Processo nº 656/2008
(Recurso Cível)
Data: 26/Maio/2011
Assuntos:
- Divórcio; cônjuge único culpado
SUMÁRIO:
É de decretar o divórcio e considerar sem margem para dúvidas o cônjuge marido o único culpado pelo divórcio, se vem provado que este bate na mulher e nos filhos, se há quase dez anos não partilha do leito conjugal, se vai permitindo que a sua mulher cale pelo silêncio tamanhas e constantes ofensas para preservar a família, se não contribui para as despesas do lar e da família, se não paga a água e electricidade, exceptuada a própria, se a sua atitude leva a que uma filha aos 14 anos saia de casa por já não poder aturar o pai, se essa reiterada ofensa e humilhação culmina em determinado dia, com novas agressões, com um apontar de uma faca e ameaça de morte, ao ponto de a mulher ter de sair da casa, e, juntamente com a segunda e terceira filhas e o filho menor, terem de ir para o dormitório da Acção Social, passando depois a viver noutro local
O Relator,
Processo n.º 656/2008
(Recurso Cível)
Data: 26/Maio/2011
Recorrente: A
Recorrida: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, réu na acção de divórcio que lhe moveu B, inconformado com o divórcio decretado e com a declaração que o considerou único culpado, vem recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
O recorrente entende que os factos provados no presente processo não preenchem todos os pressupostos previstos no artigo 1642.º do Código Civil invocados pela autora na petição inicial.
Pelo que, a sentença do tribunal que declarou procedente a acção de divórcio intentada pela autora nos termos do artigo 1642.º do Código Civil enferma do vício de errada aplicação da lei;
Assim sendo, o tribunal de recurso deve declarar revogada a sentença recorrida e deve declarar improcedente a acção de divórcio intentada pela autora.
Caso o tribunal assim não entenda,
O recorrente entende que ele tem cumprido os deveres do marido e do pai para sustentar a mulher e os filhos, facto esse também foi provado;
Pelo que, a sentença do tribunal que declarou o recorrente o cônjuge único culpado ou o cônjuge culpado, enferma do vício de errada aplicação da lei;
Assim sendo, o tribunal de recurso deve declarar revogada a sentença recorrida e deve declarar que o recorrente não é o cônjuge culpado ou o cônjuge único culpado.
Devido à fraca capacidade económica, o recorrente solicita que o tribunal de recurso lhe conceda a dispensa do pagamento de custas processuais e eventuais preparos, e mande pagar os honorários de mandatário judicial do presente recurso à advogada estagiária nomeada, que serão suportados ou adiantadamente suportados pelo GPTUI.
Pedidos
Pela análise acima referida, vem solicitar que o Venerando Tribunal:
(1) Declare revogada a sentença recorrida por errada aplicação do artigo 1624.º do Código Civil e por enfermar de vício de errada interpretação da lei; e declare improcedente a acção de divórcio intentada pela autora.
Caso assim não entenda,
(2) Declare revogada a sentença recorrida por enfermar do vício de errada interpretação da lei; e declare que o recorrente não é o cônjuge culpado ou o cônjuge único culpado.
e,
(3) Dispense o pagamento de custas processuais e eventuais preparos do recorrente no presente recurso; e
(4) Mande pagar os honorários de mandatário judicial do presente recurso à advogada estagiária nomeada, que serão suportados ou adiantadamente suportados pelo GPTUI.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“ Da Matéria de Facto Assente:
- No dia XX de XX de 19XX, a autora e o réu contraíram matrimónio na Província de XX, R.P.C. (alínea A da Especificação)
- Deste casamento, nasceu C, em Macau, a XX de XX de XX, do sexo masculino, menor. (alínea B da Especificação)
- A segunda filha D sofre de lupus eritematoso, mas a situação da sua doença é sempre estável.
*
Da Base Instrutória
- Para além do filho menor, deste casamento, a autora e o réu têm ainda as filhas abaixo indicados (Resposta ao quesito 1º):
E, do sexo feminino, solteira, maior, nascida a XX de XX de XXXX na China; e
D, do sexo feminino, solteira, maior, nascida a XX de XX de XXXX em Macau; e
F, do sexo feminino, solteira, nascida a XX de XX de XXXX em Macau.
- Ao longo dos anos, o réu bateu a autora e os filhos (Resposta ao quesito 2º).
- Dado que o réu sempre praticava acto ofensivo aos filhos, a filha mais velha, quando tinha 14 anos de idade, ou seja, por volta de 2000, decidiu viver sozinha fora de casa (Resposta ao quesito 3º).
- No mesmo ano, o réu bateu a autora fazendo com que a mesma sofresse lesões (Resposta ao quesito 4º).
- A autora sempre considera que uma família completa é muito importante para os filhos, por isso, mesmo que sofresse agressões do marido, não queria que os filhos e o marido se separassem (Resposta ao quesito 5º)
- A fim de tomar cuidados dos filhos, a autora permanecia ainda na referida casa de morada de família (Resposta ao quesito 6º).
- A autora considera que “as roupas sujas lavam-se em casa e não na praça pública”, portanto, mesmo que sofresse lesões por agressões do marido, ficava aguentada e nunca contava a outras pessoas (Resposta ao quesito 7º).
- A segunda filha D, em 2006, foi admitida pela Universidade “Huaqiao”, e suas propinas também foram integralmente pagas (Resposta ao quesito 8º).
- Embora a autora e o réu vivessem na mesma casa de morada de família, já dormiam separadamente havia quase dez anos (Resposta ao quesito 10º).
- No dia 15 de Março de 2007, o réu, após ter empurrado a autora com as mãos, pegou numa faca, apontando-lha, dizendo que iria matá-la (Resposta ao quesito 11º).
- A partir daquele dia, a autora, por se ter preocupado com que o réu ia praticar qualquer acto ofensivo a ela e aos filhos, juntamente com a segunda, a terceira filhas e o filho menor, mudaram de residência para viver no dormitório da acção social, só até Junho, passaram a viver num local outro (Resposta ao quesito 12º)
- O réu exerce funções como trabalhador de limpeza na Companhia de Sistemas de G, Lda. auferindo um salário mensal incluindo subsídio, cerca de MOP10.000,00 (Resposta ao quesito 13º).
- Nos últimos dez anos, o réu só suportava as despesas de água e de electricidade de que ele necessitava pessoalmente em casa (Resposta ao quesito 14º).
- O réu sempre não dava dinheiro à autora para suportar as outras despesas tais como despesas de internet e de telefone, nem pagava despesas de cursos fora das aulas e despesas diversas para livros e cadernos dos filhos, bem como, despesas básicas da vida quotidiana dos filhos (Resposta ao quesito 15º)
- A autora já perdeu confiança no réu, não sendo possível que a mesma continuasse a viver com ele (Resposta ao quesito 16º)”
III - Fundamentos da sentença proferida
A Mma Juiz decretou o divórcio e considerou o R. o único culpado, com a fundamentação seguinte:
“I – Questões de divórcio:
Pode ser fundamento do divórcio litigioso, quer a violação culposa dos deveres conjugais que comprometa a vida em comum – art.º 1635º do CC de 1999 – quer a ruptura de vida em comum indicada por algumas circunstâncias referidas no art.º 1637º do CC de 1999.
Nos termos do art.º 1533º do CC de 1999, aplicável ao caso, os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência e, ao abrigo do art.º 1635º do CC de 1999 do mesmo diploma, qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade de vida em comum.
Não basta qualquer falta para justificar divórcio. É preciso, atendendo, de modo especial, à mútua compreensão que deve existir nas relações entre os cônjuges, que se trate de uma falta grave, quer sob o ponto de vista objectivo (em face dos padrões médios de valoração da conduta dos cônjuges em geral), mas também sob o ponto de vista subjectivo (em face da sensibilidade moral do cônjuge ofendido e da actuação deste no processo causal da violação). Para além da constatação de que o cônjuge demandado violou objectivamente um ou mais deveres conjugais, impõe-se que se indague se tal comportamento se assume como reprovável, como ético-juridicamente censurável, perante as circunstâncias concretas em que agiu, posto que o tenha feito com a necessária capacidade de entender e de querer. A culpa aparece, assim, como elemento qualificativo da violação do dever conjugal, cuja verificação será essencial para a procedência do pedido de divórcio, ou seja, os factos demonstrativos de tal culpa estarão integrados na causa de pedir e, enquanto constitutivos do direito caberá ao autor alegá-los e prová-los – art.º 342º do C.Civil-, não obstante o entendimento sufragado pelo STJ no Ac. de 17/2/83, BMJ 324, 584, nos termos do qual “...o cônjuge que se arroga o direito de requerer o divórcio tem a seu favor a presunção de culpa por banda do cônjuge infractor, cabendo a este a tarefa ou encargo de destruir ou ilidir a presunção de culpa, demonstrando que a sua conduta não é susceptível de censura ético-jurídica”.
A prova da inexistência de culpa configura-se aí como demonstração da realidade de uma circunstância ou facto de carácter negativo e no caso de a ré não lograr tal prova, o resultado ser-lhe-ia desfavorável a partir de uma qualquer culpa presumida.
A especificidade da relação matrimonial e a indisponibilidade da relação jurídica em apreço apontam para o afastamento da mencionada presunção que não se encontra legalmente estabelecida, cabendo ao Tribunal apurá-la em concreto e concluir até onde é que a Autora é culpada ou também o é pela ruptura.
No caso “sub judice”, provaram-se os seguintes factos, entre outros:
- Ao longo dos anos, o réu bateu a autora e os filhos (Resposta ao quesito 2º).
- Dado que o réu sempre praticava acto ofensivo aos filhos, a filha mais velha, quando tinha 14 anos de idade, ou seja, por volta de 2000, decidiu viver sozinha fora de casa (Resposta ao quesito 3º).
- No mesmo ano, o réu bateu a autora fazendo com que esta sofresse lesões (Resposta ao quesito 4º).
- A autora sempre considera que uma família completa é muito importante para os filhos, por isso, mesmo que sofresse agressões do marido, não queria que os filhos e o marido se separassem (Resposta ao quesito 5º).
- A fim de tomar cuidados dos filhos, a autora permanecia ainda na referida casa de morada de família (Resposta ao quesito 6º).
- A autora considera que “as roupas sujas se lavam em casa e não na praça pública”, portanto, mesmo que sofresse lesões por agressões do marido, ficava aguentada e nunca contava a outras pessoas (Resposta ao quesito 7º).
- A segunda filha D, em 2006, foi admitida pela Universidade “Huaqiao”, e suas propinas também foram integralmente pagas (Resposta ao quesito 8º).
- Embora a autora e o réu vivessem na mesma casa de morada de família, já dormiam separadamente havia quase dez anos (Resposta ao quesito 10º).
- No dia 15 de Março de 2007, o réu, após ter empurrado a autora com as mãos, pegou numa faca, apontando-lha, dizendo que iria matá-la (Resposta ao quesito 11º).
- A partir daquele dia, a autora, por se ter preocupado com que o réu ia praticar qualquer acto ofensivo a ela e aos filhos, juntamente com a segunda, a terceira filhas e o filho menor, mudaram de residência para viver no dormitório da acção social, só até Junho, passaram a viver num local outro (Resposta ao quesito 12º).
Ora, no caso, o fundamento invocado para pedir o divórcio foi essencialmente a violação pelo Réu de deveres conjugais, nomeadamente de respeito e de cooperação.
Violação dos deveres de respeito e comprometimetno da possibilidade de vida em comum:
Sintetizando, o dever de respeito é o dever que recai sobre cada um dos cônjuges de não praticar actos que ofendam a integridade física ou moral do outro – vida, saúde, honra, bom nome, dignidade, consideração social -, que se há-de entender como um dever especial se e quando confrontado com o que é imposto a qualquer cidadão.(Antunes Varela, loc..cit.; Miguel Teixeira de Sousa, “O Regime Jurídico do Divórcio”, pág. 38 e segs.; Eduardo dos Santos, cit., págs. 132 e segs.; Acórdãos do STJ de 03/11/94, 27/02/96, 21/05/96 e 08/04/97, nos recursos n.ºs 85.566, 88.080, 88.326 e revista n.º833/96 da 1ª Secção)
Segundo Eduardo dos Santos (loc. cit., pág. 143), respeitar o outro cônjuge é não lesar a sua integridade física ou moral, o seu bom nome, dignidade, honra e consideração social, o seu brio pessoal, o seu amor próprio e a sua sensibilidade, os seus direitos individuais, conjugais e familiares. Mas não é só isso, pois o dever de respeito não tem por objecto apenas o outro cônjuge, mas também o casamento, a honra e o bom nome solidários do casal; por esta razão, o comportamento de um cônjuge pode atingir directamente o outro cônjuge e indirectamente o casamento, ou directamente o casamento e indirectamente o outro cônjuge.
Mais se entendendo que essa gravidade foi de tal ordem que pôs em causa a subsistência da sociedade conjugal, pela degradação que revela das relações do casal, conduzindo à conclusão de que está comprometida a possibilidade de estes cônjuges viverem em comum – é este o juízo conclusivo que se extrai dos factos provados, considerados na sua globalidade.
* * *
Ora, ficou provado que o Réu bateu a Autora, causando-lhe lesões físicas.
Também ficou provado que o Réu não sustenta a vida das filhas.
Pelo que, podemos concluir pela culpa do Réu, na produção do facto que fundamentou o divórcio.
Por outro lado, o simples facto de a Autora intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação inequívoca nesse sentido.
Por isso, há-de ter-se como demonstrado o elemento subjectivo do fundamento de divórcio do art.º 1637º do Código Civil de Macau, na medida em que um dos cônjuges, com fundamento na violação pelo Réu de deveres conjugais intenta a presente acção de divórcio contra o outro.
Procede assim, a nossa ver, a pretensão da Autora.
* * *
II – Questão da culpa:
Segundo jurisprudência constante (cfr., entre outros, os acórdãos de 06/12/90, no BMJ n.º402, pág. 596; 11/01/96, 27/02/96 e 08/04/97, nos recursos n.ºs 87.305, 88.080 e revista n.º833/96), a declaração de cônjuge único ou principal culpado constitui questão de direito, por isso susceptível de ser reapreciada pelo Tribunal de recurso, caso haja lugar a este, porquanto aquela declaração há-de resultar, por um lado, da ponderação dos deveres a que os cônjuges estão reciprocamente vinculados e se mostram violados, bem como da sua gravidade ou reiteração, e, por outro lado, havendo o ofensa desses deveres imputáveis a ambos os cônjuges, da gravidade relativa da violação assacada a cada um deles.
Declaração essa que está ligada à conduta censurável que dá causa ao divórcio e apura-se, não por um juízo de censura social, mas por um juízo de censura jurídica, tendo em conta a relevância dos factos cometidos no tocante à crise da vida conjugal e à gravidade dos factos em concreto, no quadro circunstancial em que foram cometidas.
Por outro lado, a determinação do cônjuge única ou principal culpado não pode resultar do critério pessoal do julgador, pois “o que releva, segundo o padrão de relativa uniformidade que não pode deixar de estar presente no critério igualitário da lei, é o padrão comum de valores geralmente aceite... na comunidade nacional, na época em que a questão é apreciada” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 484)
Apreciação que, partindo necessariamente dos factos provados, há-de ser feita segundo as regras de bom senso e da razão lógica e com a maior prudência e à luz dos ditames da experiência comum.
Consequentemente, como foi o Réu que violou os deveres de respeito e de cooperação, é de atribuir ao Réu toda a culpa.”
IV - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber se a acção de divórcio deve ser julgada improcedente, como pretende o recorrente, já que diz não se terem provado os pressupostos do artigo 1642º do CC (Código Civil);
Por outro lado, porque ele, o R. marido, tem cumprido os deveres de marido e de pai para sustentar a mulher e os filhos, facto esse que também foi provado, a sentença que declarou o recorrente o cônjuge único culpado ou o cônjuge culpado enferma de vício de errada aplicação da lei e deve ser revogada.
Não assiste razão alguma ao recorrente e a forma como litiga, contra a evidência dos factos provados, merece até alguma censura.
2. Desenvolver por demais a justificação da sua algo temerária alegação é dar ao recorrente uma relevância que em termos processuais não merece.
A evidência dos factos é de tal forma demonstrativa da violação reiterada e grave dos deveres conjugais que não está em causa minimamente a violação pela sua parte de tais deveres, o que justifica sem qualquer margem para dúvidas a ratificação do acerto da decisão proferida.
E tanto bastaria para, nos termos do artigo 631º, n.º 5 do CPC (Código de Processo Civil), nos remetermos para os fundamentos da sentença recorrida.
3. No entanto, não obstante, se ratificar aqui o que foi doutamente decidido, não se deixarão de alinhavar dois ou três apontamentos sobre a pretensão do recorrente.
Desde logo, no que tange ao não decretamento do divórcio, invoca-se a não comprovação dos requisitos do artigo 1642º do CC quando esse preceito dispõe sobre a declaração do cônjuge culpado e já não sobre os pressupostos para o decretamento divórcio, contidos esses no artigo 1635º do CC.
Ora, sobre tal desiderato, a que pode um homem aspirar em termos de salvaguarda da sua vida conjugal, se, ao longo do tempo, longos anos, bate na mulher e nos filhos, se há quase dez anos não partilha do leito conjugal, se vai permitindo que a sua mulher cale pelo silêncio tamanhas e constantes ofensas para preservar a família, se não contribui para as despesas do lar e da família, se não paga a água e electricidade, exceptuada a própria, se a sua atitude leva a que uma filha aos 14 anos saia de casa por já não poder aturar o pai, se essa reiterada ofensa e humilhação culmina em 15 de Março de 2007 com novas agressões, com um apontar de uma faca e ameaça de morte, ao ponto de a mulher ter de sair da casa, e, juntamente com a segunda e terceira filhas e o filho menor, terem de ir para o dormitório da Acção Social, passando depois a viverem noutro local?
Não deixa de ser algo abusivo, em termos de uso dos meios processuais, pretender defender algo que não se deixa de configurar como manifestamente infundado.
A violação dos deveres de respeito, cooperação e assistência é por demais manifesta.
4. Depois, como quem diz que por mera cautela, vem pedir que caso se não entenda que não há fundamento para o divórcio, então que não seja considerado o único culpado ou culpado no divórcio.
Não se pode ficar impassível perante tal litigância.
Onde está, um facto que seja, que aponte para a violação dos deveres por banda da A.?
Não se compreende uma alegação contra a verdade dos factos, tal como comprovados vêm, e o R. ou a sua mandatária não os podia ignorar.
Como se concebe que possa sustentar que, como se provou que o recorrente tem sustentado a mulher e os filhos e daí se pode provar que tem cumprido os seus próprios deveres, não deve ser considerado cônjuge único culpado ou sequer culpado?
Basta ler os factos para se ver que a omissão a esse título era quase total; nos últimos dez anos só suportava as suas despesas de água e electricidade e sempre não dava dinheiro à autora para suportar outras despesas, tais como despesas de internet e telefone, nem pagava despesas de cursos fora das aulas e despesas diversas para livros e cadernos dos filhos, bem como despesas básicas da vida quotidiana dos filhos.
A Justiça em geral e a do caso concreto não se compadece com mais delongas, pelo que, sem mais, se conclui no sentido da confirmação do decidido.
5. Não sem que se deixe de censurar uma alegação que se tem por algo temerária e não fundamentada, cabendo à Exma Patrona temperar os ímpetos do seu patrocinado, pois é ao Advogado que cabe interpretar o Direito e traduzir juridicamente as pretensões dos clientes/assistidos.
Temos consciência de que por vezes não é fácil ser-se advogado e ter de explicar ao cliente os limites e as limitações das suas pretensões e dos meios processuais de que dispõe de forma a tutelar os seus interesses. Só que este são os interesses legítimos, erigidos em lei e que não se confundem com a mera vontade ou o apetite das partes.
O advogado não pode fazer tudo o que o seu cliente pretende; se uma pretensão não tem cabimento ou está manifestamente votada ao fracasso, o advogado não a pode sustentar e deve recusar o patrocínio se o cliente não aceitar as explicações do profissional que está habilitado para esse efeito.
Fica aqui esta censura, abstendo-se este tribunal, ainda face aos contornos do presente caso, de participar à Associação dos Advogados por litigância de má-fé, face ao disposto no artigo 338º do CPC.
Quanto à condenação da parte não há elementos seguros de que as suas razões de discordância assentem nas razões de facto, desconhecendo ele os meios processuais de impugnação da mesma, razão por que, na dúvida, não se condena como litigante de má-fé.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, levando-se em conta o apoio judiciário de que beneficia.
Macau, 26 de Maio de 2011,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
656/2008 1/16