Recurso Contencioso n. 519/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Maio de 2011
Descritores: Acto confirmativo
Inscrição no Fundo de Pensões
Declaração de renúncia
Sucessão de leis no tempo
SUMÁRIO:
I- Bastará que entre dois actos se intrometa um novo factor de análise factual ou jurídico para que não possa já falar-se de confirmatividade do segundo em relação ao primeiro para efeitos da sua impugnabilidade contenciosa. A invocação de um novo fundamento, por exemplo o apelo de jurisprudência superveniente muito relevante (v.g. um acórdão do TUI tirado em sede de uniformização de jurisprudência) no sentido daquilo que o recorrente defende, é motivo e circunstância jurídica superveniente que deve merecer do órgão competente uma nova ponderação de análise
II- Segundo o art. 259º do ETAPM, na redacção anterior à introduzida apela Lei n.11/92/M, face ao silêncio do funcionário ou agente, a inscrição destes no Fundo de Pensões de Macau era feita oficiosamente - mesmo não sendo obrigatória – embora o interessado pudesse fazer no acto do contrato ou da posse a declaração renunciativa de que não pretendia a inscrição e que não queria fazer os respectivos descontos.
III- Todavia, a circunstância de o agente não ter declarado a renúncia ao direito à inscrição naquele momento não o impede de o fazer posteriormente, que assim se considera válida e eficazmente abdicativa ou renunciativa.
IV- Com a alteração do artigo introduzida pela referida Lei n. 11/92/M deixou de estar prevista a contagem do tempo em que não tiver havido descontos. Ao abrigo desta lei, portanto, e segundo o disposto no art. 11º, n.2, 2ª parte do Código Civil, deixou de ser possível ao agente pedir que se contasse o tempo para efeito de aposentação durante o qual não houve descontos se a renúncia, válida e eficaz, se verificou no domínio da redacção anterior daquele preceito.
Processo n. 519/2009
Recorrentes: A e Conselho de Administração do Fundo de Pensões
Recorridos: os mesmos
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A recorreu contenciosamente da deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau de 21/05/2008, que lhe indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho de 13/03/2008 da Ex.ma Presidente do Conselho de Administração que se pronunciou no sentido de não ter o Fundo de Pensões a obrigação legal de proceder à reapreciação da situação jurídica já consolidada na ordem jurídica e já constituída caso julgado.
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Na contestação foi deduzida matéria exceptiva, não só quanto à incorrecta natureza atribuída ao acto impugnado, como também sobre a irrecorribilidade deste.
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O recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre a contestação, o que fez em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Por despacho de fls. 71 dos autos, o M.mo juiz do Tribunal Administrativo julgou improcedente a excepção de irrecorribilidade e determinou o prosseguimento dos autos.
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Deste despacho foi interposto recurso jurisdicional pelo Fundo de Pensões (fls. 73), em cujas alegações foram apresentadas as seguintes conclusões:
a) Verificou-se, de facto, um mero erro de escrita na deliberação proferida pelo Conselho de Administração do Fundo de Pensões em 21/05/2008;
b) O sujeito que praticou os actos de 20/04/2000, 12/05/2004 e 21/05/2008 foi o próprio Conselho de Administração do Fundo de Pensões, e não a sua Presidente;
c) As deliberações do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, de 12/05/2004 e 20/04/2000, constituem actos confirmativos dos despachos anteriormente proferidos pela sua Presidente de 10/03/2004, e de 03/03/2000 e 09/03/2000;
d) Estas deliberações consolidaram-se na ordem jurídica e constituem casos decididos ou resolvidos;
e) Em face da definitividade destas decisões, a deliberação ora impugnada constitui um acto meramente confirmativo (e não um simples acto confirmativo), tendo em vista de que tem por objecto actos definitivos anteriormente praticados;
f) Sendo um acto meramente confirmativo, a deliberação ora impugnada é contenciosamente irrecorrível nos termos do nº 1 do are 31 º conjugado com a alínea c) do nº 2 do artº 46º do CPAC.
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O processo prosseguiu os seus termos e afinal veio a ser proferida sentença que julgou improcedente o recurso.
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Dessa decisão recorre jurisdicionalmente A, cujas alegações concluiu do seguinte modo:
1ª
O recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal Administrativo proferida na sentença de fls. 102 e seguintes que decidiu negar provimento ao recurso interposto, mantendo o acto recorrido nos seus precisos termos.
2ª
A sentença recorrida não apreciou os pressupostos e os factos que nortearam o recurso interposto.
3ª
O Tribunal Administrativo deixou de se pronunciar sobre questões que tinha necessariamente que apreciar, designadamente, deviria ter-se debruçado sobre os factos e fundamentos alegados em relação à violação do princípio da igualdade e a nulidade da declaração de não proceder aos descontos para efeitos de aposentação.
4ª
Ou, na melhor das hipóteses, não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão que adoptou em relação a esses vícios, sendo, pois, nulo o acórdão recorrido nos termos do artigo 571º, n.º 1, alíneas d), do CPC.
5ª
Concluiu somente que o recorrente não pode descontar, para efeitos da aposentação e sobrevivência, retroactivamente o seu tempo de serviço, sem que, em bom rigor, se tenha pronunciado sobre os dois vícios de violação de lei invocados pelo recorrente e sobre qualquer das questões de facto e de direito em tempo suscitadas por este.
6ª
Mesmo que se admita que o acórdão em crise conheceu esses vícios, por mera remissão implícita, conclusão essa que não se aceita de modo algum, e que aqui apenas se coloca como mera hipótese de raciocínio, o certo é que o mesmo Tribunal não especificou qualquer fundamento de facto e de direito justificativo da sua decisão em relação a esses vícios, designadamente ao determinar pela improcedência, ainda que tácita, dos referidos vícios apontados pelo recorrente ao acto punitivo.
7ª
Verifica-se assim a omissão de pronúncia, que a lei expressamente preceitua no artigo 571º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável aos presentes autos, corno causa de nulidade da sentença, na medida em que o Tribunal Administrativo não se pronunciou sobre questões concretamente postas pelo recorrente ao Tribunal recorrido, as quais teriam inevitavelmente que ter sido decididas.
8ª
A douta sentença recorrida também violou a norma constante do artigo 74º do CPAC por não se ter pronunciado sobre os fundamentos invocados pelo recorrente, pois não analisou os fundamentos da anulação do acto recorrido pela ordem indicada pelo recorrente, nem deles fez uma análise com vista à solução que melhor protegesse os interesses do lesado.
9ª
Pelo contrário, limitou-se a fazer uma apreciação genérica do mérito do recurso da decisão em causa, em clara violação também da norma constante do artigo 76º do CP AC, pois é manifesta a sua falta de fundamentação.
10ª
Assim, a douta sentença recorrida deverá ser revogada não só por omissão de pronúncia mas também por falta de fundamentação e substituída por uma outra que aprecie efectivamente a pretensão formulada pelo recorrente, dando provimento ao recurso, reconhecendo que o recorrente tem o direito a descontar retroactivamente o seu tempo de serviço para efeitos da pensão de aposentação e sobrevivência.
11ª
No presente recurso que existe uma clara violação do princípio da igualdade plasmando no artigo 5º do CPA,
12ª
Já em sede de recurso contencioso o recorrente invocara a existência de um caso idêntico ao do recorrente, a correr nos mesmos serviços e com os mesmos pressupostos de facto e de direito, tendo apresentado provas comprovativas desses factos. Porém, o TA decidiu não se pronunciar sobre essa questão por entender, ao contrário do recorrente, ser irrelevante para a decisão final.
13ª
O acórdão recorrido errou ao não verificar que é patente que o Fundo de Pensões para situações idênticas tem dois pesos e duas medidas: i) Em relação ao subscritor B reconhece que a declaração não é valida porque não foi feita no acto da assinatura do contrato, conforme obriga a norma imperativa do artigo 259º, n.º 5 do ETAPM e ii) Em relação ao recorrente entende que é valida e tem efeitos retroactivos, apesar de não ter sido feita no acto da assinatura do contrato.
14ª
O artigo 25º da Lei Básica da RAEM também constitui suporte material à proibição do arbítrio da administração.
15ª
O Fundo de Pensões em casos precedentes e análogos à situação do recorrente considerou que a declaração de não proceder aos descontos para efeitos de aposentação tinha de ser feita no acto da assinatura do contrato, sob pena de ser irrelevante.
16ª
O acórdão recorrido deveria considerar que o Fundo de Pensões aplicou a lei de modo diferente para casos juridicamente iguais, padecendo o acto administrativo recorrido do vício de violação de lei resultante da violação do artigo 5º do CP A e do artigo 25º da Lei Básica da RAEM.
17ª
O artigo 259º, n.º 5 da redacção primitiva do ETAPM e a norma constante do artigo 6º da Lei n. º 115/85/M de 31 de Dezembro obriga a que a inscrição seja feita oficiosamente, salvo quando o interessado no acto da assinatura do contrato declarar não desejar proceder aos descontos.
18ª
Os dispositivos legais acima referidos caracterizam-se pela sua imperatividade porque impõem uma conduta determinada, exige uma particular forma de declaração e exige ainda que essa declaração seja efectuada num determinado prazo, legalmente determinado, que as partes não podem afastar.
19ª
Esta imperatividade imposta pelo legislador é o reconhecimento da importância da segurança social no contexto socio-económico com a protecção das garantias dos beneficiários.
20ª
O contrato de além quadro é de 3 de Dezembro de 1990 e a declaração de 29 de Janeiro de 1991 e, não tendo a declaração sido feita no acto da assinatura do contrato é a mesma nula pelo seu objecto ser legalmente impossível (artigo 280º do CC de 1966, actualmente artigo 273º do CC) e por ter sido celebrado contra um disposição legal de carácter imperativo (artigo 294º do CC de 1966, actualmente artigo 287º do CC)
21ª
Também a administração como destinatária da declaração, através do seu serviço, considerou já que a declaração não produziu quaisquer efeitos jurídicos.
22ª
Em face disto, deveria o acórdão recorrido considerar a declaração nula nos termos dos artigos 280º do CC e 294º, ambos do CC de 1966, actualmente artigos 287º e 273º do CC, considerando ainda que não produziu quaisquer efeitos jurídicos, muito menos os que decorrem do n.º 5 do artigo 259º do ETAPM, então vigente.
23ª
O recorrente com o presente recurso não entra em contradição ou “venire contra factum proprium” porque a sua actuação no presente recurso se prende com a declaração do serviço em expressamente reconhecer que a sua declaração foi feita contra o legalmente permitido e contra uma norma imperativa, não tendo, por isso, validade jurídica e pelo facto da entidade recorrida (Fundo de Pensões) em situações jurídicas anteriores e idênticas ter reconhecido que situações iguais à do recorrente são legítimas e merecedoras de tutela jurídica.
24ª
Errou o acórdão recorrido ao não considerar que a declaração de não proceder aos descontos feita em data posterior a assinatura do contrato é nula.
25ª
Não o fazendo violou os artigos 280º do CC e 294º, ambos do CC de 1966, actualmente artigos 287º e 273º do CC, e o artigo n.º 5 do artigo 259º do ETAPM, então vigente.
26ª
No caso do recorrente ocorre a situação de lhe ser concedido o direito de proceder aos descontos do tempo de serviço a partir de 3.12.1990 até 25/2/1998.
27ª
A primitiva redacção do artigo 259º, não permitia o direito potestativo de cancelar a inscrição (cancelamento que equivale à renúncia do direito de inscrição e que extingue a relação jurídica de inscrição) e a declaração de não proceder aos descontos é nula e não tem qualquer validade jurídica.
28ª
O recorrente, através de um contrato além do quadro, começou a trabalhar como funcionário público, na categoria de técnico superior de 1ª classe, 1º escalão, prestando serviço na Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro a partir de 3.12.1990.
29ª
A partir de 27 de Dezembro de 1993, iniciou funções, em comissão de serviço, de chefe da Divisão de Tratamento de Dados.
30ª
Em 29/1/1991, data posterior à data da assinatura do contrato, o recorrente fez uma declaração a manifestar o desejo de não proceder aos descontos para efeitos de aposentação, mas o seu serviço (Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro) considera que “No que se refere ri: declaração do funcionário, de 29 de Janeiro de 1991, esta não foi feita no acto de assinatura do contrato conforme o então vigente n.º 5 do artigo 259º do ETAPM, e por lapso e por responsabilidade do serviço não foi efectuada a inscrição e o processamento dos descontos no Fundo de Pensões desde 3 de Dezembro de 1990”.
31ª
Tal nulidade foi comunicada ao Fundo de Pensões e onde o serviço, como entidade responsável assume que (…), não procederam, como deviam, ao desconto das compensações devidas para a aposentação pelo funcionário A” (…), sendo inteiramente da responsabilidade destes Serviços a falta daquele pagamento, solicitados a V.Exª que lhe sejam fiados os débitos desde 3 de Dezembro de 1990 a 25 de Fevereiro de 1998, conforme seu requerimento datado de 13 de Dezembro de 1999, enviado oportunamente a esse Fundo de Pensões”;
32ª
A partir de 25 de Fevereiro de 1998, ingressou nos quadros da Administração Pública e até à data nunca houve interrupção do seu vínculo contratual com a função pública.
33ª
A entidade responsável pela contagem do tempo para efeito de aposentação e sobrevivência não aceitou a declaração do recorrente e esta não produziu quaisquer efeitos jurídicos perante si.
34ª
A inscrição como subscritor ou beneficiário do F.P.M. dos funcionários ou agentes em regime de direito público na Administração Pública da RAEM, para efeitos de aposentação, conforma uma relação jurídica entre a pessoa inscrita e a Administração, dispondo o artigo 259º do ETAPM sobre a constituição, modificação e extinção dessa relação jurídica.
35ª
A situação de subscritor do FPM decorria, de imediato, da aquisição do direito à inscrição, devendo os serviços processadores operar os respectivos descontos oficiosamente em conformidade com a relação jurídica criada entre o agente e o Fundo de Pensões de Macau, independentemente de declaração expressa nesse sentido, na redacção primitiva do artigo 259º do ETAPM.
36ª
Adquirido o direito e estabelecida a relação jurídica de subscritor do Fundo de Pensões, conforme é reconhecido pela administração, não faz sentido exigir uma nova formalização.
37ª
A.lei nova não se aplica a factos constitutivos (modificativos ou extintivos) verificados antes do seu início de vigência.
38ª
Se no decurso da situação anterior já constituída surgir uma lei nova a exigir novas condições para a constituição da relação da situação de subscritor (como é o caso da declaração expressa nesse sentido com a redacção dada ao art. 259º do ETAPM pela Lei 11/92/M de 17 de Agosto), a norma aplica-se imediatamente em relação somente aos novos casos de inscrição no Fundo.
39ª
O n. º 3 do artigo 259º, na redacção dada pela Lei n. º 11/92/M, para efeitos de constituição da situação jurídica de subscritor do FPM, não se pode modificar uma situação anterior em que a própria administração reconhece a existência da situação de subscritor do FPM do recorrente e reconhece o erro de não terem procedido aos descontos oficiosamente conforme estipulava a lei vigente na altura.
40ª
Em suma, tendo em atenção que, o serviço reconhece ter violando a lei ao não proceder corno devia à inscrição e aos descontos do recorrente para efeitos de aposentação, deve ser permitido agora efectuar a contagem do tempo de serviço de 3.12.1990 até 24/2/98, mediante o pagamento dos respectivos descontos.
41ª
Não sendo este o entendimento do acórdão recorrido existe a violação da redacção primitiva do artigo 259º do ETAPM.
TERMOS EM QUE e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso:
a) A douta sentença recorrida ser declarada nula por não se ter pronunciado sobre as questões concretamente postas pelo recorrente ao Tribunal recorrido, as quais teriam inevitavelmente que ter sido decididas, e por falta de fundamentação, ordenando-se que os autos baixem ao Tribunal recorrido ou,
b) Em todo o caso, julgar os fundamentos do recurso provados e procedentes, revogando-se a douta sentença recorrida proferindo em sua substituição acórdão no qual se determine o acto recorrido ser anulado, com fundamento no vício de violação de lei, mais concretamente, por incorrecta aplicação e interpretação da lei, acrescido da errada subsunção jurídica dos factos, e em consequência, ser determinado que deverá o Fundo de Pensões efectuar a contagem do tempo de serviço, para efeitos de aposentação e sobrevivência, de 3.12.1990 até 24/2/98, mediante o pagamento dos respectivos descontos.
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Contra-alegou o Fundo de Pensões, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
a) o objecto do presente recurso é a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo de fls. 102 a 104, que julgou negar o provimento ao recurso interposto pelo Recorrente;
b) o acto administrativo ora recorrido é a deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de 21.05.2008;
c) tanto no recurso contencioso corno no recurso jurisdicional, o objecto prende-se unicamente com a questão da natureza meramente confirmativa do acto administrativo ora recorrido bem como a sua irrecorribilidade;
d) está em curso junto desse Venerando Tribunal, recurso interposto pela Entidade ora recorrida contra o douto despacho do Exmº Juiz a quo que julgou improcedente a excepção da irrecorribilidade do acto administrativo recorrido, podendo a decisão sobre o recurso obstar a viabilidade e o prosseguimento do presente recurso;
e) o órgão que praticou os actos de 21/05/2008, 12/05/2004 e 20/04/2000 e foi o mesmo - o Conselho de Administração do Fundo de Pensões (e não a sua Presidente, pois, trata-se apenas dum mero erro de escrita);
f) ao contrário do que foi entendido pelo Exmº Senhor Juiz do Tribunal recorrido, existe, no caso sub judice, a identidade de autores entre os actos ora em causa;
g) a deliberação ora impugnada reveste-se a natureza meramente confirmativa, e assim é contenciosamente irrecorrível nos termos do nº 1 do are 31 º conjugado com a alínea c) do nº 2 do artº 46º do CPAC;
h) o pedido apresentado pelo Recorrente em 13/12/2007 é idêntico aos pedidos anteriormente apresentados em 13/12/1999 e 10/02/2004, tendo o Conselho de Administração, em 20/04/2000, deliberado rejeitar o primeiro pedido e, em 12/05/2004, confirmado a pronúncia feita pela Presidente em 10/03/2004, no sentido de o Fundo de Pensões não ter o dever legal de decisão sobre a mesma pretensão que já foi devidamente decidida por acto administrativo consolidado na ordem jurídica;
i) não tendo o Recorrente impugnado a deliberação, de 20/04/2000, do Conselho de Administração dentro do prazo legal estabelecido, o direito de recurso da referida deliberação caducou, nos termos do nº 2 do artº. 25 do CPAC;
j) em relação à deliberação, de 12/0S/2004, do Conselho de Administração, o Recorrente também não deduziu qualquer oposição;
k) excepto a deliberação do Conselho de Administração datada de 20/04/2000 que firmou uma decisão de indeferimento sobre o pedido do Recorrente apresentado em 13/12/1999, tanto a deliberação em 12/05/2004 como em 21/05/2008 do mesmo Conselho proferiu apenas que o Fundo de Pensões não tinha o dever de decisão sobre o mesmo pedido, uma vez que existe a mesma identidade de sujeitos, de objecto e de decisão nos três pedidos acima referidos, caracterizando, deste modo, a última deliberação (21/05/2008) de natureza meramente confirmativa das duas primeiras deliberações;
1) não introduzindo o acto recorrido qualquer alteração na definição da situação do interessado, tal acto não surge como lesivo de direitos ou interesses legalmente tutelados, e, assim, é contenciosamente inimpugnável;
m) caso não entender que o acto administrativo ora recorrido reveste a natureza de acto meramente confirmativo, ou seja, que a deliberação ora em causa é susceptível de recurso, então, qual seria o objecto do recurso?
n) o objecto do recurso só podia ser a deliberação do Conselho de Administração de 21/05/2008, em que entendeu que o Fundo de Pensões não tem o dever legal de decisão sobre a mesma pretensão que já foi decidida definitivamente por acto administrativo (20/04/2000) consolidado na ordem jurídica, não devendo, assim, o Venerando Tribunal apreciar e resolver sobre a questão da viabilidade da recuperação do tempo de serviço do Recorrente, no presente recurso;
o) o Fundo de Pensões ainda não chegou a decidir sobre o pedido de recuperação do tempo de serviço prestado na função pública para efeitos de aposentação e sobrevivência apresentado pelo Recorrente em 13/12/2007;
p) caso esse Venerando Tribunal a final entender que o Conselho de Administração do Fundo de Pensões tem o dever de decisão, anulando a sua deliberação de 21/05/2008, procederá o Fundo de Pensões à prática do novo acto, após apreciação do pedido do Recorrente.
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O Digno Magistrado do M.P. opinou no sentido do provimento do recurso interlocutório por irrecorribilidade do acto, em prejuízo do recurso da de- cisão final (fls. 168/170)
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II- Os Factos
A decisão recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
- O recorrente foi contratado, em regime de contratado além de quadro, pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro no período de 3 de Dezembro de 1990 a 24 de Fevereiro de 1998.
- Em 25 de Fevereiro de 1998, o recorrente foi nomeado, provisoriamente, técnico superior de 2a classe, 1º escalão, da referida Direcção de Serviços.
- Em 29 de Janeiro de 1991, o recorrente prestou declaração, em que expressou o seu desejo de não descontar no vencimento para efeitos de aposentação e sobrevivência.
- Em 13 de Dezembro de 1999, o recorrente formulou um pedido ao Conselho de Administração do FP, requerendo que efectuasse retroactivamente os descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência relativos ao período de 3 de Dezembro de 1990 a 24 de Fevereiro de 1998.
O presidente do Conselho de Administração do FP proferiu despachos nos dias de 3 e 9 de Março de 2000, respectivamente, indeferindo o pedido do recorrente.
Em 7 de Abril de 2000, da decisão de indeferimento o recorrente interpôs, junto do Conselho de Administração do FP de Macau, um recurso hierárquico impróprio necessário.
Em 20 de Abril de 2000, o Conselho de Administração do FP fez uma deliberação, mantendo a decisão de indeferimento.
Em 10 de Fevereiro de 2004, o recorrente apresentou de novo um pedido de efectuação dos referidos descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência.
Em 10 de Março de 2004, o presidente do aludido conselho decidiu manter a decisão de indeferimento do pedido.
Em 16 de Abril de 2004, o recorrente interpôs recurso hierárquico impróprio necessário para o Conselho de Administração do FP de Macau.
Em 12 de Maio de 2004, o aludido conselho decidiu manter a decisão de indeferimento do pedido.
Em 28 de Fevereiro de 2008, o recorrente entregou, através de mandatário judicial, mais um pedido de efectuação retroactiva de desconto para efeitos de aposentação e sobrevivência ao Conselho de Administração do FP de Macau.
Em 13 de Março de 2008, o presidente do aludido conselho proferiu despacho de manter a decisão de indeferimento do pedido do recorrente.
Em 21 de Abril de 2008, o recorrente interpôs recurso hierárquico impróprio necessário para o Conselho de Administração do FP de Macau.
Em 21 de Maio de 2008, o Conselho de Administração do FP de Macau fez a deliberação, mantendo as decisões de indeferimento proferidas, respectivamente, em 20 de Abril de 2000 e 12 de Maio de 2004.
Da referida deliberação interpôs o recorrente o presente recurso contencioso.
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IV- O Direito
A- Do Recurso interlocutório
Entendera o M.mo juiz “a quo”que a deliberação objecto do presente recurso seria recorrível, por não ser verdadeiramente confirmativa de anteriores decisões de indeferimento da pretensão ali exteriorizada.
Vejamos.
Como se vê da matéria dos autos, o recorrente, que tinha celebrado contrato além do quadro em 3/12/1990 (fls. 29 do p.a.), em 29 de Janeiro de 1991 expressou o desejo de não efectuar descontos no seu vencimento para efeito de aposentação (fls. 28 do p.a.). Por outro lado, viria em 13 de Dezembro de 1999 requerer ao Conselho de Administração do Fundo de Pensões a contagem de todo o tempo de serviço prestado com início reportado a 3 de Dezembro de 1990 para aquele fim e comprometendo-se a liquidar as respectivas contribuições (fls. 30 do p.a.).
Sobre esta pretensão de 13/12/1999 recaiu despacho do Presidente do Conselho de Administração do Fundo em 3/02/2000 e 9/03/2000 (fls. 37 e 39 do p.a.) indeferindo o pedido, do qual o interessado interpôs recurso hierárquico para o Conselho de Administração (fls. 43 do p.a), que, porém, manteve a decisão de indeferimento em 20 de Abril de 2000 (fls. 53 do p.a.), de que o recorrente foi notificado (fls. 55 do p.a.).
Mas, em 10 de Fevereiro de 2004, o recorrente de novo se dirigiu ao Presidente do C.A. do Fundo renovando a sua pretensão, mas desta vez invocando a seu favor recente acórdão do TSI de 22 de Maio de 2003 no Proc. n. 104/2001(fls. 68 do p.a.).
Este segundo pedido, feito quase cinco anos depois do primeiro, mereceu despacho da Presidente do aludido Conselho de 10/03/2004 no sentido e que não haveria lugar a reapreciação da pretensão (fls. 72), o que viria a ser confirmado por deliberação de 12 de Maio de 2004 (fls. 81 a 85 do p.a.).
Para já o que há a dizer é que, entre estes dois pedidos e respectivas decisões, só aparentemente há identidade. Com efeito, no segundo requerimento, o interessado incluiu um dado novo, sobre o qual a entidade competente acabou por se pronunciar ao remeter para o parecer que o antecedeu: falamos da jurisprudência que o acórdão citado deste TSI havia produzido alegadamente a respeito de caso igual. Por outro lado, as decisões são diferentes: enquanto as de 3/02 e de 9/03 de 2000 eram de indeferimento da pretensão, as de 10/03/2004 (do Presidente) e de 12/05/2004 (do órgão colegial) iam no sentido de que não tinham que reapreciar o pedido por a pretensão estar já decidida. Portanto, não cremos que verdadeiramente houvesse aqui identidade de decisões.
Ultrapassemos, porém, este aspecto por não ter relevância para o caso presente, uma vez que depois desse pedido um outro foi apresentado em 28/02/2008.
Trata-se, este último, de um requerimento mais extenso, com incursões jurídicas que os anteriores não continham - embora novamente invocando o referido aresto do TSI - e imputando aos serviços a culpa e responsabilidade pela sua não inscrição e pela não efectivação de descontos (fls. 95 a 99 do p.a.).
A decisão singular foi novamente de não reapreciação com os mesmos fundamentos (fls. 107 do p.a.). E a deliberação do CA do Fundo de 21/05/2008 foi também no sentido de “…confirmar as decisões de indeferimento proferidas…em 12.05.2004 e 20.04.2004 pela Presidente do Conselho de Administração e sua substituta, nos termos e fundamentos aí constantes e para onde se remetem” (fls. 111-122 e 124-126).
Antes de mais nada, importa dizer que esta deliberação contém, como parece claro, um lapso ao dizer que confirma as decisões da Presidente do C.A. e sua substituta datadas de 12/05/2004 e de 20/04/2000. Na verdade, estas são datas de deliberações do órgão colegial (C.A.) e não de decisões singulares da sua Presidente. Por outro lado, se bem atentarmos no seu conteúdo, esta deliberação não seguiu o teor da decisão hierarquicamente recorrida, pois esta se limitou a não decidir (a não reapreciar) o que decidido já estava, ao passo que a de agora foi de confirmar o indeferimento já vazado nas deliberações de 12/05/2004 e de 20/04/2000. Ou seja, enquanto a pronúncia da Presidente é de recusa em proferir decisão resolutória, já a deliberação do recurso hierárquico tomada em 21/05/2008 foi substantivamente resolutiva ao confirmar os indeferimentos anteriores, para eles remetendo os respectivos fundamentos.
São subtis as diferenças, sim, mas têm uma primordial importância. É que, se tivermos em conta essa realidade díspar, não poderemos mais concluir, como o concluiu a decisão recorrida, haver confirmatividade entre essa deliberação de 21/05/2008 e a de 12/05/2004, uma vez que haveremos de chegar à conclusão de que não há identidade de decisões baseadas nos mesmos pressupostos de facto e de direito. E esse é, como se sabe, um dos requisitos do preenchimento da noção de mera confirmatividade, necessária à irrecorribilidade contenciosa. Realmente, só terá natureza confirmativa o acto que, emanado da mesma entidade, e dirigido ao mesmo destinatário, apresenta objecto e conteúdo idênticos, limitando-se a repetir a anterior decisão perante idênticos pressupostos de facto e de direito (Ac. do STA, em Portugal, de 28/10/2010. Proc. n. 0390/10).
Poderia haver, é certo, confirmatividade entre essa deliberação de 21/05/2008 e a longínqua de 20/04/2000 (fls. 53 do p.a.), uma vez que nesta chegou a haver indeferimento expresso da pretensão. Todavia, se as deliberações, em ambos os casos, são de indeferimento, entre elas falta também um quid decisivo: a identidade de fundamentos. É que para se falar em identidade, não basta que seja a mesma a pretensão, isto é, não é suficiente o efeito substantivo pretendido valer pelo interessado. Também relevam os fundamentos invocados, quer para a pretensão, quer para a denegação. A pode pedir a B, com base na norma X do Decreto-lei y, que lhe seja concedido um subsídio. Se B indeferir o pedido, o interessado A não está definitivamente impedido de renovar a pretensão com fundamento de que o seu caso se inscreve na norma α da Lei β, mesmo que não tenham ainda decorridos dois anos entre a anterior decisão e a nova pretensão.
Ora, a deliberação de 20/04/2000, que se funda, remotamente, no requerimento de 13/12/1999 e, proximamente, na petição do recurso hierárquico de 7/04/2000, não teve em consideração elementos diferentes introduzidos posteriormente, tais como o acórdão do TSI de 22 de Maio de 2003 no Proc. n. 104/20011 e, com maior ênfase fundamentativa, as razões esgrimidas no requerimento datado de 28/02/2008, em que é feito apelo a uma posição da Direcção de Serviços de Cartografia e Cadastro – em que alegadamente se sentia responsável pela não inscrição do interessado no Fundo e contagem de tempo de subscritor -, em que é lançado à discussão o disposto no art. 259º do ETAPM e em que são postos em consideração os princípios da boa fé, da legalidade e da responsabilidade da Administração pela sua actuação culposa (ver requerimento de fls. 95 a 99). Tudo isto, sem esquecer que, entre aquela decisão e o requerimento novo decorreu um período muito superior a dois anos. Ou seja, estamos perante pressupostos de actuação diferentes que implicariam uma nova pronúncia decisora expressa, porque, a contrario, a tanto o não impediria o art. 11º, n.2, do CPA.
Para dizer, em suma, que não nos parece haver irrecorribilidade com o referido fundamento.
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B- Do recurso da sentença
i- Da nulidade da sentença
O recorrente imputa à recorrente a nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de não ter conhecido de todas as questões suscitadas na petição inicial de recurso.
Vejamos. É verdade que a nulidade em apreço só ocorre se o conhecimento das questões omitidas não estiver prejudicado pela solução dada a outras (art. 563º, n.2, do CPC) ou se elas não passarem de meros juízos, opiniões ou argumentos em defesa de um ponto de vista fáctico-jurídico. Ou seja, para terem relevância viciante, deverão ser fundamentos de facto e de direito que tenham virtualidade para, autonomamente, poderem conduzir ao resultado pretendido pelo impetrante.
Ora, o M.mo juiz da 1ª instância apreciou o invocado (ver alínea c), da petição: arts. 78º e sgs.) direito do recorrente à inscrição no Fundo de Pensões de Macau e aos descontos respectivos à luz do art. 259º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo DL n. 87/89/M, de 20/09, tanto sob o império deste diploma, como do da alteração introduzida pela Lei n. 11/92/M, de 17 de Agosto.
Nada disse, porém, sobre o a violação do princípio da igualdade reportado a um caso idêntico relatado pelo recorrente, como não emitiu qualquer pronúncia sobre a invalidade da declaração que ele fizera em 29/01/1991 a respeito da não efectivação dos descontos, bem como aquilo que parece ser a integração de mais um vício no art. 95º daquele articulado a propósito da boa-fé, da legalidade e da responsabilidade da Administração. Alguns destes vícios podem não ter o alcance que o recorrente lhes atribuiu. Todavia, o tribunal devia dizê-lo expressa e fundamentadamente, retirando-lhe essa capacidade invalidante.
Como o não fez, a sentença nessa parte é nula, sem prejuízo, porém, do disposto no art. 630º, n.1, do CPC, que nos obriga a alargar o conhecimento do objecto do recurso às referidas matérias.
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ii- Do mérito do recurso
Entrando na apreciação do mérito do recurso, importa começar pela análise da matéria que a sentença recorrida conheceu, pois dela talvez advenha uma melhor compreensão dos restantes vícios invocados.
O que está em causa é o eventual direito à inscrição e descontos respectivos no período compreendido entre 3/12/1990 e 25/02/98, pois a partir desta última data o recorrente terá entrado para os quadros da Administração Pública.
O art. 250º do ETAPM na sua redacção original permitia a inscrição dos trabalhadores no Fundo dentro de certo condicionalismo de tempo mínimo de garantia de antiguidade (n.1 e 262, n.1, b). Verificado esse requisito, a inscrição era feita oficiosamente pelos serviços processadores do vencimento (n.22). Este último normativo, colocado em confronto com o do n.53 do mesmo artigo dá-nos outra perspectiva mais completa sobre a natureza da inscrição. Afinal, o pessoal com contrato além do quadro pode declarar que não deseja proceder a descontos, “desde que o faça no acto de assinatura do respectivo instrumento contratual ou da posse”. Mas o n.6 diz que estes contratados podem mais tarde vir requerer a contagem de todo aquele tempo em que não procederam a descontos, desde que os paguem nessa ocasião e que – condição essencial - venham a ser providos em situação que implique a inscrição obrigatória no FPM (como seria o caso de integrar os quadros). Dava-se, portanto, relevo à vontade declarada pelo funcionário ou agente, tanto no caso da inicial renúncia ao direito de inscrição, como no caso de reaquisição do direito. Neste segundo caso, a inscrição obrigatória não retroagia os seus efeitos ao período anterior (sem descontos), mas só concedia o direito com efeitos para futuro. Por isso é que, para que o interessado pudesse servir-se de todo o tempo transcorrido, deveria manifestar a sua vontade através de requerimento nesse sentido.
Visto isto, quando o recorrente começou a prestar serviço na Administração Pública de Macau o seu regime era o de contrato além do quadro. Podia, portanto, fazer tal declaração de renúncia ao direito de inscrição, eximindo-se, desse modo, ao pagamento das respectivas contribuições mensais para o Fundo. Há, no entanto, aqui um ligeiro questionamento. A lei diz que essa declaração deve ser feita no contrato ou no acto da posse (n.5), sendo certo que o recorrente apenas a prestou 26 dias depois da assinatura do contrato. Será inválida? Terá esta declaração fora do formalismo legalmente previsto alguma validade?
O diploma citado obrigava a que tal declaração devesse ser feita no acto de assinatura do instrumento contratual ou da posse, por uma razão que antevemos simples e lógica: é que, sem ela nesse instante, os serviços deveriam oficiosamente proceder à inscrição do funcionário ou agente, tal como decorre do n.2 do artigo 259º. Portanto, o momento da posse ou da celebração do contrato constituíam compreensivelmente o marco definidor de competências e responsabilidades. É preciso que se note que a lei confere um direito subjectivo ao funcionário e que, em correspondência, à falta de declaração expressa no sentido de não o querer gozar, os serviços competentes deveriam diligenciar no sentido da efectivação do direito. A norma está pensada, portanto, para a defesa do funcionário ou agente. O que significa que a inscrição - para efeito da aquisição da qualidade de subscritor – se apresenta como necessária (embora não obrigatória, face à possibilidade de o agente poder fazer a declaração do n.5) e para a qual o interessado não carece de desempenhar nenhum papel activo. Ainda assim, importa dizer que o direito à inscrição é coisa diferente da qualidade de subscritor. Isto é, o direito à inscrição advém da lei, nasce ope legis, mas a qualidade de subscritor só surge com a inscrição, acto material procedimental desencadeado pelos próprios serviços pagadores. Enquanto o funcionário ou agente (o recorrente era agente neste caso) não estivesse inscrito, não era subscritor, embora continuasse com o direito a sê-lo.
Pois bem. Neste caso, uma vez que o funcionário nada disse em 3/12/1990 (data do contrato), imediatamente deveriam os serviços respectivos praticar as operações e diligências necessárias à inscrição do recorrente. Nada fizeram, contudo. Por outro lado, o interessado só quase um mês depois manifestou desejo de não proceder aos descontos. A dúvida mantém-se e prende-se com o facto de o art. 259º, no texto primitivo (DL n. 87/89/M, recorde-se) dar relevância extintiva à declaração expressa que o contratado faça no acto da posse ou no momento da assinatura do instrumento contratual. Será que fora desses momentos, deixa de ser relevante a declaração? Em nossa opinião, não. Trata-se de uma disposição simultaneamente disciplinadora e denunciativa dos poderes que deposita na vontade do interessado. Disciplina o início de uma nova relação entre Fundo e agente contratado: se este nada disser, a Administração fica constituída no dever de dar início ao procedimento de inscrição, de começar as diligências para os actos materiais de descontos e, por conseguinte, de conferir ao trabalhador a qualidade de subscritor do Fundo. Ao mesmo tempo, é uma norma que nasce em favor da posição jurídica substantiva do interessado trabalhador. A lei confere-lhe um direito à inscrição, mas por outro lado, reconhece que não é um direito indisponível. Dizer que no acto da posse ou na data da assinatura do contrato pode o contratado declarar que não quer exercer o direito não é o mesmo que dizer que essa declaração só pode ser feita nesses momentos. Se é uma norma de reconhecimento do poder de abdicação do direito à inscrição, esse poder pode ser exercido no acto da posse, no acto da celebração do contrato ou em qualquer altura. Se assim não se pensasse, isso equivaleria a dizer que o contratado era forçado (portanto, contra a sua vontade), a permanecer no sistema de aposentação, contrariando directamente o espírito da lei. Em suma, a transferência desta declaração para outra data posterior tem que ser relevante, com eficácia a partir do momento em que for efectivamente feita.
Portanto, há aqui uma espécie de concorrência de “irregularidades” por banda de ambas as partes: Uma (Administração) não fez o que devia; outra (funcionário) tardiamente manifestou o que queria. Esteve inscrito durante todo o período que decorreu até à manifestação de 29/01/1991? A resposta é não. Deveria ter estado? Pelo que vimos, a resposta é sim. De qualquer maneira, um eventual efeito decorrente da não inscrição durante esse curto período não pode ter na esfera do recorrente reflexos mais favoráveis do que os negativos que para essa mesma esfera advieram da manifestação declarada de não ser subscritor e de não proceder a descontos. Quer dizer, se a norma foi pensada em favor do funcionário ou agente ao permitir-lhe a renúncia, a explicação para que a declaração fosse feita no acto da posse ou do contrato encontra-se, para além do que dissemos atrás, ainda na necessidade de afastar a possibilidade de sobre a Administração recair alguma forma de responsabilidade, ao mesmo tempo na de a libertar do dever de iniciativa de um procedimento de inscrição que podia vir a revelar-se desnecessário. Isto serve para dizer que o n.5 do art. 259º na sua redacção primitiva não é tão categórico como parece, isto é, não pode ser interpretado no sentido de que, fora do acto de posse ou do contrato, não é mais possível a renúncia ao direito de inscrição. Aliás, se a lei diz que o pessoal contratado pode fazê-lo nesse momento, já não diz que só pode fazê-lo nesse momento ou que não pode fazê-lo posteriormente. E sendo um direito renunciável, nenhum obstáculo existe a que pudesse ser efectivamente renunciado depois desse momento. A não se pensar assim, tal equivaleria a dizer que a partir da inscrição passaria a ser irrenunciável. Mas, nem a lei, nem a natureza do direito, nem os interesses envolvidos apontam nesse sentido.
Em suma, podia o recorrente fazer a declaração naquela data e, ao tê-la feito, nem por isso ela foi ilegal.
E se isto é assim, sob pena de contradição insanável, não pode o recorrente invocar um direito à renúncia, retirando do seu gesto todas as vantagens que achou convenientes nessa altura, e agora vir defender que essas vantagens foram obtidas por causa de uma omissão ilegal imputável aos serviços (Isso é algo muito próximo do venire contra factum proprium). É que mesmo que essa inscrição tivesse tido lugar, a sua declaração posterior haveria de conferir-lhe, validamente, eficácia abdicativa ou renunciativa.
Com isto, pensamos ter respondido ao vício invocado na p.i. referente à invalidade da declaração de não proceder aos descontos para efeitos de aposentação feita em data posterior à assinatura do contrato de trabalho.
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Mas nem tudo está respondido. Podia o recorrente servir-se do disposto no n.6 do art. 259º do Estatuto? Pois, sim. Mesmo perante a sua declaração válida e eficaz de renúncia do direito de inscrição durante o período em que era agente contratado, nem por isso estava impedido de se servir da disposição citada e requerer a contagem do tempo, posteriormente, se visse a ser colocado sob a sua alçada, isto é, se viesse a ser provido em situação que lhe conferisse inscrição obrigatória.
Todavia, todo o artigo veio a ser modificado por ocasião da lei n. 11/92/M, de 17/08. Quando pela primeira vez o recorrente fez (em Dezembro de 1999) uma declaração de sentido contrário à anterior já este diploma se apresentava com a nova redacção (altura em que já o recorrente era funcionário do quadro desde 1998). Esta redacção tornou obrigatória a inscrição dos funcionários nomeados provisória ou definitivamente (n.2) e facultativa a inscrição dos funcionários ou agentes e do pessoal nomeado em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos (era o caso do recorrente). Por outro lado, não previu expressamente a possibilidade de renúncia (ainda assim cremos que não poderia estar afastada nos casos de inscrição facultativa), embora tivesse previsto a faculdade de cancelamento a pedido do interessado (n.4). Também não previu expressamente a contagem do tempo de não descontos decorrente, nomeadamente, quer do facto de não ter sido pedida a inscrição4, ou do tempo por que tiver durado o cancelamento. Então perguntamos: poderá no período de vigência desta lei aplicar-se o disposto no domínio da lei anterior?
Há vários acórdãos deste TSI no sentido de que a nova redacção não se poderia aplicar a situações constituídas ao abrigo da lei anterior. Mas eles partem do princípio de que os não descontos derivavam de lapso ou erro dos serviços e em nenhum deles estava em apreciação um caso como este em que o interessado declarara expressamente a renúncia ao direito de inscrição5. O sentido de tal jurisprudência é o seguinte: “Se no decurso da situação anterior já constituída surgir uma lei nova a exigir novas condições para a constituição da relação da situação de subscritor (como é o caso da declaração expressa nesse sentido com a redacção dada ao art. 259º do ETAPM pela Lei 11/92/M de 17 de Agosto), a norma aplica-se imediatamente em relação aos novos casos de inscrição no Fundo.
O n.° 3 do artigo 259°, na redacção dada pela Lei n.° 11/92/M, para efeitos de constituição da situação jurídica de subscritor do FPM, não pode modificar uma situação anterior em que se considerava relevante o silêncio do interessado como vontade presumida de inscrição no Fundo de Pensões, sob o domínio da lei antiga e em face da qual era havido como facto virtualmente constitutivo daquela situação. Estando em causa a recuperação de tempo de serviço a que já correspondesse o direito à inscrição no Fundo e não já o direito à aposentação, à data em que o serviço foi prestado, e a consequente regularização das quotas em dívida, não se vê motivo para, apenas por motivo de os Serviços não terem procedido aos descontos, como deviam, negar a pretensão formulada, de contagem do tempo para efeitos de aposentação, correspondente ao direito adquirido, por verificação dos requisitos legais de inscrição no FPM”.
Um outro aresto deste mesmo tribunal aponta num sentido (só) aparentemente diverso. Falamos do lavrado no Processo n.146/2009. Nesses autos de recurso estava em causa uma declaração que o interessado (que tinha iniciado funções nos Serviços de Saúde de Macau em Dezembro de 1990) havia feito apenas nove anos depois (concretamente, em 19 de Maio de 1999) no sentido de não desejar fazer o desconto para efeito de aposentação (presumivelmente daí em diante). Mas a verdade é que esse interessado também não tinha feito quaisquer descontos até esse momento para o Fundo. E então a questão tornava-se pertinente: se no acto do contrato não expressou a vontade de não descontar para o Fundo, será que a posteriori podia vir a recuperar todo aquele tempo para esse mesmo efeito? O acórdão considerou que sim, na linha da jurisprudência do TSI. Trata-se de uma posição jurisprudencial que não confere ao silêncio um papel contrário aos interesses e direitos do contratado. Realmente, se a lei diz que o contrato confere o direito à inscrição e que os Serviços logo têm que começar oficiosamente a processar os descontos - a não ser que o agente diga expressamente que prescinde do direito e a não realização dos descontos – se nada aquele disser admite-se ser defensável que o seu silêncio não tenha maior força (em sentido inverso) que o dever de oficiosidade na inscrição e efectuação dos descontos. Consequentemente, e em harmonia com a posição deste TSI, o referido acórdão reconheceu que, mesmo que os Serviços não tivessem processado os descontos durante aqueles nove anos de funções no regime de contrato além do quadro, haveria que reconhecer-lhe o direito à recuperação de todo esse tempo pretérito, uma vez que o direito já estava integrado na sua esfera (pelo menos assim poderia, ou deveria, ser entre o início de funções e a data em que fez a declaração, em 19/05/1999).
Como se vê, aqueles arestos partem de um pressuposto diferente do nosso (incluindo até o caso ínsito no Proc. 458/2009 referido, cujo acórdão não chega a colidir com a posição que vimos manifestando no presente caso), pois nestes autos foi o próprio recorrente que se despojou de qualquer eventual direito à inscrição através da declaração de renúncia quase imediata, que como vimos foi eficaz e válida, ao contrário do que sucedia naqueles, em que os descontos não foram feitos por culpa exclusiva dos serviços.
Dito isto, ao abdicar do direito, qualquer tentativa de o fazer renascer só podia ser apreciado à luz da lei em vigor ao tempo de nova declaração, face ao art. 11º, n.2, 2ª parte, do código Civil e ao princípio tempus regit actum.
Ora, o que se passa no nosso caso concreto?
Ao abrigo da redacção inicial do art. 259º, o recorrente tinha direito à inscrição e só o perdia mediante declaração negativa de tipo renunciativo. Era um subscritor necessário desde 3/12/1990 (mas não obrigatório), qualidade que podia, no entanto, perder, por declaração nesse sentido6. Assim o fez o recorrente, por requerimento de 29/01/1991. Perdeu o direito. De modo que, quando surge a nova lei (i.e., a nova redacção do citado preceito, por força da Lei n. 11/92/M) o recorrente estava sem direito. Acontece que esta nova lei não reconhecia necessariamente o direito. Para o adquirir tinha que fazer um requerimento (na verdade, apesar da designação, cremos estar em presença de um declaração positiva potestativa, pois não nos parece que a Administração pudesse negar-lho) no prazo máximo de 60 dias após a posse ou a assinatura do contrato.
Repetimos: devia no acto da assinatura do contrato ou até 60 dias após, ter requerido a inscrição. Este “requerimento” traduz uma manifestação de vontade tão relevante que se apresenta como condição sine qua non. Isto é, na medida em que a lei confere uma faculdade ao interessado de requerer a inscrição (já que esta não era automática), só a manifestação concreta representaria condição essencial à aquisição voluntária do direito.
O que a lei estabelece naquele normativo é, por conseguinte, a fixação de dois requisitos conjuntos, um substantivo, outro formal: o primeiro é o requerimento (declaração de vontade); o outro é a observância de um prazo. Ambos constituem aquilo a que o legislador quis que fosse uma condição suspensiva, no sentido de que apenas se e quando (dentro do prazo pré-definido) o interessado revelasse a vontade é que o direito entrava na sua esfera.
Neste sentido, não podemos deixar de consignar que o prazo de 60 dias contados da assinatura do instrumento contratual não é somente um prazo disciplinador ou meramente regulador de eficácia. É, antes disso e sobretudo, um prazo legal de natureza peremptória que não pode ser reduzido ou alargado. E se isto se diz assim, forçoso até é concluir que em mais nenhum momento fora desse limite de prazo o interessado pode manifestar a sua vontade.
Como não fez tal declaração, o que se pode concluir é que ficou na situação em que se encontrava: estava sem direito; continuou sem direito.
*
Agora, sim, estamos em condições de avançar para a análise do vício consistente na violação do princípio da igualdade, que a sentença da instância não chegou a conhecer.
Trata-se de um princípio que, em termos muito simples, obriga a tratar igual o que é igual e diferentemente o que é diferente. Todavia, é um princípio que encontra o seu campo exclusivo de aplicação na actuação discricionária da Administração7. Na verdade, quando é vinculada a actividade administrativa, o que se exige à Administração é que acate e cumpra a lei, mesmo que porventura antes a tivesse já violado em caso idêntico. Isto é, porque a igualdade só funciona na legalidade, não pode exigir-se que a Administração, para se manter fiel ao princípio, insista em desrespeitá-la todas as vezes que casos iguais se lhe deparem. Ora, se na interpretação que fazemos, a actuação da Administração é vinculada e se apenas uma solução lhe cabia tomar, não interessa chamar a atenção para o facto de um caso igual ter tido diferente (embora ilegal) tratamento e solução.
Improcede, pois, este vício.
*
Finalmente, uma palavra para aqueles princípios que foram mencionados no art. 95º da petição. Foi uma invocação fugaz, pois não se mostra desenvolvida a respectiva fundamentação. Em todo o caso, se podemos dizer que “dos princípios da boa-fé, da legalidade e da responsabilidade decorre que a Administração não se pode prevalecer da situação para a qual culposamente contribuiu (não procedendo aos descontos para o Fundo de Pensões quando o devia ter feito oficiosamente), violando o princípio geral de direito de que ninguém deve ser prejudicado por falta ou irregularidade que lhe não sejam imputáveis”8, também se nos impõe referir que a questão tem aqui nula importância. Primeiro, porque perante a actuação de legalidade estrita e vinculada, o que se espera é que Administração actue como manda a lei e não como o terá sido levado a pensar o interessado de boa-fé, uma vez que a boa fé vale essencialmente para os terrenos de discricionariedade. Em segundo lugar, porque a situação daqueles autos trazida a este TSI é substantivamente diferente, uma vez que, como vimos, além a falta de descontos foi imputada à Administração, ao passo que aqui derivou de vontade expressa do próprio interessado.
Por conseguinte, não pode sufragar-se a tese que o recorrente aqui veio defender.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
a)- Julgar improcedente o recurso interlocutório interposto pelo Fundo de Pensões.
b) Declarar nula a sentença por omissão de pronúncia; e
c)- Julgar improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto impugnado.
Custas apenas pelo recorrente A, em ambas as instâncias.
Macau, 12 /05 /2011.
Vitor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Bastará que entre dois actos se intrometa um novo factor de análise factual ou jurídico para que não
possa já falar-se de confirmatividade do segundo em relação ao primeiro para efeitos da sua impugnabilidade contenciosa. A invocação de um novo fundamento, por exemplo o apelo de jurisprudência superveniente muito relevante (v.g. um acórdão do TUI tirado em uniformização e jurisprudência) no sentido daquilo que o recorrente defende, é motivo e circunstância jurídica superveniente que deve merecer do órgão competente uma nova ponderação de análise: apud, em Portugal, Ac. do TCA/sul, de 17/02/2000, Proc. n. 2728/99
2 “A inscrição dos funcionários e agentes no FPM, e o pagamento das compensações para aposentação, são processados oficiosamente pelos serviços que paguem os vencimentos”.
3 O pessoal contratado além do quadro ou em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos de Administração do Território pode, no acto de assinatura do respectivo instrumento contratual ou da posse, declarar que não deseja proceder a descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência.
4 Na verdade, sendo facultativa, tinha que ser requerida pelo próprio interessado, de acordo com o n.3 do artigo.
5 V.g. Ac. do TSI de 22/05/2003, Proc. n. 104/2001; 6/04/2006, Proc. n. 99/2006.
6 Repare-se que tal nem sequer era feito através de um pedido, que sempre poderia implicar uma análise sobre os pressupostos de concessão, mas sim mediante uma mera declaração negativa, potestativa e receptícia.
7 V.g. Ac. Do TSI, de 17/05/2007, Proc. n. 544/2006
8 Apud, citado ac. do TSI de 22/05/2003, Proc. 104/2001
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