Processo nº 549/2010(/) Data:26.05.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.
2. O vício de erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
De facto, é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 549/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida no processo no T.J.B. registado com o n.° CR4-10-0011-LCT decidiu-se absolver a arguida “COMPANHIA DE ...... S.A.” (澳門......股份有限公司) da prática de uma infracção (laboral) p. e p. pelos art. 70°, 77° e 85°, n.° 3, al. 5 da Lei 7/2008, condenando-se porém a mesma a pagar ao ofendido (trabalhador) A (A) o montante de MOP$38.760,00 a título de indemnização pela sua demissão; (cfr., fls. 114 a 115 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a arguida recorreu.
Na sua extensa motivação de recurso, e em síntese, imputa à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 145 a 170).
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Em resposta e posterior Parecer é o Ministério Público de opinião que censura não merece a decisão recorrida, pugnando assim pela confirmação do decidido; (cfr., fls. 173 a 178-v e 187 a 188).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos elencados na sentença recorrida, a fls. 112-v a 113-v, e que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.
Do direito
3. Vem a arguida “COMPANHIA DE ...... S.A.” recorrer da sentença que a condenou no pagamento de uma indemnização ao trabalhador A em virtude da sua demissão, imputando à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”.
Atento o teor da sentença recorrida, e da reflexão que nos foi punível efectuar, cremos que o recurso deve ser julgado improcedente.
Eis porque deste nosso entendimento.
Vejamos.
Sobre os assacados “vícios da material de facto”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 24.02.2011, Proc. n.°785/2010).
E que o vício de “erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).
–– Nesta conformidade, começando-se pela imputada “insuficiência”, e tendo-se presente o teor da sentença recorrida, onde não deixou o Tribunal a quo de elencar a matéria de facto “provada” e “não provada”, fundamentando, também adequadamente, a sua decisão, evidente é que a dita insuficiência inexiste.
De facto, não deixou o Mmo Juiz de se pronunciar sobre toda a matéria objecto do processo, evidente sendo que não incorreu no vício em questão.
–– Quanto ao “erro”.
Ora, fundamenta a ora recorrente o dito vício com base em depoimentos prestados em audiência e que, em sua opinião, deveriam levar a uma diversa decisão da matéria de facto, em especial, quanto à demissão do trabalhador A.
Pois bem, perante o que se deixou consignado quanto ao “sentido” e “alcance” do vício de “erro notório na apreciação da prova”, cremos também que à vista está a solução.
Com efeito, não se pode olvidar que os depoimentos prestados são livremente apreciados pelo Tribunal de acordo com os princípios da oralidade e imediação, sendo assim de se concluir que limita-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o princípio da livre apreciação das provas plasmado no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.
–– Uma nota final.
Da motivação e conclusões de recurso, e ainda que de forma pouco clara, parece entender também a recorrente que incorreu o Tribunal a quo em “contradição”.
Porém, não existe nenhuma contradição.
A ora recorrente foi absolvida da imputada transgressão laboral, dado que se entendeu que a “demissão do trabalhador” não lhe era imputável (a título de dolo ou negligência).
De facto, esta, (a demissão), foi iniciativa de um seu funcionário.
No que toca a “indemnização”, outra foi a solução.
Aqui, (e não obstante a dita demissão ser iniciativa de um seu funcionário), entendeu-se que este agiu “em representação” da ora recorrente, e daí a sua condenação.
Como se vê, inexiste contradição.
E, sendo assim de manter a decisão de condenação proferida, improcede o recurso.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.
Macau, aos 26 de Maio de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
T Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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