Processo n.º 89/2009 Data do acórdão: 2011-5-12
(Autos de recurso civil)
Assuntos:
– título executivo
– cheque
– embargos
– art.o 677.o, alínea c), do Código Civil
S U M Á R I O
1. Tratando-se, in casu, de um cheque cujos dados referentes ao nome do beneficiário, ao montante e à data foram posteriormente preenchidos pelo Exequente ora Embargado, não se pode realmente considerar que no momento em que foi entregue o cheque a este, a Parte por conta de quem foi assinado o cheque já reconheceu ou quis constituir uma obrigação pecuniária a favor do próprio Embargado.
2. Assim sendo, cumpre ao Embargado provar, em sede dos embargos, a existência do negócio causal subjacente ao cheque para fazer dotar esse documento particular da pretendida força executiva.
3. E como não logrou fazê-lo, o Embargado deveria ter visto os embargos deduzidos contra ele julgados procedentes, por o cheque em questão não conseguir satisfazer o exigido na alínea c) do art.o 677.o do Código de Processo Civil de Macau na parte referente à importação de “constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias”, e, como tal, não poder ser considerado como um título executivo.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 89/2009
(Autos de recurso civil)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
Nos presentes autos de recurso civil n.o 89/2009 deste Tribunal de Segunda Instância, foi apresentado pelo M.mo Juiz Relator à discussão e deliberação do presente Tribunal Colectivo ad quem o seguinte douto Projecto de Acórdão:
– <<[…]
Relatório
1. A (A), propôs, no T.J.B., acção executiva para pagamento da quantia certa contra “COMPANHIA DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO B, LIMITADA” (B投資發展有限公司), juntando, como título executivo, um cheque da executada no valor facial de HKD$2.000.000,00.
*
Em sede dos embargos que a executada deduziu, veio-se a proferir sentença julgando-se os mesmos improcedentes.
*
Inconformada, a embargante recorreu.
Em síntese, alega que face à factualidade dada como provada, o cheque apresentado pelo exequente não constitui título executivo, devendo-se, em substituição do decidido, julgar-se procedentes os embargos que deduziu.
*
Em resposta, pugna o embargado (exequente) pela confirmação da sentença proferida.
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“– Em 10/09/2007, com base no cheque do Banco da China, sob o n° ……, o embargado propôs a execução contra a embargante (alínea A da Especificação).
– O cheque acima mencionado foi assinado e carimbado (carimbo da embargante) pelos membros da administração da embargante (alínea B da Especificação).
– A data, o montante e o nome do beneficiário do pagamento acima referido foram preenchidos pelo embargado, ou seja, são os seguintes elementos preenchidos: 06/09/2007, 2,000,000.00 dólares de Hong Kong e A (A) (alínea C da Especificação).
***
Da Base Instrutória:
– O Embargado e os dois membros da administração da embargante, C (C) e D (D), conheciam-se (resposta ao quesito 1°).
– O C exerce as suas actividades de negócios na China Continental, enquanto o D reside na Austrália (resposta ao quesito 2°).
– O Embargado reside em Macau (resposta ao quesito 3°).
– Em circunstâncias não apuradas e para os efeitos não apurados, a Embargante entregou ao Embargado o cheque referido no alínea a) dos Factos Assentes (resposta aos quesitos 4° e 17°).
– Em 03/09/2007, a Embargante deslocou-se ao Banco da China e preencheu uma comunicação de suspensão do pagamento do cheque, donde inclui-se o cheque indicado no facto comprovado (resposta ao quesito 12°).
– Posteriormente, o Embargado chegou a contactar com o gerente, Sr. Tam, da Companhia dele, situada em …… (……), solicitando a este último que comunicasse à Embargante, que o Embargado iria apresentar ao pagamento o cheque em causa (resposta ao quesito 22°).”; (cfr., fls. 118 a 118-v).
Do direito
3. Está em causa saber se o cheque pelo embargado, ora recorrido, apresentado no âmbito da execução que moveu contra a embargante, ora recorrente, constitui, “título executivo”.
Sobre a questão em apreciação incide o art. 677° do C.P.C.M., o qual prescreve que:
“À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
E, ponderando na factualidade dada como provada assim como no estatuído na alínea c) do transcrito art. 677°, entendeu o Mm° Juiz a quo que motivos não haviam para não se considerar o cheque dado à execução como título executivo válido e eficaz.
Vejamos se é de se manter o assim entendido.
Como é sabido, e diferentemente do que sucede na acção declarativa, a acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva de um direito violado.
Como diz Lebre de Freitas, “trata-se de providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente,..., mediante o desencadear do mecanismo garantia”; (in “A Acção Executiva”, pág. 9).
Por sua vez, para se poder pedir a realização coactiva de uma prestação, há que satisfazer dois pressupostos, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação: (o primeiro, formal), que o dever de prestar conste de um “título” (executivo), e, (o segundo material), que a prestação seja “certa e exigível”.
Como se viu, em causa está saber se o cheque dado a execução constitui “título executivo” nos termos da alínea c) do art. 677° do C.P.C.M..
A factualidade dada como provada diz-nos que o cheque em causa, após assinado e carimbado pelos membros da administração da embargante, ora recorrente, foi em circunstâncias e para efeitos não apurados, entregue ao embargado (exequente), que nele inscreveu a data (06.09.2007) e o montante (H.K.D.$2.000.000,00), nele escrevendo também o seu nome, passando assim a ser ele a pessoa a quem o cheque devia ser pago.
Ora, face ao assim provado, cremos que censura não merece o Mm° Juiz a quo.
De facto, afigura-se-nos que com a entrega do cheque em questão ao embargado, ora recorrido, não deixou a embargante de reconhecer que tinha para com aquele uma “obrigação pecuniária”, certo sendo também que provado não ficou que o embargado “preencheu” o mesmo cheque contra o (eventualmente) acordado.
Nesta conformidade, e sendo de se considerar o referido cheque “título executivo”, improcede o recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
[…]>>.
Entretanto, como o Mm.o Juiz Relator acabou por sair vencido da votação então feita, cabe decidir do recurso em questão nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
Para o efeito, há que, desde já, converter em definitivo todo o teor do Ponto 1 (“Relatório”) e do Ponto 2 (“Dos factos”) do douto Projecto de Acórdão acima transcrito.
E agora do Direito falando, sabe-se que o art.o 677.o do Código de Processo Civil de Macau (CPC) reza que:
– <<À execução apenas podem servir de base:
a) [...];
b) [...];
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável [...];
d) [...]>>.
In casu, tratando-se de um cheque cujos dados referentes ao nome do beneficiário, ao montante e à data foram posteriormente preenchidos pelo Exequente ora Embargado, não se pode realmente considerar que no momento em que foi entregue o cheque a este, a Parte por conta de quem foi assinado e carimbado o cheque já reconheceu ou quis constituir uma obrigação pecuniária a favor do próprio Embargado.
Assim sendo, cumpre efectivamente ao Embargado provar, em sede dos presentes embargos, a existência do negócio causal subjacente ao dito cheque para fazer dotar esse documento particular da pretendida força executiva.
E como não logrou fazê-lo (visto que do teor da resposta dada pelo Tribunal a quo no seu acórdão de julgamento de factos emitido a fls. 108 a 110 aos quesitos 17, 18, 19 e 20 constantes do despacho saneador de fls. 41 a 42v, resulta materialmente não provado na Primeira Instância o negócio causal de empréstimo alegado nos pontos 15, 16, 29 e 30 da sua contestação de fls. 18 a 23), o Embargado deveria ter visto os embargos deduzidos contra ele julgados procedentes, por o cheque em questão não conseguir satisfazer, no caso concreto, o exigido na alínea c) do art.o 677.o do CPC na parte referente à importação de “constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias”, e, como tal, não poder ser considerado como um título executivo.
Desta feita, e sem mais outra indagação por ociosa, é de proceder o presente recurso, revogando a decisão recorrida, e passando a julgar procedentes os embargos subjacentes à presente lide recursória, com necessária determinação da extinção da acção executiva então movida pelo Embargado.
Dest’arte, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, passando a julgar procedentes os embargos, com consequente determinação da extinção da acção executiva.
Custas dos embargos na Primeira e nesta Segunda Instâncias tudo a cargo do Exequente Embargado, o qual pagará também as custas da acção executiva.
Macau, 12 de Maio de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(Vencido nos termos do projecto de acórdão que – em 12.03.2009 – apresentei à Conferência e que foi incorporado no presente veredicto).
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