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Processo nº 314/2011 Data: 26.05.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Cúmulo jurídico de penas.




SUMÁRIO

1. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.

O relator,

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José Maria Dias Azedo














Processo nº 314/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão de 13.04.2011 do Colectivo do T.J.B. proferido nos Autos de Processo Comum Singular n.° CR1-08-0457, operou-se o cúmulo jurídico das penas que ao arguido A foram aplicadas no âmbito dos referidos autos e no Processo n.° CR3-06-0139-PCC, fixando-se-lhe a pena única de 3 anos e 1 mês de prisão; (cfr., fls. 239 a 239-v).

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Inconformado, vem o arguido recorrer, dizendo, em síntese, ser tal pena excessiva; (cfr., fls. 253 a 256-v).

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Respondendo, considera o Exmo. Magistrado do Ministério Público que nenhuma razão tem o arguido, pugnando pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 259 a 260-v).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Mostra-se o recorrente inconformado com a medida concreta da pena que lhe foi aplicada em sede de cúmulo, limitando-se, porém, tanto quanto apreendemos, a esgrimir com a tese geral que a mesma se apresenta desproporcionada, não tendo o tribunal “a quo” efectuado devido atendimento à sua personalidade e circunstâncias dos crimes, sustentando ainda ter doença mental, circunstância que não terá tido o devido atendimento.
O “vazio” desta última consideração resulta evidente, dado o não registo factual, no processo, de qualquer tipo de anomalia psíquica do recorrente, pelo que tal tipo de alegação se terá que quedar por isso mesmo, a sua própria inocuidade.
Depois, a expressão de que a decisão tomada o foi “em conformidade com as circunstâncias do crime e a personalidade do arguido”, não deixa de constar no aresto em crise, sendo certo que, atento, designadamente, o passado criminal do recorrente, bem como os restantes factores e critérios estabelecidos nos art°s 40°e 65° CPM, a moldura penal abstracta dos ilícitos imputados e as penas sujeitas a cúmulo, a medida concreta alcançada se apresenta justa, equilibrada e adequada, em plena obediência aos ditames ou regras de punição no concurso, estipuladas pelo art° 71°, CPM.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, entendemos ser de negar provimento ao presente recurso”; (cfr., fls. 302 a 303).

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Fundamentação

2. Feito o relatório que antecede, vejamos.

A decisão recorrida dá-nos conta que:

- nos presentes autos, (Processo Comum Singular n.° CR1-08-0457-PCS), foi o arguido A condenado por sentença de 24 de Junho de 2010, pela prática de um crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art.° 137°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão.
Os factos ocorreram em 29 de Janeiro de 2008, e a dita sentença transitou em julgado em 24 de Fevereiro de 2011; e que,

- no Processo Comum Colectivo n.° CR3-06-0139-PCC, foi o mesmo arguido condenado por acórdão de 11 de Junho de 2009, pela prática de um crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art.° 11°, n. 1 da Lei n. 2/90/M, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses, e, pela prática, em concurso real, de um outro crime de “falsificação de documento de especial valor”, p. e p. pelo art.° 244°, n.° 1, al, b) do Código Penal, conjugado com o art.° 245° do mesmo Código, na pena de prisão de 1 ano e 6 meses, e, em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, sob a condição de pagar a indemnização de MOP10.000,00 à RAEM, no prazo de 2 meses.
Os factos ocorreram em 1999, e o acórdão transitou em julgado em 15 de Junho de 2009.

Ponderando tal factualidade, considerou-se na mencionada decisão o que segue:

“Nos termos do art.° 72°, n.° 1 do Código Penal, se, antes de uma condenação transitada em julgado (sic), mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se provar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras da punição do concurso.
In casu, depois do acórdão do processo n.° CR3-06-0139-PCC ter sido transitado em julgado, detectou-se que o arguido praticou, anteriormente à proferição do dito acórdão, o crime conhecido neste processo, pelo que, nos termos dos art.°s 71 ° e 72° do Código Penal, deve aplicar-se o concurso das condenações das duas causas supra referidas.
Com base na personalidade do arguido, nas circunstâncias dos crimes das aludidas duas causas e na conduta, este Tribunal proferiu a condenação em única pena.
Assim, em conformidade com as circunstâncias dos crimes e com a personalidade do arguido, o Tribunal Colectivo cumpre decidir:
Em cúmulo jurídico das penas parcelares das duas causas, condena-se o arguido A numa única pena de 3 anos e 1 mês de prisão efectiva. (…)”; (cfr., fls. 239 a 239-v e 280 a 282).

E, atento o assim decidido, cremos pois que nenhum reparo merece a decisão recorrida.

De facto, em causa está uma moldura penal com um limite mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão e com um limite máximo de 4 anos e 3 meses de prisão, (cfr., art. 71°, n.° 2 do C.P.M.), certo sendo também que, na determinação da pena única se deve considerar, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”; (cfr., n.° 1 do cit. art. 71°).
E, sem prejuízo do muito respeito devido a outra opinião, não vemos como chegar-se a uma outra pena única, mais favorável ao ora recorrente.

Com efeito, e como já decidiu este T.S.I.:

“1. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
3. Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g. o Acórdão deste T.S.I. de 26.04.2007, Processo n.° 181/2007).
No caso, alega o recorrente que sofre de “doença mental”.
Porém, nada dos autos permite confirmar tal “circunstância” pelo que não se pode dar relevância ao assim alegado.

Por sua vez, não se pode olvidar que “as balizas da tarefa da determinação da medida da pena estão desenhadas no n° 1 do art.° 65° do C.P.M., tendo como pano de fundo a “culpa do agente” e as “exigências de prevenção criminal”, certo sendo também que a quantificação da culpa e a intensidade das razões de prevenção têm de determinar-se através de “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”; (cfr., Acórdão de 2007/7/12, Processo n.° 208/2007-I).

No caso, (e certo sendo que a pena única a aplicar em sede de concurso de infracções pode eliminar a suspensão que tenha sido concedida a uma ou à generalidade de penas parcelares; neste sentido, cfr., v.g.; o recente Acórdão da R. de Évora de 20.01.2011, Processo n.° 734/06, in “www.dgsi.pt”), não se vislumbram quaisquer (outras) circunstâncias que possibilitam uma redução da pena única – de três anos e um mês de prisão – fixada, tão só em sete meses superior ao seu limite mínimo, e que, atentas as necessidades da prevenção criminal, até se pode apelidar de algo benevolente.

Dest’arte, e nenhuma razão assistindo ao ora recorrente, vai o recurso rejeitado porque manifestamente improcedente.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.500,00.
Macau, aos 26 Maio de 2011
Jose Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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