Processo nº 415/2010(/) Data: 28.04.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “associação secreta”, “homicídio, ”ofensa ao respeito devido aos mortos”, “detenção de armas proibidas” e “tráfico de estupefacientes em quantidades diminutas”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Contradição insanável da fundamentação.
Erro notório na apreciação da prova.
Falta de fundamentação.
In dubio pro reo.
Declarações para memória futura.
Concurso real.
Autoria e cumplicidade.
Pena(s).
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre a matéria objecto do processo.
2. Existe contradição insanável da fundamentação quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
3. Apenas ocorre erro notório na apreciação da prova quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
4. É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
5. Em sede de fundamentação devem-se evitar “perspectivas maximalistas”, e, se, de uma leitura ao Acórdão recorrido for possível captar, na íntegra, os motivos da decisão de facto como de direito, e nesta, nomeadamente, as razões da qualificação jurídica operada e as respectivas sanções aplicadas, inexiste “falta de fundamentação”.
6. Pode-se – como é óbvio – não concordar com a fundamentação pelo Colectivo a quo exposta.
Porém, tal não equivale a falta de fundamentação.
7. O princípio in dubio pro reo identifica-se com o de presunção da inocência do arguido e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o dito princípio, decidir pela sua absolvição.
8. Constitui mera irregularidade processual a não notificação do arguido para estar presente, querendo, às declarações para memória futura, tomadas ao abrigo do disposto no art.° 253° do C.P.P.M..
9. São requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando apenas que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado
10. Por sua vez, é cúmplice aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 415/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Sob acusação pública e em audiência colectiva no T.J.B. responderam:
(1°) A;
(2°) B;
(3°) C;
(4°) D;
(5°) E;
(6°) F;
(7°) G;
(8°) H;
(9°) I;
(10°) J;
(11°) K;
(12°) L; todos com o sinais dos autos.
*
Efectuado o julgamento proferiu o Colectivo do T.J.B. Acórdão, decidindo:
–– condenar o (1°) arguido A como autor material e em concurso real de
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 9 anos de prisão;
- 1 crime de “ofensa qualificada a integridade física” p. e p. pelo art. 137° e 140°, n.°1 e 2 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena de 21 anos de prisão; e,
- 1 crime de “ofensa ao respeito devido aos mortos” p. e p. pelo art, 283°, n.° 1 al. a) e b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 10 meses de prisão.
- em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 25 anos de prisão.
–– condenar o (2°) arguido B como autor material e em concurso real de:
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 8 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena de 20 anos de prisão; e,
- 1 crime de “ofensa ao respeito devido aos mortos” p. e p. pelo art, 283°, n.° 1 al. a) e b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 10 meses de prisão.
- em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 23 anos de prisão;
–– condenar o (3°) arguido C como autor material e em concurso real de:
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 8 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena de 20 anos de prisão;
- 1 crime de “ofensa ao respeito devido aos mortos” p. e p. pelo art, 283°, n.° 1 al. a) e b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 10 meses de prisão.
- 1 crime de “detenção de armas proibidas” p. e p. pelo art. 262°, n.°3 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão.
- em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 20 anos e 9 meses de prisão.
–– condenar o (4°) arguido D como co-autor e em concurso real de:
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 9 anos de prisão;
- 1 crime de “ofensa qualificada a integridade física” p. e p. pelo art. 137° e 140°, n.°1 e 2 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena de 21 anos de prisão;
- em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 21 anos de prisão.
–– absolver os (5° e 6°) arguidos E e F da prática de 1 crime de “homicídio qualificado”; e,
- condenar os mesmos (5° e 6°) arguidos pela prática de 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 9 anos de prisão;
–– absolver o (7°) arguido G da prática de 1 crime de “associação secreta”;
–– absolver o (8°) arguido H da prática dos crimes de “associação secreta” e de “homicídio qualificado”, e,
- condenar o mesmo (8°) arguido como autor de 1 crime de “detenção de estupefacientes para consumo” e um outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelos art°s 14° e 11° da Lei n.° 17/2009, na pena de 45 dias de prisão cada;
- em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 2 meses de prisão.
–– condenar o (9°) arguido I como autor material de 1 crime de “tráfico de droga em quantidade diminuta”, p. e p. pelo art. 9°, n.° 1 do D.L. n.° 5/91/M. na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e na multa de MOP$ 6.000,00 ou 40 dias de prisão subsidiária;
–– condenar os (10°, 11° e 12°) arguidos J, K e L pela prática em concurso real de:
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena (individual) de 6 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena (individual) de 6 anos de prisão;
- em cúmulo, foram os arguidos (10°, 11° e 12°) condenados na pena (individual e) única de 9 anos de prisão; (cfr., fls. 2579 a 2582-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformados com o decidido, do mesmo vieram recorrer o Exmo. Magistrado do Ministério Público e os (2°, 3°, 5°, 6°, 9°, 10°, 11° e 12°) arguidos, B, C, E, F; I, J, K e L.
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Admitidos os recursos, vieram os autos a este T.S.J., onde, em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora-Adjunta, douto Parecer pugnando pela procedência do recurso do Ministério Público e pela improcedência dos recursos dos arguidos; (cfr., fls. 2914 a 2922-v).
*
Realizada a audiência de julgamento dos recursos, e nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Dão-se aqui como reproduzidos os factos dados como provados que constam a fls. 2559-v 2567
Do direito
3. Nove sendo os recursos tradizos à apreciação deste T.S.I., vejamos.
–– No seu recurso, limitado ao segmento decisório que diz respeito aos (10°, 11° e 12°) arguidos J, K e L, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público que incorreu o Colectivo a quo em “erro de direito”, dado que os ditos arguidos cometeram o crime de “homicídio” como “autores” e não como (meros) “cúmplices”, pedindo a sua condenação em conformidade; (cfr., fls. 2681 a 2685).
–– No seu recurso, afirma o (2°) arguido B que o Acórdão recorrido padece de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e violação do princípio “in dúbio pro reo”, “falta de fundamentação” e “excesso nas penas”; (cfr., fls. 2700 a 2720).
–– No seu recurso, afirma o (3°) arguido C, que incorreu o Colectivo a quo em nulidade insanável do art. 106°, alínea c) do C.P.P.M., – (validade das declarações para renúncia futura de M), “erro notório na apreciação da prova”, insistindo também na sua inocência no que toca nos crimes de “associação secreta” e “homicídio”, e pedindo a atenuação especial e redução das penas; (cfr., fls. 2645 a 2667).
– No seu recurso, afirma (5°) arguido, E, (e tal como o 2° arguido) que o Acórdão recorrido padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, violação do princípio “in dúbio pró reo”, “falta de fundamentação” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 2686 a 2698-v).
–– No seu recurso, afirma o (6°) arguido F que incorreu o Colectivo a quo em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, violação do princípio “in dúbio pro reo”, errada qualificação jurídica, (devendo-se convolar para o crime de “associação criminosa” do art. 288° do C.P.M.), e excesso nas penas; (cfr., fls. 2778 a 2810).
–– No recurso, afirma o (9°) arguido I que incorreu o Tribunal a quo em “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a renovação da prova e/ou a sua absolvição; (cfr., fls. 2669 a 2676).
–– E, no seu recurso, afirmam os (10°, 11° e 12°) arguidos J, K e L, que padece o Acórdão recorrido de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e “falta de fundamentação”, pedindo também a renovação da prova; (cfr., fls. 2725 a 2543-v).
Ponderando nas questões pelas ora recorrentes colocadas, mostra-se-nos de começar pelos “vícios da matéria de facto”, pois que, sem uma boa decisão da matéria de facto, inviável é uma boa decisão de direito.
Nesta conformidade, vejamos.
–– Dos alegados “vícios da decisão da matéria de facto”.
Vem assacada à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”.
Sobre tal matéria tem este T.S.I. entendido que:
O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre a matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o recente Acórdão de 24.02.2011, Processo n.° 785/2010).
Por sua vez, existe “contradição insanável” quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., Acórdão deste T.S.I. de 27.01.2011, Proc. n° 634/2010).
E, repetidamente temos afirmado que o “erro notório” existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).”
Exposto que assim fica o que cremos ser o sentido e alcançe dos imputados vícios da matéria de facto, cabe agora ver se em relação aos mesmos tem os (arguidos) recorrentes razão.
Pois bem, começando pelo vício de “insuficiência”, (pelos 2°, 5°, 6°, 10°, 11° e 12° arguidos imputados), evidente é que o mesmo não se verifica.
De facto, atento o “conceito” que se nos mostra adequado e de adoptar em relação ao vício em questão, não se vislumbra a sua existência, já que no Acórdão recorrido não omitiu o Colectivo a quo pronúncia sobre a “matéria objecto do processo”, tendo pois elencado a que considerou provada e não provada, e fundamentando, também, em termos que se consideram adequados, os motivos de tal decisão; (cfr., fls. 2559-v a 2567-v).
Quanto à alegada “contradição insanável”, vício pelos 10°, 11° e 12° arguidos assacados a decisão recorrida, afirmam estes recorrentes que a mesma se verifica dado que “por um lado a sentença dá como provada que os ora recorrentes vieram directamente da Tailândia a Macau em princípios de 2008 (ponto 13 dos “Factos provados”)” e, por outro, deu “como provado, igualmente, que os mesmos fazem parte da associação criminosa conhecida por «14K» que há vários anos existe em Hong Kong (ponto 2 dos “Factos provados”)”; (cfr., ponto 43° e 44° da motivação do recurso, a fls. 2735).
Porém, e como sem esforço se mostra de concluir, os referidos “factos provados” não encerram nenhuma “contradição”, (e muito menos “insanável”).
Com efeito, é público e notório que a «14 Kilates» é uma “associação ou sociedade secreta” que há muitos anos tem marcado a sua presença nestas paragens, nomeadamente, em Macau e Hong Kong, bastando, para se confirmar tal facto, consultar o Preâmbulo da Lei n.° 1/78/M de 04.02 assim como o seu texto, onde, no seu art. 2°, se declara expressamente ser tal sociedade, (a par de outras), “legalmente considerada secreta”.
Por sua vez, basta também estar minimamente informado para se saber que as “associações secretas” como a referida «14 Kilates» tem ramificações espalhadas por diversas partes do mundo, e que às mesmas cabe papel preponderante no chamado “crime trans-fronteiriço ou trans-nacional”.
Nesta conformidade, não se divisa pois “como”, ou”em que termos”, tenha o Colectivo a quo incorrido no vício em questão ao dar como provados os mencionados factos.
Na verdade, verdadeira sendo a afirmação no sentido de que a «14 Kilates» tem presença em Hong Kong há vários anos, e verdadeira sendo também a que se refere que ao facto de terem os ora recorrentes vindo da Tailândia para Macau em princípios de 2008, onde está a contradição?
Pelo facto de as datas não coincidirem?
Ora, não se pode olvidar que o facto de terem vindo a Macau em princípios de 2008 não exclui o facto de antes poderem já fazer parte da dita “associação secreta” ou o de terem integrado a mesma (pouco) depois de aqui chegarem.
Assim, repete-se, onde está a “contradição”?
Esta poderia ocorrer se, v.g., se tivesse dado como provado que os ora recorrentes faziam parte da dita associação e, simultaneamente, que não a conheciam ou nunca tinham ouvido falar da mesma.
Porém, não foi isso que sucedeu, e ociosas sendo mais alongadas considerações sobre o ponto em questão, nada mais se julga de acrescentar sobre o mesmo para se concluir que também na parte em causa improcedem os recursos.
No que toca ao vício de “erro notório”, maleita por todos os (2°, 3°, 5°, 6°, 9°, 10°, 11° e 12°) arguidos imputada ao Acórdão recorrido, igual solução se nos mostra de adoptar.
Com efeito, limitam-se os arguidos ora recorrentes a sindicar a (livre) convicção do Tribunal, formada de acordo com a apreciação da prova em harmonia com o princípio da “livre apreciação da prova” plasmado no art. 114° do C.P.P.M., tentando apenas impor a sua versão dos factos, o que, como é óbvio, não pode merecer a concordância deste T.S.I..
Constatando-se desta forma que censura não merece a decisão da matéria de facto, pois que não se mostra inquinada com os vícios do art. 400°, n.° 2, al. a), b) e c) do C.P.P.M., e concluindo-se assim que motivos não existem para a “renovação da prova”; (cfr., art. 415° do C.P.P.M.), é altura para se avançar para as restantes questões pelos recorrentes colocadas e que constituem aquilo a que se pode apelidar de “erros de direito”.
–– Dos alegados “erros de direito”.
Ponderando nos restantes “vícios” pelos recorrentes imputados ao Acórdão recorrido, mostra-se de começar pela invocada “falta de fundamentação”, (invocada pelos 2°, 5°, 10°, 11° e 12° arguidos), pois que, sendo a mesma geradora de nulidade, a se verificar, prejudicada ficará a apreciação dos restantes.
E, da análise que nos foi possível efectuar à decisão recorrida, há que dizer que também aqui não tem os arguidos recorrentes razão.
Na verdade, tem-se entendido que em sede de fundamentação devem-se evitar “perspectivas maximalistas”, (cfr., o recente Acórdão deste T.S.I. de 24.03.2011, Processo n.° 937/2010) e, no caso, de uma leitura ao Acórdão recorrido alcançam-se, na íntegra, os motivos da decisão de facto como de direito, e nesta, nomeadamente, as razões da qualificação jurídica operada e as respectivas sanções aplicadas.
Pode-se – como é óbvio – não concordar com a fundamentação pelo Colectivo a quo exposta.
Porém, tal – como repetidamente também temos dito – não equivale a falta de fundamentação.
Assim, e sendo de se julgar igualmente improcedentes os recursos na parte em questão, continuemos.
Consideram também os 2°, 5° e 6° arguidos que a decisão recorrida viola o princípio “in dúbio pró reo”.
Ora, recentemente teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que “o princípio in dubio pro reo identifica-se com o de presunção da inocência do arguido e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o dito princípio, decidir pela sua absolvição; (cfr., neste sentido, o Ac. de 06.04.2000, Proc. n° 44/2000, e de 20.01.2011, Proc. n° 991/2010, do ora relator).”
No caso, em parte alguma do Acórdão ora em crise se consegue descortinar que em momento algum esteve o Colectivo a quo com dúvidas sobre a conduta dos arguidos, tendo, mesmo assim, decidido em desfavor dos mesmos.
Vem também alegado que o Colectivo a quo “alterou a matéria de facto que constava da acusação”.
Não nos parece.
Cotejando a “acusação” e a “factualidade provada e não provada” verificam-se efectivamente “pontuais acertos” e “esclarecimentos” que resultam (tão só) da selecção que se efectuou quanto aos factos provados e não provados, não nos parecendo que se tenha introduzido “matéria nova”, não constante da acusação, que não foi objecto de discussão em audiência, e em prejuízo dos arguidos.
Dest’arte, também na parte em questão censura não merece o Acórdão recorrido.
Antes de se entrar na apreciação da qualificação jurídica das condutas dos arguidos recorrentes e suas consequências penais, há uma outra questão, que importa decidir.
É pois a questão da “nulidade insanável” do art. 106°, al. c) do C.P.P.M., pelo (3°) arguido suscitada.
Vejamos.
Insurge-se o mencionado arguido contra a leitura em audiência das “declarações para memória futura” prestadas por M, alegando que as mesmas foram prestadas sem que o mesmo, ou o seu Defensor estivessem presentes, em violação do art. 253, n.° 2 do C.P.P.M., acabando assim por considerar existir a referida nulidade.
Ora, prescreve o mencionado art. 253° do C.P.P.M. que:
“1. Em caso de doença grave, de deslocação para o exterior ou de falta de autorização de residência em Macau, de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da parte civil, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2. Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e da parte civil são comunicados o dia, hora e local da prestação do depoimento, para que possam estar presentes se o desejarem.
3. A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida as pessoas referidas no número anterior solicitar ao juiz a formulação de perguntas adicionais e podendo ele autorizar que sejam aquelas mesmas a fazê-las.
4. O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente, da parte civil e de perito e a acareações.
5. O conteúdo das declarações é reduzido a auto, sendo aquelas reproduzidas integralmente ou por súmula, conforme o juiz determinar, tendo em atenção os meios disponíveis de registo e transcrição, nos termos do artigo 91.º”.
Porém, ainda que se tenha omitido a comunicação a que alude o n.° 2 do transcrito comando legal, há que ter em conta que não se está perante nenhuma nulidade (insanável) do art. 106°, al. c) do C.P.P.M., pois que não se trata de “ausência do arguido ou seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.
Aliás, sobre tal questão já se pronunciou, (expressamente), o então T.S.J. de Macau no seu Acórdão de 10.03.1999, Processo n.° 991, afirmando que “constitui mera irregularidade processual a não notificação do arguido para estar presente, querendo, às declarações para memória futura, tomadas ao abrigo do disposto no art.° 253° do C.P.P. de Macau, devendo ser arguida até 3 dias após qualquer notificação para termo ou intervenção no processo (art.° 110°, do mesmo Código)”.
Nesta conformidade, e no caso, há que dizer que sanada está a dita “irregularidade”.
De facto, e independentemente do demais, verifica-se que a leitura das ditas declarações ocorreu em 09.02.2010, e que a “questão” apenas vem suscitada em sede de motivação do recurso do 3° arguido, apresentada em 18.03.2010, (após leitura do Acórdão em 10.03.2010).
Constatando-se pois que ultrapassado está o prazo do art. 110° do C.P.P.M., mais não é preciso dizer para a solução a que atrás se chegou.
Apreciadas que assim cremos ficar também as questões (dos “vícios da matéria de facto” e por assim dizer), “processuais”, passemos agora para a qualificação jurídico-penal da conduta dos arguidos e respectivas sanções criminais, afigurando-se-nos que a tal se deve proceder individualmente, ou seja em relação a cada arguido recorrente.
–– Pois bem, o (2°) arguido B foi condenado como autor material e em concurso real de:
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 8 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena de 20 anos de prisão; e,
- 1 crime de “ofensa ao respeito devido aos mortos” p. e p. pelo art, 283°, n.° 1 al. a) e b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 10 meses de prisão.
- em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 23 anos de prisão.
Diz que “excessivas são as penas” que lhe foram impostas.
Motivos não havendo para se considerar que acertada não é a qualificação jurídico-penal operada, já que a conduta do ora recorrente, integra, efectivamente, a prática de tais crimes em “concurso real”, já que o crime de “associação secreta” não consome os restantes, (cfr., v.g., o Acórdão deste T.S.I. de 28.07.2000, Processo n.° 46/2000), o mesmo sucedendo com o crime de “homicídio” e o de “ofensa ao respeito devido aos mortos”, pois que distintos são os bens jurídicos tutelados, (cfr., v.g. o Acórdão deste T.S.I. de 27.03.2003, Processo n.° 18/2003, e do S.T.J. de 21.06.2006, e de 12.06.2008, Processo n.° 06P1913 e 08P1782 in, “www.dgsi.pt”), debrucemo-nos então sobre as penas aplicadas.
Ao crime de “associação secreta” cabe a pena de 5 a 12 anos de prisão, cabendo ao de “homicídio qualificado” a de 15 a 25 anos de prisão e ao de “ofensa ao respeito devido aos mortos” a de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
É sabido que as penas devem ser fixadas em harmonia com o estatuído no art. 65° do C.P.M., (onde vem previstos os critérios para a “determinação da medida da pena”), e tendo-se também em consideração o preceituado no art. 40° do mesmo Código sobre os “fins das penas”.
Por sua vez, há que ter também presente o estatuído no art. 71° do citado Código, onde se prescreve que
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis. ”
No caso, considerando o elevado grau de culpa (dolo intenso), às exigências de prevenção geral e especial, (tendo em conta a natureza dos crimes e a personalidade pelo agente revelada) e atento o acentuado grau de ilicitude dos factos, o seu modo de execução, (a revelar grande insensibilidade), e a gravidade das suas consequências, e considerando também que a imagem global dos factos são de extrema gravidade e repugnância, a suscitar justificada repulsa social e punição adequada à culpa demonstrada, entende-se que censura não merecem as penas parcelares fixadas.
Reconhece-se que a pena para o crime de “ofensa ao respeito devido aos mortos” se situa próxima do seu limite máximo, porém, e totalmente inviável se nos mostrando uma opção por uma pena não privativa de liberdade para o mesmo, afigura-se de confirmar a referida pena, pois que, como se disse, prementes são as razões de prevenção, não sendo de olvidar que o tipo de crime em questão visa a protecção dos sentimentos de “piedade para com os defuntos por parte da colectividade”, (cfr., P. Faria in “Aspectos Jurídico-Penais dos Transplantes”, 1995, página 127), ou, como também se tem entendido, “a protecção de um sentimento moral colectivo de respeito pelo defuntos, independentemente de qualquer conotação religiosa ou de fé, protegendo 1 bem jurídico imaterial”, (cfr., “Comentário Conimbricense ao C.P. ”, T. II, página 532).
Assim, e em sede de cúmulo jurídico, e confrontando-nos com um limite mínimo de 20 anos de prisão, e um limite máximo de 29 anos e 10 meses de prisão, cremos também aqui que, considerando-se, em conjunto, “os factos e personalidade do agente”, excessiva não é a pena única de 23 anos de prisão que lhe foi imposta.
Improcede assim, in totum, o recurso do (2°) arguido B.
–– Quanto ao (3°) arguido C, pede o mesmo a sua absolvição pelos crimes de “associação secreta” e “homicídio qualificado”, pedindo, subsidiariamente a atenuação especial e redução das penas que lhe foram impostas.
Ora, foi este arguido condenado como autor material e em concurso real de:
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 8 anos de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena de 20 anos de prisão;
- 1 crime de “ofensa ao respeito devido aos mortos” p. e p. pelo art, 283°, n.° 1 al. a) e b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 10 meses de prisão.
- 1 crime de “detenção de armas proibidas” p. e p. pelo art. 262°, n.°3 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão.
- em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 20 anos e 9 meses de prisão.
Em relação ao crime de “associação secreta”, é claríssima a matéria de facto dada como provada, pois que nela assim consta, declarando-se mesmo expressamente que o arguido, “em Julho de 2008, começou a seguir A”, (1° arguido), provada estando também a qualidade deste de “líder da associação 14 Kilates”.
No que toca ao “homicídio qualificado”, evidente é também que é o mesmo arguido co-autor do dito crime, pois que resulta igualmente de forma clara da matéria de facto provada que estava na “Sala VIP” do “Restaurante XX”, onde ocorreu a agressão da vítima N, tendo participado (activamente) nesta agressão ao ponto de se ter aleijado e ficado a sangrar…
Provado estando também o elemento subjectivo dos ditos crimes, e sendo efectivamente de considerar o crime de “homicídio em questão como “qualificado” nos termos do art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., resta ver das penas.
Pois bem, atenta a conduta do arguido, o dolo intenso e acentuada ilicitude dos factos, (sendo de se dar aqui como reproduzido o que nesta matéria se disse em relação ao (2°) arguido B), cremos que só por equívoco se terá peticionado a “atenuação especial da pena”, mais não se mostrando de acrescentar sobre a questão.
Quanto a uma redução, também pouco há a dizer.
De facto, e em relação aos crimes de “associação secreta”, “homicídio qualificado” e “ofensa ao respeito devido aos mortos”, vale (também) aqui o que se expôs em relação ao (2°) arguido B.
No que tange ao crime de “detenção de armas proibidas”, e atenta a factualidade provada e a moldura penal para o mesmo, evidente é também que excessiva não a pena de 9 meses de prisão fixada, nenhuma redução se justificando.
Por fim, quanto à pena única, e tendo-se presente os critérios para a sua fixação, diz-se apenas que a mesma até se apresenta benevolente, pois que se encontra a 9 meses do seu limite mínimo, mais não se afigurando de dizer para se concluir assim pela total improcedência do recurso.
–– Passemos agora para os (5° e 6°) arguidos E e F.
Ora foram ambos os arguidos condenados pela prática de 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 9 anos de prisão, e pedem também ambos os arguidos a redução da pena, dizendo também o (6°) arguido F que se deve alterar a qualificação da sua conduta para a da prática do crime de “associação criminosa” do art. 288° do C.P.M..
Assim, e começando pela questão da qualificação da conduta do (6°) arguido F, cabe consignar que nenhuma razão tem o mesmo arguido.
Com efeito, está provado que o mesmo “é membro da associação secreta 14 Kilates” e, assim sendo, basta ler o Preâmbulo da “Lei de Criminalidade Organizada”, (Lei n.° 6/97/M de 2007), onde se prevê o crime de “associação ou sociedade secreta” para se chegar a tal conclusão; (sobre a questão, e no mesmo sentido, vd. também o “Parecer n.° 5/97” de 04.07.97, elaborado pela Comissão de Administração, Educação e Segurança da então Assembleia Legislativa, e, v.g., o Acórdão deste T.S.I. de 10.08.2006, Processo n.° 404/2006, do ora relator).
Quanto à pena fixada, de 9 anos de prisão, atenta a moldura penal para o crime em questão, (5 a 12 anos de prisão), cabe também dizer que não se afigura de considerar a mesma excessiva.
Não se deixa de salientar que é a mesma superior à fixada aos (2° e 3°) arguidos B e C pelo mesmo crime, porém, entende-se que se deve confirmar a mesma por não nos parecer excessiva.
Nesta conformidade, improcedem os recursos de ambos os arguidos em questão.
–– Vejamos agora como decidir em relação ao (9°) arguido I.
Foi este arguido condenado como autor material de 1 crime de “tráfico de estupefaciente em quantidade diminuta”, p. e p. pelo art. 9°, n.° 1 do D.L. n.° 5/91/M. na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e na multa de MOP$ 6.000,00 ou 40 dias de prisão subsidiária.
E, tanto quanto se colhe da sua motivação de recurso, (e na parte que aqui interessa), entende o mesmo que devia ser absolvido de tal crime.
Cremos que ao arguido ora recorrente não assiste razão.
Na verdade, a matéria de facto dada como provada, (cfr., os factos referenciados com os n°s 58 a 61 e 75) são bastantes e elucidativos no sentido de que o arguido cedeu estupefaciente a terceiro, afigurando-se-nos assim correcta a sua condenação e, mostrando-se pois de julgar improcedente o recurso.
–– Por fim vejamos o que dizer em relação aos (10°, 11° e 12°) arguidos J, K e L, aqui se ponderando também a pretensão do Ministério Público.
Pois bem, foram estes arguidos condenados pela prática em concurso real de:
- 1 crime de “associação secreta” p. e p. pelo art. 1°, al. c) e 2°, n.°2 da Lei n.° 6/97/M, na pena (individual) de 6 anos de prisão;e,
- 1 crime de “homicídio qualificado” p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. c) do C.P.M., na pena (individual) de 6 anos de prisão;
- em cúmulo, foram condenados na pena (individual e) única de 9 anos de prisão.
E, como se deixou relatado, no seu recurso, limitado ao segmento decisório que diz respeito aos (10°, 11° e 12°) arguidos J, K e L, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público que incorreu o Colectivo a quo em “erro de direito”, dado que os ditos arguidos cometeram o crime de “homicídio” como “autores” e não como (meros) “cúmplices”, pedindo a sua condenação em conformidade.
Ora, apreciadas que ficaram as questões pelos arguidos ora recorrentes colocadas, dúvidas não havendo que cometeram os mesmos o crime de “associação secreta”, pois que consta da factualidade provada que os mesmos eram membros (de “segunda linha)” da “14 Kilates”, e também aqui, excessiva não nos parecendo a pena individual de 6 anos de prisão, vejamos então do crime de “homicídio”.
No caso, provado está que, na data em questão, os arguidos deslocaram-se ao “Restaurante XX” na companhia dos (1°, 2°, 3° e 4°) arguidos A, B, C, D, (e outros).
Provado está também que os mesmos arguidos ficaram fora da “Sala VIP” do dito Restaurante, onde a vítima foi agredida, e a olhar para a mesma sala.
E ainda que provado não esteja que participaram na agressão à vítima, resulta da mesma factualidade provada que presenciaram a agressão, e que apenas abandonaram o local após aquela, tendo-se igualmente dado como provado que agiram de forma voluntária e coordenada com os restantes arguidos, cooperando e trabalhando em grupo, sabendo, desejando e concordando com as condutas desenvolvidas.
Perante isto, que dizer?
Tem sido entendimento firme deste T.S.I. que:
“São requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando apenas que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado”, (cfr., v.g., o Ac. de 30.09.2004, Proc. n° 161/2004), e que,
“Autor do delito é aquele que o executa, realizando os elementos que integram o respectivo tipo legal de crime. Para haver co-autoria (ou comparticipação), necessário é que tenha havido por parte dos agentes do crime uma decisão conjunta com vista à obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta, ainda que cada um dos co-autores não participe na execução de todos os actos integradores da infracção.
Por sua vez, é cúmplice aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.”; (cfr., v.g., o Ac. de 12.02.2004, Proc. n° 21/2004).
Nesta conformidade, e atenta a factualidade dada como provada, mostra-se-nos de concluir que bem andou o Colectivo a quo ao decidir da forma que decidiu.
De facto, a conduta dos arguidos, sem nenhuma intervenção directa na agressão da vítima, não permite a consideração no sentido de que agiram em “co-autoria” no crime de “homicídio” em questão.
Assim, há que negar provimento ao recurso dos (10°, 11° e 12°) arguidos e do Exmo. Magistrado do Ministério Público.
Outras questões não havendo, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar improcedentes os recursos.
Custas pelos arguidos (2°, 3°, 5°, 6°, 10°, 11° e 12°) arguidos B, C, E, F, J, K, L com taxa de justiça (individual) que se fixa em 10UCs, e em 5 UCs para o (9°) arguido I, (não se tributando o Ministério Público dada a sua isenção).
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso (Dr. XXX) no montante de MOP$2000,00.
Macau, aos 28 de Abril de 2011
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
陳廣勝(本人對是次上訴裁判並非完全同意,因為本人認為案中第十、第十一和第十二名嫌犯在加重殺人罪中並非從犯,而是正犯,故應廢止原審判決中涉及從犯的決定,進而改判上述三名泰籍嫌犯以正犯身份犯下一項針對黎經文的加重殺人罪,並對彼等處以相應較原審所判出者為重的徒刑刑期。事實上,根據原審已查明的事實,雖然上述三名嫌犯在案發時並沒有直接參與襲擊上述受害人,但就有在案發地點的「貴賓房外的桌子就坐,看守房間」,且是與其他案中眾多嫌犯「互相協定集結」、「分工」,「並以全體之名義、自願、同意及相互協助作出有關行為」,「不惜奪去死者的生命」(見第33、第68、第71和第78點既證事實),而這情況正符合了澳門《刑法典》第25條所定「正犯」概念的其中一個情況,亦即符合了刑法學說中的其中一個涉及共同正犯的例子:甲、乙和丙預先協議打劫一金行,甲祇負責在金舖門外「把風」,雖然如此,甲也是乙和丙的共犯)。
) Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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