Processo nº 808/2010(() Data: 12.05.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Transgressão laboral.
Erro notório na apreciação da prova.
SUMÁRIO
1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
De facto, “é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
2. É de julgar improcedente o recurso no qual se imputa à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, invocando o recorrente um “documento particular”, (mera fotocópia).
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 808/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. No T.J.B., e no âmbito do Processo n.° CR3-10-0016-LCT, proferiu o Mmo Juiz sentença condenando a “COMPANHIA DE CORRIDAS DE CAVALOS DE MACAU, S.A.” (澳門賽馬有限公司), como autora de uma transgressão p. e p. pelo art. 10°, n.° 5 e art 85, n.° 1, al. 2) da Lei n.° 7/2008 na pena de multa de MOP$35.000,00 e no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$438,741.45 ao trabalhador ofendido A; (cfr., fls. 298 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para em síntese imputar à decisão recorrida o vício do “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 305 a 315).
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Em resposta e posterior Parecer é o Ministério Público de opinião que se deve confirmar a decisão recorrida; (cfr., fls. 317 a 318-v e 330 a 331-v).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos constantes da sentença recorrida, a fls 295-v a 296, e que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.
Do direito
3. Como se deixou relatado, vêem a arguida recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B., apresentando como único fundamento do seu recurso a questão do vício de “erro notório na apreciação da prova”, vício este que, em sua opinião, se incorreu no julgamento ocorrido no Tribunal recorrido.
Vejamos então sem demoras se lhe assiste razão.
Pois bem, em numerosos recursos para este T.S.I. trazidos tem se colocado a mesma questão, e, repetidamente, temos entendido que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator)”.
In casu, diz a recorrente que o Tribunal a quo na sua decisão da matéria de facto não atendeu ao “documento de fls. 222”, que consiste numa fotocópia simples de uma certidão de rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças para “Imposto Profissional” do contribuinte A, o ofendido dos autos.
E, com o mesmo pretende a recorrente “provar” os rendimentos (totais) do dito ofendido nos anos de 1999 a 2007.
Ora, sem embargo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, cremos que se terá de julgar improcedente o presente recurso.
Com efeito, sendo o mencionado documento uma “cópia simples”, não se pode considerar que estivesse o Tribunal a quo vinculado (obrigado) a decidir em conformidade com os valores nele inscritos, certo sendo que nos autos outros documentos (também) existem que demonstram que outros foram os valores auferidos pelo trabalhador em causa, não sendo de olvidar que para além das declarações deste em audiência prestadas, ponderou o Tribunal a quo no depoimento de 3 testemunhas; (cfr., fls).
Assim, provado estando que ocorreu efectivamente redução do salário do mesmo trabalhador – pois que o montante que auferia em Agosto de 1999, MOP$9,870.00, nunca mais foi atingido nos anos subsequentes (não obstante alguns aumentos posteriores), e provado também estando que não comunicou a recorrente à entidade competente a dita diminuição, afigura-se-nos que reparo não merece a decisão proferida e ora recorrida.
De facto, nos termos do art. 10° da Lei n.° 7/2008:
“É proibido ao empregador:
1) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses direitos;
2) Obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho;
3) Ceder o trabalhador, sem o seu consentimento escrito, a outro empregador que sobre aquele exerça poderes de autoridade e direcção;
4) Baixar injustificadamente a categoria do trabalhador;
5) Diminuir a remuneração de base do trabalhador, salvo nos casos previstos na presente lei;
6) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada;
7) Reter documentos de identificação do trabalhador”; (sub. nosso).
Em conformidade com o art. 2°, n.° 4 da mesma Lei:
“4) «Remuneração de base», todas as prestações periódicas em dinheiro, independentemente da sua designação ou forma de cálculo, devidas ao trabalhador em função da prestação do trabalho e fixadas por acordo entre o empregador e o trabalhador ou por norma legal”.
E, nos termos do art. 59°, n.° 5 do mesmo diploma legal:
“5. A remuneração de base só pode ser diminuída mediante acordo escrito entre as partes, o qual só produz efeitos após comunicação à DSAL, a efectuar pelo empregador no prazo de dez dias”.
Atento, o preceituado nos transcritos comandos legais, e tendo-se presente a factualidade provada, e nela não constando a “comunicação” a que se refere o n.° 5 do transcrito art. 59°, impõe-se considerar que incorreu a recorrente na transgressão pela qual foi punida, censura não merecendo também a multa fixada, (MOP$35.000,00) que se encontra dentro da moldura prevista no art. 85°, n.° 1, (MOP$20.000,00 a MOP$50.000,00), e que, por isso, se confirma.
Motivos não se divisando para se alterar também a indemnização atribuída ao trabalhador e a que se chegou através dos cálculos efectuados e expostos da sentença recorrida, à vista está a solução que atrás se deixou adiantada da improcedência do recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 6UCs.
Macau, aos 12 de Maio de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
T Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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