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Processo nº 363/2009
(Recurso contencioso)

Data: 19/Maio/2011

Assuntos:
- Contratação de mão de obra de não residentes;
- Vício de forma;
- Falta de fundamentação; de facto e de direito
- Violação de lei;
- Erro nos pressupostos de facto;
- Princípios da legalidade, prossecução do interesse público, proporcionalidade.

SUMÁRIO:

1. A autorização de contratação de mão de obra não residente traduz-se num acto produzido no exercício de poderes discricionários que são conferidos em vista de um determinado fim (fim legal), importando analisar se o fim prosseguido (fim real) condiz ou não com aquele e à luz do Despacho nº12/GM/88 de 1/Fev. pode concluir-se que a protecção da mão de obra residente será um dos fins, entre outros, a prosseguir na autorização ou negação de importação de mão de obra não residente.
2. Um despacho encontra-se fundamentado quando se percebe claramente qual o processo cognoscitivo e valorativo e qual a motivação que conduziram à decisão concreta, devendo a fundamentação ser expressa, clara, suficiente e congruente.
3. Na fundamentação de direito dos actos administrativos não se torna necessária a referência expressa aos preceitos legais, bastando a indicação da doutrina legal ou dos princípios em que o acto se baseia e desde que ao destinatário do acto seja fácil intuir qual o regime concreto aplicável.
4. A possibilidade de contratação de mão de obra não residente configura-se como excepcional, encontrando-se devidamente regulamentada e pressupõe a verificação de determinados requisitos, sendo conferidos às entidades competentes poderes discricionários para autorizar ou não tal contratação.
5. Não há falta de fundamentação se, ao não autorizar o pedido relativo a 5 trabalhadores não residentes, cancelando simultaneamente as autorizações anteriormente concedidas, ao abrigo do Despacho n.º 12/GM/88 de 1/2, a entidade recorrida explicita as razões de que qualquer pessoa de mediana diligência se apercebe e se inteira sobre as razões subjacentes à não autorização e que residiram na situação conjuntural de desemprego e na susceptibilidade de recrutamento local da mão de obra pretendida.

  O Relator,









Processo n.º 363/2009
(Recurso Contencioso)

Date : 19 de Maio de 2011

Recorrente: Construção Civil e Decoração A, Limitada.

Recorrido: O Secretário para a Economia e Finanças
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A “COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO CIVIL E DECORAÇÃO A, LDA” (澳門A建築裝修有限公司), vem recorrer do despacho proferido pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças em 1 de Abril de 2009 e que integra o relatório n.º 04388/INF/GRH/09 de 25 de Março de 2009 do Gabinete para os Recursos Humanos (GRH), alegando em síntese conclusiva:
    O despacho proferido em 1 de Abril de 2009 pelo Secretário para a Economia e Finanças constante do relatório n.º 04388/INF/GRH/09 da GRH, de 25 de Março de 2009 (adiante designado como o despacho recorrido) cancelou a autorização para trabalho de 5 trabalhadores não residentes da recorrente (Cfr. anexo n.º 1).
    O despacho recorrido foi elaborado de acordo com os fundamentos no relatório n.º 04388/INF/GRH/09 da GRH. (vide o anexo n.º 1).
    Mas faltam fundamentos de direito para este acto administrativo.
    Nos termos do art.º 114.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o órgão administrativo tem dever de fundamentação.
    Nos termos do art.º 115.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão; (...)” mas no despacho recorrido não se invoca dispositivo legal ou princípio de direito como fundamentos para a decisão.
    Ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do art.º 115.º do Código do Processo Administrativo, por falta de requisitos da fundamentação (fundamentos de direito), o despacho recorrido incorre na insuficiência de fundamentos que equivale à falta de fundamentação.
    “Não há qualquer fundamentação de direito quando se não invoca, no acto administrativo, norma legal ou princípio de direito como justificativos do sentido decisório, apresentando, deste modo, insuficiente a fundamentação do acto que equivale à falta de fundamentação e determina consequentemente a sua anulação.” “É reconhecida à obrigatoriedade da fundamentação uma dimensão formal autónoma que se apresenta como uma condição de validade dos actos administrativos, em termos de que a sua falta pode ter por consequência a anulação deles, mesmo que não contenham, ou independentemente de conterem ou não, vícios substanciais.” (Cfr. o acórdão do TUI n.º 14/2002 de 6 de Dezembro de 2002).
    O despacho recorrido também contém vários vícios de erros de facto. Primeiro, o artigo n.º 1 do despacho recorrido não é o facto.
    A recorrente paga sempre aos seus trabalhadores todo o vencimento previsto no contrato e na lei.
    Por exemplo, em Junho de 2008, por ter muitas faltas não razoáveis no mês, o trabalhador não residente, B, que tinha apresentado à DSAL queixa contra a recorrente, não recebeu MOP$8.650,00 como os outros trabalhadores (Cfr. “registo de frequência dos trabalhadores em Junho de 2008”, no anexo n.º 7 do recurso hierárquico interposto pela recorrente ao Secretário para a Economia e Finanças constante dos autos do despacho recorrido).
    E a DSAL já procedeu ao arquivamento do auto de queixa n.º 1689/DIT/KEIN/2008 do trabalhador não residente B.
    Por isso, não existe no despacho recorrido a referida situação na qual a recorrente não pagou o salário na íntegra a dois trabalhadores não residentes.
    Segundo, a recorrente formulou, por escrito, contratos de trabalho com todos os trabalhadores não residentes, e o prazo dos contratos não excede o prazo autorizado pela GRH. As condições estabelecidas nos contratos também não são inferiores às estabelecidas junto com as agências de emprego e aprovadas pela GRH (anexo n.º 2).
    Por isso, também não existe no art.º 2.º do despacho recorrido a referida situação na qual a recorrente não cumpriu o dever específico no art.º 2.º do despacho n.º 15319/IMO/GRH/2008.
    Terceiro, de acordo com os dados de emprego da autoridade em causa, há 184 trabalhadores locais a requerer os cargos vinculados. Porém, revelou-se nos dados em causa que o salário médio requerido pelos requerentes é de MOP$12.682,55 por mês, valor que excede muito o nível salarial que a recorrente pode suportar (segundo os antigos requerimentos apresentados pela recorrente à GRH, o nível salarial médio dos trabalhadores não residentes foi de MOP$8.500 a MOP$8.600), é impossível para a recorrente contratar vários trabalhadores locais com esta quantia de dinheiro, razão pela qual a condição de salário em causa é diferente da condição de contratação de trabalhadores da recorrente.
    De facto, após o cancelamento da autorização para trabalho dos trabalhadores não residentes da recorrente, é impossível para a recorrente contratar trabalhadores com capacidade de trabalho equivalente à dos 5 trabalhadores em causa num curto prazo.
    No artigo n.º 3 do despacho recorrido, não se indicou detalhadamente quais projectos de grande escala foram postos de lado e deixaram grande número de trabalhadores desempregados, também não se anexaram os dados de “existirem inscritos nas Bolsas de Emprego da Região muitos trabalhadores locais (1.222) habilitados a exercer as funções em causa” ao despacho recorrido.
    Quarto, o despacho recorrido tem como fundamento que “o estabelecimento também já tem autorização de contratação de trabalhadores não residentes” no artigo n.º 4 e assim cancelou a autorização para trabalho de 5 trabalhadores não residentes (trabalhadores da construção) da recorrente, conduta essa é ilegal.
    Nos termos dos dispostos no despacho n.º 12/GM/88, a GRH deve fazer decisão contra a entidade que requer os trabalhadores não residentes (o recorrente) e não deve utilizar outras companhias com a mesma natureza de serviço contra a recorrente.
    A recorrente e as outras companhias com a mesma natureza de serviço naquele estabelecimento são entidades diferentes na lei e são mutuamente independentes na lei e nos factos.
    O artigo n.º 4 do despacho recorrido não constituiu qualquer um dos fundamentos estipulados no art.º 5.º do despacho n.º 12/GM/88, razão pela qual a GRH deve fazer decisão contra a entidade que requer os trabalhadores não residentes (a recorrente) e não deve utilizar outras companhias com a mesma natureza de serviço contra a recorrente.
    Por isso, o artigo n.º 4 do despacho recorrido é ilegal.
    Salvo o devido respeito, o artigo n.º 4 do despacho recorrido violou o princípio da legalidade do art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo.
    A autoridade deve considerar concretamente e individualmente as vagas de trabalhadores não residentes concedidas às companhias, à luz das situações reais de cada companhia. Não deve a autoridade rejeitar ou cancelar a concessão das vagas à recorrente, usando a concessão de vagas às outras companhias com mesma natureza de serviço no estabelecimento como factores de consideração.
    Em contrário, se a recorrente contrate trabalhadores não residentes das outras entidades ou permita aos trabalhadores não residentes que possuem a autorização por conta de outra entidade trabalhar para a recorrente, esta violará os dispostos no art.º 2.º (âmbito de aplicação) al. 2) do Regulamento Administrativo n.º 17/2004-Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal.
    Pelo que, o despacho recorrido violou o princípio da legalidade, cancelando a autorização para trabalho de parte dos trabalhadores da recorrente com base nos fundamentos ilegais.
    Em segundo lugar, a recorrente celebrou com a “Companhia de Construção e Engenharia C, Lda” (C建築工程有限公司) um contrato de projecto com o qual se comprometeu à instalação de equipamentos mecânicos e eléctricos nas habitações sociais (anexo n.º 3), e o projecto já se iniciou.
    De acordo com as estipulações no contrato de projecto supracitado, a recorrente “tinha de completar o trajecto do contrato de acordo com o âmbito do projecto dentro do prazo previsto”, e o não cumprimento será considerado como demora, sob multa diária de MOP$5.000,00 (anexo n.º 3).
    Ora com o cancelamento da autorização para trabalho de 5 trabalhadores não residentes, é impossível para a recorrente contratar trabalhadores com capacidade de trabalho equivalente à dos 5 trabalhadores em causa num curto prazo.
    Assim, o progresso do projecto das habitações sociais será gravemente afectado, fazendo com que a recorrente não possa cumprir o contrato como previsto. O prejuízo económico directo em causa é estimado no valor de MOP$300.000,00.
    Além do prejuízo económico, se a recorrente não possa cumprir o contrato acima referido no prazo previsto, a reputação e a honestidade que a recorrente gozava em Macau sofrerá um prejuízo de difícil reparação.
    Nos termos do art.º 4.º do Código do Procedimento Administrativo, compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público.
    Segundo a actual situação económica em Macau e a orientação do governo da Administração, o cancelamento da autorização para trabalho dos trabalhadores da recorrente prejudica a concretização das políticas públicas do Governo, fazendo com que os habitantes de Macau não possam beneficiar a tempo das políticas de regalia, danificando sem dúvida os interesses da sociedade de Macau e das massas populares.
    Pelo que, a decisão no despacho recorrido prejudicou directamente o interesse público, violando o princípio da prossecução do interesse público.
    Nos termos do art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
    O despacho recorrido não considerou as exigências da recorrente de cumprir o contrato supracitado e o interesse público, e sem dando à recorrente um “período de atenuação” (ou suspender o cancelamento da autorização até à contratação de trabalhadores locais da recorrente), cancelou de uma vez a autorização para trabalho de 5 trabalhadores não residentes da recorrente, violando obviamente o princípio da proporcionalidade dos órgãos administrativos.
    Pelo que, o despacho recorrido violou os princípio gerais da legalidade, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade do procedimento administrativo.
    Pelo exposto, nos termos dos artigos 114.º, 115.º e 124.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, por falta de fundamento de direito e por conter erros de facto e direito, o despacho recorrido deve ser anulado.
    Pedido:
    Pelo exposto, por o despacho recorrido carecer de fundamentação e violar princípios gerais do procedimento administrativo, violar os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 114.º e 115.º do Código do Procedimento Administrativo, ao abrigo do art.º 124.º do mesmo Código, solicita a anulação do despacho recorrido.


    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças contesta, alegando, em síntese:
    A decisão do cancelamento da autorização de contratação dos trabalhadores não residentes, feita pelo Chefe da GRH, é parte integrante do despacho recorrido, razão pela qual os fundamentos de facto e de direito constantes da decisão são todos conteúdos do despacho.
    Deve qualquer pessoa que tenha capacidade de compreender ao nível médio saber bem quais são as razões de facto e de direito para cancelar a autorização de contratação da recorrente.
    Por isso, é improcedente a acusação da recorrente de que o despacho recorrido não tem fundamentação.
    O facto da recorrente de não pagar todos os salários pertence aos factos provados, e ao mesmo tempo não há prova nenhuma que justifique este acto da recorrente.
    O acto da recorrente de não pagar o salário na íntegra sem causas legítimas constituiu infracção do n.º 2 dos deveres específicos estabelecidos no acto da GRH de aprovar a renovação da autorização de contratação da recorrente.
    O facto da recorrente de não cumprir os deveres específicos é suficiente para o cancelamento da autorização de contratação da recorrente, além disso, a entidade recorrida ainda explicou à recorrente no despacho recorrido as outras razões secundárias6 para a decisão.
    A acusação da recorrente de que o despacho recorrido violou o princípio da prossecução do interesse público não tem fundamento nenhum. O que o despacho recorrido prosseguiu é o interesse público de punir os empregadores que não cumprem os deveres específicos estabelecidos para a autorização de contratação dos trabalhadores não residentes, não é o interesse privado de ajudar a recorrente a cumprir a tempo o contrato de direito privado celebrado com outros particulares.
    A acusação da violação do princípio da proporcionalidade também não tem fundamento, pois o despacho recorrido é uma decisão adequada, necessária e proporcional feita segundo o poder discricionário, e o fundamento1 apresentado pela recorrente não é suficiente para constituir contraprova.
    Pelo exposto pede se julgue improcedente o presente recurso contencioso.
    
    No essencial a recorrente mantém o alegado nas suas alegações facultativas.
    
    O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
    Vem "Construção Civil e Decoração A, Lda.'' impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 1/4/09 que determinou o cancelamento de autorização de trabalho de 5 trabalhadores não residentes ao serviço da recorrente, assacando-lhe vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei, quer por erro nos pressupostos de facto e de direito, quer por atropelo dos princípios da legalidade, adequação, prossecução do interesse público e proporcionalidade.
    Cremos, porém, que, sem qualquer razão.
    No que tange ao vício de forma, não existe qualquer dúvida que o ordenamento jurídico vigente (cfr. designadamente, art. 114°, CPA) impõe à Administração o dever de fundamentar, de facto e de direito, as decisões que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, visando-se, claramente, o perfeito esclarecimento destes, em ordem a permitir-lhes a aceitação ou impugnação do acto, devendo, por tal motivo, a fundamentação ser expressa, clara, suficiente e congruente.
    Encontramo-nos, pois, de acordo com os contornos, com o conceito de "fundamentação" expresso pela recorrente. Na verdade, desde que o acto permita ao seu destinatário, tomando como referência o destinatário concreto, cidadão diligente e cumpridor da lei, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que decide, encontrar-se-à o mesmo devidamente fundamentado.
    O que, a nosso ver, sucede no presente caso.
    Na verdade, do externado pelo despacho, bem como das "informações" e "pareceres" em que o mesmo assentou, colhe-se que a decisão em crise se ficou a dever ao facto de:
    - a recorrente não ter pago a quantia suficiente de salários a um trabalhador de nacionalidade chinesa;
    - incumprimento da obrigação especial n.º 2 prevista no Despacho n.º 15139/GRH/2008, no que concerne aos prazos autorizados e condições previstas nos contratos celebrados entre a recorrente e a Agência de Empregos;
    - terem, ultimamente, muitos trabalhadores da área da construção civil em que a recorrente se enquadra, sido despedidos devido à demora de projectos de grande escala, encontrando-se esta área de actividade bastante deprimida;
    - ser alta a percentagem de trabalhadores não locais no estabelecimento onde funciona a recorrente e outras empresas do sector, encontrando-se registados no mercado de emprego muita mão de obra local apta para o exercício das funções em questão.
    Nestes parâmetros, constata-se que o externado pelo despacho controvertido detém os requisitos anteriormente propugnados, ficando um cidadão médio em perfeitas condições de apreender os motivos e juízos de valor que sustentaram a decisão de cancelamento, não se podendo sustentar que tal motivação se mostre incongruente : o cancelamento registado apresenta-se como consequência normal a retirar dos motivos invocados, sendo que os dispositivos jurídicos atinentes às opções formuladas se encontram também vertidos, de forma clara, nos pareceres e informações a que o acto anuiu.
    A recorrente poderá com eles não concordar e questionar, como questiona, a respectiva veracidade, mas que os mesmos estão expressos de forma clara, suficiente e congruente, é uma evidência.
    Por outro lado, na apreciação de matéria atinente à contratação de trabalhadores não residentes, os normativos aplicáveis deixam, como é evidente, ao órgão decisor certa liberdade de apreciação àcerca da conveniência e da oportunidade sobre o respectivo deferimento.
    Encontramo-nos, pois, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários que, constituindo embora uma peculiar maneira de aplicar as normas jurídicas se encontram, todavia, sempre vinculados a regras de competência, ao fim, do poder concedido, a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, não existindo, como é óbvio, qualquer excepção ao princípio da legalidade, mesmo na vertente da reserva de lei.
    E, como é evidente, o erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão, releva também no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo legislador ao conceder aqueles poderes falseia-se se os factos em que assenta a decisão não forem correctos.
    Daí que se entenda que constitui sempre um momento vinculado do acto discricionário a constatação dos factos realmente ocorridos : os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo, discricionário ou outro, devem ser sempre verdadeiros.
    Só que, não se vê que no caso vertente o não sejam: por uma banda, é público e notório existir no Território, pelo menos à data da prolação do acto, situação de crise na área da construção civil, com atraso e paragem de obras de grande envergadura, com despedimento de muitos trabalhadores, encontrando-se registados nos centros de emprego largas centenas de locais aptos a desempenhar as funções atribuídas aos não residentes aqui em causa e, por outro lado, nada nos autos e respectivo instrutor permite infirmar ou contrariar a veracidade do facto de a recorrente não ter pago, na íntegra, os salários devidos ao trabalhador em questão, nada permitindo contrariar também quer do desrespeito da obrigação especial n.º 2 do Despacho 15319/IMO/GRH/2008, quer da asserção de que no estabelecimento onde se situa o recorrente e onde funcionam outras empresas do sector se encontra já atribuído elevado número de quotas de não residentes.
    Afigura-se-nos, assim, que, do acervo probatório carreado para o procedimento e próprios autos resulta como comprovado, demonstrado e correspondente com a realidade o afirmado em termos da motivação do acto e, daí, poder concluir-se corresponderem à realidade os pressupostos factuais subjacentes à decisão.
    De resto, como é evidente, o fim que a lei visou ao conferir à entidade recorrida o poder de autorizar a contratação de trabalhadores não residentes não coincide, necessariamente, com os fins especificamente visados pelas entidades privadas que procuram o deferimento de tal pretensão: só reflexamente (uma vez que interessa também à Administração um efectivo e salutar desenvolvimento das actividades levadas a cabo na Região) e dependendo do interesse comum e colectivo é que tais interesses privados poderão ser contemplados.
    Ora, do conteúdo do acto em crise consegue descortinar-se, com clareza, que o que essencialmente motivou o indeferimento questionado, para além da defesa dos pressupostos em que assentou a contratação de mão de obra não residente e reacção perante esse incumprimento, foi a defesa de postos de trabalho para os residentes da RAEM, numa altura em que a situação do mercado de trabalho se apresenta desfavorável, sendo certo que existem trabalhadores locais disponíveis e aptos para o desempenho das funções pretendidas, afigurando-se, pois, a decisão como adequada, já que deve ser apanágio dos órgão de Estado responsáveis a defesa dos postos de trabalho dos respectivos cidadãos nacionais, só autorizando a contratação de mão de obra não residente no caso de insuficiência ou incapacidade daqueles, não se descortinando, pois, a este nível, minimamente beliscados os anunciados princípios da legalidade, adequação, prossecução do interesse público e. proporcionalidade, revelando-se, a esse propósito, a argumentação sobre o maior salário previsto para os trabalhadores locais para o exercício das mesmas funções, apenas caricato e revelador do que, afinal, verdadeiramente condiciona a requerente na contratação pretendida : apenas o desejo de contratação de mão de obra mais barata, sem a mínima consideração acerca da existência de desemprego da mão de obra local para as mesmas funções.
    É claro que não somos insensíveis à questão (anunciada como "erro de direito") de se utilizar também como argumento a existência de elevado número de quotas noutras empresas do ramo, sitas no mesmo estabelecimento da recorrente, mal se vendo, na verdade, como imputar ou penalizar esta por matéria' a que é alheia : cremos contudo, que tal asserção, para além de se enquadrar na justificação atinente à necessidade de controle de atribuição de quotas de mão de obra não residente para o sector, nunca se mostraria, por si, passível de fundamentar eventual invalidação do acto, de conteúdo discricionário, mostrando-se o restante invocado como suficiente para justificação do decidido.
    Termos em que, por não ocorrência de qualquer dos vícios invocados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.
    
    Oportunamente foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade ad causam.
    Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do recurso.
    
    
    III - Despacho recorrido
    
É do seguinte teor o despacho recorrido:
“Despacho n.º 04721/REC/GRH/2009
Transcrição do Despacho proferido em 01/04/2009 pelo
Secretário para a Economia e Finanças
    Do Despacho n.º 02315/IMO/GRH/2009 em 17 de Fevereiro de 2009, a Companhia de Construção Civil e Decoração A, Limitada apresentou, em 13 de Março de 2009, o recurso hierárquico necessário contra a decisão feita no Despacho supracitado, pedindo a autorização de contratação de cinco (5) trabalhadores não residentes. Transcreve-se o Despacho proferido em 1 de Abril de 2009 pelo Secretário para a Economia e Finanças na Informação n.º 04388/INF/GRH/09 em 25 de Março de 2009 desta Gabinete:
    Autorizo a proposta.”
    O Despacho supracitado foi proferido conforme os seguintes motivos da Informação:
“Embora o interessado apresente explicação escrita, não é suficiente constituir novo fundamento e prova para apoiar este pedido, ao mesmo tempo, considerando que: 1) o Ofício n.º 15955/DIT/2008 em 28 de Outubro de 2008 da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e os anexos mostram-se que na Companhia de Construção Civil e Decoração A, Limitada, existe realmente a situação de pagamento insuficiente a um trabalhador das obras da nacionalidade chinesa; 2) A Companhia de Construção Civil e Decoração A, Limitada não cumpriu o ponto 2 das obrigações específicas fixadas no Despacho n.º 15319/IMO/GRH/2008; 3) Dado que muitos trabalhadores foram despedidos recentemente por parte das obras de grande dimensão se encontrar paralisada, a construção torna-se numa actividade em decadência no mercado de mão-de-obra, ao mesmo tempo, considerando os dados de registo de emprego desta Direcção, mostra-se que grande número de residentes de Macau (1.222,00) que reúne os requisitos conseguirá assumir o respectivo cargo; e 4) De acordo com os dados da Direcção dos Serviços de Finanças, há mais várias entidades de natureza de actividade igual que foram registadas e estavam no funcionamento no estabelecimento do interessado, e estes estabelecimentos também foram autorizados para contratar os respectivos trabalhadores não residentes. Pelo que, propõe-se manter a decisão original.
Nos termos do art.º 25.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Administrativo e art.º 36.º al. 8) (2) da Lei n.º 9/1999, aprovado pelo D.L. n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, o requerente pode interpor o recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância dentro de 30 dias contra este acto administrativo.”
    
    IV - FUNDAMENTOS
    
    1. O objecto do presente recurso - se o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 1/4/009 que cancelou as autorizações para trabalho de não residentes anteriormente concedidas, deve ou não ser anulado - passa pela análise das seguintes questões, tantas quantas as elencadas pela Recorrente na sua petição de recurso e perspectivadas em termos de vícios assacados ao acto, utilizando aqui a sistematização usada pela recorrente:
    
- falta de fundamentação, de facto e de direito;
- erro nos pressupostos de facto;
- erro de direito,
- ofensa dos princípios da legalidade, prossecução do interesse público, proporcionalidade.
    
    2. Alegou a recorrente que a autoridade recorrida não fundamentou o acto, focando-se na pretensa falta de fundamentação de direito da decisão.
    Ou seja, o acto não estaria fundamentado por não se invocarem dispositivos legais ou princípios de direito como fundamentos para a decisão.
     Quanto à falta de fundamentação, alega a Recorrente que inexiste no despacho recorrido qualquer fundamentação de direito.
     Tal fundamentação não obedeceria aos requisitos que a lei prescreve.
    
    Na verdade, tal alegação não deixaria de relevar na medida em que a recorrente ficasse impossibilitada de conhecer o iter cognoscitivo da autoridade recorrida a fim de, ou se opor ao acto, ou, concordando com o seu conteúdo, se conformar com o mesmo, invocando para tanto o disposto nos artigos 113º a 115º, 122º, n.º2 alíneas d) e f) do C.P.A.
    
    3. A lei impõe no presente caso o dever de se fundamentar a decisão, o que decorre expressamente do disposto no nº 1, al. c) do artigo 114º do CPA.
    
    Nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 114º do C.P.A., aprovado pelo D.L. n.º 57/99/M, de 11.10, “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”.
    
    Relativamente aos requisitos da fundamentação, impõe o artigo 115º C.P.A., no seu n.º1, que a “fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto” e nos termos do n.º2 do mesmo artigo 115º “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
    
    4. Ora, analisado o despacho em apreço, que indeferiu a pretensão da interessada percebe-se claramente qual o processo cognoscitivo e valorativo e qual a motivação que conduziram àquela decisão, mostrando-se que a fundamentação apresentada se mostra expressa, clara, suficiente e congruente.
    
    Na verdade, ao não autorizar o pedido relativo a 5 trabalhadores não residentes, cancelando simultaneamente as autorizações anteriormente concedidas, ao abrigo do Despacho n.º 12/GM/88 de 1/2, fê-lo a entidade recorrida explicitando as razões de que qualquer pessoa de mediana diligência se apercebe e se inteira sobre as razões subjacentes à não autorização e que residiram na situação conjuntural de desemprego e na susceptibilidade de recrutamento local da mão de obra pretendida.
    
    Aliás, tanto assim, que a própria Recorrente percebeu o alcance dessas motivações é demonstrativo dessa inteligibilidade o facto de esgrimir com o erro quanto aos pressupostos de facto que estiveram na base daquela decisão e que adiante se analisará.
    
    5. Quanto à falta de menção da norma em concreto, bastará referir que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se torna necessária a referência expressa aos preceitos legais, bastando a indicação da doutrina legal ou dos princípios em que o acto se baseia e desde que ao destinatário do acto seja fácil intuir qual o regime concreto aplicável.2

É certo que não se indica uma norma específica, mas tal também parece não se mostrar necessário. Para que um acto administrativo se considere fundamentado de direito não é necessário uma referência expressa ao texto legal ou aos princípios jurídicos em que o acto se baseia. A referência a essa doutrina ou a esses princípios pode estar simplesmente implícita na exposição dos seus fundamentos.3

Esta a orientação já seguida por este Tribunal.4
    
    
    6. Se bem que não concretamente referida a falta de fundamentação de facto, entendemos que será pertinente atentar nas razões que levaram ao cancelamento da autorização de trabalho para se poder proceder a um enquadramento global da fundamentação utilizada.
    Na verdade, parece não haver dúvidas que se fica a saber facilmente das razões da não autorização de trabalho, e se concretizaram em:
    - a recorrente não ter pago a quantia suficiente de salários a um trabalhador de nacionalidade chinesa;
    - incumprimento da obrigação especial n.º 2 prevista no Despacho n.º 15139/GRH/2008, no que concerne aos prazos autorizados e condições previstas nos contratos celebrados entre a recorrente e a Agência de Empregos;
    - terem, ultimamente, muitos trabalhadores da área da construção civil em que a recorrente se enquadra, sido despedidos devido à demora de projectos de grande escala, encontrando-se esta área de actividade bastante deprimida;
    - ser alta a percentagem de trabalhadores não locais no estabelecimento onde funciona a recorrente e outras empresas do sector, encontrando-se registados no mercado de emprego muita mão de obra local apta para o exercício das funções em questão.
    
Daqui decorre que a entidade recorrida se pautou por princípios de adequação, razoabilidade, conveniência, protecção dos trabalhadores locais, estímulo do mercado laboral, protecção das condições laborais, tudo matéria que dimana dos princípios que devem pautar as decisões da Administração neste domínio e que devem reger o Direito Laboral.

    Na apreciação do requerimento para autorização da contratação de trabalhadores não residentes, os normativos aplicáveis deixam ao órgão decisor uma ampla margem de livre apreciação ou autodeterminação,5 dando o legislador liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade sobre o respectivo deferimento.
    
    7. Na verdade, aqueles pressupostos de facto encontram-se plasmados nos pertinentes preceitos legais.
    
    O Despacho nº12/GM/88 de 1/Fev. estabelece:
     “(...)
    3. As empresas de Macau podem, no entanto, estabelecer contratos de prestação de serviços com terceiras entidades, visando a prestação de trabalho por parte de não-residentes, desde que obtido, para o efeito, despacho favorável do Governador.
    4. O despacho referido no número anterior será proferido a requerimento da entidade interessada, depois de instruído com pareceres do Gabinete para os Assuntos de Trabalho e da Direcção dos Serviços de Economia.
    5. O parecer do Gabinete para os Assuntos de Trabalho contemplará essencialmente:
    a) A eventual disponibilidade de mão-de-obra residente para as necessidades de trabalho a realizar:
    b) O nível salarial praticado relativamente aos trabalhadores residentes;
    c) A proporção que se julgue aceitável entre trabalhadores residentes e trabalhadores não-residentes:
    d) A regularidade do cumprimento das obrigações legais relativamente aos trabalhadores residentes.
    6. O parecer da Direcção dos Serviços de Economia terá sobretudo em conta:
    a) As necessidades de mão-de-obra relativamente ao volume de produção esperado;
    b) As expectativas de colocação do volume de produção esperado;
    c) As relações de compatibilização que se julguem adequadas entre o recurso a acréscimos de mão-de-obra e os melhoramentos tecnológicos que os possam dispensar, total ou parcialmente;
    d) A importância relativa da unidade produtiva dentro do sector e a prioridade relativa do sector à luz das linhas de política económica que se encontrem definidas.
    (...)”
    
    Posteriormente o Despacho nº 49/GM/88 de 16 de Maio consagrou o seguinte:
    “1. Quando se trate de trabalhadores especializados ou de trabalhadores que, consideradas as condições do mercado de trabalho local, não se encontram normalmente disponíveis em Macau, poderá o Governador autorizar, ao abrigo do disposto no Despacho n.º 12/GM/88, a prestação de serviço por parte de trabalhadores não-residentes, ficando a custódia dos mesmos confiada à própria entidade empregadora.
    2. A contratação desses trabalhadores está sujeita à tramitação prevista no Despacho n.º 12/GM/88, com as especialidade seguintes:
    a) O requerimento da entidade interessada a que se refere o n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88, deverá desde logo:
    a.1. Relacionar os indivíduos cuja contratação se pretende, bem como fundamentar a sua necessidade, nos termos do disposto no n.º 1;
     (...)
    b) O requerimento será instruído com o parecer do Gabinete para os Assuntos do Trabalho, que, neste caso, contemplará essencialmente:
    b.1. A eventual disponibilidade de mão-de-obra residente qualificada para as necessidades de trabalho a realizar;
    b.2. Uma apreciação sobre a descrição de funções das categorias profissionais dos trabalhadores a contratar, de modo a permitir concluir pela sua correspondência a profissões especializadas;
    b.3. A utilidade da contratação de trabalhadores com as qualificações indicadas para efeito da formação profissional que poderão, eventualmente, prestar a trabalhadores residentes;
    (...)”
    
    8. Em todo o caso encontramo-nos perante um acto produzido no exercício de poderes discricionários que são conferidos em vista de um determinado fim (fim legal), importando analisar se o fim prosseguido (fim real) condiz ou não com aquele6 e à luz do Despacho nº12/GM/88 de 1/Fev. pode concluir-se que a protecção da mão de obra residente será um dos fins, entre outros, a prosseguir na autorização ou negação de importação de mão de obra não residente.
    O fim que a lei visou ao conferir à entidade recorrida o poder de autorizar a contratação de trabalhadores não residentes não coincide, necessariamente, com os fins especificamente visados pelas entidades privadas que procuram o deferimento de tal pretensão.
    
    Ora, está bem de ver que a motivação invocada vai exactamente ao encontro deste desiderato, pelo que não se pode assacar ao acto praticado qualquer divergência entre o fim legal e o fim realmente prosseguido, radicando-se aí uma fundamentação legal implícita.
    
    Requisitos legais, aliás, que a recorrente não podia ignorar, até porque formulou o requerimento, como se alcança do P.I., com base naquele mesmo Despacho n.º 12/GM/88 de 1 de Fevereiro (cfr. fls 174), despacho este expressamente referido em despachos notificados à recorrente (fls 129).
    
    9. Passemos agora aos pretensos erros de facto, a configurarem eventual vício de erro nos pressupostos de facto.
    
    Invoca a Recorrente três ordens de argumentos para dizer que a decisão se baseou em pressupostos errados:
    
    - Segundo o ofício n.º 15955/DIT/2008 e os seus anexos de 28 de Outubro de 2008 da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, verifica-se que a “COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO CIVIL E DECORAÇÃO A, LDA” (澳門A建築裝修有限公司) não pagou o salário na íntegra a um trabalhador de construção da nacionalidade chinesa;
    
    - a recorrente formulou, por escrito, contratos de trabalho com todos os trabalhadores não residentes, e o prazo dos contratos não excede o prazo autorizado pela GRH. As condições estabelecidas nos contratos também não são inferiores às estabelecidas junto com as agências de emprego e aprovadas pelo GRH;
    
    - de acordo com os dados de inscrição nas Bolsas de Emprego da autoridade em causa (constantes do relatório n.º 02495/OFI/GRH da GRH nos autos do despacho recorrido), há 184 trabalhadores locais a requerer os cargos de trabalhador que assentam tijolos/ trabalhador de azulejo/ trabalhador de ladrilho/ trabalhador de alvenaria.
    
    Donde, conclui, terem sido considerados, para efeito de decisão, factos desconformes com a realidade.
    
    10. Em relação ao primeiro dos apontados factos nega que não tenha pagado o devido ao referido trabalhador, adiantando que o auto de queixa n.º 1689/DIT/KEIN/2008 até foi arquivado.
    
    Ora bem, sobre esta alegação, o que importa reter é que para além do que vem alegado, a recorrente não carreia para os autos qualquer prova que infirme a factualidade em que a entidade recorrida se louvou para concluir como concluiu.
    
    O facto pretensamente relevante de se ter arquivado a queixa não quer dizer que a infracção de falta de pagamento se não tenha verificado, bastando pensar na situação que pode originar um arquivamento como seja o pagamento posterior ou uma qualquer outra causa extintiva de procedimento.
    
    E no caso dos autos até se verifica ter ocorrido esse pagamento.
    
    Estamos em crer que cabia à recorrente demonstrar que esse facto não ocorreu e o certo é que não carreou qualquer prova para o efeito - não se devendo limitar a afirmar que um dado empregado não recebeu a totalidade dos salários por falta de assiduidade, sendo certo que um registo de frequência de trabalhadores não tem virtualidade infirmatória do apontado facto -, nada decorrendo dos elementos dos autos que infirmem tal pressuposto dado por assente pela entidade recorrida.
    
    11. Passemos ao apontado segundo erro.
    
    Segundo a recorrente não se verifica a situação decorrente do incumprimento do dever específico respeitante ao art. 2º do despacho n.º 1539/IMOGRH/2008.
    
    Os prazos não terão ultrapassado os autorizados pelo GRH e as condições salariais não estavam num nível inferior àquelas previstas nos contratos celebrados entre a recorrente a Agência de Empregos.
    Ainda aqui não se mostram impugnados os factos dados por assentes, anotando-se que o dever do art. 2º do despacho n.º 15319/IMO/GRH/2008 não se refere àquelas apontadas rubricas, mas sim ao não pagamento na íntegra sem causa legítima.
    
    12. Quanto ao terceiro apontado erro, não é verdade que não se verifique o pressuposto de existir oferta de trabalho de mão de obra residente para o trabalho em questão.
    
    Para além de ser facto público e notório que a situação no mercado de trabalho da R.A.E.M. não era, à data da prolação do despacho, das melhores - não se tornando assim necessário elencar quais os grandes empreendimentos onde houvera despedimentos e a indicar quis as concretas situações de desemprego -, enfrentando-se dificuldades nesta área, também é verdadeiro, quanto a esta situação concreta, que havia, na Bolsa de Emprego da DSTE trabalhadores locais disponíveis e minimamente qualificados para o exercício das funções de que a mesma necessitava.
    
    Pagando mais, é certo, em relação aos trabalhadores locais, mas esse é um valor em termos dos interesses gerais que não será despiciendo tutelar, seja em termos de protecção da mão de obra local, seja em termos de preocupação de aproximação dos salários.
    
     13. Quanto a um pretenso erro de Direito baseado no facto de a Administração invocar que empresas do mesmo grupo já beneficiavam da contratação de mão de obra não residente, pelo que esse seria um factor para não permitir as contratações em causa, esse argumento, ainda que não se mostrando decisivo, não deixa de se mostra irrelevante de todo.
    
    Trata-se de um facto não desmentido pela recorrente, limitando-se esta a discordar do critério.
    
    O certo é que se trata de um facto não desmentido e entramos num domínio relativo á discricionariedade da entidade recorrida, vislumbrando-se ainda aí uma preocupação em atender aso interesses gerais em termos de razoabilidade e proporcionalidade, porventura em detrimento dos interesses dos particulares.
    
    Na lógica da Administração não deixa de estar latente uma preocupação de rateio nas contratações, o que não deixa de ir ao encontro das razões legais vertidas nos números 5 e 6 do Despacho nº12/GM/88 de 1/Fev.
    
    
    14. Alega a Recorrente que o despacho recorrido foi proferido com ofensa dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade.
    
    Não se vê de que modo os direitos e interesses dos residentes foram postergados, na medida em que foi exactamente para proteger os direitos e interesses dos residentes, nomeadamente o seu direito ao emprego e o interesse em alcançar uma situação de emprego harmonioso, que o despacho em causa decidiu de forma desfavorável à recorrente.
    
    
    Como não se concretiza e não se enxerga em que medida a entidade recorrida terá deixado de ser imparcial e injusta. Tanto mais, como se viu, que o interesse prosseguido o foi em nome da colectividade e dos interesses gerais, não tendo havido uma parte preterida em detrimento de outra.
    
    
    15. E o mesmo se diga relativamente ao princípio da proporcionalidade, tanto mais, como se sabe, a Administração tem vindo a restringir de forma geral a contratação de trabalhadores não residentes, não sendo apresentadas situações semelhantes com tratamento diferente ou que tenha havido qualquer discriminação prevista no artigo 5º, 1, do CPA.
    
    
    Quanto à proporcionalidade, questão que se prende com a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, vimos já da sua adequação em sede dos fins visados pela Administração.
    
    
    Sendo um dos fins do Despacho 12/GM/88, bem como da actuação da administração, proteger o emprego dos residentes, só admitindo a contratação de não residentes em situações excepcionais, afigura-se que o despacho impugnado, relativo a 5 trabalhadores, não é desproporcional ao referido objectivo.
    
    Recorde-se, a propósito, que a possibilidade de contratação de mão de obra não residente se configura como excepcional, encontrando-se devidamente regulamentada e pressupondo a verificação de determinados requisitos, sendo conferidos às entidades competentes poderes discricionários para autorizar ou não tal contratação.
    
    A desrazoabilidade a que alude o artigo 21º, 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.
    
    Ora no caso concreto não se vê qualquer desrazoabilidade, na forma como a administração usou os seus poderes discricionários.
    
    16. No que tange à não prossecução dos interesse públicos, nomeadamente porque a recorrente terá contratado com uma outra C.ª a instalação de equipamentos mecânicos e eléctricos nas habitações sociais, sinceramente que não se enxerga, nem comprovado está que a não contratação de 5 trabalhadores tenha impedido a conclusão ou prosseguimento desses trabalhos nas referidas habitações com importância social reconhecida.
    
    Por tudo o que fica dito, não há indícios, e muito menos prova, de qualquer violação da legalidade, sob qualquer forma, pelo que, pelas apontadas razões e sem necessidade de maiores considerandos se negará provimento ao recurso.
    
    V – DECISÃO
    
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso.
    Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 Ucs.
    
Macau, 19 de Maio de 2011,
_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 vide artigo n.º 37 da petição inicial.
2 - Ac. STA de 18/6/91, Rec. Nº 28941; Ac. do STA de 11/10/98, in AD 329, 620 ; Ac. do TP de 11/5/89, in AD 335, 1398
3 - Acs. do STA, proc. 018376, de 24/11/83; 031280, de 11/3/93; 031570, de 4/5/93, in htttp;//www.dgsi.pt, entre muitos outros
4 - Ac. TSI, proc. 106/02, de 27/3/03
5 - Ac. do TSI, Processo nº 171/2001 de 31/1/2002 e Processo 18/2002 de 20 /3/2002
6 - Freitas do Amaral, Curso de Dto. Administrativo, 2002, II, 395
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363/2009 1/34