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Processo nº 57/2010(/) Data:10.03.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
Erro notório na apreciação da prova.
Percentagem de culpa na eclosão do acidente.
Indemnização por danos não patrimoniais.


SUMÁRIO

1. Invocando o recorrente o depoimento de duas testemunhas – cujo teor transcreve na sua motivação de recurso – para fundamentar o vício de “erro notório na apreciação da prova”, e constatando-se que sobre a matéria em questão depuseram mais testemunhas, inviável é considerar-se verificado tal vício, sob pena de se desrespeitar o princípio da livre apreciação da prova enunciado no art. 114° do C.P.P.M..

2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.

3. Provado estando que o acidente causou ao ofendido lesões que lhe originaram 194 dias de doença e outros 10 fixados como período para recuperação de uma operação a que vai ser submetido, que durante o período em questão, teve o ofendido que suportar muitas dores e inconvenientes, e que ficará com duas cicatrizes, uma de 13 cm e outra de 6 cm na perna direita, que provavelmente padecerá de disfunção na dita perna e que em virtude do acidente perdeu parte da memória, excessivo não é o montante de MOP$300.000.00 fixado como indemnização por tais danos não patrimoniais.

4. Com efeito, na matéria em questão não se devem fixar “valores miserabilistas”, não sendo de olvidar também que necessário é uma actualização permanente e constante de forma a se compatibilizar os montantes indemnizatórios com o “custo de vida”.


O relator,

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José Maria Dias Azedo











Processo nº 57/2010(()
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por acórdão do T.J.B., decidiu-se condenar o arguido A, com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n° 3 e art. 138°, al. c) do C.P.M., conjugados com o art. 66°, n° 1 e art. 73°, n° 1, al. a) do Código da Estrada, na pena de 210 dias de multa à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo a multa global de MOP$21,000.00 ou 140 dias de prisão subsidiária.
Em relação ao pedido de indemnização civil pelo ofendido B enxertado nos autos decidiu o Colectivo julgá-lo parcialmente procedente, condenando a demandada “COMPANHIA DE XX” no pagamento àquele do montante total de MOP$400,347.50 e juros; (cfr., fls. 235 a 236-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada com o assim decidido, a referida demandada seguradora recorreu; (cfr., fls. 243 a 255-v).

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Após resposta do arguido no sentido da rejeição ou improcedência do recurso (cfr., fls. 258 a 264), vieram os autos a esta Instância onde teve lugar a audiência de julgamento do recurso com integral respeito pelo formalismo processual.

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Não foram suscitadas questões que obstassem ao conhecimento do recurso, nem este T.S.I. vislumbra a sua existência.

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Cumpre assim apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Dão-se aqui como integralmente reproduzidos os factos considerados como provados no Acórdão recorrido e que constam a fls. 230 a 232-v.

Do direito

3. No presente recurso coloca a demandada seguradora, ora recorrente, as questões seguintes:
– percentagem de culpa do arguido na eclosão do acidente de viação;
– “erro notório na apreciação da prova” (quanto aos dias de impossibilidade de trabalho do ofendido); e,
– excesso do montante indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, (pedindo a sua redução de MOP$300.000,00 para MOP$180.000,00).

Vejamos.

— Mostra-se de começar pelo alegado “erro notório na apreciação da prova”, (pois que sem uma boa decisão da matéria de facto, inviável é uma adequada decisão de direito).

A questão, como se deixou dito, tem a ver com os “dias de impossibilidade de trabalho causados ao ofendido”.

O Colectivo a quo fixou tal impossibilidade em 204 dias, com perda de salário, e considerando que auferia o ofendido MOP$350.00 por dia, fixou a indemnização em MOP$71,400.00.

Alega a recorrente que:
“8ª Não havendo prova de que o demandante tinha trabalho regular, não é possível dar-se por provado que ele haja perdido 204 dias de salário, independentemente do seu estado de saúde durante este lapso de tempo.
9ª Antes ficou provado que, na altura, havia pouco trabalho disponível.
10ª Finalmente, ficou também provado que, sendo o trabalho à jorna, sempre se teriam que deduzir todos os Domingo compreendidos naquele período de 204 dias.
11ª Mais concretamente e em relação a este último ponto, teriam sempre que ser descontados na contabilização efectuada pelo Distinto Tribunal "a quo" 27 dias de trabalho (204/30 x 4), correspondentes a MOP$9.450,00.”

E para chegar à(s) conclusão(ões) a que chegou, invoca a mesma recorrente o depoimento de 2 testemunhas (C e D), cujo teor transcreve na sua motivação de recurso.
Todavia, não nos parece que se possa concluir que incorreu o Colectivo a quo no assacado vício.

De facto, e como repetidamente tem este T.S.I. afirmado:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).

No caso, e para além de terem sido 3 as testemunhas pelo demandante civil arroladas e que em audiência de julgamento depuseram quanto à matéria do pedido civil, há que ter presente que pela ora recorrente foram também arroladas 3 testemunhas, que prestaram igualmente depoimento, (cfr., acta da audiência a fls. 227 a 228), não se podendo olvidar que o Tribunal decide com base em toda a prova produzida, e que, tratando-se, como é o caso, de “prova testemunhal”, é a mesma livremente apreciada de acordo com o “princípio da livre apreciação da prova” plasmado no art. 114° do C.P.P.M..

Nesta conformidade, motivos não cremos existirem para se afirmar que o Tribunal a quo errou, notoriamente, na apreciação da prova, decidindo contra as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis, sendo assim de se julgar improcedente o recurso na parte em questão.

— Vejamos agora da percentagem de culpa do arguido na eclosão do acidente.

Diz a ora recorrente que “foi dado por provado que “…de repente, o automóvel ligeiro em frente parou a circulação com urgência" e que o arguido também travou o automóvel "para evitar embater com o veículo da frente" (sic), perdendo o seu controle, transpondo a linha contínua e entrando na via de tráfego onde se encontrava o ciclomotor conduzido pelo ofendido”, e que, “face aos factos assim dados por provados não pode imputar-se ao arguido a culpa exclusiva(!) pelo acidente”, devendo-se repartir tal culpa entre o arguido e o condutor do veículo que seguia à sua frente, ficando o arguido com 70% e aquele com 30% da culpa na eclosão do acidente.

Vejamos.
É verdade que provado está que o veículo que seguia à frente do arguido “travou de repente”, e que o arguido para evitar o choque com tal veículo, travou também o seu, perdendo o controlo do mesmo e indo assim embater no motociclo conduzido pelo ofendido que circulava na faixa de rodagem de sentido contrário.

Não se nega também que adequada não é uma súbita redução da velocidade ou travagem sem previamente se assegurar que tal manobra é feita sem prejuízo para outros utentes da via pública, excepto se tal procedimento for motivado por perigo iminente; (cfr., art. 22°, n° 4 do Código da Estrada).

Porém, no caso importa ponderar no que segue.

Alegou a demandada ora recorrente que o veículo que seguia à sua frente parou subitamente “sem qualquer justificação”; (cfr., art. 3° da contestação a fls. 159).

E, como bem se vê da factualidade dada como provada, assente não está a referida “ausência de motivo”.
Nesta conformidade, e provada não estando a dita matéria, não vemos como imputar-se mesmo assim ao condutor do veículo que seguia à frente do veículo do arguido qualquer percentagem de culpa.

Improcede, também assim o recurso na parte em questão.

— Debrucemo-nos agora sobre a questão da indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelo ofendido.

Pois bem, fixou o Colectivo a quo em MOP$300,000.00 o quantum a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pelo ofendido sofridos, e entende a ora recorrente que excessivo é este montante, pugnando pela sua redução para MOP$180,000.00.

Como sabido é “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 21.04.2005, Proc. n° 318/2004 e de 03.03.2011, Proc. n.° 535/2011).

Na situação dos autos, provado está que o acidente em questão causou ao ofendido lesões que lhe originaram 194 dias de doença e outros 10 fixados como período para recuperação de uma operação a que vai ser submetido.

Igualmente provado está que durante o período em questão, teve o ofendido que suportar muitas dores e inconvenientes, e que ficará com duas cicatrizes, uma de 13 cm e outra de 6 cm na perna direita, que provavelmente padecerá de disfunção na dita perna e que em virtude do acidente perdeu parte da memória.

Ponderando o assim consignado, e não olvidando o estatuído no art. 487°, e art. 489°, n° 3 do C.C.M., cremos que excessivo não é o montante em questão.

De facto, tem este T.S.I. entendido que na matéria em questão não se devem fixar “valores miserabilistas”, e, admitindo-se que sobre a mesma outro entendimento se possa ter, e que se respeita, não se mostra de acolher os “exemplos” pela recorrente invocados na sua motivação de recurso – montantes fixados em sede dos Acórdãos por este T.S.I. prolatados nos autos de recurso n.° 67/2003 e 278/2004 – pois que aí afirmou-se apenas que os montantes arbitrados pelo T.JB., e que vinham sindicados por se entender inflacionados, “não eram excessivos”, (ou melhor, não deviam ser reduzidos, o que é bem diferente, de “adequados”), não sendo de olvidar também que na dita matéria necessário é uma actualização permanente e constante de forma a se compatibilizar os montantes indemnizatórios com o “custo de vida”.

Assim, apreciadas que nos parecem ficar todas as questões colocadas, resta decidir.

Decisão

4. Em face do que se expôs, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Honorários ao Exm° Defensor do demandante e arguido nos montantes de MOP$1.000,00.

Macau, aos 10 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Lai Kin Hong
L Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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