Processo n. 449/2007 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Maio de 2011
Descritores: STDM
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados)
SUMÁRIO:
I- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
II- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
Proc. N. 449/2007
Recorrente: STDM
Recorrida:A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$1.618.698,00 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde 10/09/1979, data em que para a ré começou a trabalhar, até 25/07/2002, altura em que cessou a relação laboral entre ambos, bem como pelo não gozo de licença de maternidade.
*
Prosseguiram os autos até ao seu termo, tendo na oportunidade sido proferida sentença, datada de 28 de Fevereiro de 2007, que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, assim, condenou a STDM a pagar ao autor a quantia de Mop$ 806.432,00 e juros legais contados desde 15 de Março de 1990, data da cessação da relação laboral.
*
Esta sentença recorre jurisdicionalmente a STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a) Houve erro manifesto na apreciação da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, relativamente às respostas dadas aos quesitos 23º a 25º;
b) A Recorrente não entende como o Tribunal pôde considerar que a A., ora Recorrida, não foi autorizada a gozar qualquer dia de descanso, semanal, anual e feriados obrigatórios, uma vez que das respostas dadas por todas as testemunhas, é impossível dar como provados os quesitos 23º a 25º;
c) Assim, sendo a prova efectuada totalmente omissa quanto à questão fundamental do não gozo de dias de descanso pela A., ora Recorrida, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A., ora Recorrida.
d) Mais é, a sentença de que ora se recorre, anulável por erro manifesto na subsunção da matéria de facto na aplicação do direito. A decisão ora em crise foi proferida com base numa fundamentação que necessariamente teria de ser sustentada por matéria de facto que, no caso dos presentes autos, não foi dada como provada e, porque assim foi, errou a decisão na aplicação do direito.
e) Nunca a Mma. Juiz poderia ter condenado a R. no pagamento de uma indemnização relativa a um valor cujo não pagamento, pela R., a A. não logrou provar.
f) Com efeito, não existe qualquer quesito relativo ao não pagamento de acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dias de descanso, como não existe na matéria assente qualquer alínea que faça referência a este facto.
g) Constitui, destarte, um grave erro de subsunção à solução de direito aplicável considerar o que consta nos pontos 4.3, 4.4 e 4.5 da Sentença recorrida, ou seja, que pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, o A. nunca recebeu qualquer acréscimo salarial.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
h) Ainda que se considere que a decisão recorrida partiu de pressupostos de facto correctos, porque bem provados - o que não se concede e apenas se admite por mera cautela e dever de bom patrocínio - a decisão de que se recorre deverá ser declarada nula por V. Exas., por falta de fundamentação em aspecto essencial do ónus da prova determinante para boa solução da causa.
i) A A., ora Recorrida, não estava dispensada do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou, o que não o fez.
j) Nos termos do nº 1 do art. 335º do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
k) Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 23º a 25º da base instrutória, cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
l) Com base nos factos constitutivos do direito alegado pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
m) E, de acordo com os arts. 20º, 17º,4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
n) Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse titulo.
o) Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais ao direito de indemnização da A., ora Recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
p) Requer-se, pois, que V. Exas se dignem revogar a sentença ora em crise e julgar a matéria de facto em conformidade com o ora exposto e, consequentemente, absolver a R. da Instância.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
q) O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
r) O facto da A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per se, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso a Recorrida auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que a Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
s) Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
t) A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
u) Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
v) Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
w) Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
x) Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
y) E, não tendo a Recorrida sido impedida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM aa Recorrida.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
z) Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com o regime aplicado pela Mma. Juiz a quo aquando do cálculo do quantum indemnizatório, uma vez que, apesar de se preocupar com a aferição do quantum diário do salário da A., ora Recorrida, acaba por aplicar o regime previsto para o salário mensal, sendo que toda a factualidade alegada pela Ré e confirmada pelas suas testemunhas em sede de Julgamento, indica no sentido inverso, ou seja, do salário diário.
aa) Com efeito, a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos como a aqui Recorrida, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de MOP$4,10, HKD$10/dia ou de HKD$15 dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
bb) Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
cc) Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. 1º do RJRT.
dd) Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que a A., ora Recorrida, era remunerada com um salário diário, a sentença Recorrida desconsidera toda a factualidade trazida aos autos e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a Recorrente entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é arbitrária, ao tentar estabelecer como imperativo (i.e., o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como dispositivo (i.e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
ee) Deve assim ser reapreciada por V. Exa. a decisão final, no sentido de a mesma se adequar à matéria de facto dada como provada, efectuando-se o cálculo do quantum indemnizatório com base no regime previsto para os casos do salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
ff) O trabalho prestado pela Recorrida em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
gg) A remuneração já paga pela ora Recorrente à ora Recorrida por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que a A. tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M.
hh) Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.º 6 do art.º 17º do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
ii) Ora, nos termos do art. 26º, n.º 4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17º, n.º 6, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
jj) No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
kk) A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da al. b) do nº 6 do art. 17º e do artigo 26º do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda concluindo:
ll) As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
mm) Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
nn) Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
oo) O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
pp) Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
qq) A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de salário.
rr) Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
ss) Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
tt) Salvo o devido respeito pela Mma. Juiz a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
uu) Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
vv) E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação menos discricionária - do que é um salário justo.
ww) Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de salário diário, excluindo-se as gorjetas.
Por último:
xx) Dispõe o nº 1 do art. 40º do D.L101/84/M, de 25 de Agosto, e art. 37º do RJRT que as mulheres grávidas, cuja relação de trabalho tenha uma duração superior a um ano, têm direito, respectivamente, a 30 e 35 dias de licença por ocasião do parto, com garantia do posto de trabalho e sem perda de salário.
yy) A R., ao contratar trabalhadores do sexo feminino para a categoria profissional da A., sempre as esclarecia que um estado de gravidez avançado era incompatível com exercício das suas funções;
zz) Tais incompatibilidades e impropriedades sempre foram expressamente admitidas e reconhecidas pelas trabalhadoras - tanto assim era que sempre foram as próprias trabalhadoras que, ao atingirem o 6º ou 7º mês de gestação, se dirigiam à entidade empregadora, solicitando a licença de maternidade, o que nunca lhes foi negado .
aaa) Tendo inexistido qualquer impedimento por parte da R. a que a A. gozasse as referidas licenças, forçoso é concluir que a R. nada deve à A..
bbb) Porém e se assim não se entender - o que não se concede e apenas se admite por mera cautela e dever de bom patrocínio e,
ccc) Apenas em absoluto dever de patrocínio a R. aceita compensar a A. pelo salário não pago durante o período de 30 dias (antes de 3/4/1989) e 35 dias (depois de 3/4/1989) de licença maternidade estipulado por lei.
ddd) Ora, os dois filhos da A. nasceram, o primeiro em Fevereiro de 1988, altura em que a A. auferia diariamente MOP$4.10, e o segundo em Junho de 1990, altura em que a A. auferia diariamente HKD$10.00.
eee) Assim sendo, o Rendimento Salarial a contar para efeitos de cálculo da indemnização devida pela licença dos dois partos é de, respectivamente, MOP$4,10 por dia e HKD$10.00 por dia.
fff) Nestes termos, a compensação eventualmente devida nunca poderá ascender a mais de MOP$490.50 (MOP$4,10 x 30 dias = 123 + HKD$10.00x35= HKD$350 ou MOP$367.5) pelos dois partos.
*
Também a autora, que n recorrera da sentença (fls. 522), mas dele desistiu a fls. 618.
*
Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
***
II- Os Factos
A sentença deu como provada a seguinte factualidade:
A) A ré dedica-se à exploração de jogos de fortuna ou azar, a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércio de importação e exportação.
B) A ré foi, até 2002, a única concessionária de jogos de fortuna ou azar em Macau, designadamente a proprietária e, ou, operadora de todos os casinos aqui existentes.
C) Em 10 de Setembro de 1979, a autora começou a trabalhar para ré, a autora trabalhava sob a directriz e supervisão efectiva da ré e pagava-lhe retribuição.
D) Nos primeiros 12 meses, o trabalho inicial da autora é de prestar serviços aos clientes da ré para receber remuneração.
E) À seguida, a autora exerceu a actividade de “croupier” .
F) O horário de trabalho da autora foi sempre fixado pela ré, por turnos diariamente, em ciclos de três dias, de 8 horas diariamente, por turnos de 4 horas intercalados por período de descanso de 4 horas, tendo 8 horas de descanso nos primeiros dois dias e 16 horas no terceiro dia.
G) O rendimento da autora é construído por salários diários e gorjetas.
H) As gorjetas eram flutuantes de acordo com a quantidade diária de dinheiro recebido dos clientes do casino.
I) Desde a operação das actividades de Jogos de Fortuna ou Azar pela ré, as gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores conforme a categoria pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente.
J) Desde Setembro de 1979 até Setembro de 1980, o rendimento fixo diário da autora era de HKD$1,70; desde Outubro de 1980 até Julho de 1989, era de HKD$4,10; desde Julho de 1989 até Abril de 1995, aumenta para HKD$10,00; desde Maio de 1995 até Junho de 2002, aumenta para HKD$15,00.
K) A autora deu à luz um filho e uma filha em 28 de Fevereiro de 1988 e 12 de Junho de 1990, cujo documento era constante nas fls. 40 a 41 dos autos.
Factos provados através da audiência:
1. O rendimento anual da autora em 1984 é de MOP$ 128.089,00.
2. O rendimento anual da autora em 1985 é de MOP$ 125.980,00.
3. O rendimento anual da autora em 1986 é de MOP$ 116.700,00.
4. O rendimento anual da autora em 1987 é de MOP$ 122.668,00.
5. O rendimento anual da autora em 1988 é de MOP$ 94.414,00.
6. O rendimento anual da autora em 1989 é de MOP$ 154.322,00.
7. O rendimento anual da autora em 1990 é de MOP$ 123.074,00.
8. O rendimento anual da autora em 1991 é de MOP$ 181.108,00.
9. O rendimento anual da autora em 1992 é de MOP$ 187.740,00.
10. O rendimento anual da autora em 1993 é de MOP$ 195.983,00.
11. O rendimento anual da autora em 1994 é de MOP$ 192.435,00.
12. O rendimento anual da autora em 1995 é de MOP$ 231.065,00.
13. O rendimento anual da autora em 1996 é de MOP$ 221.660,00.
14. O rendimento anual da autora em 1997 é de MOP$ 212.983,00.
15. O rendimento anual da autora em 1998 é de MOP$ 198.300,00.
16. O rendimento anual da autora em 1999 é de MOP$ 172.923,00.
17. O rendimento anual da autora em 2000 é de MOP$ 164.996,00.
18. O rendimento anual da autora em 2001 é de MOP$ 164.983,00.
19. O rendimento anual da autora em 2002 é de MOP$ 183.079,00.
20. A ré não pagou à autora nenhuma quantia a nome de fundo de trabalhador da STDM por causa da cessação contratual.
21. Desde início da relação laboral entre a autora e ré até Outubro de 2000, a ré não concedeu à autora um dia de descanso em cada semana de trabalho.
22. A ré também não concedeu à autora os dias de descanso anual.
23. Durante o prazo de duração da relação contratual entre a autora e ré, a ré não concedeu à autora os feriados obrigatórios.
24. A partir do quarto meses de gravidez da autora, a autora não trabalhou sob a ordem da ré.
25. Conforme os factos referidos nos pontos n.º 21, 22, 23, a autora estava sempre cansada, falta de paciência e capacidade comunicação pessoal e social.
26. O entretenimento e comunicação com familiares e saída da autora eram limitados.
27. A relação contratual entre a autora e a ré foi cessada até 25 de Julho de 2002.
28. Durante dezenas anos de actividades, a ré nunca tinha dificuldade de empregar os trabalhadores que queriam trabalhar a favor da ré.
29. O rendimento geral de trabalhador da ré é muito alto.
***
III- O Direito
1. Vem imputado à sentença recorrida um alegado erro na apreciação da prova, por inexistência de elementos que revelem a ilicitude do empregador, nomeadamente que este tivesse obrigado o trabalhador a prestar serviço em dias de descanso ou que a autora não tivesse chegado a gozar dias de descanso durante toda a relação laboral. Sem razão.
Em primeiro lugar, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou, trabalhando voluntaria e graciosamente mente, é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Depois, a prova obtida foi no sentido de que esta trabalhadora nunca chegou a gozar dias de descanso e que, ao contrário, sempre trabalhou nesses dias. Somos, pois, levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Depois, entende a recorrente que ao autor cumpria provar quais os dias de descanso que não chegou a gozar. Ora, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto a respeito desses pontos (art. 599º , n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa na soberania da convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Assim sendo, teremos que concluir pela improcedência da invocação da falta de prova como forma de alegação impeditiva do direito do autor.
*
2- Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrida neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
*
3- Apreciemos, agora, a natureza do contrato, a composição do salário e a amplitude do período remuneratório (se mensal ou diária), questões que foram objecto do recurso por parte da recorrente STDM.
A recorrente começou a trabalhar para a recorrida em Setembro de 1979, sendo certo que no primeiro período o rendimento fixo proveniente do trabalho era de Mop$ 1,70, posteriormente aumentado para MOP$ 4,10 e finalmente de HK$10,00 no último peíodo até à cessação do contrato. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
-
4. No que se refere à composição do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
De resto, a prova produzida foi até nesse sentido, uma vez que não resultou demonstrado que as partes tenham acordado que a contrapartida do trabalho fosse constituída somente pela componente fixa acima referida (ver art. 30º da base instrutória).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
-
5. E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Ora, nada nos autos demonstra ou revela ter sido estrita intenção das partes contratantes, muito menos algo a esse respeito ter sido expressamente estipulado, que o trabalho seria remunerado ao dia. É evidente que um salário mensal se divide em tantas partes quantas as unidades de que o todo se compõe, e cujo apuramento se revela importante para se determinar o valor de cada uma delas. Mas o facto de não se pagar o valor dos dias de não trabalho não significa necessariamente que o salário foi acordado de acordo com um período de serviço diário efectivo.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nas respectivas respostas.
6. Como calcular a compensação?
Como o contrato atravessou a vigência dos DL nºs 101/84/M e 24/89/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer a ambos os diplomas, consoante o período a que respeite o trabalho nos dias de descanso, sendo certo que antes de 1 de Setembro de 1984 não havia um quadro legal normativo a disciplinar as relações laborais.
6.1 – Descanso semanal
a) Ao abrigo do DL n. 101/84/M
A sentença nada atribuiu à trabalhadora por entender que este diploma não lhe consagrava compensação pelo trabalho prestado nestes dias. Não houve recurso por parte da interessada trabalhadora, pelo que esta matéria, não estando colocada em controvérsia, não pode fazer parte da presente análise jurisdicional.
b) Ao abrigo do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será: AxBx2
Assim, nesta parte a sentença tem que ser confirmada, relativamente ao valor apurado de Mop$ 612,123,00.
6.2 - Descanso anual
a) - Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
Julgamos que a norma tem em vista estabelecer o modo como há-de o trabalhador ser retribuído do “respectivo período de descanso anual”, que não chegou a gozar até ao momento em que terminou a relação laboral. A lei diz por outras palavras o seguinte: o trabalhador recebe em dinheiro (no montante salarial) o valor de todos esses dias.
Mas não diz que o trabalhador perca o direito à compensação pelo trabalho prestado nesses dias em anos anteriores ao período a que se refere o número 2.
Portanto, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial em relação a cada um.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como foi decidido na sentença recorrida
Tem a receber a quantia de Mop$ 10.441,00.
-
b) - Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2 (neste caso, porém, não obstante a sentença não ter fixado valor compensatório relativamente ao ano de 1992, sendo certo que a relação terminou em Junho deste ano, a verdade é que o recorrente não a censurou no recurso, pelo que esta instância está impedida de se pronunciar sobre o assunto: art. 589º, n3 do CPC).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 (AxBx1). O factor a aplicar é o 1 e não o 2, como foi feito na sentença, que nesta parte merece censura.
Assim, o valor indemnizatório será de Mop$ 42.442,50
6.3 - Feriados obrigatórios
a) Na vigência do DL nº 101/84/M
A sentença considerou não haver direito a compensação pelos dias não gozados durante a vigência do DL n. 101/84/M.
Esta decisão não foi objecto de recurso, pelo que nessa parte este tribunal nenhuma pronúncia pode efectuar nesse sentido.
-
b) - Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é (seria), em ambas, salário diário x 3. Mas, tendo a sentença apurado somente o factor 2 (e não 3), e porque o TSI não pode senão ocupar-se das questões que a recorrente quis submeter-lhe (sendo certo que a autora desistiu do recurso que havia interposto da sentença), a indemnização está limitada ao valor apurado na sentença nessa parte, que é de Mop$ 81.709,00.
-
- Feriados não remunerados
Nesta matéria, a sentença também entendeu que nada havia a indemnizar. À falta de recurso por parte da interessada, impedido está este tribunal de apreciar a questão.
-
6.4 - Licença de maternidade
A sentença atribuiu à autora 30 dias por licença de maternidade por ocasião do parto ao abrigo do DL nº 101/84/M (art. 40º, nº 1) e 35 dias pela mesma causa, ao abrigo do DL nº 24/89/M (art. 37º), nos valores parcelares de Mop$ 7.868,00 e Mop$ 11.966,00, respectivamente, tendo em atenção o valor do salário médio diário por ocasião do nascimento dos filhos.
A recorrente STDM defende que a indemnização deve ter em consideração o valor do seu salário diário que diz ser de Mop$ 4,10, por ocasião do 1º filho, e de HK$10, por ocasião do 2º.
Como se vê, o diferendo reside apenas no valor diário da remuneração. Mas, como foi já dito noutro momento deste aresto, sendo mensal o seu salário e acolhendo ele a parte fixa e a variável (gorjetas) o valor indemnizatório não se pode ater apenas à primeira das componentes. E assim sendo, considerando o valor do salário médio diário por ocasião do momento em que nasceram os filhos, bem se pode dizer que a sentença não merece repúdio quanto ao quantum indemnizatório apurado nesta parte, que, no total, ascende a Mop$ 19.834,00.
7- Conclusão
A soma dos valores parcelares acima referidos ascende à indemnização de Mop$ 766.549,50.
***
IV- Decidindo
Considerando o que acaba de ser dito, acordam em conceder parcial provimento ao recursos interposto e, confirmando e revogando a sentença nos sobreditos termos, condenam a STDM a pagar a A a quantia de Mop$766.549,50, acrescida de juros de mora contados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 12 / 05 / 2011.
José Cândido de Pinho
(Relator)
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(com declaração de vote que se junte)
Processo nº 449/2007
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 12MAIO2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong