à exposição dos motivos por que entende dever considerar-se descriminalizada a conduta por que foi condenada criminalmente, ou as razões por que, a seu ver, haverá que ter-se como judicialmente reabilitada.
Posto isto, vem A requerer a suspensão de eficácia do Secretário para a Economia e Finanças de27/1/11 que, indeferiu pedido de renovação de autorização de residência na RAEM, devido à existência de condenação criminal da mesma pelos tribunais da RAEM.
Serve o sublinhado a que procedemos para realçar a “tentação” que nos poderá desde logo assaltar relativamente à consideração do acto suspendendo como acto de conteúdo negativo, insusceptível de suspensão de eficácia, uma vez que deixaria o requerente na mesma situação em que se encontrava antes da sua prática, dele não decorrendo efeitos acessórios ou secundários de carácter ablativo de bem jurídico preexistente, sendo que um eventual deferimento do pedido nunca poderia valer como “ordem” de renovação da residência, o mesmo é dizer não produziria quaisquer efeitos jurídicos.
Mas, talvez não seja bem assim.
Um acto de conteúdo negativo propriamente dito é aquele que deixar intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um “status” anterior. Ou seja, trata-se de um acto “neutro” em que nada se adquire ou se perde.
Relativamente a tal tipo de actos, tem-se uniformemente entendido não serem os mesmos susceptíveis de suspensão de eficácia, quer por que tal poderia ser entendido como usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, quer porque dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, designadamente o afastamento das situações danosas caracterizadas na al. a) do art. 121º CPAC.
Começou, porém, recentemente, a ponderar-se e a obter consagração uma nova categoria de actos que, embora aparentemente de conteúdo negativo, têm efeitos positivos, existindo, dessa forma, uma utilidade na suspensão da respectiva execução, na medida em que dela derivam efeitos secundários positivos, enquadrando-se, desde logo, em tal categoria os actos de que resulte o indeferimento da manutenção de uma situação jurídico anterior, como é o caso, denegando-se renovação de situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas legítimas de conservação de efeitos jurídicos de acto administrativo anterior, considerando-se que, em tais situações existe, de facto, uma alteração da situação jurídica e de facto do requerente.
Mas, mais: vem-se também entendendo que se alguma utilizada puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir obtendo algum “ganho” até à decisão em definitivo da questão do recurso contencioso, a suspensão será de conceder.
Seja como for e pelos motivos supra anunciados, cremos que, no caso, o acto, se bem que tenha conteúdo negativo, apresenta vertente positiva, a essa vertente tendo o requerente circunscrito o seu pedido, pelo que será de admitir o presente meio processual, nos termos da al b) do art.º 120º, CPAC.
Assim sendo, tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121º do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu nº 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
Aceitamos a verificação “in casu” dos dois requisitos negativos, já que se não divisam indícios (e muito menos, fortes) de ilegalidade na interposição do recurso, sendo que, por outro lado pese embora a requerente tenha sido condenado na RAEM por acto de índole criminal, inexiste (até por força dos contornos específicos em que decorreram os actos por que foi condenado) prova bastante que permita concluir que dessa circunstância decorra grave lesão para o interesse público pela sua presença na Região até decisão do recurso.
Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
No caso, o requerente invoca, a tal propósito, a “destruição da fonte de rendimento, modo de vida de toda uma família e o desmembramento de uma jovem família que caminha os seus primeiros passos”, reportando-se à cessação de actividade de um estabelecimento comercial de comidas, pretensamente poiso de trabalho e fonte de rendimento do agregado familiar e à impossibilidade de uma filha sua, vivendo em união de facto com um homem e já com um filho em comum, poder proceder ao registo do casamento e ao registo desse filho na Região.
Pois bem:
Ao que se colhe do procedimento, à requerente terá sido concedida autorização de residência, por investimento, enquanto titular principal, encontrando-se, consequentemente (conforme jurisprudência dominante neste Tribunal) o seu agregado familiar dependente dessa autorização, sem conteúdo autónomo a tal propósito.
Daí que decorrerá como consequência lógica e directa da falta de renovação de autorização de residência da requerente a cessação de tal direito por parte do seu agregado familiar.
Só que, não se poderá, em nosso critério, contemplar tal inevitabilidade (mesmo a darem-se como comprovados os alegados inconvenientes a nível económico e familiar) como o preenchimento do requisito a que alude a al a) do nº 1 do art.º 121º, CPAC: é que, por um lado, por força da execução do acto, não se mostram, a requerente e o seu agregado, impossibilitar dos no seu reagrupamento em qualquer outra parte que não no domínio territorial de Macau, aí podendo proceder aos “contratos” familiares e registos que bem entenderem, assim como aí granjearem o seu sustento económico e, por outro, bem vistas as coisas, a ter-se com o válida tal argumentação, não sobejaria, na prática, em Macau, qualquer outra situação em que, por força da não renovação da residência, aquele argumento não fosse validade para os efeitos pretendidos, já que, como se sabe, os requerentes, em tais condições de encontram normalmente a trabalhar e auferir rendimentos na Região.
Tudo razão que, em nosso critérios, apontam para a não verificação “in casu” do pressuposto previsto na al a) do nº 1 do art. 121º, CPAC.
Tanto basta para o indeferimento do peticionado.
Este, o nosso entendimento.”
Este Tribunal é o competente.
As partes são dotadas às personalidades e capacidades judiciárias e mostram-se legítimas.
As partes são regularmente patrocinadas.
Não há questões-prévias e outras nulidades que cumprem conhecer.
Cumpre conhecer.
Foram dispensados os vistos dos Juízes-Adjuntos nos termos do artigo 129° n° 2 do CPAC.
Conhecendo.
Constam dos autos os seguintes elementos fácticos.
- A requerente e a sua família (composto pelo seu marido B) e dois filhos C e D) foram autorizados pelo Chefe do Executivo, à residência por investimento imobiliário na RAEM em 16 de Novembro de 2004, com a duração de 3 anos.
- A outro pedido de renovação da residência deduzido pela requerente, esta apresentou a Certidão do Registo Criminal onde se consta que a mesma tinha sido condenada pela prático de um crime de emprego ilegal pela sentença de 26 de Julho de 2005.
- Tendo sido convocada para ser ouvida por escrito, apresentou a sua defesa oportunamente.
- Pelo Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, com a delegação do poder do Chefe do Executivo, de 27 de Janeiro de 2011, indeferiu a renovação da residência da requerente e seus agregados familiares.
- O despacho de indeferimento tinha com base nos seguintes factos e considerações constantes dos autos das fls 19 a 22 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
- A filha da requerente deu luz a criança, em 27 de Fevereiro de 2011, com o seu namorado E, com quem a mesma vive em união de facto (fl. 48, cuja certidão do registo do nascimento foi ordenada a sua junção por este Tribunal).
Nos presentes autos, o requerente veio pedir a suspensão de eficácia do acto de indeferimento de renovação da fixação de residência por investimento da requerente e os seus agregados familiares na RAEM por ter resultado que a própria requerente tinha sido condenada pela prática de um crime de emprego ilegal, e para tal alegando que a execução imediata do acto causaria prejuízos de difícil reparação e a suspensão não causará grave lesões para o interesse público e não se indicia ser ilegal o recurso.
A entidade recorrida limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
Vejamos.
Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Quanto aos pressupostos do pedido concordamos totalmente com o douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, o próprio acto, sendo embora acto de conteúdo negativo, tem precisamente vertente positivo no sentido de alterar a situação actual jurídica dos interessados. Pelo que se impõe a consideração por satisfeitos os pressupostos de deduzir o pedido.
E quanto aos requisitos, digamos o seguinte:
Prevê o artigo 121° do CPAC que:
“Artigo 121º (Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessa-dos façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Em conformidade com o disposto no artigo 121º ora citado, para obter uma autorização da suspensão da eficácia de um acto administrativo deve satisfazer cumulativamente os requisitos, um positivo e dois negativos.
O requisito positivo é a possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação, enquanto os requisitos negativos a inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Quanto ao requisito positivo, o requente alegou que, como todos os membros familiares da requerente ficariam obrigados a deixar o lugar em que se integram, por um lado, a requerente ficaria a obrigar a deixar explorar o estabelecimento comercial de comidas como negócio de toda uma família, por outro lado, a sua filha vivia de facto com o seu namorado e deu luz recentemente um filho, com a execução imediata, a sua filha não poderia proceder o registo do seu casamento e desse nascido bébé, o que impõe um prejuízo de difícil reparação para todos os membros familiares da requerente.
Embora não concordemos com o argumento do prejuízo de difícil de reparação em consequência da eventual execução imediata do acto, nomeadamente no rendimento laboral, pela forma de redução do sustento económico da família, contribuído por parte da requerente (pois caso viesse a comprovar a ilegalidade do acto, é sempre de direito a pedir a indemnização e durante a pendência do contencioso pode sempre a requerente exercer as suas actividades na sua terra de origem), já não podemos deixar de dar-lhe a razão ao argumento de que, com a execução do acto em crise, quebrando a estabilidade da família que se estabeleceu desde 2004 na RAEM, ficará a sua filha, quem deu recente à luz a criança, obrigada a ausentar da RAEM, não poderia contribuir os seus cuidados à criança, intervenção da mãe da bebé esta que se afigura ser indispensável mormente no interesse do menor, e que assim causaria um prejuízo, não concretizáveis ou quantificáveis, tanto emocional como de índole familiar, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável.
E essa possibilidade, o prejuízo de índole familiar, tem contornos de certeza, caso não suspenda a execução do acto, razão pela qual não se pode deixar de dar por verificada a existência da possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação.
Embora os outros membros não terão tanta utilidade em virem suspender o acto, nomeadamente o marido da requerente, não podemos ordenar a suspensão parcial do acto relativamente tão só um dos membros dos agregados familiares. Pelo que deve dar por sustenta a sua razão do pedido desta parte.
Quanto aos requisitos negativos, não se apresentam a sua verificação, pois, é óbvio que não se divisam mínimos indícios de ilegalidade na interposição do recurso, ao contrário, não é menos lícito interpor o recurso do acto administrativo que não renovou a fixação da residência por investimento.
Por outro lado, também não se mostra existente prova bastante de que dessa circunstância decorra grave lesão do interesse público pela sua permanência na Região até decisão do recurso. Pese embora que o fundamento essencial que indeferiu a renovação da fixação de residência por investimento consiste nos indícios demonstrativos do acto de índole criminal, não há quaisquer elementos, nos autos, nem a entidade requerida ter alegado, que se mostrem se autorizar a sua estadia na RAEM, tem o risco de praticar novos crimes ou outros actos ilícitos, de modo a causar prejuízo ao interesses públicos.
Assim sendo, dão-se por verificado totalmente os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo ora em causa, deferindo o pedido.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em deferir a requerida suspensão de eficácia.
Sem custas.
Macau, RAE, aos 19 de Maio de 2011
Choi Mou Pan (Relator) Presente
Gil de Oliveira Vítor Coelho
Ho Wai Neng
TSI-304/2011 Página 1