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Processo n. 784/2007
(Recurso Laboral)
Data do acórdão: 14 de Abril de 2011
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios - licença de maternidade
- Juros
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Considera-se, ao abrigo do art. 17º, do DL 101/84/M, que se o trabalhador não gozou o dia de descanso semanal, nem o novo dia de descanso (substitutivo) que a lei estabeleceu para o compensar, mesmo que tenha recebido a remuneração pelo serviço prestado nesses dias, terá que ser compensado com mais um dia de salário pela compensação não gozada (salário x1).
Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III- De acordo com o DL 101/84/M, os feriados obrigatórios do 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro, são gozados sem perda de remuneração. Mas se o empregado trabalhar nesses dias, terá direito a remuneração complementar (+50%) se o serviço for indispensável para fazer face a acréscimo de trabalho não previsível (art. 21º, n. 2) e, nesse caso, a fórmula a utilizar será salário x1,5. Nos outros casos, deverá receber um dia de salário, porque a tanto o obriga o art. 28º (salário x1).
Quanto aos obrigatórios não remunerados, tal como acontece com o pagamento dos dias de descanso semanal, terá o trabalhador a receber a remuneração do dia de trabalho se efectivamente o prestou, sem qualquer compensação adicional (salário x 1).
IV- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
Quanto aos não remunerados, nos termos do art. 20º, n. 2, haverá acréscimo de salário em 50% se o trabalhador prestar serviço para fazer face a acréscimo de trabalho (nesse caso, a fórmula será salário x 1,5). Nos restantes casos, tal como nos dias de descanso semanal, a indemnização corresponde a mais um dia de salário (salário x1).
V- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
VI- Tendo a trabalhadora direito a 35 dias de licença de maternidade por ocasião do parto, deve ser indemnizada por eles à razão da média da remuneração diária.
VII- Os juros de mora pelas compensações devidas por trabalho indevidamente prestado são contados a partir da data da sentença da 1ª instância que procede à liquidação do respectivo valor, no caso de ela vir a ser totalmente confirmada na instância de recurso.
Se, porém, a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do crédito, então a mora, relativamente a cada liquidação, começa a contar-se a partir da data desta.
Proc. N. 784/2007
Recorrentes: STDM e A
Recorridos: Os mesmos


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$210.506,04 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde Dezembro de 1978, data em que para a ré começou a trabalhar, até 15 de Março de 1990, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador (fls. 89), julgando parcialmente prescritos os créditos peticionados, concretamente os referentes aos créditos laborais anteriores a 6 de Setembro de 1986.
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Dessa decisão não foi interposto recurso.
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Prosseguiram os autos até ao seu termo, tendo na oportunidade sido proferida sentença, datada de 14 de Junho de 2007, que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, assim, condenou a STDM a pagar ao autor a quantia de Mop$ 31.925,34 e juros legais contados desde 15 de Março de 1990, data da cessação da relação laboral.
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Dessa sentença recorreu a STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
I. Houve erro manifesto na apreciação da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, relativamente às respostas dada aos quesitos 7º a 9º e quesito 20º;
II. A Recorrente não entende como o Tribunal pôde considerar que a A., ora Recorrida, não gozou qualquer dia de descanso ao longo de toda a relação contratual (que se presume com base no cálculo indemnizatório constante da sentença Recorrida) e que não renunciou à remuneração dos dias de descanso gozados o que, consubstancia um claríssimo erro de apreciação da matéria de facto.
III. Resulta claro dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas - quer da Recorrente, quer sobretudo das testemunhas apresentadas pela Recorrida - que a Recorrida gozou de dias de descanso, mas que o gozo desses dias não seria remunerado, e que sabia deste facto no momento da contração, o que ficou provado na resposta ao quesito 17º.
IV. Não é razoável dar como provado que uma pessoa nunca gozou de dias de descanso durante 4 anos!!
V. Mais é, a sentença de que ora se recorre, nula por erro manifesto na subsunção da matéria de facto na aplicação do direito. A decisão ora em crise foi proferida com base numa fundamentação que necessariamente teria de ser sustentada por matéria de facto que, no caso dos presentes autos, não foi dada como provada e, porque assim foi, errou a decisão na aplicação do direito.
VI. Em momento algum conseguiu a A. fazer a prova de que a Ré a impediu de gozar dias de descanso, pelo que errou o Tribunal ao condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dia de descanso anual como se a Ré tivesse impedida a Autora de gozar aqueles dias;
VII. Com base nos factos constitutivos do direito alegado pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
VIII. E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
IX. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título;
X. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A., ora Recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
XI. Também da matéria de facto dada como provada não resulta que a Autora auferisse um rendimento mensal, pelo que errou a Mma. Juiz ao aplicar ao caso concreto as disposições legais que prevêm compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso pelos trabalhadores que auferem um salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário.
XII. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrida, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de HKD$4,10/dia, HKD$10,0 /dia ou HKD$15/dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XIII. Para reforçar este entendimento, ficou provado que, mesmo a parte variável do rendimento dos trabalhadores - a quota parte das gorjetas oferecidas pelos clientes dos casinos - era reunida e calculada diariamente.
XIV. Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
XV. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. 10 do RJRT.
XVI. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que a A., ora Recorrida, era remunerada com um salário mensal, a sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes, não estando devidamente fundamentada e sendo arbitrária, ao tentar estabelecer como imperativo (i.e., o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como dispositivo (i.e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
XVII. E, é importante salientar, esse entendimento por parte da Mma. Juiza a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar o salário auferido pela A., ora Recorrida, como salário diário, o que expressamente se requer;
XVIII. Não se compreende nem aceita, com o devido respeito, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização como se a Autora nunca tivesse gozado dias de descanso, quando ficou feita a prova de que este gozou dias de descanso não remunerados!
XIX. A única conclusão justa e adequada à matéria de facto dada como provada, seria no sentido de considerar que a R. tem direito ao pagamento da remuneração correspondente a todos os dias de descanso reconhecidos por lei.
XX. Remuneração essa que tem forçosamente que considerar-se inserida no valor do salário, no que respeita aos dias de descanso semanal, se considerarmos que a A. auferia um salário diário (artigo 26º nº 2 do DL. 24/89/M), e ainda no que respeita aos dias de descanso anual e feriados obrigatórios, nos termos do nº 1 do artigo 26º do RJRT, de acordo com o regime legal previsto para o salário mensal, que optou por aplicar-se ao caso concreto, não obstante ficar provado que a A. auferia um salário diário ...
XXI. Pelo que, face à matéria de facto dada como provada, nunca a Ré poderia ter sido condenada ao pagamento da quantia indemnizatória que ora se impugna.
XXII. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na subsunção da matéria de facto dada como provada à solução de direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A., ora Recorrida.
XXIII. Ou seja: no caso dos presentes autos, o Tribunal a quo, sem qualquer fundamento factual decidiu arbitrariamente no sentido de casos semelhantes, em c1aríssima violação do princípio da instância. Aqui reside, na opinião da ora Recorrente, o erro na aplicação do direito pelo Tribunal a quo, ao basear-se em matéria de facto Que nunca poderia sustentar ou fundamentar a decisão proferida, de Que aqui se recorre.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XXIV. A A., ora Recorrida, não estava dispensada do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e ao não pagamento da compensação pelo trabalho alegadamente prestado nesses dias e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou.
XXV. Nos termos do nº l do art. 335º do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
XXVI. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 7º a 9º da base instrutória, cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
XXVII. Requer-se, pois, que V. Exas se dignem revogar a sentença ora em crise e julgar a matéria de facto em conformidade com o ora exposto e, consequentemente, absolver a R. da Instância.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XXVIII. O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XXIX. O facto da A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per se, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso a Recorrida auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que a Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
XXX. Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XXXI. A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração, e a renúncia ao gozo de dias de descanso teriam, forçosamente, de ser consideradas como provadas e válidas.
XXXII. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
XXXIII. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XXXIV. Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XXXV. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XXXVI. E, não tendo a Recorrida sido impedida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM à Recorrida.
Ainda concluindo:
XXXVII. Ainda que se considerasse que a A. auferia salário mensal, não podia o Tribunal a quo ter calculado as indemnizações por não gozo de dias de descanso sem considerar que ficou provado que o trabalho prestado pela Recorrida em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo. A A. foi remunerada pelos dias de descanso que deveria ter gozado e em que trabalhou, pelo que deve ser subtraída uma parcela em todos os cálculos indemnizatórios, sob pena de manifesto enriquecimento sem causa!
XXXVIII. A remuneração já paga pela ora Recorrente ao ora Recorrida por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que a A. tinha direito, nos termos do DL 101/84/M, depois nos termos do DL 24/89/M, e finalmente nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M.
XXXIX. Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.º 6 do art.º 17º do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XL. Ora, nos termos do art. 26º, n.º 4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17º, n.º 6, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
XLI. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XLII. A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da al. b) do nº 6 do art. 17º e do artigo 26º do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda concluindo:
XLIII. As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
XLIV. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
XLV. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
XLVI. O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
XLVII. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
XLVIII. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de salário.
XLIX. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
L. Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
LI. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Juiz a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
LII. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
LIII. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
LIV. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
Ainda concluindo:
LV. Errou o Tribunal ao condenar a Ré no pagamento de uma quantia indemnizatória pelo trabalho alegadamente prestado em dias de feriado obrigatório não remunerado, com fundamento no nº 2 do artigo 20º do DL 24/89/M quando, aquela disposição, se reporta aos casos da al. b) do nº 1 do mesmo artigo, ou seja, aos casos em que “(...) os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;”. Ora, é a própria Mma. Juiz que, a páginas 18 da Sentença recorrida, vem dizer que “(...) Entendemos, conforme o Ac. da Segunda Instânia já atrás referido, que a situação dos presentes autos não se reconduz a tal alínea, mas antes à al. c) do art. 21º do citado diploma, uma vez que a actividade da Ré (no sector de casinos) é rigorosamente contínua e permanente.” - negro nosso.
Ainda concluindo:
LVI. Salvaguardado o devido respeito, a Mma. Juiz a quo decidiu erradamente que serão devidos juros “desde a data da cessação da relação contratual”.
LVII. Até à cessação da relação contratual, nunca a A. interpelou a R. para o pagamento de quaisquer quantias a título de supostos “créditos laborais”, pelo que, não tendo a A. efectuado qualquer interpelação, a eventual obrigação da Ré relativa aos alegados juros dos créditos salariais apenas se tornará exigível em caso de mora.
LVIII. Ora, nos termos do disposto no art. 794º do Código Civil (CC) o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
LIX. Ora, a citação não deve ser considerada como uma interpelação para cumprir, mas antes para a R. se defender, deduzir oposição. Deve entender-se que a R. tem o direito de se defender antes de começarem a vencer-se juros de mora. Assim, não deve a citação da Ré para os termos da presente acção, ser considerada uma interpelação para cumprir.
LX. Ainda, para haver mora, deve a prestação ser líquida, certa e exigível, o que, em rigor, apenas se verifica com o trânsito em julgado da sentença. Neste sentido, veja-se o entendimento que tem vindo a ser adoptado pela jurisprudência do Tribunal da Segunda Instância da RAEM, designadamente os seguintes Acórdãos:
LXI. Acórdão de 5 de Outubro de 2006, proferido no âmbito do processo nº 262/2006, em que se decidiu o seguinte: “(...) O montante da indemnização apenas foi definido no âmbito da presente acção, pelo que, só poderá ser considerado líquido com o respectivo trânsito em julgado; (...)”.
LXII. Acórdão de 5 de Outubro de 2006, proferido no âmbito do processo nº 393/2006, em que se decidiu o seguinte: “(...) sendo ilíquidos os créditos pela A. reclamados, os mesmos apenas se tornam devidamente líquidos com o trânsito em julgado da decisão condenatória, considerando-se assim, e atento o artigo 794º, nº 4 do C. Civil, que motivos não haviam para se alterar o decidido”.
Ainda concluindo:
LXIII. O filho da A. nasceu em Dezembro de 1989 - altura em que a A. auferia diariamente HKD$10.00, pelo que o Rendimento Salarial a contar para efeitos de cálculo da indemnização devida pela licença do parto é de HKD$10.00 por dia;. A compensação a pagar não deve ascender a mais de HKD$300.00 (HKD$10.00 x 30 dias = HKD$300.00) relativamente o parto, e não MOP$8,006.25.
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Também a autora A recorreu subordinadamente da sentença, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
A. A sentença recorrida ao não dar como provados todos os factos constitutivos do direito da A. violou o disposto no art.º 335.º, n.º 2 e 3, 339.º e 788.º, n.º 1, todos do CCM.
DESCANSO SEMANAL (DL n.º 101/84/ M)
B. A decisão do tribunal recorrido no sentido de, até 1989, não conceder à A., a indemnização pelo dia de descanso compensatório a que tinha direito de gozar dentro dos 30 dias seguintes ao da prestação de trabalho, deverá ser revogada por violação do disposto no artigo 17.º, n.º 4 do DL n.º 101/84/M e, por conseguinte, do art.º 69.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45497, fixando-se esse valor em MOP75,792.77.
C. Se assim não fosse, o disposto no art.º 17.º, n.º 4 do DL n.º 101/84/M seria letra morta, i.e., um preceito esvaziado de sentido útil e cuja violação pela entidade empregadora não importaria qualquer consequência.
DESCANSO SEMANAL (RJRL)
D. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal violou a interpretação do disposto no artigo 17º nº 6, a) do RJRL fixada nos acórdãos proferidos por unanimidade pelo Tribunal de Segunda Instancia no Recurso nº 255/2006, de 9 de Novembro de 2006, e no Recurso nº 188/2002, 416/2006 e 311/2006, bem como, por exemplo, a doutrina sobre esta matéria fixada na jurisprudência comparada do Tribunal Superior do Trabalho do Brasil, Enunciado nº 146.
E. Assim, além da remuneração mensal que já recebeu, a ora Recorrente tem também o direito a receber o dobro da retribuição normal diária (cfr. art.º 17.º, n.º 6, a) do RJRL), acrescida da indemnização de igual valor por não ter gozado o competente dia de descanso compensatório (cfr. art.º 17.º, n.º 4 do RJRL).
F. Se assim não fosse, o disposto no art.º 17.º, n.º 4 do DL n.º 101/84/M seria letra morta, i.e., um preceito esvaziado de sentido útil e cuja violação pela entidade empregadora não importaria qualquer consequência.
G. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal no valor de MOP17,842.50 deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os 4 e 6,a) e 26.º, n.º 1 do RJRL, fixando-se agora esse valor em MOP26,763.75. de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 3.
DESCANSO ANUAL (RJRL)
H. O direito às ferias anuais consiste numa manifestação do direito ao repouso e aos lazeres, o qual, por se tratar de um direito de personalidade pertence à categoria dos direitos absolutos, os quais, como direitos de exclusão, implicam a abstenção geral de comportamentos que possam lesá-lo.
I. A violação do direito a férias por parte do dador de trabalho basta-se, para ser por verificada, com a circunstância de este não proporcionar a fruição do período legal de repouso anual aos seus trabalhadores, não sendo necessário que se demonstre que a entidade patronal impediu (através de uma actuação deliberada com essa finalidade) o gozo de férias.
J. Isto porque a Recorrente nunca podia gozar o período de descanso anual a que tinha direito, sem que esse período tivesse sido fixado pela Ré, com a devida antecedência e de acordo com as exigências de funcionamento da empresa, como impunha o disposto no artigo 24.º, n.º 1 do DL n.º 101/84/M e impõe o actual art.º 22.º, n.01 do RJRT às entidades empregadoras.
K. Tal omissão basta para que se dê por verificada a prova do impedimento a que se refere o art.º 24 RJRL, conforme têm vindo a entender o 2.º e 3.º Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Base na esteira da doutrina e jurisprudência supra citadas.
L. Acresce que o impedimento (por acção e omissão) pelo ora Recorrida do gozo das férias anuais da A. resulta provado pelos factos resultantes da resposta do Tribunal Colectivo aos quesitos 9 e 15 da Base Instrutória, conjugados com o disposto nos artigos 21.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, e 24.º do RJRL.
M. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 2) de cálculo do montante da compensação por descanso anual no valor de MOP2,058.75 deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 21.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, 24.º e 26.º, n.º 1 do RJRL, fixando-se esse valor em MOP3,088.13 de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 3.
DOS FERIADOS REMUNERADOS (DL n.º 101/84/M)
N. O Tribunal a quo não fixou qualquer indemnização pelo trabalho prestado pela A. nos feriados obrigatórios remunerados relativos ao penado de vigência do DL nº 101/84/M, de 25/08.
O. Quando o trabalhador trabalhe em dia de feriado remunerado, terá direito:
(i) à sua remuneração mensal normal pelo facto de ter trabalhado,
(ii) a mais um dia de descanso compensatório pelo facto de ter trabalhado quando a lei o dispensara de o fazer, e
(iii) à correspondente remuneração desse dia de dispensa remunerada.
P. Esta decisão do tribunal recorrido no sentido de não atribuir qualquer compensação à recorrente por conta do trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios remunerados, viola o disposto no art.os 20.º, n.º 2 e 3, 23.º, n.º 1, in fine, 28.º, n.º 1 e 30.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, segundo a qual os quais a A. devia ter sido dispensado da prestação do trabalho sem perda de remuneração e, por conseguinte, viola o disposto no art.º 42.º, n.º 3 do novo Código de Processo do Trabalho, fixando-se esse valor em MOP8,872.44, de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 2.
DOS FERIADOS NÃO REMUNERADOS (DL n.º 101/84/M)
Q. Quando o trabalhador trabalhe em dia de feriado obrigatório não remunerado, além da remuneração mensal, adquire também o direito a ser compensado pelo dia de dispensa ao trabalho de que não beneficiou.
R. Se assim não fosse, o disposto no art.º 20.º, n.º 2 do DL nº 101/84/M, de 25/08, seria letra morta, i.e., um preceito esvaziado de sentido útil e cuja violação pela entidade empregadora não importaria qualquer consequência.
S. A decisão de não arbitrar qualquer indemnização pelo trabalho prestado até 1989 nos dias de feriados obrigatórios não remunerados, deverá ser revogada por violação do disposto nos art.ºs 20.º, n.º 2 , 23.º, n.º 1, in fine, 28.º, n.º 1 e 30.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, segundo os quais a A. devia ter sido dispensado da prestação do trabalho sem perda da remuneração mensal e, por conseguinte, do art.º 42.º, n.º 3 do novo Código de Processo do Trabalho (CPT), fixando-se esse valor em MOP9,101.19, de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 1.
DOS FERIADOS NÃO REMUNERADOS (RJRL)
T. O Tribunal a quo fixou apenas um acréscimo salarial de 50% a título de indemnização pelo trabalho prestado pela A. nos feriados obrigatórios não remunerados.
U. Esta decisão deverá ser revogada por violação do disposto no art.os 19.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 1 e art.º 28.º, n.º 3 do RJRTM segundo os quais a A. devia ter sido dispensado da prestação do trabalho sem perda da remuneração mensal e, por conseguinte, por violação do art.º 42.º, n.º 3 do novo Código de Processo do Trabalho, fixando-se esse valor em MOP915.00, de acordo com a fórmula: salário médio diário X n.º de dias X 1.
DA CONDENAÇÃO ULTRA VEL PETITUM
V. O Tribunal a quo deu como provado os quesitos 7 a 9 e 15 da Base Instrutória mas não condenou a Ré no pagamento do trabalho prestado nos dias de descanso semanal desde Dezembro de 1978 até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, pelo que violou o artigo artº. 42.º, n.º 3 do CPT ex vi do disposto no artigo 26.º do “Estatuto do Trabalho Nacional” e no 564.º, n.º 2 do CPCM.
DOS JUROS VENCIDOS
W. A situação em apreço configura-se como um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1.a parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil.
X. Não suscita qualquer dúvida que as prestações salariais se inserem num contrato com prestações de execução continuada (contrato de trabalho) e que aquelas obrigações têm prazo certo.
Y. Sendo obrigações de prazo certo, há mora desde a data do seu vencimento (art. 805º, n.º 2, al. a) do Código Civil de 1966 - CCP, a actual 794.º, n.º 2, a) do CCM).
Z. A mora do devedor verifica-se quando há atraso culposo (a culpa presume-se, nos termos do art. 799º, n.º 1 do CCP, actual 788.º, n.º 1 do CCM) no cumprimento da obrigação, ou seja, quando por causa que lhe seja imputável, o devedor não realiza a prestação no tempo devido (art. 804º, n.º 2 do CCP, actual 793.º, n.º 2 do CCM).
AA. Não se diga que só no momento da decisão judicial ficou firmado (e a Ré teve conhecimento) que o valor variável (percentagem sobre as gorjetas) da remuneração integrava o conceito de salário fixado no artigo 25.º, n.º 2 do RJRL.
BB. Na verdade, o facto de só por decisão judicial a Ré ter sido convencida desse facto não justifica o não pagamento de juros, na medida em que, nos termos do art. 6º do CCP, actual 5.º do CCM, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
CC. A Ré pode discordar desse entendimento e querer discutir a questão em tribunal, esperando que o seu entendimento prevaleça, mas esse é um risco que terá de correr por sua conta e que de forma nenhuma poderá afectar o direito da A. a ser indemnizada do prejuízo decorrente do não cumprimento pontual da obrigação.
DD. Acresce que art. 28.º, n.-º 3 e 4 do RJRL é categórico quando fixa o termo inicial a partir do qual se vencem os salários dos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
EE. É a partir do termo inicial ai fixado que a entidade empregadora fica constituída em mora se, sem culpa do trabalhador, este não receber a retribuição na data do seu vencimento, sendo certo que não resulta da matéria de facto provada que o não recebimento integral das referidas prestações seja imputável à A.
FF. A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e quando se trata de obrigações pecuniárias, como sucede no caso em apreço, essa reparação corresponde aos juros de mora, à taxa legal, contar do momento da constituição em mora (art. º 804º, n.º 1 e 806º, n.ºs 1 e 2 do CCP, actuais 793, n.º 1 e 795, n.º 1 e 2 do CCM).
GG. A Ré constituiu-se em mora no terceiro dia útil subsequente ao termo do período (de descanso anual, semanal ou de feriado obrigatório) a que o salário respeitava, conforme resulta das disposições conjugadas dos art.os 30.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto 28.º, n.º 3 do RJRT e 805.º, n.º 2, b) do Código Civil de 1966, actual art.º 794.º, n.º 2, al. b) do Código Civil de Macau, pelo que deve à Recorrente a quantia de MOP166,075.09, a título de juros vencidos sobre as quantias devidas por conta do trabalho prestado nos períodos de descanso semanal e feriados obrigatórios.
HH. Em suma: não tendo a Ré procedido ao pagamento integral das retribuições das parcelas salariais nas datas dos respectivos vencimentos, constitui-se em mora quanto à parte dos valores devidos, devendo sofrer as sanções que a lei civil comina para esta situação, ou seja, pagar juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das referidas diferenças até integral pagamento.
II. Assim não entende o Tribunal a quo. A decisão do Tribunal a quo pressupõe que os créditos salariais “sub judice” são ilíquidos. Sucede que não são.
JJ. O valor do salário médio diário da Recorrente resulta de uma mera operação aritmética com base no documento autêntico de fls. 15 (cfr. certidão emitida pelos Serviços de Finanças).
KK. O não pagamento resulta da resposta ao quesito 15 da Base Instrutória.
LL. A fórmula de cálculo do montante peticionado a titulo de créditos salariais resulta da lei, bem como resulta da lei a data do seu vencimento.
MM. A decisão do tribunal recorrido no sentido de que os respectivos juros apenas podem ser calculados a partir da data do trânsito em julgado da sentença, deverá ser revogada e substituída outra que fixe os juros desde as datas de vencimento dos créditos a que os juros respeitam.
NN. A decisão do Tribunal a quo quanto aos juros viola o art.º 42.º, n.º 3 do CPT ex vi das disposições conjugadas dos art.os 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 30.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 101/84/M e 805.º, n.º 2, b) do CCP, a que correspondem os actuais art.os 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 3 do RJRL e 794.º, n.º 2, al. b) do Código Civil de Macau.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Os Factos

A sentença em crise deu por assente a seguinte factualidade:
l. A Autora A, começou a trabalhar para a Ré STDM, em Dezembro de 1978, como empregada de casino (A).
2. O rendimento da Autora era constituído por um salário diário, acrescido de gratificações, gratificações essas que eram variáveis consoante o montante recebido dos clientes do casino (B).
3. Desde que a Ré iniciou a sua actividade de jogos de fortuna e azar - na década de sessenta - as gorjetas dadas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas por uma comissão composta por um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna e Azar, um membro do departamento de tesouraria da Ré, um floor manager (gerente de andar) e um trabalhador/croupier das mesas a que correspondiam as gorjetas, e eram depois distribuídas por todos os trabalhadores dos casinos, de acordo com a categoria profissional a que pertenciam, de dez em dez dias (C).
4. O salário fixo da Autora começou por ser de MOP$4,10, por dia até 30 de Junho de 1989 e de HK$10,00, por dia, desde 1 de Julho de 1989 até à data da cessação do contrato (D).
5. A Autora deixou de trabalhar para a Ré em 15 de Março de 1990 (E).
6. A Autora, entre os anos de 1984 e 1990, recebeu as seguintes quantias:
a)1984: 119.297,00;
b)1985: 112.493,00;
c)1986: 118.386,00;
d) 1987: 118.195,00;
e)1988: 120.958,00;
f)1989: 83.497,00(F)
7. A Autora prestou serviços em turnos, conforme horários fixados pela entidade patronal (G).
8. Os turnos eram os seguintes:
1. 1º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00 (H).
9. Aos trabalhadores, a Ré distribuía uma parte das gorjetas recebidas (resposta ao item 1º).
10. Tendo em conta o departamento em que trabalhavam (resposta ao item 2º).
11. Sendo a sua distribuição fixada previamente pela Ré (resposta ao item 3º).
12. O remanescente das gorjetas era gerido pela Ré (resposta ao item 4º).
13. Sobre o montante fixo e variável incidia o imposto profissional (resposta ao item 6º).
14. Enquanto esteve ao serviço da Ré a Autora nunca gozou descansos semanais (resposta ao item 7º).
15. A Autora também não gozou os feriados obrigatórios enquanto esteve ao serviço da Ré (resposta ao item 8º).
16. E também nunca gozou, naquele período de descansos anuais (resposta ao item 9º).
17. Em 1989, a Autora gozou de um período de licença de maternidade antes, durante e depois do nascimento do seu filho que nasceu a 11 de Dezembro desse ano (resposta aos itens 10º a 13º e doc. junto a fls. 16).
19. Durante o período de licença a Ré não pagou à Autora qualquer quantia (resposta ao item 14º).
20. Apesar de ter trabalhado nos períodos referidos em 7), 8) e 9), nunca a Ré pagou à Autora qualquer acréscimo salarial (resposta ao item 15º).
21. A Ré informou a Autora que caso pretendesse gozar dias de descanso ou se por qualquer motivo não pudesse prestar o seu trabalho, não auferia o montante diário fixo nem a parte correspondente das gorjetas (resposta ao item 17º).
***

III- O Direito

1. Vem imputada à sentença recorrida um alegado erro na apreciação da prova, por inexistência de elementos que revelem a ilicitude do empregador, nomeadamente que este tivesse obrigado o trabalhador a prestar serviço em dias de descanso ou que a autora não tivesse chegado a gozar dias de descanso durante toda a relação laboral. Sem razão.
Em primeiro lugar, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou, trabalhando voluntaria e graciosamente mente, é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Depois, a prova obtida foi no sentido de que esta trabalhadora nunca chegou a gozar dias de descanso e que, ao contrário, sempre trabalhou nesses dias. Somos, pois, levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Depois, entende a recorrente que ao autor cumpria provar quais os dias de descanso que não chegou a gozar. Ora, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto a respeito desses pontos (art. 599º , n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa na soberania da convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Assim sendo, teremos que concluir pela improcedência da invocação da falta de prova como forma de alegação impeditiva do direito do autor.
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2. Também a autora A se insurgiu no seu recurso contra a matéria dada por provada, ao dizer que deveriam ter sido considerados provados todos os deveres que impendiam sobre a entidade patronal.
Em boa verdade, esta alegação é muito pouco perceptível. Na verdade, o acervo factual relevante à concessão do direito indemnizatório foi provado de acordo com o quadro material da relação substantiva invocada pela própria autora. O que acontece é que a sentença não acolheu toda a construção jurídica efectuada pela interessada autora, o que fez reduzir o valor pecuniário a atribuir-lhe. Mas isso, como deve ela mesma admitir, é uma questão que não contende com a prova dos factos, mas sim com a aplicação do direito. Pode a autora não concordar com a extensão do direito reconhecido na sentença contra a qual agora se insurge, mas essa é a tarefa, precisamente, que nos cumpre executar no presente recurso: saber se, e em que grau, a primeira instância decidiu bem.
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3.Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma atitude totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo de carácter imperativo.
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4. Apreciemos, agora, a natureza do contrato, a composição do salário e a amplitude do período remuneratório (se mensal ou diária), questões que foram objecto do recurso por parte da recorrente STDM.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1/03/89 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária a quantia fixa de MOP$ 4,10 desde o início até 30/06/1989 e de HK$10,00 desde 1/07/1989 até à cessação do contrato. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
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5. No que se refere à composição do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
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6. E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebeu uma quantia fixa diária de MOP$ 4,10 durante um período e de HKD$10,00 a partir de certa altura (facto 4).
Todavia, nada nos autos demonstra ou revela ter sido estrita intenção das partes contratantes, muito menos algo a esse respeito ter sido expressamente estipulado, que o trabalho seria remunerado ao dia. Nesse sentido, a matéria do art. 17 da base instrutória, que recebeu resposta afirmativa, não chega para dar cobertura à tese da STDM. É evidente que um salário mensal se divide em tantas partes quantas as unidades de que o todo se compõe, e cujo apuramento se revela importante para se determinar o valor de cada uma delas. Mas o facto de não se pagar o valor dos dias de não trabalho não significa necessariamente que o salário foi acordado de acordo com um período de serviço diário efectivo.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:

   “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.

Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nas respectivas respostas.
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7. Passemos então à apreciação do valor das compensações, certos, porém, de que os créditos anteriores a 6/09/1986 foram declarados prescritos.
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7.1 – Descanso semanal
a) Ao abrigo do DL n. 101/84/M

A sentença nada atribuiu à trabalhadora por entender que este diploma não lhe consagrava compensação pelo trabalho prestado nestes dias.
Diferentemente, a ora recorrente A defende que tem a haver um dia de salário por cada dia de descanso não gozado.
Vejamos.
Em cada sete dias de trabalho, o trabalhador tinha direito a gozar um período de descanso de 24 horas consecutivas (art. 17º, n.1, cit. dip.). E se, em vez de o gozar, o trabalhador prestasse trabalho, tinha ele direito a gozar um outro dia de descanso compensatório dentro dos 30 dias seguintes (art. 17º, n. 4). Como proceder, então, nos casos em que o trabalhador prestasse também serviço no dia que deveria ser destinado ao descanso compensatório? Substituindo esse dia de compensação não gozado por um, por dois dias de salário ou por nenhum?
Quando o trabalhador não exerce o seu direito ao descanso no dia devido, a forma que a lei estabelece para o compensar é através da concessão de um novo dia de descanso, que será gozado dentro dos 30 dias posteriores (art. 17º, n.4).
Ora, note-se que no caso dos autos só o primitivo dia de descanso não foi compensado; mas o serviço nele prestado foi pago. Por isso, apenas teria o trabalhador direito a transferir o descanso para outro dia. Mas, se até mesmo esse dia substitutivo tiver sido dia de trabalho, quando devia ser de descanso, então a forma de se obter compensação é pela atribuição de mais um dia de salário, vamos dizer nós, extra (que somará àquele que recebeu pela efectiva prestação do serviço). Se fosse compensado por dois dias de remuneração estaria a ser beneficiado contra o que a lei prevê; e se não fosse compensado por nenhum, como é defendido na sentença, certamente haveria aí um claro locupletamento (enriquecimento ilícito) da empregadora à custa daquele. Note-se, aliás, que aquela norma nasce geneticamente com uma carga favorável ao trabalhador, dotando-o de um direito subjectivo. Seria norma totalmente inútil se o intérprete reduzisse aquilo que é um direito com um valor pecuniário a mera discricionariedade do empregador e, portanto, sem consequência alguma em caso de violação. Como proceder, então?
Dois caminhos se nos afiguram possíveis e qualquer deles conduzirá ao mesmo resultado.
Não esqueçamos que o trabalhador recebeu sempre uma unidade salarial nos dias de trabalho fornecido ao empregador. Pergunta-se, então:
- O trabalhador foi pago pelo valor pecuniário que lhe era devido legalmente? Quer dizer, recebeu aquilo que sempre teria que receber mesmo sem trabalhar?
– Ou apenas foi pago pelo serviço efectivamente prestado?
Analisemos cada uma destas perspectivas (de ora em diante, por comodidade e facilidade, falaremos somente em devido, para nos referirmos ao direito pecuniário correspondente aos dias de descanso semanal anual e feriados; e falaremos em prestado, para aludirmos ao valor pecuniário correspondente ao trabalho efectivamente prestado nesses dias).
1ª Comecemos pela primeira (pagamento do devido).
Em cada dia de descanso que devia ter gozado – mas que não gozou – a STDM pagou ao trabalhador o valor salarial a que ele teria direito. E então diz-se: o patrão pagou ao empregado o dia de descanso. Nada a esse título lhe deve mais. Mas, nessa hipótese, a questão que imediatamente se põe é se, a par do valor que recebeu pelo dia de descanso, o facto de ele ter trabalhado nesse dia também deve ser remunerado.
A resposta a esta questão envolve um breve estudo do regime instituído pelo DL 101/84.
O legislador quis que o trabalhador que prestasse serviço nesses dias de descanso haveria de ser compensado com outro dia de descanso a gozar dentro dos 30 dias seguintes ao da prestação do trabalho. É o que diz o art. 17º, n.4 do diploma. Esta circunstância, aliada à letra do n. 5 imediato 1 tolerará a interpretação que este dia de trabalho efectivo não deve ser pago?
Não nos parece. Efectivamente, se todo o dia de descanso tem um valor pecuniário (tanto é assim que para o diploma “…o salário mensal… inclui o valor do salário dos períodos de descanso semanal…, não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos “(art. 28º, n.1), por maioria de razão valor pecuniário deverá ter o dia de descanso em que o trabalhador gerou riqueza ao seu empregador. Não pensar desta maneira equivaleria a admitir que o empregador, com o beneplácito do legislador, pudesse sem causa (diríamos mesmo, ilegitimamente) enriquecer à custa do trabalhador. Trabalhar de graça em tal circunstância é contra o espírito do texto legal, todo ele geneticamente criado em defesa do trabalhador . Basta ler os artigos iniciais do decreto-lei para se concluir que assim é, em particular para os artigos 5º, n.2 e 6º , onde expressamente se preceitua o modo mais favorável de interpretar o diploma.
Perguntamos, por fim, agora: Terá o artigo 17º, n.5 força suficiente para destruir toda esta construção? Não. Admiti-lo seria ir outra vez contra o sentido da lei, toda ela impregnada de regras e princípios favoráveis ao trabalhador. Admiti-lo seria ver na expressão “prestar serviço voluntário” o mesmo que “prestar serviço gratuito”. Ora, para nós, trabalhar voluntariamente não quer senão dizer trabalhar livremente, não forçadamente. Não se pode ver na lei um efeito negativo tão grande à esfera do livre prestador, ao ponto de se lhe retirar o direito ao recebimento do valor pecuniário pelo serviço prestado. Isso contradiz as regras de boa hermenêutica. Aliás, para nós, a expressão em causa ainda tem outro sentido. Ao exprimir-se desse modo, o que o legislador terá querido estabelecer foi que esse direito ao descanso não é irrenunciável. O trabalhador pode trabalhar nesses dias, mas sem a isso ser obrigado (o que até está de acordo com a redacção da parte final do n. 5). Nada mais. Não podemos, portanto, ver na norma aquilo que ela, claramente, na sua letra não diz (art. 8º, n.s 2 e 3, do Cod. Civil).
Repare-se na injustiça que seria admitir que um trabalhador pudesse trabalhar sem contrapartida pecuniária: O trabalhador B não vai trabalhar no dia de descanso. Como o empregador não pode descontar-lhe esse dia (ver artigo 28º, n.1), B leva para casa no final do mês o salário completo. O colega de serviço A Tim vai trabalhar nesse dia e ao fim do mês leva para casa o mesmo salário. Ora, o legislador não pode ter querido alguma vez admitir uma tão monstruosa desigualdade na própria criação do direito.
Não ignoramos que possa haver, a coberto do art. 23º, n.1, quem infira coisa diferente da que nós inferimos. De acordo com a sua leitura, aquele normativo só permitiria o pagamento (“sem perda de salário”) dos dias de descanso anual. A expressão “para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios” não teria outro efeito senão fazer a devida demarcação em relação a estes dias de não trabalho, os quais, sendo direitos dos trabalhadores expressamente consignados, não teriam o mesmo tratamento ao nível remuneratório. Todavia, esta é uma interpretação ablativa que, em nossa opinião, vai precisamente contra o artigo 28º. Aliás, esse foi o lugar próprio do diploma onde, de maneira abrangente, o legislador quis cobrir toda a situação referente ao cálculo do salário, e onde expressamente se diz que os dias de descanso semanal, anual e feriados têm um valor (“valor dos salários dos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios…”) que não pode sofrer qualquer dedução.
Esta questão foi, aliás, objecto de discussão no Conselho Permanente de Concertação Social aquando da alteração deste diploma, com vista à obtenção de consensos sobre aquele que viria a ser o DL 24/89/M. E se quisermos tirar conclusões seguras sobre o assunto, temos que admitir que:
a) Os empregadores não vinham pagando os dias de descanso semanal, pois faziam da lei uma “aplicação de modo elástico” (sic). Era uma prática habitual, ao que parece, mas contrária à lei.
b) O governo de então entendia expressamente que nenhuma alteração se justificava sobre essa matéria porque o dever do pagamento do descanso semanal “…resulta da lei”. Assim, ou a redacção transitava como estava nesse diploma para o novo ou, a eliminar-se do n.2 do art. 28º a expressão “descanso semanal”, haveria que fazer incluir no art. 17º a expressão “sem perda de salário”. Quer dizer, para o representante do legislador, não podia haver qualquer dúvida de que estes dias tinham que ser pagos, tal como estava definido no DL 101/84/M, e tal como haveria de ficar previsto no diploma que a este sucedesse. Porque, “o governo não tem intenção de alterar estas normas, a menos que tal resulte das reuniões”. E a verdade é que não alterou mesmo!
c) Algumas dúvidas mais sérias havia sobre o pagamento dos dias de descanso semanal em relação aos trabalhadores que auferiam “à peça”ou “ao dia”, mas não já em relação aos trabalhadores que auferiam “salário mensal”.
Portanto, a interpretação autêntica, feita a partir da fonte normativa, não deixa margem para dúvidas.
Assim, somos a entender que nesta perspectiva o empregador teria que pagar, além do devido já pago, o trabalho prestado.
Quer isto dizer, em suma, que, na perspectiva equacionada, se o trabalhador foi pago pelo devido, ainda tem a haver o prestado: 1 (um) dia de salário por cada dia de serviço prestado nesses dias. Um dia de salário, porque a lei não prevê expressamente diferente forma de remunerar o trabalhador nesses dias, senão através do art. 28º, n.1, o modo de remunerar: sendo o salário mensal, o cálculo do valor do salário de cada um dos períodos de descanso e dos feriados corresponderá à fracção percentual de todo o período. Logo, um trigésimo. A fórmula é, pois, salário x 1.

2ª Avancemos para a segunda perspectiva (pagamento do prestado).
Nesta hipótese, o empregador pagou ao trabalhador o serviço realizado em cada um desses dias de descanso. Ou seja, remunerou o trabalho prestado. Quid iuris quanto ao devido?
Nesta perspectiva, ainda mais consensual do que a primeira, o empregador não tem como fugir da responsabilidade do pagamento. Neste caso, o referido artigo 28º não permite outra leitura que não seja a de que o empregador tem que pagar o que descontou, isto é, o que não pagou.
Logo, também nesta acepção, a forma de compensar o trabalhador será através do pagamento de 1 (um) dia de salário correspondente a cada dia de descanso não gozado e não pago.
Por tal motivo, em qualquer das perspectivas, a fórmula correcta é: AxBx1 (A= salário diário; B= números de dias; 1=factor compensatório).
E, portanto, a sentença merece censura nesta parte. Assim sendo, atendendo aos dias de descanso não gozado, temos:
- 1986: 324.34x17x1= 5.513,78
- 1987: 323.82x52x1= 16.838,64
- 1988: 331.39x52x1= 17.232,28
- 1989: 228.75x13x1= 2.973,75
Tudo no total de MOP$42.558,45.
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b) Ao abrigo do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será: AxBx2 (e não vezes 3, como o defende a recorrente trabalhadora).
Assim, nesta parte a sentença tem que ser confirmada, estando certo o valor apurado de Mop$ 17.842,50.
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7.2 - Descanso anual
a) - Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
Julgamos que a norma tem em vista estabelecer o modo como há-de o trabalhador ser retribuído do “respectivo período de descanso anual”, que não chegou a gozar até ao momento em que terminou a relação laboral. A lei diz por outras palavras o seguinte: o trabalhador recebe em dinheiro (no montante salarial) o valor de todos esses dias.
Mas não diz que o trabalhador perca o direito à compensação pelo trabalho prestado nesses dias em anos anteriores ao período a que se refere o número 2.
Portanto, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial em relação a cada um.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1.
Mas tem a receber a quantia de Mop$ 2.301,22 (considerando a prescrição dos créditos anteriores a 06/09/1986).
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c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2 (neste caso, porém, não obstante a sentença não ter fixado valor compensatório relativamente ao ano de 1992, sendo certo que a relação terminou em Junho deste ano, a verdade é que o recorrente não a censurou no recurso, pelo que esta instância está impedida de se pronunciar sobre o assunto: art. 589º, n3 do CPC).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 (AxBx1). O factor a aplicar é o 1 e não o 2, como foi feito na sentença a fls. 18, ou o factor 3, como o defende a trabalhadora.
Assim, o valor indemnizatório será de Mop$ 1.029,37.
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7.3 - Feriados obrigatórios
A sentença considerou não haver direito a compensação pelos dias não gozados durante a vigência do DL n. 101/84/M e ao abrigo do DL n. 24/89/M compensou-os com o triplo da remuneração diária.
Vejamos.
a) - Na vigência do DL n. 101/84/M
- Feriados remunerados
A sentença considerou não haver lugar a compensação ao abrigo deste diploma. A trabalhadora recorrente defende ter direito a dois dias de salário por cada dia de feriado não gozado e a STDA entende que nada deve ser arbitrado àquela. Vejamos.
Nos feriados obrigatórios os trabalhadores permanentes devem ser dispensados da prestação do trabalho (n. 2 do art. 20º) e têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro (n.3, do cit. artigo). Estes são os feriados pagos (ou pagáveis).
Portanto, gozando-os, isto é, mesmo sem prestação de trabalho, os trabalhadores deverão ser remunerados de acordo com a retribuição normal (são dispensados da prestação de trabalho sem perda de remuneração).
Supôs o legislador que não haveria problemas quanto aos feriados e que, ao menos nesses dias, haveria efectivo descanso. E tanto assim é que abriu as excepções do art. 21º, ao estabelecer que o trabalho só poderia ser prestado nesses dias de feriado obrigatório nos três casos previstos nas três alíneas do n.1.
Mas, e se for realmente prestado trabalho nesses dias de feriado obrigatório remunerado?
Responde o n. 2 do art. 21º : os trabalhadores só receberão acréscimo de salário, em valor não inferior a 50% da remuneração normal, se o serviço for indispensável ao empregador de forma a fazer face a acréscimo de trabalho não previsível.
A estatuição do art. 21º é razoavelmente harmonizável com o disposto no n. 3 do artigo precedente. Quer dizer, nos feriados não gozados nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro (que sempre seriam pagos), o trabalhador receberá acréscimo de salário em função do acréscimo de trabalho mas só na situação prevista na al. b), do n.1.
Nas restantes situações (als. a) e c)), - por exemplo, no caso em que a prestação de trabalho é necessária para garantir a continuidade do funcionamento da empresa, de acordo com os usos e costumes, como é a situação dos “croupiers” dos casinos, que laboram em regime de continuidade -, pergunta-se: esse trabalho deverá ser remunerado?
Duas propostas de solução:
1ª Proposta: Não. Esse trabalho não será extraordinariamente compensado, porque o legislador não previu tal. Nesta hipótese de trabalho, haveria que reconhecer: Pode não se concordar grandemente com a solução, mas foi a que o legislador quis consagrar. A fórmula seria, pois: salário diário x 0.
2ª Proposta: Sim. Se o legislador foi imperativo ao prescrever que o empregador não pode efectuar descontos nos dias de feriado obrigatório (art. 28º, n.1), está aí a ideia de que o número 2 do art. 21º só tem sentido para os casos de acréscimo de salário. Portanto, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço, sempre teria direito a receber a “retribuição correspondente”, então é forçoso pensar que, no caso de ele ir realmente prestar o serviço, a contrapartida do empregador terá que ser remuneratória.
Solução adoptada: A melhor saída para a dúvida (dúvida legítima, perante um diploma confuso, pouco coerente, algo pantanoso) reside no acolhimento da segunda proposta de solução.
Não se pensar assim, equivaleria a ver frustrado o escopo do número do artigo 28º e, tal como acima concluíramos para o serviço prestado em dia de descanso semanal, corresponderia a um enriquecimento (injustificado) do empregador, que de modo nenhum o legislador alguma vez terá querido consagrar à custa do trabalhador. Nesta acepção, portanto, o trabalhador teria sempre que receber o valor da “retribuição correspondente”(art. 20º, n.3), ou seja, o devido, e ainda o valor do trabalho realizado nesse dia - que deveria ter sido de descanso - ou seja, o valor do correspondente trabalho prestado.
Se assim for, fácil se torna concluir o modo de compensar o trabalhador: se ele recebeu o devido, falta-lhe receber o prestado; e se recebeu o valor do trabalho prestado, falta-lhe receber o valor do devido.
Em qualquer dos casos, a fórmula é a mesma: salário diário x 1.
Assim, a indemnização a arbitrar tem que considerar os feriados até à data da entrada em vigor do diploma de 1989, sem perder de vista que apenas são de atender os ocorridos entre Outubro de 1986 e 5 de Abril de 1989, portanto num total de 8 feriados, perfazendo a soma pecuniária de Mop$ 2.518,81.
-Feriados não remunerados
Problema maior é quanto aos feriados do Ano novo chinês, 10 de Junho, Chong Chao (Dia do Bolo Lunar) e Chong Yeong (Dia dos antepassados). Estes são feriados não remunerados: o trabalhador tem direito ao seu gozo, mas, gozando-os, nada aufere. Aceita-se o modelo, embora com dificuldade, porque é assim que a lei real e expressamente prescreve. Portanto, o trabalhador pode permanecer em casa, mas perde a remuneração. Neste ponto, tem que interpretar-se a norma do art. 28º, n.1, na parte referente aos feriados, como se reportando aos feriados remunerados somente. Nos restantes, o empregador pode efectuar o desconto, isto é, tem a faculdade de não pagar o feriado gozado.
Como é evidente, se o trabalhador for prestar o serviço nesse dia, terá que auferir a remuneração correspondente. E como remunerá-lo, então? Nas situações previstas na alínea b) do art. 21º, ela será obtida através da aplicação do factor 1,5, face ao disposto no número 2 do artigo (um dia correspondente ao trabalho prestado no dia, acrescido de metade). Nos restantes casos, valerão as considerações acima expostas para a remuneração dos dias de descanso semanal. O trabalhador terá que receber o salário de 1 (um) dia.
No caso concreto, contudo, não haverá lugar a pagamento desses dias que foram dias de efectivo trabalho por o trabalhador ter recebido a respectiva remuneração.
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b) - Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, o que equivale a Mop$ 1.372,50.
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- Feriados não remunerados
Nesta matéria rege o art. 20º, n. 2: haverá acréscimo de salário em 50% no mínimo, mas só nos casos em que, ao abrigo da alínea b) do n. 1 precedente, o serviço for prestado para fazer face ao acréscimo de trabalho não previsível. O factor a aplicar será 1,5 (o salário de um dia correspondente ao trabalho prestado no dia, acrescido de metade).
Nos restantes casos das alíneas a) e c), valerão as considerações acima expostas para a remuneração dos dias de descanso semanal. Ou seja, o trabalhador terá que receber o salário de 1 (um) dia.
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A sentença, porém, atribuiu 50% do salário por considerar verificado o condicionalismo previsto no art. 20º, n.2 do diploma, atribuindo-lhe o valor calculado de Mop$ 343,12. A recorrente STDM, nas suas alegações entende que nada haveria a pagar (fls. 38 da peça alegatória e conclusão LV). Tem razão a recorrente. Com efeito, de acordo com a norma citada, a atribuição desta quantia dependeria sempre da prova de que o trabalho prestado deveria ter sido para acudir a acréscimo de trabalho não previsível. E nada disso ficou demonstrado. Assim, nessa parte a sentença não pode manter-se.
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8 - Licença de maternidade
A sentença atribuiu à recorrente Ho In a indemnização no valor de Mop$ 8.006,25 considerando o número de dias de licença de maternidade a que ela tinha direito ao abrigo do art. 37º, n.1 do DL n. 24/89/M (35 dias) e o valor da remuneração diária em Dezembro de 1989, altura do nascimento do filho.
A recorrente STDM defende que a indemnização deve corresponder a 30 dias (não explica a razão deste número) e ter em atenção o salário diário de 10 HK dólares.
A razão, porém, está do lado da sentença. Com efeito, o artigo 37º, n.1 daquele diploma estabelece que as mulheres grávidas, cuja duração de trabalho tenham uma duração superior a um ano, têm direito a 35 dias de licença por ocasião do parto, com garantia do posto de trabalho e sem perda de salário, até ao limite de três partos por cada trabalhadora, independentemente da entidade patronal.
Assim sendo, e tendo em atenção que o vencimento da trabalhadora era mensal e que incluía as gorjetas, a indemnização deve ter em linha de conta que a média da remuneração diária era de 228,75 patacas.
Andou bem portanto, a sentença nesta parte ao atribuir-lhe a indemnização de Mop$ 8.006,25.
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9- Juros
A sentença concedeu juros de mora contados desde o termo da relação laboral. Para assim concluir, partiu do pressuposto de que a dívida não era ilíquida e que, mesmo que o fosse, a iliquidez era imputável à entidade empregadora.
A recorrente STDM opina no sentido de que a mora deve contar-se a partir do trânsito da sentença e a recorrente Ho In, por seu turno, defende que a mora deve contar-se a partir do vencimento de cada um dos créditos, concretamente a partir do terceiro dia útil subsequente ao termo do período a que o crédito respeita, tudo ao abrigo dos artigos 30º, n.3, do DL n. 101/84/M, 28º, n.3, do DL n. 24/79/M e 7940, n. 2, al. b), do Cod. Civ.
Vejamos.
Este TSI tem seguido uma posição constante a este respeito, no sentido de que, não tendo o pagamento sido feito em tempo, se considera que o empregador se constitui em mora, ficando a partir desse momento obrigado a reparar os danos causados ao trabalhador-credor (art. 793º do C.C.).
O art. 794º do Cod. Civil estabelece, por seu turno, o momento da constituição em mora, apresentando como regra geral o da interpelação judicial ou extrajudicial para o respectivo cumprimento feita pelo credor (n. 1), ao mesmo tempo que estabelece excepções (n.2). Contudo, para os casos em que o crédito é ilíquido2 no momento em que é reclamado judicialmente – como sucede nos autos – a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido (n.3), o que, em regra, sucederá com a sentença da 1ª instância pois é nesse instante que o direito fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.
Só que o reconhecimento do direito pode não ter ainda um carácter definitivo, atendendo ao facto de poder haver recurso jurisdicional da sentença. Portanto, o trânsito da sentença é crucial, na medida em que estabiliza o julgado. Mas também aqui há que distinguir entre duas situações, conforme a decisão do recurso confirma ou não a sentença recorrida. Se a confirmação é total, a liquidez definida na 1ª instância mantém-se e, então, entende-se que a mora se reporta à data da sentença. Se a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do direito (leia-se, do crédito), então a mora, relativamente a cada liquidação, começa a contar-se somente a partir da data desta.
Esta tem sido a posição deste TSI (v.g., Acs. de 22/06/2006, Proc. n. 14/06 e de 12/03/2009, Proc. n. 683/2007), sufragada no Ac. do TUI de tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010). E, por ter sido sufragada pela sentença recorrida, nada há a censurar-lhe.

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IV- Decidindo

Considerando o que acaba de ser dito, acordam em conceder parcial provimento aos recursos interpostos e, confirmando e revogando a sentença nos sobreditos termos, condenam a STDM a pagar a A a quantia de Mop$ 75.630,10, acrescida de juros de mora contados de acordo com o acórdão do TUI acima referido.

Custas pelas recorrentes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

Macau, 14 de Abril de 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)





Processo nº 784/2007
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 14ABR2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong





1 Segundo o qual “A observância do direito consagrado no n. 1 não prejudica a faculdade do trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado”.
2 A obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado (Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed., pag. 113).
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