Processo nº 275/2011 Data: 09.06.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Penas.
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo.
2. Não merece censura a pena de 135 dias de multa fixada pela prática de um crime de “ofensa à integridade física por negligência” p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M., e ao qual, por aplicação do art. 93°, n.° 1 da Lei 3/2007, cabe a pena mínima de 90 dias de multa.
3. A taxa diária é fixada em função da situação financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, (cfr., art. 45°, n.° 2 do C.P.M.), devendo também representar um “sacrifício real” para o condenado.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 275/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar o arguido A, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p.p. pelo art. 142º, nº 1 do C.P., conjugado com o art. 14º, al. a) do mesmo diploma, e o art. 93º, nº 1 e 94º, al. (1) da Lei n.° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), na pena de 135 dias de multa, à taxa diária de MOP$260,00 perfazendo a quantia total de MOP$35.100,00, ou 90 dias de prisão subsidiária, assim como na pena acessória de inibição de condução por um período de 6 meses e no pagamento à ofendida de uma indemnização no montante de MOP$2.000,00 e juros; (cfr., fls. 95 a 100 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“1ª - O recorrente, como autor material, na forma consumada, foi condenado em um crime de ofensa à integridade física, por negligência, punido e previsto pelo artigo 142°, n.° 1 do Código Penal de Macau (adiante CPM), conjugado com o artigo 14°, al. a) do mesmo diploma, e o artigo 93°, n.° 1 e artigo 94°, al. (1) da LTR, na pena de 135 dias de multa, com multa diária de MOP$260,00 e a quantia total é de MOP$35.100,00, convertível à pena de prisão de 90 dias se a multa não for paga ou substituída por trabalho e na pena acessória de proibição de condução por um período de 6 meses.
2ª - O arguido também foi condenado no pagamento à ofendida duma indemnização de MOP$2.000,00, com os juros legais desde o trânsito da sentença.
3ª - A matéria de facto dada por provada pelo tribunal recorrido permite visualizar que existe culpa da vítima por iniciar a paragem do seu motociclo, na altura em que o trânsito era intenso, na faixa de rodagem, sem qualquer sinalização para o efeito, pondo-se em situação que não permitia que os veículos atrás de si pudessem passar.
4ª - Para além de que, nada é mencionado nos factos provados e não provados da sentença ora recorrida, se deveria a ofendida ter-se assegurado de que podia ficar imobilizada na via sem perigo, tendo em conta a distância e a velocidade dos veículos que se aproximavam, incumprindo o artigo 46, n°. 3, n.° 1 do LTR que estipula “A paragem ou o estacionamento só são permitidos: Na faixa de rodagem, paralelamente e o mais próximo possível da berma ou passeio do lado esquerdo da mesma”.
5ª - Não se pode afirmar, como se faz no douto acórdão recorrido, de que o acidente ficou a dever-se exclusivamente à imperícia e desatenção do arguido porque não resultam dos autos quaisquer factos que comprovem ou sequer indiciem que somente a conduta do arguido concorreu para a produção do acidente.
6ª - O Tribunal recorrido deu por assente que q arguido com o seu carro passou pelo lado esquerdo do motociclo da ofendida e tocou na parte esquerda do manípulo do motociclo e fez com que a ofendida caísse com a mota.
7ª - Acontece que não resulta da matéria de facto provada ou não provada que o arguido podia e devia ter imobilizado o veículo de forma a evitar o embate, bem como, não resulta que a ofendida, ao pretender estacionar, se encostou o mais próximo possível da berma e sinalizou a sua intenção de imobilização.
8ª - Designadamente, não resulta da matéria de facto, como se impunha, para se chegar aquela conclusão:
a) Qual a velocidade aproximada do veículo conduzido pelo arguido?
b) A que distância é que o arguido seguida da ofendida?
c) A que distância estava o veiculo do arguido quando a ofendida iniciou a marcha para ficar imobilizada?
d) Se a ofendida se encostou o mais próximo possível da berma?
e) Se a ofendida sinalizou ao veículo atrás de si a íntenção de ficar
imobilizada?
Factos esses que se mostraríam indispensáveis e relevantes para aferir da conduta do arguido em termos de apurar se e qual o seu grau de culpa (vide, neste sentido, ac. do TSJ de 6 de Maio de 1998, Proc. n," 814).
9ª - Agora dizer-se apenas que o arguido passou pelo lado esquerdo do motociclo da ofendida e o seu veículo tocou na parte esquerda do manípulo do motociclo e fez com que a ofendida caísse com a mota, sem que tenha sido feita prova de outros factos que se mostravam essepciais para aquilatar da culpa do arguido na produção do acidente, leva-nos à conclusão de que estamos perante uma situação manifesta de insuficiência da matéria de facto.
10ª - Por outras palavras, os factos dados como provados nos presentes autos não bastam, não se mostram suficientes, para justificar a decisão adoptada pelo tribunal recorrido.
11ª - Existe, pois, insuficiência quando se verifica uma lacuna no apuramento dessa matéria que impede a decisão de direito Ou “quando se puder concluir que sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada ou quando o tribunal não investigue tudo quanto a acusação, a defesa ou a discussão da causa suscitaram nos autos”.
12ª - Isto porque, a decisão tem de conter a factualidade pertinente à subsunção no tipo legal de crime de que o réu vem acusado, devendo o tribunal investigar, dentro dos seus poderes de cognição, toda a matéria relevante.
13ª - No caso sub judice, o tribunal recorrido deveria ter investigado e tomado conhecimento de todos aqueles factores - qual a velocidade aproximada do veículo conduzido pelo arguido, a que distância é que o arguido se apercebeu da vítima, etc. - De forma a apurar se era humanamente possível ao arguido ter evitado o acidente, procedendo à imobilização do veículo .
14ª - Mas não, o Tribunal recorrido lançou-se nas suas conclusões, nos seus juízos de valor, rematando que houve imperícia e desatenção do arguido, falta de cuidado, cautela e de atenção, quando, na verdade, não foram apurados factos no decurso da audiência de julgamento que, de alguma forma, pudessem suportar esse raciocínio.
15ª - O Tribunal vai ao ponto de dar como assente que o arguido ao conduzir o seu veículo não manteve o espaço suficiente para passar, sem tentar descortinar se a ofendida é que não deixou espaço suficiente ao tentar fazer a sua imobilização para estacionar e se era possível ao arguido ter a percepção da conduta da ofendida atempadamente.
16ª - Por outro lado, a prova da insuficiência da matéria de facto está comprovada quando o Tribunal recorrido na sua fundamentação utiliza o depoimento da ofendida para atender a factos que não foram dados como provados.
17ª - Ora, assim, no caso concreto, a factualidade provada e não provada assente não permite, por si só, concluir que houve imperícia e desatenção da sua parte, ou falta de cuidado, cautela ou de atenção exclusivamente por parte do arguido
18ª - Verifica-se assim, sem esforço, que os factos dados como provados não são suficientes para, subsumidos à lei aplicável, poderem gerar a conclusão lógica de que o arguido praticou um crime de crime de ofensas corporais involuntárias p. e p. pelo artigo 142°, n.° 1 do CPM, conjugado com o artigo 14°, al. a) do mesmo diploma, e o artigo 93°, n.° 1 e artigo 94°, al. (1) da LTR e a uma pena acessória de proibição de condução por um período de 6 meses, pelo que a decisão recorrida não
19ª - Com todo o devido respeito, a dosimetria da pena aplicada em concreto ao Recorrente, pelo seu exagero, olvidando todos os elementos pessoais e em manifesta violação da medida da culpa, parece resultar de um retomo, por parte do Tribunal a quo à velha e anti-social teoria da retribuição, ao invés de se prosseguir os fins de prevenção especial positiva, adequando-se a pena à sua função ressocializadora.
20a - As penas que foram aplicadas ao Recorrente são excessivas e violam o disposto nos artigos 65°, 71° e 73° do CPM e artigo 94°, n." 1 da LTR.
21ª - Não são adequadas à culpa, não contribuindo minimamente para realizar as finalidades da sua reinserção social, bem como são bem superiores ao aplicado pela jurisprudência, dando-se, a título de exemplo a decisão proferida pelo Tribunal da Segunda Instância no Processo n.° 845/2010, de 27.01.2011
22ª - Recorde-se que o Recorrente é primário e é o suporte económico de sua mulher e dos dois filhos que estão a estudar.
23a - Nos presentes autos foram violados os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação das penas, ínsitos no artigo 64° do mesmo diploma legal, pois todas as circunstâncias que envolveram os factos, assim como as características pessoais do Recorrente, imporiam uma pena menos gravosa podia deixar de pugnar pela absolvição do recorrente..
24ª - Ainda que a pena deva ter na sua essência um carácter expiatório, deve ter uma natureza pessoal onde a culpa será o seu limite, devendo a sua aplicação representar uma suficiente censura da sociedade pelo facto ilícito praticado, de forma a garantir à comunidade a validade, a vigência e a eficácia do valor das normas, e para o condenado uma retribuição pelo mal praticado que se espera quando proporcional venha a ser um factor de correcção.
25ª - A pena de 135 dias de multa, no valor diário de MOP$260,00 é uma medida da pena muito elevada tendo em atenção, como acima se referiu, decisões já proferidas pelo Tribunal da Segunda Instância para situações semelhantes
26ª - A pena principal nunca deveria ter excedido o primeiro terço daquela moldura penal, devendo, em prol da boa justiça, situar-se em 100 dias de multa, no valor diário de MOP$150,00.
27ª - Quanto à pena acessória de inibição de condução entendemos que a inibição de condução pelo período de 3 meses se enquadra perfeitamente no previsto no artigo 94°, n." 1 do LTR, verificando-se que a grave do crime é diminuta, sob pena de estar a ser violado o artigo 65° do CPM.
28ª - Nos diversos percursos de determinação da pena concreta final, não foram devidamente ponderadas a reduzida culpa do Recorrente e, bem assim, a conduta, comportamentos, personalidade e situação económica, familiar e social do mesmo, tudo conforme o disposto nos artigos 40° e 65° do CPM.
29ª - Tendo presente a factualidade dos autos, considerando que agiu com simples negligência, sendo, é patente que dadas as circunstâncias em que efectuou a manobra causadora do acidente a ofendida contribuiu para o acidente, o grau de negligência se mostra extremamente reduzido, sendo ainda pequena a ilicitude da sua conduta, isto, atentas, nomeadamente, as lesões que a ofendida sofreu, manifesto é, não merecer qualquer censura a decisão em 100 dias de multa, à taxa diária de MOP$150,00, em função em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais que são muitos, sendo que, quanto à inibição de condução não é de merecer qualquer censura a sua aplicação pelo período de 3 meses.
30ª - Acresce que a decisão recorrida ao aplicar a suspensão da licença de condução do arguido, não determina objectiva e concretamente a intensidade da negligência do agente, pois, tal determinação releva indiscutivelmente para se aferir a medida concreta da pena.
31ª - A verdade é que a pena principal e acessória que lhe foram aplicadas são injustas e não levam em conta a sua situação de culpabilidade, económica, profissional e familiar e esta devia ser ajustada à culpa do agente e às exigências de prevenção criminal, bem como à realidade concreta da vida económica e familiar do mesmo.
32ª - O artigo 74° do CPPM faculta o Tribunal fixar oficiosa e equitativamente o montante de indemnização a favor do ofendido, desde que haja elementos nos autos para este efeito, devendo pressupor a existência dos elementos essenciais para a decisão de indemnização. Como se sabe, são elementos constitutivos da indemnização: factos, dano, culpa e nexo de causalidade.
33ª - Embora o Acórdão na fundamentação afirmasse que “a ofendida sofreu danos”, cremos que esta afirmação não tem qualquer suporte fáctico, pois dos factos agora elencados, não se nos afigura haver elementos concretos demonstradores dos danos não patrimoniais pelos quais a ofendida tenham
sofrido.
34ª - Assim, o acórdão recorrido viola o artigo 74° do CPP ao decidir aplicar uma indemnização por danos morais à ofendida no valor de MOP$2.000,00 sem que para tal existam elementos concretos demonstrativos de tal dano”; (cfr., fls. 131 a 157-v).
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Respondendo, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“1- Entendemos que não ocorre, neste caso, qualquer insuficiência de matéria de facto para a decisão, prevista na alínea a) do n.° 2 do art.° 400.° do Código do Processo Penal.
2- As penas, tanto principal como acessória, aplicadas ao arguido não violam o disposto nos artigos 65.°, 71.° e 73.° do Código Penal e artigo 94.°, n.° 1, da Lei de Trânsito Rodoviário”; (cfr., fls. 160 a 161-v).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“A nossa Exma. Colega demonstra, cabalmente, a sem razão do recorrente.
E nada temos a acrescentar, de relevante, às suas judiciosas considerações.
É infundada, desde logo, a chamada à colação do vício referido na al. a) do n°. 2 do art. 400° do C. P. Penal.
Não se vislumbra, efectivamente, atento o objecto do processo, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada.
O arguido confunde, claramente, a insuficiência da matéria de facto com a insuficiência de prova.
O recorrente questiona, também, a sua responsabilidade no acidente.
Trata-se de mais uma crítica insubsistente.
Resulta da matéria de facto, com efeito, a violação de um dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia e que conduziu à produção do resultado típico.
E é óbvio que essa produção era previsível, sendo certo que só a omissão desse dever obstou à sua previsão.
A capacidade do arguido para prever tal evento, por sua vez, deve ter-se como evidente, tendo em conta o homem médio “pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente” (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 354).
As penas aplicadas, a nosso ver, mostram-se justas e equilibradas.
Relativamente à multa, há que sublinhar que o respectivo limite mínimo, considerando a agravação emergente do n°. 1 do art. 93° da L.T.R., atinge o “ quantum” de 90 dias.
A taxa diária de 260 patacas, por seu turno, afigura-se adequada, tendo em conta que a mesma deve traduzir-se, sempre, num sacrifício real para o condenado.
A medida da inibição de condução, por outro lado, não se afasta muito do limite mínimo abstracto.
No que concerne à indemnização, finalmente, é incontroversa a inadmissibilidade da impugnação, atento o precentuado no art. 390°, n°. 2, do citado C. P. Penal.
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente - ou até, mesmo, manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos arts. 407°, n° 3-c, 409°, n° 2-a e 410°, do mesmo Diploma)”; (cfr., fls. 199 a 201).
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“Em 9 de Agosto de 2009, pela 1H30, B conduzia o ciclomotor de matrícula nº CM-XXXXX, circulando pela Rua Nova à Guia, procedente da Rua Kong Teng (岡頂街) em direcção à Rua de Dezoito de Dezembro.
Neste mesmo momento, o arguido A conduzia o automóvel ligeiro de Matrícula MH-XX-XX, circulando pela Rua Nova à Guia atrás da ofendida na mesma direcção.
Quando chegou à parte do lote nº 191 da Rua Nova à Guia, em frente do Edf. XXXX, a ofendida queria estacionar a mota no parque de estacionamento à margem direita da faixa de rodagem, portanto desacelerou a mota para deixar ultrapassar o carro atrás dela antes de estacionar a mota.
Neste momento, o arguido conduzia o seu automóvel ligeiro ultrapassando a ofendida pelo lado esquerdo da mesma.
Ao fazer a ultrapassagem, o carro do arguido bateu, com lado direito, no punho esquerdo do ciclomotor de matrícula CM-XXXXX, o que causou a queda da mota junto com a ofendida.
Posteriormente, a ofendida deslocou-se sozinha ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para tratamento médico.
Vide o relatório de exame médico directo das lesões sofridas pela ofendida e o relatório pericial de clínica médico-legal a fls. 11 e 25 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
O acidente referido provocou contusões de tecido mole no seu pulso direito, perna direita e pé esquerdo que precisaram de três dias para se recuperarem, não resultando, além disso, em ofensa grave à integridade física da mesma.
Na altura do acidente, o tempo era bom, o chão era seco e havia muito trânsito na rua.
O arguido agiu livre e conscientemente.
O arguido conduzia sem cuidado e a atenção exigida pelas circunstâncias, deixando de guardar distância de segurança lateral entre o seu automóvel e o outro veículo que seguia na mesma via e no mesmo sentido, o que originou o acidente.
O arguido sabia bem que o desrespeito pelas regras de trânsito pode causar acidente rodoviário e resultar em morte. Embora não estivesse a esperar ou não aceitasse a ocorrência do facto e a sua consequência ao praticar o acto, o arguido não conduzia com o cuidado e a precaução a que, segundo as circunstâncias estava obrigado e de que era capaz. A sua conduta originou a ocorrência do acidente e resultou, por consequência, na ofensa simples à integridade física da mesma.
O arguido estava ciente de que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
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Mais se provou:
O arguido é, actualmente, professor universitário, auferindo mensalmente um salário de MOP30.000 (índice 475).
É casado, tem a seu cargo o pai, mulher e dois filhos maiores que estão ainda a estudar.
Tem curso de doutoramento.
Nega o facto que lhe foi imputado.
É delinquente primário segundo o registo criminal.
O arguido tem contra si outro processo (CR3-07-0093-PCC deste Tribunal) por ter sido acusado de cometer um crime de ofensas qualificadas à integridade física, p.p. pelo artigo 137º, nº 1 do C.P., conjugado com os artigos 140º, nº 1, al. 2), e 129º, nº 2, al. h) do mesmo Código, e um crime de injúria qualificado, p.p. pelo artigo 175º, nº 1 do C.P., conjugado com os artigos 178º e 129, nº 2, al. h) do mesmo Código, que será julgado em 9 de Março de 2011;(cfr., fls. 96 a 97-v e 183 a 188).
Do direito
3. Vem o arguido A recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de um crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p.p. pelo art. 142º, nº 1 do C.P., conjugado com o art. 14º, al. a) do mesmo diploma, e art. 93º, nº 1 e 94º, al. (1) da “Lei do Trânsito Rodoviário”, na pena de 135 dias de multa, à taxa diária de MOP$260,00 perfazendo a quantia total de MOP$35.100,00, ou 90 dias de prisão subsidiária, assim como na pena acessória de inibição de condução por um período de 6 meses e no pagamento à ofendida de uma indemnização no montante de MOP$2.000,00 e juros.
Como se consignou em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 202), recorrível não é o segmento decisório que o condenou no pagamento da indemnização de MOP$2.000,00, (cfr., art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M.), sendo o recurso da “decisão crime” manifestamente improcedente, pois que se mostra de sufragar, na íntegra, o entendimento pelo Ministério Público assumido em sede de Resposta e posterior Parecer, pouco havendo a acrescentar.
Vejamos.
Em sede de “aplicação de direito”, assim consignou o Mmo Juiz do T.J.B. na sentença ora recorrida:
“O artigo 142.º do C.P. (Ofensa à integridade física por negligência) dispõe:
“1. Quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
2. (…)
3. (…)
4. O procedimento penal depende de queixa.”
O artigo 14.º do C.P. (Negligência) dispõe:
“Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização de um facto que preenche um tipo de crime.”
O artigo 93.º da L.T.R. (Punição pela prática de crimes por negligência) dispõe:
“1. Os crimes por negligência cometidos no exercício da condução são punidos com as penas cominadas na lei geral agravadas, no seu limite mínimo, com um terço da sua duração máxima, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. (…).”
Além disso, o artigo 94.º da mesma Lei (Inibição de condução pela prática de crimes) dispõe:
“Sem prejuízo de disposição legal em contrário, é punido com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por:
1) Qualquer crime cometido no exercício da condução; (…)”
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Segundo os factos provados, A conduzia o automóvel de matrícula MH-XX-XX sem o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, deixando de guardar distância de segurança lateral entre o seu veículo e o ciclomotor de matrícula CM-XXXXX conduzido pela ofendida que estava a circular no mesmo sentido, o que resultou no embate entre a parte lateral direito do seu automóvel com o punho esquerdo da referida mota, originando, por consequência, a queda da mota e da ofendida. O acidente provocou directamente ofensas simples à integridade física da ofendida, pelo que a sua conduta já preencheu os requisitos subjectivo e objectivo do tipo de crime.
Pelo exposto, o Tribunal reconhece que o arguido tinha praticado em autoria material, na forma consumada, um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art. 142º, nº 1 do C.P., conjugado com o art. 14º, al. a) do mesmo diploma, e o art. 93º, nº 1 e o art. 94º, al. (1) da L.T.R.
Medida concreta:
Nos termos do artigo 64º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
De acordo com os artigos 40º e 65º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
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Segundo os critérios acima mencionados e atendendo ao facto ilícito neste caso e às circunstâncias concretas, que o arguido é primário e à prevenção de crime, o Tribunal entende que a aplicação da pena não privativa da liberdade ao arguido realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na determinação da medida da pena, tendo em consideração que o grau de ilicitude do facto é médio, a consequência não é grave e o grau de culpa é também médio, além disso, atendendo a que o arguido é primário, nega a acusação e à necessidade de prevenção de crime, o Tribunal entende adequado condenar o arguido na pena de 135 dias de multa por um crime de ofensa à integridade física por negligência.
Tendo em conta a situação financeira e encargos do arguido, fixa-se a multa diária em MOP260, perfazendo uma multa total de MOP35.100, convertível à pena de prisão de 90 dias se a multa não for paga ou substituída por trabalho.
Por fim, nos termos do artigo 94º, nº 1, al. a) da L.T.R. e considerado a gravidade do crime cometido pelo arguido, o Tribunal entende que é adequado condenar o arguido na pena acessória de proibição de condução por um período de 6 meses (não se verifica qualquer motivo atendível para suspender a execução da pena acessória) (…)”; (cfr., fls. 189 a 192).
E, perante isto, há que dizer que nenhuma censura merece o decidido.
–– De facto, inexiste o apontado vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, pois que não deixou o Mmo Juiz a quo de emitir pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando, (como atrás se deixou relatado), os factos que resultaram provados, indicando os que assim não ficaram e, fundamentado, quanto a nós, adequadamente, tal decisão.
Assim, e certo sendo que o vício (de insuficiência) em questão apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre a matéria objecto do processo, (cfr., v.g. o recente Acórdão deste T.S.I. de 02.06.2011, Processo n.° 198/2011), e outro vício da matéria de facto não havendo, continuemos.
–– Como “questões de direito”, coloca o ora recorrente a da “qualificação jurídica” operada, considerando também excessivas as penas aplicadas.
Ora, no que tange à qualificação jurídico penal da sua conduta, claro é que inexiste qualquer “erro”.
Como judiciosamente afirma o Ilustre Procurador Adjunto, resulta inequivocamente da matéria de facto dada como provada, a violação de um “dever objectivo de cuidado” que sobre o ora recorrente impendia, e que conduziu, efectivamente, à produção do resultado típico, sendo óbvio que essa produção era previsível e que só a omissão do dito dever de cuidado obstou à sua previsão.
Por sua vez, a capacidade do arguido para prever tal evento é evidente, tendo em conta o homem médio “pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente” (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 354, cit do mencionado Parecer).
Quanto às “penas”, igualmente pouco se mostra de dizer.
Optou – e bem – o Tribunal a quo, por uma pena de multa, fixando-a em 135 dias, à taxa diária de MOP$260, perfazendo a quantia total de MOP$35.100,00, ou 90 dias de prisão subsidiária.
E, ponderando no limite mínimo da moldura penal aplicável, (90 dias – cfr., art. 93°, n.° 1 da L.T.R.), evidente se nos mostra que inflaccionada não é a dita pena de 135 dias de multa.
A “taxa diária”, por sua vez, e como se sabe, é fixada “em função da situação financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”; (cfr., art. 45°, n.° 2 do C.P.M.).
Ora, tendo-se presente a factualidade dada como provada quanto a esta “matéria”, não cremos que se possa considerar excessiva a decisão de se fixar em MOP$260,00 a mencionada “taxa diária”, pois que, de olvidar não é que a mesma não pode deixar de representar um “sacrifício real” para o condenado.
Por fim, quanto a pena acessória de “inibição de condução”, graduada em 6 meses, importa ter também em conta que em causa está uma moldura com limite mínimo de 2 meses, e com um limite máximo de 3 anos; (cfr., art. 94° do L.T.R.).
E, nesta conformidade, não vemos também como considerar-se a pena fixada (de 6 meses) como exagerada.
Dest’arte, outras questões não havendo a apreciar, e sendo o presente recurso manifestamente improcedente, impõe-se a sua rejeição.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 6 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 09 de Junho de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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Proc. 275/2011 Pág. 1