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Reclamação nº 4/2011

Jade Grupo Entretenimento Limitada, autora nos autos do processo CV3-10-0032-CAO que correm os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho que ordenou a suspensão da instância até que venha a ser proferida decisão transitada em julgado nos processos CV3-08-0061-CAO e CV-09-0074-CAO.

Por douto despacho do Mmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida com o primeiro que depois dele haja de subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:

  A, LDA, Recorrente, notificada do douto despacho de admissão do recurso de fls. 423, que lhe fixa subida diferida, vem apresentar Reclamação contra a retenção do recurso, nos termos do art. 595º do CPC, com os fundamentos seguintes:
1. A reclamante apresentou recurso do despacho de fls. 417 e ss., que determinou a suspensão da instância, tendo requerido a sua subida imediata e nos próprios autos.
2. O Tribunal determinou no despacho reclamado que o recurso “sobe com o primeiro que depois dele haja de subir” (nos próprios autos e com efeito devolutivo). Para o efeito, o Tribunal aplicou o art. 602º do CPC, relativo aos recursos que, contrariamente aos do art. 601º, têm subida diferida.
3. Ou seja, o Tribunal reteve o recurso, negando-lhe subida imediata.
4. A Reclamante entende que há lugar à aplicação do art. 601º, nº 2, do CPC, uma vez que a retenção do recurso o tornaria absolutamente inútil.
5. Não faria sentido determinar que o recurso subisse com o primeiro recurso que houvesse de subir, pois, estando a instância suspensa, não vai subir recurso nenhum, porque não vai ser praticado acto algum de que possa ser interposto recurso.
6. Ou seja, se este recurso só pode subir quando outro novo recurso venha a ser interposto, é necessário que a lide prossiga para que sejam tomadas decisões de que se pudesse interpor recurso. Mas como a instância está suspensa não são praticados actos de que se pudesse vir a recorrer.
7. E a instância vai-se manter suspensa uma vez que foi fixado ao recurso efeito devolutivo: não tendo sido suspenso o despacho que determina a suspensão da instância, esta manter-se-á suspensa.
8. Assim, o recurso só poderia subir quando a instância deixasse de estar suspensa. Mas nessa altura já não haveria do que recorrer, pois um recurso contra a decisão que suspenda a instância só se mantém enquanto a instância se mantiver suspensa.
9. Logo, a subida diferida torna o recurso absolutamente inútil.
10. Só assim se explica o regime do art. 603º do CPC que determina que “Sobem nos próprios autos os recursos interpostos das decisões que … suspendam a instância...”. Se o recurso não subisse imediatamente, não haveria necessidade de determinar a subida nos próprios autos, pois, subindo ele com o primeiro recurso que subisse, acompanharia o regime de subida desse outro recurso.
11. Esta é também a posição da jurisprudência e da doutrina. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/12/1991, Proc. n.º 9130447 (JTRP00001074), lê-se que “A absoluta inutilidade do agravo, determinante da sua subida imediata, nos termos do art. 734 n.º 2 do Cód. Proc. Civil, significa que o recurso, com a sua retenção, ficaria ineficaz, sem finalidade alguma ou com total inoperância, como se verifica na hipótese de suspensão da instância.”
12. No mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 15/06/2009, Proc. n.º 65/2004-1: “A subida imediata do recurso, com fundamento na inutilidade absoluta da retenção, é aferida em função dos efeitos práticos que a revogação da decisão recorrida pode causar, de que é exemplo paradigmático o recurso de despacho que determinou a suspensão da instância, pois que subindo o recurso depois de terminada a suspensão, a revogação do despacho que a ordenara não produziria qualquer efeito no processo, por este entretanto já ter retomado a sua marcha.”
13. A doutrina também é inequívoca no mesmo sentido. Amâncio Ferreira (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 5.ª Ed. Revista e Actualizada, pág. 292) escreve similarmente que “Exemplo nítido em que a subida diferida tornaria o agravo absolutamente inútil é o interposto do despacho de suspensão da instância”.
14. De resto, até o próprio recurso da decisão que não suspende a instância tem subida imediata – Despacho da Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/11/2005, Proc. n.º 9787/2005-8 – tal é, por maioria de razão, o caso quando o tribunal suspendeu a instância.
15. Nos termos do art. 601º, n.º 2, são jurisprudência e doutrina unânimes que a subida diferida do recurso de um despacho que determina a suspensão da instância tornaria o recurso absolutamente inútil porque o recurso só poderia vir a ser conhecido quando a instância já não estivesse suspensa e o processo tivesse retomado a sua marcha.
16. Tornando-se o recurso inútil, tal equivale à perda do direito ao recurso: se o recurso nunca poderá vir a ser conhecido, ter o direito de recorrer é uma mera categoria formal a que não corresponde, de facto, o efectivo direito de recorrer, pois este pressupõe que o recurso venha a ser apreciado pelo Tribunal Superior.
17. Se já se sabe que este recurso nunca poderá vir a ser apreciado, de nada releva prever que se pode interpor recurso. Na prática e materialmente é como se se tratasse de uma decisão irrecorrível, ao arrepio da norma geral (arts. 583º e 584º a contrario, do CPC) e de norma específica que prevê expressamente o recurso da decisão que determina a suspensão da instância (art. 603º do CPC).
Face ao exposto, requer muito respeitosamente a V. Exª que se digne revogar a decisão reclamada e ordenar a subida imediata do recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

Passemos então a apreciar a reclamação.

Ora, a única questão levantada pelo reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.

O artº 601º do CPC dispõe:

1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.

Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.

A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.

Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implica a revogação do despacho recorrido que ordenou a suspensão da instância e a consequente retomada da sua marcha.

No despacho de admissão determina-se que o recurso tem o efeito meramente devolutivo e que sobe com o primeiro que depois dele haja de subir imediatamente.

Ora, a fixação do efeito meramente devolutivo implica o cumprimento da decisão recorrida que ordenou justamente que ficasse parado o processo onde foi proferida até ao trânsito das decisões a proferir nos outros dois processos.

A circunstância de ficar parado o processo por força da decisão recorrida impossibilita de per si a concretização da oportunidade de subida que o recurso ora retido está a aguardar, isto é, a interposição de um recurso dominante que faz subir os anteriormente interpostos (artº 602º/1 do CPC).

O que compreende-se facilmente, pois a paragem do processo significa que não pode haver lugar a decisões judiciais susceptíveis de recurso.

Quando houver lugar a decisões judiciais susceptíveis de recurso, já significa que o processo terá retomado a sua marcha.

E a retomada da marcha processual já torna desnecessária a subida do recurso, pois a utilidade do recurso é justamente a retomada da marcha.

Daí, a retenção do recurso conduzirá à inutilidade absoluta do recurso, pois isto se verifica mesmo que venha a ser julgado procedente o recurso, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo, ou seja, não carece de ordenar a marcha do processo quando este já se encontra a marchar!

Nestes termos expostos e sem necessidade de mais considerações, ordeno que seja fixado o regime de subida imediata ao recurso interposto pela ora reclamante Jade Grupo Entretenimento Limitada, por requerimento datado de 28FEV2011, a fls. 422 dos autos principais de processo nº CV3-10-0032-CAO.

Sem custas.

Cumpra o disposto no artº 597/4 do CPC.

RAEM, 02JUN2011

O presidente do TSI

Lai Kin Hong




Recl.4/2011-1