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Processo n.º 898/2009 Data do acórdão: 2011-5-19
(Autos de recurso civil)
  Assuntos:
– empreendimento imobiliário
– incumprimento do contrato de joint-venture
– resolução do contrato
– prejuízo decorrente do incumprimento contratual
– prémio de nova concessão de terreno não aproveitado
– contrato sinalagmático
– correspectividade
S U M Á R I O
1. Não pode representar um “crédito de natureza contratual” que a Companhia ora recorrente alegadamente detenha sobre a Companhia ora recorrida no âmbito do contrato de joint-venture outrora celebrado entre ambas as partes para construir um empreendimento imobiliário num terreno de que a recorrente era concessionária, o valor pecuniário que esta teve que pagar e pagou a título de prémio no procedimento administrativo relativo ao seu requerimento de nova concessão para a parcela do terreno então ainda não aproveitada.
2. É que embora tal contrato de joint-venture tenha sido posteriormente declarado resolvido por decisão judicial com fundamento no incumprimento do mesmo pela ora recorrida, este incumprimento não tem a pretendida virtude de fazer com que a recorrente tenha passado a ter um “prejuízo” no valor pecuniário equivalente ao dito prémio, por conta daquela anterior relação contratual de joint-venture, e, como tal, tenha passado a ter um crédito pecuniário de natureza contratual sobre a recorrida.
3. Isto porque sendo esse contrato de joint-venture de natureza jurídica eminentemente bilateral, o “prejuízo” alegadamente sofrido pela recorrente por causa do pagamento do dito prémio, se fosse realmente decorrente desse contrato sinalagmático, teria que implicar algum reflexo correspectivo positivo na esfera jurídica da recorrida, correspectividade essa que não pode existir in casu, uma vez que resolvido que foi o contrato, e sendo a recorrente o requerente da referida nova concessão, os lucros resultantes do aproveitamento do terreno concessionado irão reverter por inteiro para a recorrente, constituindo uma vantagem patrimonial que só na sua esfera jurídica irá ser sentida.
O relator por vencimento,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 898/2009
(Autos de recurso civil)
 Recorrente: A
 Recorrida: B



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
Nos presentes autos de recurso civil n.o 898/2009 deste Tribunal de Segunda Instância, foi apresentado pelo M.mo Juiz Relator à discussão e deliberação do presente Tribunal Colectivo ad quem o seguinte douto Projecto de Acórdão:
– <<[…]
Relatório

1. Nos presentes autos de Verificação e Graduação de Créditos proferiu-se a seguinte sentença:
“Declarada a falência da Sociedade "B, abriu-se o concurso de credores por 30 dias, tendo-se feito as necessárias citações.
Foram reclamados 5 créditos seguintes:
1) Direcção dos Serviços de Finanças da RAEM (澳門特別行政區財政局): MOP$7,039.00 (fls. 2 e 3 dos autos);
2) A:MOP$112,274,019.00 (fls. 13 a 15 dos autos);
3) A: MOP$6,234,943.13 (reconhecida pela sentença de 13/01/2005);
4) C: MOP$35,253,998.65 (fls. 37 a 39 dos autos);
5) A:MOP$1,021,652.50, (fls. 45 a 46 dos autos).
O Sr. Administrador da massa falida, no seu parecer, nos termos do artigo 1147° do CPCM, a fls. l08 a 111 opina pela aceitação dos créditos n°s 1°,3° e 4° acima indicados, à excepção dos créditos indicados nos n° 2 e 5.
Oportunamente foi proferido o despacho saneador (fls. 135 e 136), cujo relatório aqui dá-se por reproduzido.
Neste despacho, que transitou em julgado, decidiu-se, fundamentalmente reconhecer, por não terem sido impugnados, os créditos seguintes:
a) - A é credora da falida no valor MOP$6,234,943.l3 respeitante à quantia por que a falida fora condenada por sentença transitada em julgado, em 13 de Janeiro de 2005, acrescida de juros vencidos e vincendos;
b) - Em 28 de Fevereiro de 2007, a Direcção dos Serviços de Finanças é credora da falida no valor de MOP$7,039.00, correspondente ao imposto complementar de rendimentos devida pela falida e à multa aplicada à falida;
c) - C é credora da falida no valor de MOP$35,253,998.65 respeitante à quantia por que a falida fora condenada por sentença transitada em julgado acrescida de juros vencidos desde 8 de Maio de 2006 até 1 de Fevereiro de 2007;
d) - Em 1 de Novembro de 1989, entre a falida e a A foi celebrado um contrato joint-venture para construir o empreendimento "Jardins de Lisboa" num terreno de que esta era concessionária;
e) - Em 17 de Julho de 1995, a falida intentou uma providência cautelar, posteriormente apensa à acção ordinária n° 79/95, contra a A;
f) - Nessa providência cautelar foi ordenada a intimação da A para se abster de prometer vender, vender, hipotecar ou por qualquer outro modo dispor, alienar ou onerar as fracções autónomas existentes ou a construir nos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Macau sob os n°s 21497, 22366, 22367, 22398, 22460 e 22532, e de privar a falida da detenção dos imóveis acima identificados, ou, por qualquer modo perturbar a sua detenção;
g) - Por sentença do Tribunal de Última Instância, de 15 de Dezembro de 2004, transitada em julgado em 13 de Janeiro de 2005, proferida na acção ordinária n° 79/95, o contrato joint-venture celebrado entre a falida e a A foi resolvido por incumprimento do mesmo por aquela.
* * *
Quantos aos créditos de valor MOP$112,274,019.00 e MOP$1,021,652.50, reclamados pela A, o saneador relega o seu reconhecimento para esta sentença, por falta, na altura, de provas.
De seguida, seleccionaram-se os Factos Assentes e organizou-se a Base Instrutória.
* * *
Apresentadas as provas, foi dado vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 1150° do CPCM.
* * *
Finalmente, procedeu-se a julgamento em Tribunal Colectivo, que respondeu os seguintes quesitos da seguinte forma:
Da Base Instrutória
- 10 anos contados de 1995 seriam suficientes para completar a construção do empreendimento "Jardins de Lisboa" e o aproveitamento integral do terreno concessionado à A para esse efeito (resposta ao quesito 1°).
- Depois de finda acção ordinária n° 79/95, o prazo de concessão que restava não era suficiente para completar o aproveitamento integral do terreno concessionado (resposta ao quesito 2°).
- A teve que requerer uma nova concessão sobre o referido terreno para completar o empreendimento "Jardins de Lisboa" (resposta ao quesito 3°).
- Para obter essa nova concessão a favor da A ficou fixado um prémio de MOP$112,274,019.00 (fls. 188 dos autos de Reclamação de Créditos) (resposta ao quesito 4°).
- A falida emitiu um cheque n° MAA886589 no valor de MOP$1,021,652.50 à D para pagar os trabalhos de construção do empreendimento "Jardins de Lisboa" (resposta ao quesito 9°).
- Na data de vencimento do cheque, esse valor não foi pago por falta de provisão (resposta ao quesito 10°).
- Em 26 de Julho de 1995, a A pagou esse valor de MOP$1,021,652.50 à D porque tinha interesse em que a obra de construção do empreendimento "Jardins de Lisboa" reiniciasse com a maior brevidade possível (resposta ao quesito 11°).
* * *
Cumpre decidir.
I) - Quanto ao crédito indicado na reclamação n° 5, em que é reclamante A, ficaram provados os seguintes factos:
- A falida emitiu um cheque n° MAA886589 no valor de MOP$1,021,652.50 à D para pagar os trabalhos de construção do empreendimento "Jardins de Lisboa" (resposta ao quesito 9°).
- Na data de vencimento do cheque, esse valor não foi pago por falta de provisão (resposta ao quesito 10°).
- Em 26 de Julho de 1995, a A pagou esse valor de MOP$1,021,652.50 à D porque tinha interesse em que a obra de construção do empreendimento "Jardins de Lisboa" reiniciasse com a maior brevidade possível (resposta ao quesito 11°).
Ora, como esta quantia que a A pagou em nome da Falida não foi considerada na sentença do respectivo processo, obviamente a Reclamante tem direito a exigir o seu reembolso.
Pelo que, é de reconhecer este crédito.
* * *
II) - Ora, já suscitou alguma dúvida no que toca à quantia de MOP$112,274,019.00 indicada no n° 2 da reclamação acima transcrita, que corresponde ao valor de prémio que a A tinha e tem que pagar para requerer uma concessão do terreno com vista a completar todo o empreendimento do Jardim Lisboa.
Nestes termos ficaram provados os seguintes factos:
- 10 anos contados de 1995 seriam suficientes para completar a construção do empreendimento "Jardins de Lisboa" e o aproveitamento integral do terreno concessionado à A para esse efeito (resposta ao quesito 1°).
- Depois de finda acção ordinária n° 79/95, o prazo de concessão que restava não era suficiente para completar o aproveitamento integral do terreno concessionado (resposta ao quesito 2°).
- A teve que requerer uma nova concessão sobre o referido terreno para completar o empreendimento "Jardins de Lisboa" (resposta ao quesito 3°).
- Para obter essa nova concessão a favor da A ficou fixado um prémio de MOP$112,274,019.00 (fls. 188 dos autos de Reclamação de Créditos) (resposta ao quesito 4°).
Quid Juris? Este prémio da nova concessão do terreno pode ser configurado como um crédito titulado pela A sobre a falida (B)?
Ora, entendemos não, visto que:
a) - Conforme os factos alegados pela Reclamante, a impossibilidade de completar o empreendimento no prazo inicialmente fixado ficou a dever-se à culpa da falida e como tal a Reclamante há-de requerer nova concessão do terreno, daí o prémio que ela tem de pagar ao Governo deve ser suportado pela falida, daí o chamado crédito que ela veio invocar e reclamar nestes autos (para além de outros créditos já reconhecidos).
A primeira coisa que perguntamos é: qual é o fundamento deste alegado crédito? Como é que nasceu? É um crédito de natureza contratual ou excontratual? Parece que obvio que não pode ser um crédito de natureza contratual. Resta a 2ª hipótese, se é assim, pergunta-se: existe alguma sentença que assim reconhecia este crédito? Pois, se é um crédito resultado de facto ilícito e culposo, imputada à falida, há-de verificar se estão verificados ou não todos os pressupostos legais da responsabilidade civil excontratual!
Obviamente não estão verificados estes requisitos, principal não se sabe onde existe o nexo de causalidade!
Este alegado crédito não passa de uma declaração unilateral (nem sequer uma expectativa merecedora da tutela jurídica) da Reclamante. A Reclamante está obrigada a requerer a nova concessão do terreno? Obviamente não! Tudo foi uma decisão própria e individual! que nada tem a ver com o falida nesta fase.
b) - Se se pode afirmar que, no atraso do desenvolvimento do projecto, a falida tinha alguma culpa, também se pode dizer que a Reclamante tinha também culpa, nomeadamente porque é que não utilizou outros meios para levantar a providência na altura para que o projecto pudesse prosseguir evitar os prejuízos astronómicos?!
Daí se permite concluir que não é tão linear a questão de saber quem deve ser responsável (e a medida da responsabilidade) do atraso do projecto, ele sujeita-se a provas, o que só pode ser resolvido através de uma acção competente, e não tão simples como a Reclamante afirma nestes autos.
c) - Se procedesse o raciocínio da Reclamante, então todos os lucros previsíveis que ela tiraria neste projecto e agora perdeu deveria também imputar à falida e como tal também poderia ser "crédito", também objecto da reclamação, o mesmo se diz a inflação do custo da material de construção, da mão-de-obra etc.
Obviamente é de rejeitar este raciocínio tão simples e infundado!
Pelo que, não é de reconhecer este crédito em causa.
* * *
Importa agora graduar os créditos reconhecidos ou verificados.
Do produto da sua liquidação saem precípuas as custas da falência e seus apensos, bem como as despesas de administração (artigo 1160° do CPCM).
* * *
Quanto ao crédito reclamado pelo Ministério Público, importa atender o que está disposto no artigo 731° do CCM dispõe:
"1. O território de Macau tem privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos, e também pelos impostos directos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos 2 anos anteriores.
2. Este privilégio não abrange quaisquer impostos que gozem de privilégio especial."
Ora, como o Ministério Público, em representação do Cofre da RAEM, veio a reclamar os créditos da natureza fiscal de 2000 a 2006 (fls. 6), portanto só o crédito de MOP$1,170.00 é que tem privilégio, os demais créditos, como já passaram mais de 2 anos, têm apenas a natureza de créditos comuns.
* * *
Quanto aos restantes créditos reclamados, nenhum deles tem o estatuto de privilégio ou preferência, portanto todos são créditos comuns, assim, receberão tratamento de igualdade.
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Depois, o artigo 1152° do CPCM manda:
"1. A sentença gradua em conformidade com a lei os créditos verificados ou reconhecidos e fixa a data da falência.
2. A graduação é geral para os bens da massa falida e particular para os bens a que respeitem direitos reais de garantia.
3. Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial nem a resultante da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente são equiparadas às do processo de falência para o efeito de saírem precípuas da massa falida.
4. A fixação da data da falência estabelece presunção legal de insolvência contra terceiros alheios ao processo e faz prova plena desse facto contra os credores que a ele tenham concorrido. "
* * *
Pelo que, a ordem de pagamento será:
1) - Em 1° lugar, o crédito da DSF, no valor de MOP$l,170.00;
2) - Em 2° lugar, todos os restantes, são rateadamente pagos os créditos aqui reconhecidos e verificados.
* * *
Há que fixar a data da falência (artigo 1152°/1 do CPCM).
Ora, a falência foi decretada mediante a sentença de 31/01/2007 (fls. 292 dos respectivos autos), decisão esta que veio a ser notificada em 02/02/2007 (fls. 306 a 310), altura em que a falida podia liquidar os dívidas, mas não o fez. Portanto, fixa-se este dia (02/02/2007) como o da data da falência.
* * *
As custas são da responsabilidade da massa.
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Notifique e Registe.”; (cfr., fls. 237 a 243-v).

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Inconformada com o assim decidido, a reclamante “A” recorreu.
Alegou para concluir nos termos que se passa a transcrever:
“A) A recusa da Recorrida em continuar com a construção do empreendimento, constituiu incumprimento contratual;
B) A ora Recorrente resolveu o contrato por incumprimento definitivo, o que também o Tribunal de Última Instância entendeu como lícito;
C) A Recorrida intentou uma providência cautelar contra a Recorrente;
D) Desta providência cautelar resultou uma total inibição da Recorrente de continuar a construção do projecto, bem como a impossibilitou de aproveitar o terreno dentro do prazo de 25 anos concedido para a finalização da construção;
E) Para obter nova concessão, a Recorrente tem de pagar um prémio no valor de MOP$112.274.019,00;
F) O pagamento deste prémio, em virtude da nova concessão para a parcela de terreno não aproveitada, acaba por ser a consequência do incumprimento contratual da responsabilidade da Recorrida e, ainda, da providência cautelar intentada, que impediu o aproveitamento no prazo concedido;
G) O contrato de joint-venture estipulava que a Recorrente colocava à disposição da Recorrida os terrenos concessionados, e por sua vez, a Recorrida tinha como obrigação a administração e o desenvolvimento do projecto de construção, que incluia a construção, o acabamento e a supervisão das várias fases do projecto;
H) A culpa da impossibilidade de completar o empreendimento no prazo inicialmente fixado ficou a dever-se à Recorrida e como tal a Recorrente teve de requerer nova concessão, pagando novamente o prémio ao Governo, existindo um crédito em resultado do facto ilícito e culposo consubstanciado no incumprimento do contrato inequivocamente imputado à Recorrida;
I) Se não tem havido o incumprimento por parte da Recorrida, a finalização da construção tinha previsivelmente acontecido dentro do prazo previsto;
J) A conduta da Recorrida foi adequada ao resultado danoso sofrido pela Recorrente, que consiste na necessidade de pagar novamente o prémio pela concessão do mencionado terreno - já antes pago em função da anterior concessão;
K) Trata-se de um crédito de natureza contratual visto que a responsabilidade da Recorrida deriva da inexecução do contrato, de um incumprimento de uma obrigação, gerando desta forma um ilícito contratual;
L) A responsabilidade contratual baseia-se no dever de resultado, o que não acontecendo acarreta a presunção de culpa pela inexecução;
M) Assente o incumprimento definitivo culposo, há que reparar os danos causados à contraparte, conforme dispõe o artigo 477.° do Código Civil.
N) Os pressupostos do dever de indemnizar são a violação de um direito alheio, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
O) O direito da Recorrente que a Recorrida violou resulta das disposições contratuais adequada fonte de obrigações, de acordo com o artigo 399.° do Código Civil - nos termos das quais a Recorrida tinha o dever de proceder ao aproveitamento do terreno, a que correspondia o direito da Recorrente a obter a correspondente prestação da contraparte.
P) A ilicitude resulta, precisamente, da falta de cumprimento pontual das obrigações assumidas por força do contrato identificado na alínea d) dos factos assentes.
Q) A culpa do devedor presume-se, nos termos do disposto no artigo 788.°, n.° 1, do Código Civil, além de que foi já considerada assente com trânsito em julgado, ao considerar-se lícita a resolução do contrato por incumprimento culposo imputável á Recorrida.
R) Quando aos danos, deverá ater-se ao disposto no artigo 557.° do Código Civil, nos termos do qual "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão".
S) A respeito desta disposição fala-se da teoria da causalidade adequada, a qual pretende identificar o nexo de causalidade entre o facto e o dano com recurso a um juízo de causalidade idónea ou adequada, não se exigindo que seja causa necessária ou causa única mas também não se bastando com um mero juízo naturalístico de causa-consequência.
T) A prova produzida deixa ficar claro que quando a obra foi interrompida havia ainda muito tempo (10 anos) para que se completasse o aproveitamento do terreno.
U) A prova produzida aponta também para que, uma vez levantada a providência cautelar e autorizada a Recorrente a retomar a posse do terreno para lhe dar o destino contratualmente fixado, não restava senão um ano para completar a obra, o que era insuficiente para o efeito.
V) O facto ilícito e culposo atribuído à Recorrida é causa adequada para a ocorrência do prejuízo sofrido pela Recorrente, que teve de pagar de novo por algo que já tinha pago e não pôde aproveitar em devido tempo.
W) Trata-se de um facto que tinha todo o potencial para, em circunstâncias normais, causar o dano, sem que ocorra qualquer facto que permita crer que tal dano se verificaria mesmo sem a conduta culposa da Recorrida.
X) Isto é, a Recorrente, provavelmente, não teria sofrido os danos que sofreu caso a Recorrente não tivesse incumprido culposamente o contrato de joint-venture.”

A final, pede que se revogue “a decisão recorrida”, e que seja “reconhecido o crédito da Recorrente sobre a Recorrida de MOP$112.274.019,00”; (cfr., fls. 261 a 281).

*

Em resposta, conclui a “B” que:
“1. A Recorrente baseia o alegado crédito que reclama numa eventual responsabilidade contratual da Recorrida resultante da violação do Contrato de Joint-Venture para o desenvolvimento do empreendimento dos Jardins de Lisboa celebrado entre as partes em litígio
2. Ora, como diz e bem a sentença recorrida, é óbvio que este alegado crédito nunca poderia ter natureza contratual.
3. Ora, em primeiro lugar resulta claro que o crédito que a Recorrente pretende ver reconhecido não seria sequer passível de ser reclamado uma vez que contende com matéria jurisprudencial que constitui caso julgado.
4. Com efeito, nos autos de acção ordinária n.° 79/95 discutiu-se e decidiu-se não só a questão da legalidade da resolução do acordo de Joint- Venture operada pela Recorrente mas também a "indemnização" a pagar à A "em termos de reparação dos danos por banda" da B (vide fls. 2829 verso da sentença proferida em primeira instância nos referidos autos) incluída nos pedidos reconvencionais formulados pela aí Ré e que se consubstanciavam em "pedidos indemnizatórios decorrentes do incumprimento" do contrato por parte da B.
5. Ou seja, conforme resulta do douto aresto a que se vem fazendo menção, os prejuízos que a A teve por força da violação do aludido acordo (e que dízem respeito ao ressarcimento dos danos negativos sofridos pela A) por parte da Recorrida já foram objecto de apreciação nos autos 79/95, pelo que a força obrigatória da decisão aí proferida não se limita ao respectivo processo, manifestando-se também fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra acção idêntica ou noutra acção com o mesmo fim, com os mesmos sujeitos e o mesmo pedido (indemnização destinada a reparar o interesse contratual negativo) seja proposta ou que esta matéria seja novamente discutida e objecto de decisão.
6. Está-se assim perante a excepção peremptória de caso julgado, que impede que o Tribunal declare admissível e verificado o crédito reclamado pela A.
7. Excepção essa que é demonstrada à saciedade pelo teor dos pedidos reconvencionais formulados na mencionada acção pela A onde, entre outros, aquela requereu a condenação da B no pagamento, à ora Recorrente "dos danos resultantes do incumprimento do contrato de 1 de Novembro e seu aditamento de 18 de Dezembro do mesmo ano, nomeadamente os que resultem de sanções a aplicar pelo Governo do Território por incumprimento dos prazos contratualmente fixados para o aproveitamento do terreno concessionado" .
8. Sendo que, quanto aos mesmos o Tribunal decidiu que, embora a B tenha tido "culpa no incumprimento do contrato, aí se radicando o fundamento para a resolução do mesmo (...) não é possível condenar num pedido que assenta sobre hipóteses, mesmo em sede de execução de sentença. Não que eles não tenham existido, não estando aqui em discussão a sua quantificação. O problema é prévio a tal operação e traduz-se na prova da sua existência. E quanto a isso, nada se alcança da matéria de facto que se mostra fixada" (realçado nosso).
9. Apesar de ser evidente a existência da excepção de caso julgado ainda assim a natureza, o montante e a origem do pretenso crédito que a Recorrente pretende ver reconhecido, além de absurdos, são completamente contraditórios não se concentrando nos mesmos os pressupostos de que dependeria a obrigação de indemnização por parte da Recorrida, desde logo, como acentua e bem a douta sentença recorrida, o nexo de causalidade entre a necessidade de pagamento do prémio por uma nova concessão e o incumprimento do contrato de Joint-Venture por parte da Recorrida.
10. Assim, ainda que tenha ficado assente que foi requerida urna nova concessão para o empreendimento em questão e que ficou fixado um prémio no montante de MOP$112.274.019,00 o certo é que a matéria de facto que resultou assente é totalmente silente quanto aos considerandos e pressupostos que presidiram a tais decisões.
11. Ademais, afigura-se ser de meridiana evidência que a B, ora Recorrida, foi, é e será sempre totalmente alheia a esses considerandos ou a esses termos, o mesmo sucedendo em relação ao cálculo do prémio, fixado de acordo com os critério definidos na lei, o qual, além do mais não resulta, nem tem qualquer relação com o facto de o aproveitamento ser tardio.
12. Tão pouco pode a B ser responsabilizada por um contrato - o contrato relativo à nova concessão - em que não interveio, nem teve qualquer participação e, pelo qual, não vai auferir quaisquer benefícios.
13. Acrescente-se também que, o pagamento de um eventual prémio por parte da A não tem, ao contrário do que esta pretende fazer crer, qualquer carácter de penalidade ou sanção indemnizatória pelo não aproveitamento da anterior concessão, tratando-se, sim, do pagamento de uma quantia que a lei estipula como preço devido em contrapartida da atribuição da concessão de um terreno, quantia essa que é calculada com base em critérios estritamente legais.
14. Doutro passo importa referir que, a confirmar-se o pagamento de um prémio por uma nova concessão este montante constituirá sempre uma contrapartida de um beneficio - a atribuição de uma concessão por arrendamento de um terreno - que só ela vai auferir, uma vez que, os lucros resultantes do aproveitamento do terreno concessionado irão reverter por inteiro para a A, constituindo uma vantagem patrimonial que só na sua esfera jurídica irá ser sentida.
15. Ademais, a resolução do referido acordo resultou de urna declaração unilateral da iniciativa da Recorrente, dirigida à Recorrida antes de findo o prazo de aproveitamento estabelecido no contrato de concessão!
16. Ou seja, a Recorrente alega que a Recorrida tinha o dever de proceder ao aproveitamento do terreno mas não se coíbe de proceder à resolução do contrato onde estava previsto esse dever antes de findo o prazo de aproveitamento e ainda tem a desfaçatez de pretender ser indemnizada por esta por não ter realizado o referido aproveitamento!
17. Está-se assim perante um verdadeiro venire contra factum proprium, consubstanciado no facto de a A apesar da resolução do contrato promovida por si própria pretender que, não obstante, cabia à B a obrigação de continuar a efectuar a prestação que para si recaía ao abrigo do contrato que a A resolveu sob pena de ainda se sujeitar a responsabilidade contratual por um contrato que já não existe e que ela própria resolveu!
18. A aceitar-se a tese da Recorrente e que, no fundo, significa fazer recair sobre a B uma obrigação de indemnização pela não construção de determinados edifícios, ao abrigo de um contrato que já não existe desde 1995, então, ter-se-ia também de concluir que a ora Recorrida teria, logicamente, direito aos benefícios que venham a resultar do aproveitamento da concessão, ao abrigo da curiosa interpretação que a Recorrente faz da retroactividade da declaração de resolução.
19. Por outro lado, afirmar-se que os prejuízos resultaram do facto de a ora Recorrida ter posto judicialmente em causa a declaração de resolução da A é esquecer que o acesso aos Tribunais é um direito que assiste a todos e que, na referida acção se concluiu também pelo incumprimento da A do contrato de Joint- Venture, condenando-se aquela no pagamento da quantia aproximada de dezoito milhões de patacas à B.
20. A Recorrente olvida ainda que a providência cautelar a que faz alusão foi decretada para garantir a obrigação de pagamento por parte da A à B, obrigação essa em que veio a ser judicialmente condenada na acção respectiva e que somente cumpriu em 2004, ou seja mais de 9 anos após o seu vencimento, e apenas no âmbito de uma acção executiva que a B se viu forçada a instaurar.
21. Por último, culpar a B pelos dez anos que durou o processo judicial em apreço e fundamentar o crédito nesta responsabilidade apenas se entende como uma tentativa desesperada A em ter razão onde manifestamente não tem. É um argumento ridículo que não merece mais comentários, de tão desajustado que é.

Termos em que, deve o presente recurso interposto pela Reclamante A ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão proferida na sentença de verificação e graduação de créditos e que não reconheceu e verificou o crédito de MOP$$112.274.019,00 reclamado pela Recorrente, assim se fazendo.”; (cfr., fls. 287 a 296-v).

*

Adequadamente processados os autos, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Importa apreciar se correcta foi a decisão pelo Mm° Juiz Presidente do Colectivo do T.J.B. proferida que – nos presentes Autos de Reclamação e Verificação de Créditos que correm por apenso aos Autos de Falência, no referido T.J.B. registados com a referência CV2-06-0002 CF1 – não reconheceu o crédito pela A reclamado, no montante de MOP$112,274,019.00.

Em suma, entendeu pois o Mm° Juiz do T.J.B., que o montante em causa “nada tem a ver com a falida”, e, assim, a decisão ora em causa.

Considera porém a referida A que o dito quantum constitui um “crédito de natureza contratual”, (cfr., v.g, concl. K), pedindo a revogação do decidido e o consequente reconhecimento do reclamado crédito.

Por sua vez, é a recorrida B de opinião que correcta é a decisão recorrida, pois que considera que o “alegado crédito nunca poderia ter natureza contratual”, afirmando ainda que o mesmo contende com “matéria jurisprudencial que constitui caso julgado”; (cfr., v.g., concl. 2 e 3).

Identificadas que assim ficam o sentido da decisão recorrida e os entendimentos pela recorrente e recorrida assumidos, vejamos de que lado está a razão.

— Mostra-se de começar por decidir da invocada “excepção de caso julgado”, já que, a se verificar, prejudicada fica a apreciação da restante matéria em causa no presente recurso.

E, nesta conformidade, há que dizer que a questão foi já expressamente apreciada em sede de despacho saneador, (cfr., fls. 133-v a 134-v), e, por não ter sido (oportunamente) impugnada a decisão aí proferida, que julgou improcedente a referida excepção, impedido está este T.S.I. de a reapreciar em virtude do – este sim – “caso julgado” que sobre a mesma se formou.

— Ociosas nos parecendo outras considerações sobre a questão, continuemos, passando-se a verificar se o alegado crédito deve ser reconhecido.

Ora, (em síntese), afirma a recorrente que “Trata-se de um crédito de natureza contratual visto que a responsabilidade da Recorrida deriva da inexecução do contrato, de um incumprimento de uma obrigação, gerando desta forma um ilícito contratual”; (cfr., concl. K).

Vejamos, então, se assim é.

Antes de mais, e face ao teor da decisão recorrida, mostra-se útil aqui seriar a matéria de facto nos presentes autos dada como provada e com interesse para a decisão a proferir.

É pois a seguinte:

“- Em 1 de Novembro de 1989, entre a falida e a A foi celebrado um contrato joint-venture para construir o empreendimento "Jardins de Lisboa" num terreno de que esta era concessionária; (alínea D),

- Em 17 de Julho de 1995, a falida intentou uma providência cautelar, posteriormente apensa à acção ordinária n° 79/95, contra a A; (alínea E),

- Nessa providência cautelar foi ordenada a intimação da A para se abster de prometer vender, vender, hipotecar ou por qualquer outro modo dispor, alienar ou onerar as fracções autónomas existentes ou a construir nos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Macau sob os n°s 21497, 22366, 22367, 22398, 22460 e 22532, e de privar a falida da detenção dos imóveis acima identificados, ou, por qualquer modo perturbar a sua detenção; (alínea F),

- Por sentença do Tribunal de Última Instância, de 15 de Dezembro de 2004, transitada em julgado em 13 de Janeiro de 2005, proferida na acção ordinária n° 79/95, o contrato joint-venture celebrado entre a falida e a A foi resolvido por incumprimento do mesmo por aquela; (alínea G),

- 10 anos contados de 1995 seriam suficientes para completar a construção do empreendimento "Jardins de Lisboa" e o aproveitamento integral do terreno concessionado à A para esse efeito (resposta ao quesito 1°).

- Depois de finda acção ordinária n° 79/95, o prazo de concessão que restava não era suficiente para completar o aproveitamento integral do terreno concessionado (resposta ao quesito 2°).

- A teve que requerer uma nova concessão sobre o referido terreno para completar o empreendimento "Jardins de Lisboa" (resposta ao quesito 3°).

- Para obter essa nova concessão a favor da A ficou fixado um prémio de MOP$112,274,019.00 (fls. 188 dos autos de Reclamação de Créditos) (resposta ao quesito 4°).”

Pois bem, esta sendo a factualidade que nos presentes autos – e com interesse para a decisão a proferir – foi dada como provada, quid iuris?

— Uma nota prévia.

Nas suas alegações de recurso, indica também a recorrente matéria de facto que, em seu entender, está provada, nela incluindo factos que não constam do elenco dos factos pelo tribunal a quo considerados provados, e de onde foram extraídos os que atrás se deixaram transcritos.

Com efeito, alega que:
“3. Relativamente ao facto provado da alínea g) supra, importa notar que também o Tribunal Judicial de Base havia considerado que o mencionado contrato foi legalmente resolvido pela A, ora Recorrente, com fundamento em incumprimento culposo da Recorrida.
4. Conforme resulta do facto dado como provado na alínea d) dos factos assentes, em 1 de Novembro de 1989 foi, entre a Recorrente e a Recorrida, celebrado um contrato de joint-venture para a construção do empreendimento "Jardins de Lisboa", contrato esse que foi legalmente resolvido pela Recorrente, em virtude de incumprimento culposo da parte da Recorrida.
5. Conforme resulta dos factos provados no âmbito dos autos que deram origem ao acórdão do Tribunal de Última Instância n.° 12/2004, junto ao processo de que a reclamação de créditos constitui apenso por requerimento de 28 de Agosto de 2006, "os terrenos em questão foram postos à disposição da A. (ora Recorrida), que ficou encarregada da administração dos mesmos e do desenvolvimento do projecto, de acordo com as al. s b) e d) da cláusula 2.ª do contrato especificado em 7. Supra (aqui alínea d) dos factos assentes) " (fls. 46 do acórdão) .
6. Também de acordo com o referido contrato, reproduzido a fls. 41 a 46 do acórdão n.° 12/2004, competia à Recorrida a "construção e acabamento das Fases II, III, IV e V dos Jardins de Lisboa de acordo com os planos aprovados pelo Governo de Macau" (cláusula 2.ª, al. e), (i) do contrato) .
7. Com particular interesse para estes autos e entre muitos outros factos relevantes constantes da matéria dada como provada pelas instâncias e aceite no acórdão n.° 12/2004, deverão realçar-se os seguintes factos instrumentais:
- "Para realizar a construção da urbanização a autora (ora Recorrida) contratou uma sociedade denominada E (fls. 51 do acórdão) .
- "A interrupção da construção das obras determinou a embargante (ora Recorrente) a resolver o contrato especificado em 1 supra" (aqui constante da alínea d) dos factos assentes) (fls. 60 do acórdão) .
- "A embargada (ora Recorrida) ocupou os terrenos não permitindo o reinicio da obra de construção" (fls. 60 do acórdão)."”; (cfr., fls. 263 a 265).

E, assim, a primeira questão que nos parece de decidir é pois a de saber se lícito é a este T.S.I. considerar também tal matéria de facto.

Admitindo que sobre a questão outro entendimento possa existir, mostra-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, tendo em conta o teor da petição inicial pela ora recorrente apresentada aquando da sua reclamação de créditos, (cfr., fls. 13 a 15-v), verifica-se que, (nos presentes autos), “nova” é a atrás transcrita matéria.

Nesta conformidade, e não nos parecendo que em sede de recurso, como é o caso, possa uma das partes invocar matéria de facto antes não alegada para, com base nela, pedir a alteração da decisão recorrida, à vista está a solução que se deixou exposta.

Continuemos.

— Pois bem, como já se deixou consignado, alega a recorrente que:
“Para obter nova concessão, a Recorrente tem de pagar um prémio no valor de MOP$112.274.019,00;”, e que,
“O pagamento deste prémio, em virtude da nova concessão para a parcela de terreno não aproveitada, acaba por ser a consequência do incumprimento contratual da responsabilidade da Recorrida e, ainda, da providência cautelar intentada, que impediu o aproveitamento no prazo concedido;”; (cfr., conclusões E e F).

Assim, o crédito reclamado no valor de MOP$112,274,019.00 constitui o montante (“prémio”) que a recorrente tem de pagar para obter uma nova concessão do terreno que antes lhe tinha sido concessionado e onde inicialmente tinha projectado construir o empreendimento “Jardins de Lisboa”, considerando a mesma que o referido pagamento é consequência do incumprimento contratual da responsabilidade da recorrida e, ainda, da providência cautelar por esta proposta que impediu o aproveitamento do terreno no prazo concedido.

Ora, (e antes de mais), temos para nós que a referida “providência cautelar” não pode ser considerada como “causa” ou “motivo justificativo” da pretensão da recorrente.

Com efeito, (para não nos alongarmos), e tendo nomeadamente em conta o “princípio da garantia de acesso aos Tribunais” consagrado no art. 1° do C.P.C.M., (em especial, no seu n° 2), há que reconhecer que à ora recorrida assistia o legítimo direito de propor a dita providência cautelar.

Para além disto, importa ter presente que a mesma providência foi julgada procedente, certo sendo também que o preceituado no art. 335° do mesmo código se prevê um meio expresso de se responsabilizar o requerente de uma procedência pelos danos com a mesma causados no caso de se vir a considerar injustificada, o que não sucedeu.

Nesta conformidade, há pois que excluir tal “razão” pela recorrente apresentada, restando verificar se o montante reclamado em virtude do pagamento do prémio por parte da recorrente encontra justificação no “incumprimento contratual” da recorrida.

Volta-se assim à questão de saber se o dito crédito é um “crédito de natureza contratual”, (e se resultante do referido incumprimento), como entende a recorrente.

Eis o nosso ponto de vista.

Como sabido é, a responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se pois de indemnizar os prejuízos de que este alguém foi vítima, tornando o mesmo indemne dos prejuízos ou danos que teve, reconstituindo-se, (ou tentando-se reconstituir), a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador destes; (cfr., v.g., I. Galvão Telles in “Dto das Obrigações”, pág. 194 e segs.).

Assente que assim cremos ficar o conceito de “responsabilidade civil”, há agora que (tentar) esclarecer os de responsabilidade contratual e extracontratual.

E como também julgamos ser matéria adquirida, cabe dizer, ainda que numa primeira aproximação, que a contratual supõe a falta de cumprimento de uma obrigação, determinado-se a extra-contratual por exclusão de partes.

Aquela é uma obrigação nascida de contrato ou de negócio jurídico unilateral, ou de gestão de negócios ou de enriquecimento sem causa, etc. Há, numa palavra, uma relação obrigacional preexistente.

É assim o caso do devedor que deixa de cumprir, desrespeitando o vínculo que o adstrinja, com isso causando prejuízos ao credor, e, ficando, por isso, obrigado a indemnizar tais prejuízos.

Em todos os outros casos, a responsabilidade será extracontratual, pois que o dever de indemnizar não assenta em incumprimento de uma obrigação anterior, sendo os casos mais típicos os de violação de deveres de outra ordem, como os correspondentes a direitos de personalidade ou a direitos reais, resultantes, (v.g.), da ofensa à integridade física ou moral de uma pessoa ou de danos causados a um bem seu.

Não há aqui falta de cumprimento, (ou, eventualmente, cumprimento defeituoso).

Dito isto, vejamos.

Prescreve o art. 787° do C.C.M. que:
   “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”

Tem-se entendido que a responsabilidade contratual tem pressupostos semelhantes aos da responsabilidade extracontratual, sendo que o facto ilícito, corresponde, neste caso, não à violação de um dever genérico de respeito, mas, antes, (e como se viu), à violação de uma obrigação através da não execução pelo devedor da prestação a que estava obrigado.

Contudo, essa não execução da prestação debitória tem ainda de ser imputável ao devedor, acrescendo assim à ilicitude o requisito da culpa como pressuposto de responsabilidade contratual.

Por sua vez, e como sucede com toda a responsabilidade civil, não há obrigação de indemnização sem dano, o que quer dizer que necessário é que o credor tenha sofrido prejuízos em virtude da não realização da prestação a que o devedor estava vinculado.

Por fim, exige-se ainda que os danos sofridos pelo credor tenham sido consequência da falta de cumprimento por parte do devedor, exigindo-se, desta forma, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Ora, a “ilicitude”, consiste na inexecução da obrigação. Consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que estava vinculado, (cfr., art. 752° do C.C.M., onde se preceitua que “o devedor cumpra a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”), este actuará ilicitamente sempre que se verifique qualquer desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do programa obrigacional.

Quanto à “culpa” (que pode revestir a modalidade de dolo ou negligência), estatui o art. 788° do C.C.M. que:
“1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.”

Resulta assim que é ao devedor que cabe provar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que o facto de não ter adoptado a conduta devida não lhe é censurável, o que acontece sempre que o não cumprimento seja devido a facto do credor, de terceiro ou a força maior.

Quanto ao “dano”, como se disse, consiste este no prejuízo provocado ao credor com o não cumprimento da obrigação, vigorando aqui o princípio da “reconstituição (ou restauração) natural”; (cfr., art. 556° do C.C.M. que preceitua que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”), sendo a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível; (cfr., art. 560°, n° 1 do C.C.M.).

Finalmente, e no que toca ao “nexo de causalidade (adequada)”, importa atentar no estatuído no art. 557°, onde se prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”.

Ora, no caso dos presentes autos, e, nuclearmente, visto está que a recorrente e recorrida celebraram, em 01.11.1989, um contrato de joint-venture para construir o empreendimento “Jardins Lisboa” num terreno de que a recorrente era concessionária, que por douto Acordão do Vdo T.U.I. de 15.01.2004 (e que transitou em julgado em 13.01.2005), foi o dito contrato resolvido por incumprimento do mesmo pela recorrida, e que a recorrente teve que requerer uma nova concessão sobre o referido terreno para completar o dito empreendimento, tendo que pagar de prémio MOP$112,274,019.00, montante este que corresponde ao valor reclamado.

Afigura-se-nos assim de considerar que o montante em causa não pode deixar de estar relacionado com o incumprimento por parte da ora recorrida do contrato em 01.11.1989 celebrado com a recorrente, evidentes se nos mostrando também, que tratando-se assim de responsabilidade contratual, e, porque presentes todos os pressupostos atrás enunciados, de reconhecer razão à referida recorrente.

De facto, declarado está já o “incumprimento” e “culpa” da recorrida, sendo também de se dizer que dúvidas não nos parece haver quanto ao “dano” e “nexo de causalidade” entre a conduta da recorrida (incumprimento do contrato) e o dano (o pagamento do prémio).

Por fim, prescrevendo o art. 790°, n° 2 do C.C.M. que “Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”, sendo nós de opinião que o referido direito à indemnização deve abranger tanto o interesse contratual negativo como positivo, e, atento o que se deixou exposto, cremos pois que adequado é decidir-se pela procedência do presente recurso, reconhecendo-se o crédito pela recorrente reclamado, que será incluído nos créditos graduados em segundo lugar na sentença recorrida.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face de tudo quanto se tentou deixar esclarecido, em conferência, acordam julgar procedente o recurso.
Custas pela recorrida.
[...]>> (com sublinhado só agora posto).
Entretanto, como o Mm.o Juiz Relator acabou por sair vencido da votação então feita quanto à solução final do recurso, cabe decidir do presente pleito recursório nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos Juízes-Adjuntos.
Para o efeito, há que, desde já, converter em definitivo todo o teor do douto Projecto de Acórdão acabado de ser transcrito, com excepção da parte acima concretamente sublinhada.
Pois bem, juridicamente falando, ante a matéria de facto já dada por provada pela Primeira Instância, afigura-se ao presente Colectivo ad quem que não pode representar um “crédito de natureza contratual” que a ora recorrente “A” alegadamente detenha sobre a ora recorrida “B” no âmbito do contrato de joint-venture celebrado entre ambas as partes no Primeiro de Novembro de 1989 para construir o empreendimento “Jardins de Lisboa” num terreno de que a recorrente era concessionária, o valor de MOP112.274.019,00 que esta teve que pagar e pagou a título de prémio no procedimento administrativo relativo ao seu requerimento de nova concessão para a parcela do terreno então ainda não aproveitada.
É que embora tal contrato de joint-venture tenha sido posteriormente declarado resolvido pelo Venerando Tribunal de Última Instância com fundamento no incumprimento do mesmo pela ora recorrida, este incumprimento da recorrida não tem a pretendida virtude de fazer com que a ora recorrente tenha passado a ter um “prejuízo” no valor pecuniário equivalente ao dito prémio, por conta daquela anterior relação contratual de joint-venture, e, como tal, tenha passado a ter um crédito pecuniário de natureza contratual sobre a recorrida.
Isto porque sendo esse contrato de joint-venture de natureza jurídica eminentemente bilateral, o “prejuízo” alegadamente sofrido pela recorrente por causa do pagamento do dito prémio, se fosse realmente decorrente desse contrato sinalagmático, teria que implicar algum reflexo correspectivo positivo na esfera jurídica da recorrida, correspectividade essa que logicamente falando não pode existir em concreto, uma vez que resolvido que foi o contrato de joint-venture, e sendo a recorrente o sujeito requerente da referida nova concessão, “os lucros resultantes do aproveitamento do terreno concessionado irão reverter por inteiro para a A, constituindo uma vantagem patrimonial que só na sua esfera jurídica irá ser sentida”, tal como concluiu, e bem, a própria recorrida no ponto 14 das conclusões da sua resposta ao recurso sub judice (a fl. 295v).
Assim sendo, e sem mais outra indagação por desnecessária ou prejudicada, é de naufragar o recurso da “A”.
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, com custas pela recorrente.
Macau, 19 de Maio de 2011.
__________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
__________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
__________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(Vencido nos termos do projecto de acórdão que submeti à conferência – em 29.04.2010 – e que foi incorporado no presente veredicto)
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