Processo nº 911/2010
Data do Acórdão: 19MAIO2011
Assuntos:
Falência
Reclamação de créditos
SUMÁRIO
1. Nos termos do disposto no artº 1102º/1 do CPC, a declaração de falência determina a apensação ao processo de falência de todas as causas em que se debatam interesses relativos à massa falida, salvo se essas estiverem pendentes de recurso interposto da sentença, porque neste caso a apensação só se faz depois de trânsito em julgado. Tratando-se essas causas de acção executiva contra o falido, a declaração de falência obsta a que prossigam – artº 1102º/3 do CPC, devendo nesses casos o Juiz titular do processo de falência requisitar, para efeito de apensação, os tais processos ao tribunal onde estes se encontram a correr os seus termos. Mandados apensados os tais processos aos autos de falência dentro do prazo fixado na sentença de declaração da falência, os créditos ai exigidos consideram-se ope legis (artº 1140º/4 do CPC) reclamados nos autos de reclamação de créditos, que correm por apenso ao processo da falência, a fim de ali se proceder à chamada execução colectiva universal em benefício de todos os credores pela liquidação de todos os bens do falido.
2. É verdade que o artº 1140º/4 do CPC considera a simples apensação equivalente à reclamação do crédito, mas essa norma visa evidentemente facilitar a vida do exequente, dispensando-o de vir reclamar de novo o seu crédito já “reclamado” por via da acção executiva anteriormente movida contra o falido, não podendo portanto ser interpretada como um obstáculo que, no âmbito dos autos de reclamação, impede o credor de levar ao conhecimento do Administrador da falência e do Juiz o valor mais actualizado do seu crédito.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 911/2010
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
Nos autos principais da falência nº CV3-08-0001-CFI, que correm os seus termos no Tribunal Judicial de Base, foi proferida a sentença de falência da Companhia de Desenvolvimento Predial A, Lda..
Oportunamente no âmbito dos autos de reclamação de créditos que correm por apenso àqueles autos de falência, por efeito e na sequência da sentença de declaração da falência, foi ordenada a apensação dos autos de execução da sentença nº CVI-98-0001-CAO-A, em que é executada a falida A e exequente a Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Lda., ora recorrente.
E autuadas as reclamações de créditos entretanto apresentadas, foi apresentada pela Senhora Administradora da Falência a relação de créditos, na qual se constata que é no valor de MOP$11.446.322,00 + juros legais o crédito reclamado pela Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Lda., ora recorrente – cf. fls. 217 do presente apenso.
Notificada dessa relação de créditos, veio a mesma empresa B formular o requerimento ora constante das fls. 239, pedindo a rectificação do valor global do crédito por ela reclamado para MOP$102.392.843,12 e a eliminação da expressão “+ juros legais”.
Em face da relação de créditos apresentada e do requerimento da Empresa B, por despacho datado de 01JUL2009 do Exmº Juiz titular do processo foi ordenada a apresentação da nova relação de créditos donde consta, entre outros, o valor global – capital e juros – do crédito reclamado pela Empresa B – cf. fls. 326v e 327 do presente apenso.
Na mesma data, foram declarados reconhecidos os créditos não impugnados, incluindo nos quais o reclamado pela Empresa B – cf. fls. 331v do presente apenso.
Em 20JUL2009, foi apresentada pela Senhora Administradora da Falência a nova relação de créditos, donde consta, como reclamado pela Empresa B, o crédito calculado pela fórmula seguinte: MOP$11.446.322,00 + MOP$13.278.885,56 (juros legais) = MOP$24.688.205,56 – cf. fls. 343 do presente apenso.
Em 09MAR2010 foi proferida a fls. 354 a 365 a sentença da verificação e graduação, no segmento que diz respeito à Empresa B, se decidiu que foi graduado “crédito reclamado pela Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Limitada, execução que corre termos nestes autos sob o nº CV1-98-0001-CAO-A, que constitui o apenso D no valor de MOP$11.446.322,00, acrescido de juros” (fls. 365).
Notificada dessa sentença, a Empresa B veio, ao abrigo do disposto no artº 592º e 570º do CPC, pedir a sua rectificação no sentido de fazer passar a constar da sentença como reconhecido o crédito por ela reclamado no montante de MOP$102.392.843,12, acrescido das demais despesas, vencidas desde a data da falência – cf. fls. 375 e 376 do presente apenso.
Sobre esse pedido foi proferido o seguinte despacho indeferindo o requerido:
A fls. 375/376 vem a Empresa de Fomento Predial e Investimentos B, Limitada pedir a rectificação da sentença da graduação de créditos porquanto alega ser de montante superior ao que ali consta.
O crédito da reclamante foi reconhecido ao despacho de folhas 326/332.
Ali, para além de se reconhecer créditos já se havia ordenado que o Administrador da falência procedesse á correcção da relação dos créditos reclamados tendo em consideração o valor actual da divida.
Contudo como daquele mesmo despacho resulta este crédito tem-se por reclamado pela apensação da respectiva execução e crédito que por agora se impõe ver ficar e graduação é o exequendo e não o acrescido, pelo que, nada há a rectifica à sentença de graduação.
Termos em que pelos fundamentos expostos vai indeferido o requerido.
Notifique.
Notificada desse despacho de indeferimento da requerida rectificação e não se conformando com a sentença da verificação e graduação na parte que diz respeito ao crédito por ela reclamado, veio a Empresa B interpor da mesma sentença o recurso para este tribunal, concluindo na sua motivação:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 354 e seguintes na parte em que considerou que o “- Crédito reclamado pela Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Limitada (...)” na “execução que corre termos nestes autos sob o n.º CV1-98-0001-CAO-A, que constitui o apenso D”, é apenas “no valor de MOP$11.446.322,00 acrescido de juros.”;
2. É, pois, desta decisão, com a qual a ora Recorrente não se conforma que vem interposto o presente recurso que, no modesto entendimento da ora Recorrente é ilegal, nomeadamente, por violação do disposto nos artigos 12.º, n.º1, 571.º, n.º1, alínea c), 1100.º, 1140.º, n.º 4 e 1102.º, n.º 1, todos do CPC;
3. Por requerimento executivo de 14 de Abril de 1999, a ora Recorrente instaurou contra a “COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO PREDIAL A, LIMITADA”, ora falida, um processo de Execução de Sentença, que correu termos pela 1.ª Secção do, então, Tribunal de Competência Genérica de Macau, sob o n.º 13/98 (mais tarde correspondente ao processo de Execução de Sentença n.º CV1-98-0001-CAO-A, que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Base de Macau, entretanto suspenso por apensação aos presentes autos de falência);
4. Tal execução tinha como título executivo a Sentença proferida nos autos de Acção Ordinária n.º 13/98, que correu termos pela 1.a Secção do mesmo Tribunal, transitada em julgado em 28 de Janeiro de 1999;
5. Na referida Sentença a “COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO PREDIAL A, LIMITADA” foi condenada a pagar à ora Recorrente (i) a quantia de MOP$11.409.320,00, correspondente às quantias vencidas e devidas pela ora falida, a título de despesas de condomínio, no período compreendido entre Fevereiro de 1995 a Novembro de 1997, acrescida de juros de mora à taxa legal de 11,5%, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e; (ii) as quantias que se venceram desde Dezembro de 1997, a título de despesas de condomínio, até integral e efectivo pagamento, a liquidar na execução da sentença, acrescidas de juros de mora à mesma taxa desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento;
6. A referida Sentença condenou ainda a executada, ora falida, a pagar custas, porém, não tendo aquela procedido ao seu pagamento e tendo as mesmas sido pagas pela exequente, ora Recorrente, esta ficou investida no direito de haver a quantia que pagou, no montante de MOP$37.002,00;
7. Face à declaração de falência da referida Executada, proferida no âmbito dos presentes autos, por requerimento de 11 de Novembro de 2008, a ora Recorrente veio requerer a apensação do supra referido processo de Execução de Sentença n.º CV1-98-0001-CAO-A aos presentes autos de falência, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 1140.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 1102.º, ambos do CPC e, bem assim, reclamar o seu crédito exequendo, na quantia global de MOP$102.382.843,12 (cento e dois milhões trezentas e oitenta e duas mil oitocentas e quarenta e três patacas e doze avos);
8. Correspondendo aquela quantia à soma das seguintes quantias (i) MOP$11,409,320.00, correspondente às quantias vencidas e devidas pela ora falida, a título de despesas de condomínio, no período compreendido entre Fevereiro de 1995 e Novembro de 1997, acrescida de juros de mora à taxa legal de 11,5% vencidos desde a data da citação até à data da falência (30 de Julho de 2008), no montante de MOP$13.278.885,56; (ii) MOP$42.334.560,00, correspondente às quantias vencidas e devidas pela ora falida, a título de despesas de condomínio, no período compreendido entre Dezembro de 1997 até à data da declaração de falência (30 de Julho de 2008), acrescida, dos respectivos juros de mora sobre aquela quantia, à taxa legal de 11,5%, vencidos desde as datas dos respectivos vencimentos até à data da falência (30 de Julho de 2008), no montante de MOP$35.323.075,56; e (iii) MOP$37.002,00, a título de custas;
9. Por requerimento de 13 de Abril de 2009, a ora Recorrente veio apresentar reclamação e pedir a rectificação da relação de créditos apresentada pelo Administrador da falência, nos termos constantes do supra referido requerimento, que ora se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
10. Por despacho saneador de 1 de Julho de 2009, a fls. 326 a 332 dos autos foi, além do mais, ordenada a notificação do Administrador da falência “(...) para em 10 dias apresentar nova relação de créditos de onde constem (...), nomeadamente: - Valor global - capital e juros - dos créditos reclamados por Empresa de Fomento Predial e Investimento B (...)”;
11. Por sua vez, a fls. 330, ao abrigo do disposto no artigo 1148.º, foi proferido despacho nos termos dos artigos 429.º e 430.º do CPC, com o seguinte teor: “Dos créditos reclamados apenas o da (…) e o da Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Limitada execução que corre termos nestes autos sob o n.º CV1-98-0001-CAO-A, que constitui o apenso D não foram impugnados. Destarte, nos termos do n.º 2 art. 1148.º do CPC devem os mesmos ser reconhecidos.”;
12. Tendo-se concluído que “Destarte, pelos fundamentos expostos: - Nos termos do n.º 2 do art. 1148.º do CPC declaram-se reconhecidos os créditos reclamados (...) pela Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Limitada, execução que corre termos nestes autos sob o n.º CV1-98-0001-CAO-A;” (sublinhado nosso);
13. Em 16 de Março de 2010, a ora Recorrente foi notificada, em simultâneo, do conteúdo da nova relação de créditos apresentada pelo Administrador da falência e da sentença de graduação dos créditos, elaborada a fls. 354 a 365 dos autos;
14. Sucede que, mais uma vez, não obstante os pedidos formulados pela ora Recorrente (cfr. por requerimentos de 11 de Novembro de 2008 e de 13 de Abril de 2009) e o ordenado pelo Mmo. Juiz a quo por despacho de fls. 326v e a fls. 327 dos autos, o Administrador da falência voltou a não incluir o valor global - capital e juros - dos créditos reclamados pela ora Recorrente;
15. Concretamente, o Administrador da falência não relacionou o crédito no montante de MOP$42.334.560,00, correspondente às quantias vencidas e devidas pela ora falida, a título de despesas de condomínio, no período compreendido entre Dezembro de 1997 até à data da declaração de falência (30 de Julho de 2008), acrescida, dos respectivos juros de mora sobre aquela quantia, à taxa legal de 11,5%, vencidos desde as datas dos respectivos vencimentos até à data da falência (30 de Julho de 2008), no montante de MOP$35.323.075,56; e o crédito no montante de MOP$37.002,00, a título de custas;
16. O crédito relacionado pelo Administrador da falência, no montante global de MOP$24,688,205.56, só podia corresponder à soma da quantia de MOP$11,409,320.00, a título de capital e da quantia de MOP$13,278,885.56, a título de juros;
17. Por sua vez, não obstante, na fundamentação da sentença de graduação de créditos, proferida em 9 de Março de 2010, a fls. 354 a 365 dos autos, dizer-se que “a fls. 326/332 foi proferido despacho saneador tendo ali sido declarados reconhecidos os créditos da (...) e da Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Limitada, execução que corre termos nestes autos sob o n.º CV1-98-0001-CAO-A, que constitui o apenso D.”, concluiu-se na decisão final que o “- Crédito reclamado pela Empresa de Fomento Predial e Investimento B, Limitada (...)” que resulta da “execução que corre termos nestes autos sob o n.º CV1-98-0001-CAO-A, que constitui o apenso D” é apenas “no valor de MOP$11.446.322,00 acrescido de juros.”;
18. Com a referida decisão, o Tribunal a quo fez tábua rasa da Sentença que serviu de título executivo ao processo de Execução de Sentença n.º CV1-98-0001-CAO-A e do despacho saneador de fls. 326 a 332 dos autos que ordenou a apresentação de nova relação de créditos ao Administrador da falência;
19. Como razão justificativa para o indeferimento do pedido de rectificação da sentença formulado pela ora Recorrente, em 7 de Abril de 2010, o Tribunal a quo defendeu que o crédito sub judice “(...) tem-se por reclamado pela apensação da respectiva execução e o crédito que por agora se impõe verificar e graduar é o exequendo e não o acrescido”;
20. Sucede que, ao dizer-se na sentença ora recorrida que o crédito reclamado é “no valor de MOP$11.446.322,00 acrescido de juros.”, daí não parece resultar, salvo o devido respeito, que no “crédito acrescido” estejam também incluídas as prestações devidas a título de capital, concretamente, o montante de MOP$42.334.560,00, correspondente às quantias vencidas e devidas pela ora falida, a título de despesas de condomínio, no período compreendido entre Dezembro de 1997 até à data da declaração de falência (30 de Julho de 2008), acrescida, dos respectivos juros de mora sobre aquela quantia, à taxa legal de 11,5 %, vencidos desde as datas dos respectivos vencimentos até à data da falência (30 de Julho de 2008), no montante de MOP$35.323.075,56;
21. A questão que se colocava não era saber se a sentença de verificação e graduação dos créditos devia incluir os juros de mora, mas saber porque é que não foi incluída uma parte do crédito reclamado pela ora Recorrente no processo de Execução de Sentença n.º CV1-98-0001-CAO-A;
22. Por todo exposto, dever-se-á concluir que à data da declaração de falência a ora Recorrente era credora da falida no montante global de MOP$102.382.843,12 montante equivalente ao somatório das seguintes quantias: (i) MOP$11.409.320,00, correspondente às quantias vencidas e devidas pela ora falida, a título de despesas de condomínio, no período compreendido entre Fevereiro de 1995 e Novembro de 1997, acrescida de juros de mora à taxa legal de 11,5% vencidos desde a data da citação até à data da falência (30 de Julho de 2008), no montante de MOP$13.278.885,56; (ii) MOP$42.334.560,00, correspondente às quantias vencidas e devidas pela ora falida, a título de despesas de condomínio, no período compreendido entre Dezembro de 1997 até à data da declaração de falência (30 de Julho de 2008), acrescida, dos respectivos juros de mora sobre aquela quantia, à taxa legal de 11,5%,vencidos desde as datas dos respectivos vencimentos até à data da falência (30 de Julho de 2008), no montante de MOP$35.323.075,56; e (iii) MOP$37.002,00, a título de custas.
NESTES TERMOS, deverá ser dado provimento ao presente recurso, procedendo-se à revogação da sentença ora recorrida na parte em que considerou que o crédito reclamado pela EMPRESA DE FOMENTO PREDIAL E INVESTIMENTO B, LIMITADA, ora Recorrente, na execução que corre termos nestes autos sob o n.º CV1-98-0001-CAO-A, que constitui o apenso D, é apenas no valor de “MOP$11.446.322,00 acrescido de juros”, substituindo-se por outra de onde passe a constar que o seu crédito é de MOP$102.382.843,12.
Valor: MOP$77.657.635,56 (setenta e sete milhões, seiscentas e cinquenta e sete mil, seiscentas e trinta e cinco patacas e cinquenta e seis avos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Ora, a única questão levantada pela recorrente é a questão de saber qual é o quantum do crédito que deve ser considerado reclamado pela recorrente e posteriormente julgado reconhecido pelo tribunal.
Então vejamos.
Nos termos do disposto no artº 1102º/1 do CPC, a declaração de falência determina a apensação ao processo de falência de todas as causas em que se debatam interesses relativos à massa falida, salvo se essas estiverem pendentes de recurso interposto da sentença, porque neste caso a apensação só se faz depois de trânsito em julgado.
E tratando-se essas causas de acção executiva contra o falido, a declaração de falência obsta a que prossigam – artº 1102º/3 do CPC, devendo nesses casos o Juiz titular do processo de falência requisitar, para efeito de apensação, os tais processos ao tribunal onde estes se encontram a correr os seus termos.
Mandados apensados os tais processos aos autos de falência dentro do prazo fixado na sentença de declaração da falência, os créditos ai exigidos consideram-se ope legis (artº 1140º/4 do CPC) reclamados nos autos de reclamação de créditos, que correm por apenso ao processo da falência, a fim de ali se proceder à chamada execução colectiva universal em benefício de todos os credores pela liquidação de todos os bens do falido – Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 8ª ed. § 55º.
Ou seja, face ao preceituado no artº 1140º/4 do CPC, ficam dispensados de reclamar os seus créditos no âmbito dos autos da falência os credores que tenham os seus créditos já exigidos nos processos de execução entretanto já instaurados contra o falido, verificados os requisitos aí enumerados, nomeadamente o de serem mandados apensar aos autos de falência dentro do prazo fixado na sentença de declaração da falência.
Visto isto, passemos agora debruçar-nos sobre o caso sub iudice.
Para mostrar a sem razão do pedido de rectificação, diz o Exmº Juiz a quo que “ ......o crédito tem-se por reclamado pela apensação da respectiva execução e crédito que por agora se impõe verificar e graduar é o exequendo e não o acrescido, pelo que, nada há a rectificar à sentença de graduação”.
Importa assim averiguar se o crédito que o credor reclamante B invoca e pretende ver verificado e graduado é tão só o crédito exequendo ou é o somatório desse crédito exequendo e de um outro “acrescido”.
Compulsando o apenso D (autos de execução ora apensados ao processo de falência), verifica-se que do dispositivo da sentença condenatória, que se serviu de título executivo na execução movida pelo então exequente C (posteriormente substituído por B por habilitação) contra a ora falida, consta que a falida A foi condenada a pagar à C a quantia de MOP$11.409.320,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 11,5% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e as quantias que se vencerem desde Dezembro de 1997 até integral e efectivo pagamento, a liquidar na execução da sentença, acrescidas de juros de mora à mesma taxa desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento.
Servindo-se dessa sentença condenatória, a então exequente C moveu contra a A, ora falida, a acção executiva, onde se limitou a pedir o pagamento da quantia em dívida, tendo indicado como valor da causa o de MOP$11.446,332.00.
Apesar de a exequente não ter liquidado a parte ilíquida do crédito exequendo, cremos que dentro do contexto podemos aceitar que o crédito exequendo é o somatório da parte líquida (MOP$11.446,332.00) e do quantitativo a liquidar em sede de execução da sentença.
Todavia, feita a penhora dos bens nomeados pela exequente, mais nenhum acto processual ou diligência foi entretanto promovido ou levado a cabo, nomeadamente os que visam à liquidação da parte ilíquida do crédito exequendo.
Ora, se em face destes limitados elementos existentes na petição inicial da execução podemos dizer ser equívoco o valor exacto do crédito exequendo, o tal valor já se torna inequívoco com a apresentação atempada do requerimento pela Empresa B em 11NOV2008 aos autos principais de falência.
Dado que neste requerimento, além de requerer a apensação dos autos de execução nº CV1-98-0001-CAO-A aos autos de falência, a Empresa B veio também a proceder à especificação e à liquidação dos quantitativos do crédito alegadamente fundado na sentença exequenda e acabar por requerer o reconhecimento do seu crédito no valor global de MOP$102.392.843,12, ao abrigo do disposto no artº 1140º/4, conjugado com o artº 1102º/1, ambos do CPC.
É verdade que o artº 1140º/4 do CPC considera a simples apensação equivalente à reclamação do crédito, mas essa norma visa evidentemente facilitar a vida do exequente, dispensando-o de vir reclamar de novo o seu crédito já “reclamado” por via da acção executiva anteriormente movida contra a ora falida, não podendo portanto ser interpretada como um obstáculo que, no âmbito dos autos de reclamação, impede o credor de levar ao conhecimento do Administrador da falência e do Juiz o valor mais actualizado do seu crédito.
Assim, globalmente analisadas todas essas circunstâncias que rodeiam a intervenção da Empresa B nos presentes autos de reclamação de créditos e levadas em conta as razões de direito acima expostas, é de concluir que deve ter-se por reclamado o crédito que corresponde ao somatório das várias quantias especificadas no requerimento datado de 11NOV2008, todas alegadamente fundadas na sentença condenatória que a exequente se serviu de título executivo nos autos de execução nº CV1-08-0001-CAO-A.
Todavia, isto não quer dizer que, ao abrigo do disposto no artº 1148º/2 do CPC, podemos julgar logo reconhecido o crédito no valor de MOP$102.392.843,12 por não ter havido impugnações.
É verdade que não houve impugnações ao crédito reclamado pela Empresa B.
Mas a inexistência da impugnações é em relação ao crédito no valor de MOP$11.446.322,00, acrescido de juros legais entretanto vencidos, tal e qual como constante da lista dos créditos apresentada pela Senhora Administradora da Falência.
O que certamente não quer dizer, em relação ao crédito no valor de MOP$102.392.843,12, agora por nós tido reclamado, ficar já observado o princípio do contraditório imperativamente consagrado no artº 3º/3 do CPC, nos termos do qual o tribunal não pode decidir questões de direito e de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Pois o crédito no valor de MOP$102.392.843,12 nunca foi feito constar da relação de créditos apresentada pela Senhora Administradora da Falência nem por qualquer forma submetido ao contraditório.
Assim sendo, com a ainda não observância do contraditório em relação ao crédito ora reclamado pela Empresa B no valor de MOP$102.392.843,12, este Tribunal ad quem não está habilitado a substituir-se ao Tribunal a quo, por força da regra da substituição consagrada no artº 630º do CPC, para decidir a verificação e o reconhecimento do crédito, agora por nos tido reclamado pela ora recorrente B, não nos restando outra alternativa que não seja a de remeter os presentes autos ao Tribunal a quo, a fim de ali, cumprido o contraditório, decidir a verificação e o reconhecimento do crédito reclamado pela recorrente B.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência em anular o processado, apenas na parte que diz respeito ao crédito reclamado pela Empresa B, posterior à apensação dos autos da execução nº CV1-98-0001-CAO-A, e remeter os presentes autos ao Tribunal a quo a fim de ali ordenar na respectiva relação de créditos a alteração do valor do crédito reclamado pela Empresa B para o MOP$102.392.843,12, seguindo-se depois os termos prescritos nos artºs 1145º e seguintes do CPC.
Custas a final.
Notifique.
RAEM, 19MAIO2011
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
J De acordo com os elementos constantes dos autos, foi publicada por extracto no Boletim Oficial de 08OUT2008 a sentença de declaração da falência da A, em que foi fixado o prazo de 60 dias para reclamação de créditos.
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Ac. 911/2010-16