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Processo n.º 737/2010 Data do acórdão: 2011-6-16
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – acréscimo de salário por trabalho extraordinário
– fixação do valor remuneratório de cada hora extra de trabalho
– art.o 11.o, n.o 2, do Decreto-Lei n.o 24/89/M
– art.o 5.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 24/89/M
S U M Á R I O
1. O Decreto-Lei n.o 24/89/M, de 3 de Abril, não prevê sobre a forma ou o modo de fixação do acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário, nem sobre o montante mínimo desse acréscimo salarial, mas isto não representa que a “livre” fixação, em sede do art.o 11.o, n.o 2, desse diploma legal, do valor remuneratório de cada hora extra de trabalho possa nomeadamente prejudicar as condições de trabalho mais favoráveis já observadas e praticadas entre a própria sociedade comercial arguida e os trabalhadores ofendidos então ao seu serviço (cfr. a norma do n.o 1 do art.o 5.o do próprio Decreto-Lei).
2. Na verdade, não se pode admitir, ao arrepio do senso comum das pessoas, como fosse concretamente mais favorável a esses trabalhadores o facto de o valor da remuneração de cada hora extra do trabalho ser ainda inferior ao valor da remuneração de cada hora do trabalho normal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 737/2010
(Autos de recurso penal)
  Recorrente: A
  Recorrido: Ministério Público
  Tribunal a quo: 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 357 a 367 dos autos de processo de contravenção laboral n.o CR1-10-0004-LCT do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a arguida A, aí já melhor identificada, pela prática de cada uma das seis contravenções, p. e p. pelos art.os 11.o e 50.o, n.o 1, alínea c), do Decreto-Lei n.o 24/89/M, de 3 de Abril (devido ao pagamento deficiente de remuneração pela prestação de trabalho extraordinário), na multa de MOP$2.200,00 (duas mil e duzentas patacas), e, assim, no total de MOP$13.200,00 (treze mil e duzentas patacas), e no pagamento de MOP$94.896,40 (noventa e quatro mil, oitocentas e noventa e seis patacas e quarenta avos) de indemnização total (com juros legais contados a partir do trânsito em julgado da decisão), a favor dos respectivos seis trabalhadores ofendidos.
Inconformada, veio recorrer a arguida companhia para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir que se passasse a decidir pela sua absolvição do inicialmente imputado cometimento das ditas seis contravenções, com consequente revogação também da decisão condenatória em indemnização cível (cfr. o teor da motivação de fls. 378 a 391 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de improcedência da pretensão da arguida (cfr. a resposta de fls. 394 a 395v).
Subido o processo, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer a fl. 460, também pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, de natureza exclusivamente jurídica (tal como é assim qualificada pela própria arguida na sua motivação), é de relembrar aqui toda a matéria de facto já apurada e dada por assente na fundamentação fáctica da sentença recorrida (concretamente a fl. 357v a 358v dos autos), cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil de Macau, ex vi, sucessivamente, dos art.os 4.o e 380.o do Código de Processo Penal de Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que este Tribunal de Segunda Instância (TSI), como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente postas pela parte recorrente na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas respectivas conclusões, e já não decidir, da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela parte recorrente para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
Na sua motivação do recurso, afirma a arguida discordar da decisão de direito tomada na sentença recorrida, porquanto entende ela que não prevendo a lei laboral a forma do acordo entre o empregador e o trabalhador sobre a questão de acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário, nem sobre o critério mínimo na fixação desse acréscimo de salário, o cálculo do acréscimo de salário não deveria ser feito com base no montante do salário-base do trabalhador, pelo que o acordo então ajustado entre ela e os seis trabalhadores dos autos, no sentido de ficar cada hora extraordinária de trabalho remunerada com MOP$15,00 ou MOP$30,00 consoante se fosse anterior ou posterior da meia-noite, já deveria ser aceite como legalmente válida para efeitos do disposto no n.o 2 do art.o 11.o do Decreto-Lei n.o 24/89/M.
Entretanto, é de chamar a atenção da ora recorrente para o facto de a decisão recorrida já ter relevado como plenamente válido o então acordado entre ela e os seis trabalhadores dos autos em relação ao valor remuneratório de cada hora extra depois da meia-noite (24:00) pelo montante de MOP$30,00, por entender a M.ma Juíza a quo que essa quantia estava superior ao valor da cada hora de trabalho normal calculado com base no salário-base desses trabalhadores.
Deste modo, a questão só se põe a respeito do valor remuneratório de cada hora extra antes da meia-noite. Aliás, do conteúdo dos mapas de discriminação das quantias indemnizatórias constantes das páginas 10 a 19 do texto da sentença (ora a fls. 361v a 366), resulta claro que todas as quantias de remuneração pelo trabalho extrarodinário dos seis trabalhadores tidas pelo Tribunal recorrido como em deficiente pagamento por parte da arguida referem-se precisamente ao referido valor acordado de MOP$15,00 por hora.
Ora, como segundo a matéria de facto já dada por provada em primeira instância, os valores médios de remuneração por cada hora de trabalho normal dos seis trabalhadores, apurados com base no montante dos respectivos comprovados salários-base, eram de MOP$22,92, MOP$23,63 e MOP$23,75, era realmente inferior a esses valores o montante então ajustado entre as partes para cada hora extra antes da meia-noite.
É líquido que o Decreto-Lei n.o 24/89/M não prevê sobre a forma ou o modo de fixação do acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário, nem sobre o montante mínimo desse acréscimo salarial, mas isto não representa que a “livre” fixação, em sede do art.o 11.o, n.o 2, desse diploma legal, do valor remuneratório (em MOP$15,00) de cada hora extra de trabalho antes da meia-noite possa nomeadamente prejudicar as condições de trabalho mais favoráveis já observadas e praticadas entre a arguida e os seis trabalhadores ofendidos então ao seu serviço (cfr. a norma do n.o 1 do art.o 5.o do próprio Decreto-Lei). Na verdade, não se pode admitir, ao arrepio do senso comum das pessoas, como fosse concretamente mais favorável a esses seis trabalhadores o facto de o valor da remuneração de cada hora extra do trabalho antes da meia-noite ser ainda inferior ao valor da remuneração de cada hora do trabalho normal.
Sendo certo que o montante do salário-base mensal de cada um dos seis trabalhadores em questão, que é alicerce de toda a tese jurídica da decisão jurídica ora recorrida, como já resulta provado em primeira instância, não pode ser sindicado nesta sede recursória, sem ter sido, pelo menos, alegada pela arguida na sua motivação, a existência de erro manifesto na apreciação da prova.
Mais argumenta a arguida na sua alegação do recurso, ainda que já de modo subsidiário, que a referida lei laboral não exige que o acréscimo de salário tenha que ser fixada com base no salário-base. Contudo, este argumento jurídico já ficou irremediavelmente prejudicado in casu pela análise já feita acima, a propósito do sentido e alcance da norma do art.o 5.o, n.o 1, do próprio Decreto-Lei n.o 24/89/M.
Pela mesma análise já acima feita, também fica logicamente precludido o argumento, outrossim posto subsidiariamente pela arguida, de que o critério de cálculo de acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário (antes da meia-noite), adoptado pelo Tribunal a quo, revele que não seja necessariamente mais favorável aos seis trabalhadores, para além de estar a violar o próprio acordo entre as partes nesta matéria.
Sendo, por fim, de frisar que o critério de “número de vezes de transporte por carro”, defendido com veemência pela arguida como sendo a devida base para o cálculo de acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário (antes da meia-noite), também não encontra suporte na fundamentação fáctica da decisão recorrida.
Termos em que há de naufragar o recurso, por ser de manter a decisão condenatória da arguida pela prática das seis contravenções em causa, com necessária condenação dela também no pagamento das quantias remuneratórias (mas então em pagamento deficiente) dos trabalhos extraordinários comprovadamente prestados outrora pelos seis trabalhadores ofendidos.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em negar provimento ao recurso, com custas pela recorrente, com oito UC de taxa de justiça.
Notifique a presente decisão também aos seis trabalhadores ofendidos.
Macau, 16 de Junho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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