Processo n.º 273/2008
(Recurso laboral)
Data: 2/Junho/2011
Recorrente: S.T.D.M.
Recorrido: A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, melhor identificada nos autos, patrocinada pelo MP, veio interpor contra Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.” (澳門旅遊娛樂有限公司), Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede em Macau, Região Administrativa Especial de Macau, no Hotel Lisboa, 9º andar, acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação da Ré, a título de créditos laborais a pagar- lhe a quantia de MOP$1.413.455,25, acrescida dos respectivos juros a contar desde a cessação da relação laboral.
Julgada a causa, foi decidido condenar a Ré a pagar o montante de MOP$661.873,36 acrescido de juros de mora à taxa legal a contar do trânsito da sentença.
Da decisão final vem recorrer a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., R. alegando, em rotunda síntese:
Carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da parte A., ora recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
Cabia ao trabalhador provar que a empregadora obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
Não concluindo pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
Ao trabalhar voluntariamente em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o trabalhador optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
Deve considerar-se que o salário do trabalhador era um salário diário.
O trabalho prestado em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
Os juros só devem ser contados a partir do trânsito.
Pronunciando-se sobre quais as fórmulas aplicáveis, pugna pela procedência do recurso.
O A. nas suas contra-alegações pugna pelo não provimento do recurso.
Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
Matéria de facto provada
a) Durante o período compreendido entre 1 de Julho de 1990 e 30 de Março de 2002, a Autora prestou trabalho para a aqui Ré.
b) Como contrapartida do trabalho prestado para a Ré, no período temporal compreendido entre I de Julho de 1990 e 30 de Abril de 1995, a Autora auferiu uma remuneração fixa diária de HKD$10,00 e no período compreendido entre 1 de Maio de 1995 e o termo da relação laboral de HKD$15,00.
c) Além disso, a Autora, ao longo do período referido na alínea a) recebeu uma quota-parte, variável, do total das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os trabalhadores, cujo montante era diariamente reunido e contabilizado e, em cada dez dias, distribuído por todos os seus trabalhadores, lidassem ou não directamente com os clientes e de acordo com a respectiva categoria profissional.
d) Desde o início da relação laboral até à respectiva cessação, a Autora recebeu da Ré as seguintes quantias:
- Ano de 1990: MOP$32,858.00;
- Ano de 1991: MOP$92,173.00;
- Ano de 1992: MOP$121,329.00;
- Ano de 1993: MOP$125,396.00;
- Ano de 1994: MOP$104,057.00;
- Ano de 1995: MOP$165,616.00;
- Ano de 1996: MOP$179,728.00;
- Ano de 1997: MOP$181,852.00;
- Ano de 1998: MOP$124,018.00;
- Ano de 1999: MOP$167,756.00;
- Ano de 2000: MOP$178,472.00;
- Ano de 2001: MOP$179,247.00;
- Ano de 2002: MOP$41,370.00.
e) Nos últimos três meses do ano de 1990, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$16,031.90, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$174.26.
f) Nos últimos três meses do ano de 1991, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$21,709.70, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$235.98.
g) Nos últimos três meses do ano de 1992, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$25,738.60, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$279.77.
h) Nos últimos três meses do ano de 1993, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$25,393.50, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$276.02.
i) Nos últimos três meses do ano de 1994, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$104,057.00, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$285.09.
j) Nos últimos três meses do ano de 1995, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$43,771.50, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$475.78.
1) Nos últimos três meses do ano de 1996, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$43,713.30, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$475.14.
m) Nos últimos três meses do ano de 1997, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$44,996.90, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$489.10.
n) Nos últimos três meses do ano de 1998, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$45,764.80, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$497.44.
o) Nos últimos três meses do ano de 1999, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$34,778.20, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$378.02.
p) Nos últimos três meses do ano de 2000, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$41,906.50, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$455.51.
q) Nos últimos três meses do ano de 2001, como contrapartida do trabalho prestado ao serviço da Ré, a Autora auferiu MOP$39,451.70, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$428.82.
r) Nos últimos três meses de trabalho prestado pela Autora no ano de 2002 ao serviço da Ré, a Autora auferiu a contrapartida de MOP$41,370.00, correspondente a uma remuneração média diária de MOP$464.83.
s) Até 1998, a Autora trabalhava em ciclos contínuos de três dias: no primeiro dia o Autor começava a trabalhar às 14.00 horas e interrompia às 18.00 horas, recomeçava às 22.00 horas e acabava às 2.00 horas, no segundo dia, o Autor começava às 10.00 e interrompia às 14 horas, depois recomeçava às 18.00 horas e acabava às 22.00 horas e no terceiro dia, o Autor começava às 6.00 horas e interrompia às 10.00 horas, depois recomeçava às 2.00 horas e acabava às 6.00 horas.
t) A partir de 1998, a Autora passou a trabalhar em ciclos contínuos de 9 dias: No primeiro, segundo e terceiro dias, a Autora começava às 7.00 horas e acabava às 15.00 horas; no quarto, quinto e sexto dias, a Autora começava às 23.00 horas e acabava às 7.00 horas e no sétimo, oitavo e nono dias, o Autor começava às 15.00 horas e acabava às 23.00 horas.
u) A Ré nunca fixou à Autora o período de descanso semanal, nem lhe fixou o período de descanso anual nem nunca dispensou a Autora da prestação de trabalho em dias de feriado obrigatório.
v) Pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e nos dias de feriado obrigatório que a Autora não gozou, esta não recebeu da Ré qualquer compensação salarial nem foi compensada com outro dia de descanso por cada dia de descanso semanal em que trabalhou.
w) Durante o ano de 1990, a Autora não gozou 26 dias de descanso semanal, 3 dias descanso anual e 1 dia de feriado obrigatório remunerado e 2 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
x) Durante o ano de 1991, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
y) Durante o ano de 1992, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
z) Durante o ano de 1993, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
aa) Durante o ano de 1994, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
bb) Durante o ano de 1995, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
cc) Durante o ano de 1996, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
dd) Durante o ano de 1997, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
ee) Durante o ano de 1998, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
ff) Durante o ano de 1999, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
gg) Durante o ano de 2000, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
hh) Durante o ano de 2001, a Autora não gozou 52 dias de descanso semanal, 6 dias descanso anual e 6 dias feriados obrigatórios remunerados e 4 dias de feriados obrigatórios não remunerados.
ii) Durante o ano de 2002, a Autora não gozou 26 dias de descanso semanal, 3 dias descanso anual e 5 dias feriados obrigatórios remunerados.
jj) Por causa das condições de trabalho impostas pela Ré, a Autora deixou de poder viajar e passar férias com a sua família.
kk) Deixou de poder celebrar e gozar os feriados obrigatórios na companhia dos seus familiares e amigos.
ll) A Autora, ao longo dos anos, viu-se exposta no seu local de trabalho à inalação continuada de poluentes como o alcatrão, a nicotina e o monóxido de carbono, que se encontram no tabaco.
mm) Quando a Autora trabalhou, auferiu os respectivos rendimentos.
nn) Os filhos da Autora, B e C, nasceram, respectivamente no dia 21 de Novembro de 1994 e 1 de julho de 1998.
oo) Por ocasião do nascimento dos seus filhos, a Autora foi informada pela Ré de que não tinha direito a gozar qualquer período de dispensa de trabalho sem perda de remuneração.
pp) Foi também informada de que teria de pedir dia de dispensa do trabalho com perda de remuneração para poder ir às consultas prénatais e depois, para poder ser internada no hospital onde os seus filhos nasceram.
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre as partes;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
- Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.
- Dos juros.
As diferentes questões foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.1
Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI2, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.3
Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância.
Ressalva-se a inflexão nessa Jurisprudência, a partir de 31/3/2011, v.g. com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI, apenas para os cálculos de algumas compensações relativamente aos descansos não gozados.
2. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente entre a recorrente e a recorrida, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a parte autora e a ré, em que aquela, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções desta, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.
Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.
3. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.
O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.
O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.4
Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
Assim acontece em Hong Kong, onde o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.5
Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
4. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito(cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
5. Da liberdade contratual.
Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
6. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
E ainda da configuração do salário como mensal.
As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
Essa posição, no respeitante ao tipo do salário da parte A., releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).
7. Da lei aplicável.
Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.
Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e a inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI .6
8. Os rendimentos deste processo constam da matéria acima dada como provada.
Ano
Salário Médio Diário
1
1990
178.58
2
1991
252.53
3
1992
332.41
4
1993
343.55
5
1994
315.32
6
1995
453.74
7
1996
492.41
8
1997
498.22
9
1998
375.81
10
1999
459.61
11
2000
488.96
12
2001
491.09
13
2002
459.67
9. Trabalho prestado em dia de descanso semanal
Em sede do DESCANSO SEMANAL nada a alterar, uma vez que foi adoptada a mesma fórmula x2, no âmbito do DL 24/89/M, na sentença recorrida, tal como é pacífico neste Tribunal, não tendo razão a recorrente quando pretende que aí não haja compensações.
10. Descanso anual
Em sede de DESCANSO ANUAL, considerando que a fórmula da sentença x2 não é a adoptada por este Tribunal e vem recurso da fixação de tais compensações, pretendendo-se que tudo já foi pago, importa alterar o decidido e reformular os cálculos a partir da fórmula x1.
Assim,
Ano
número de dias
vencidos e não gozados
(A)
remuneração
diária média
em MOP
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B x 1)
1990
6
178.58
1,071.48
1991
6
252.53
1,515.18
1992
6
332.41
1,994.46
1993
6
343.55
2,061.30
1994
6
315.32
1,891.92
1995
6
453.74
2,722.44
1996
6
492.41
2,954.46
1997
6
498.22
2,989.32
1998
6
375.81
2,254.86
1999
6
459.61
2,757.66
2000
6
488.96
2,933.76
2001
6
491.09
2,946.54
2002
3,5
459.67
1,608.85
Total das quantias
→
29,702.23
Vs o total na sentença:
59.404,43
11. Feriados obrigatórios
Nada a alterar por se ter entrado com a fórmula x3, a adoptada por este Tribunal, não tendo razão a recorrente quando pugna pela aplicação da fórmula x1.
12. Dos juros
Segue-se a Jurisprudência uniforme adoptada nas diferentes matérias e onde se inclui a questão dos juros.
Assim se tem decidido7 que, não tendo havido qualquer alteração nesta Instância dos valores encontrados, se consideram líquidos os créditos do trabalhador em causa sobre a Ré, tal como liquidados na 1ª instância, devendo ser a partir daí que se devem contar os juros de mora. Os juros são devidos a partir da liquidação operada na 1ª Instância, se ela vier a ser mantida na 2ª Instância. A remissão para o trânsito abrangerá as situações em que a liquidação só se assuma definitiva nesse momento.
Esta a orientação que tem sido adoptada e aqui se adopta, não tendo razão o recorrente quando pretende um cálculo de juros a partir de um momento de vencimento sobre uma quantia cuja liquidação não se mostra pacífica.
Este entendimento, aliás, recentemente confirmada em acórdão do TUI tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010).
13. Concluindo,
Apenas se altera o decidido na 1ª Instância relativamente aos montantes fixados a título dos descansos anuais e juros.
Conclui-se, pois, pela não existência de nulidades ou de outros apontados vícios de erro de facto e de direito.
IV - DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal de Segunda Instância, em conferência, em:
- julgar parcialmente procedente o recurso da decisão final, condenando a Ré a pagar à A. a quantia constante do mapa supra a título de compensações pelos descansos anuais e manter as restantes compensações tal como fixadas na 1ª Instância.
Os juros serão contados nos termos do Ac. Uniformizador do TUI, Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010
Custas da acção e do recurso final pelas partes, em ambas as instâncias, na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 2 de Junho de 2011,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(vencido apenas quantos às formulas aplicáveis,
mantendo júris prudência deste T.S.I. até 31/3/11)
(Relator)
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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
2 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
3 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
4 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
5 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen Lam Pik Shan and HK Wing On Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
6 - Vd. douto voto vencido nos Acórdãos 234/2005 e 257/2007, de 2/3/06 e 9/3/06, respectivamente
7 - Ac. TSI, proc. 2007-45-A, de 7/6
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273/2008 1/20