Processo nº 1022/2010-II Data: 19.05.2011
(Autos de recurso penal)
Assunto : Aclaração de acórdão.
Apreendido.
SUMÁRIO
1. A aclaração de uma decisão apenas se justifica quando a mesma seja ininteligível – o que se verifica quando aquela apresente aspectos de significação inextrincável, em termos de não ser possível apurar o que se quis dizer – ou se mostra passível de se lhe atribuir dois (ou mais) sentidos.
2. O pedido de aclaração destina-se a permitir que uma decisão pouco clara, de percepção difícil ou dicotómica, seja apreendida pelo destinatário, que não a questionar eventuais erros de julgamento ou pôr em causa a bondade do julgado.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 1022/2010-II
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-09-0028 decidiu-se – na parte que agora interessa – declarar o perdimento do apreendido (fichas de jogo e quantias monetárias) a favor da R.A.E.M.; (cfr., fls. 702-v a 703-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a assistente “XXX MACAU, S.A.” recorreu pedindo que o dito apreendido lhe fosse restituído; (cfr., fls. 846 a 867).
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Apreciando tal pretensão, e em Acórdão deste T.S.I. prolatado em 14.04.2011, consignou-se o que segue:
“Aqui chegados, vejamos agora do recurso da assistente.
Como se deixou relatado, decidiu o Colectivo a quo declarar perdidas a favor da R.A.E.M. as quantias pecuniárias e fichas de jogo apreendidas nos autos.
E, no seu recurso, impugna precisamente a assistente este segmento decisório, afirmando que o mesmo viola os art. 101 ° e 102° do C.P.M., art. 171 ° e 355°, n.° 2 do C.P.P.M. e art. 1171 ° do C.C.M ..
Cremos, porém, que o recurso não merece provimento.
De facto, provado não está que as fichas e montantes pecuniários apreendidos nos autos são “produto do crime dos autos”, ou que chegaram às mãos dos arguidos através de “forma ilícita”, com prejuízo da assistente.
E, assim sendo, motivos não há para que se decida pela sua devolução à ora recorrente.
Verificando-se também que motivos não há para a declaração de perdimento, há que determinar a sua devolução em conformidade”; (cfr., fls. 1213 a 1214).
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Notificada do assim decidido, veio a referida assistente requerer o esclarecimento do dito aresto.
Alega que:
“1. De acordo com a decisão proferida em primeira instancia, foi declarado o perdimento, a favor da RAEM, das quantias pecuniárias e das fichas de jogo apreendidas aos arguidos.
2. Contra essa decisão insurgiu-se a ora Requerente, tendo, por esse motivo, interposto recurso para esse TSI, por considerar que dos autos resulta sobejamente demonstrado que os arguidos obtiveram proveitos à sua custa, mediante a prática de jogo fraudulento. Do jogo fraudulento não pode resultar qualquer tipo de benefício a favor de quem o pratica, por força do disposto no artigo 1171°, n.° 2, do Código Civil.
3. Considera o TSI não estar provado que as fichas e os montantes pecuniários apreendidos nos autos sejam “produto do crime dos autos” ou que tenham chegado às mãos dos arguidos através de “forma ilícita”, com prejuízo da assistente.
4. Por essa razão, julgou não serem de devolver à ora Requerente.
5. Porém, do mesmo passo, julgou igualmente não haver lugar à declaração de perdimento a favor da RAEM.
6. Pelo contrário, determinou-se que se proceda à devolução do apreendido, sem se especificar a quem.
7. Nos termos do disposto no artigo 171° do Código de Processo Civil, os objectos apreendidos são restituídos “a quem de direito”; (cfr., fls. 1225 a 1226).
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Em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“A assistente vem requerer o esclarecimento do douto acórdão de fls. 1187 e sgs. “sobre qual é a pessoa ou quais são as pessoas que têm direito à restituição dos objectos apreendidos nos autos”.
O seu pedido, todavia, não tem qualquer fundamento.
Vejamos.
O acórdão em apreço rechaçou a pretensão da requerente no sentido da restituição à mesma das fichas e dos montantes pecuniários apreendidos.
E afastou, também, do mesmo passo, a declaração de perdimento a favor da R.A.E.M. que havia sido decretada na 1ª Instância.
Determinou, assim, “a sua devolução em conformidade”.
E tal decisão só pode significar, de facto, que as fichas e quantias em causa devem ser restituídas a quem foram apreendidas.
Como tem decidido este Tribunal, “o pedido de aclaração destina-se a permitir que uma decisão pouco clara, de percepção difícil ou dicotómica, seja apreendida pelo destinatário, que não a questionar eventuais erros de julgamento ou pôr em causa a bondade do julgado” (cfr. ac. de 26-7-2001, recurso n°. 80/01/A).
Impõe-se concluir, enfim, que o douto acórdão não contém qualquer obscuridade ou ambiguidade, sendo insusceptível, por isso, de suscitar quaisquer dúvidas.
Deve, consequentemente, ser indeferido o pedido de aclaração formulado”; (cfr., fls. 1229 a 1230).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
2. Como se deixou relatado, vem a assistente “XXX MACAU, S.A.” pedir a aclaração do Acórdão por esta Instância proferido em 14.04.2011.
Alega, em síntese, que no dito aresto “determinou-se que se proceda à devolução do apreendido, sem se especificar a quem”.
Cremos que labora em equívoco, não se mostrando de acolher o peticionado.
Com efeito, e como em recente Acórdão deste T.S.I. se deixou consignado:
“A aclaração de uma decisão apenas se justifica quando a mesma seja ininteligível – o que se verifica quando aquela apresente aspectos de significação inextrincável, em termos de não ser possível apurar o que se quis dizer – ou se mostra passível de se lhe atribuir dois (ou mais) sentidos”; (cfr, Acórdão de 17.02.2011, Processo n.° 784/2010-I).
E, no caso, há que dizer que não se alcança a “dúvida” da ora requerente.
De facto, se no Acórdão de 14.04.2011 se decidiu julgar improcedente o recurso da assistente porque se considerou que a mesma nenhum direito tinha sobre o apreendido, e considerando-se também que motivos não haviam para a declaração de perdimento a favor da R.A.E.M. se veio a decidir pela “devolução do apreendido em conformidade”, cremos nós que claro é que com o assim consignado se determinou que as aludidas “fichas e quantias monetárias” fossem restituídas (devolvidas) – aos arguidos – a quem foram apreendidas.
Na verdade – e como em qualquer diccionário se poderá ver – “devolver” significa “restituição ao primitivo dono”; (cfr., v.g., “Dicionário de Língua Portuguesa”, Porto Editora).
Dest’arte, não se vislumbrando qualquer obscuridade ou ambiguidade no decidido, e ociosas nos parecendo mais alongadas considerações, impõe-se a improcedência do peticionado.
Decisão
3. Nos termos que se deixaram expostos, acordam indeferir a pretensão apresentada.
Custas pela requerente com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Macau, aos 19 de Maio de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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