Processo n.º 270/2011 Data do acórdão: 2011-6-23
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– auxílio à imigração clandestina com vantagem patrimonial
– acolhimento de imigrante clandestino com vantagem patrimonial
– art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004
– art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004
– prevenção geral
– suspensão de execução de pena de prisão
S U M Á R I O
1. Como da matéria de facto já dada por provada em primeira instância, decorre que quando o arguido ora recorrente foi receber numa baía em Coloane quatro indivíduos clandestinos, estes já chegaram fisicamente à terra de Macau, e enquanto não se provou que o arguido tenha praticado esses factos em prévia conjugação de esforços com outrem por conta de quem foi promovido o transporte, por embarcação, daqueles indivíduos, só resta a hipótese legal de convolação do crime inicialmente acusado de auxílio, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, para o crime, mais leve, de acolhimento, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, desta Lei, não obstante o facto de as “despesas” pagas por tais indivíduos ao arguido terem sido chamadas como “despesas de imigração clandestina”.
2. Consideradas sobretudo as elevadas exigências de prevenção geral do crime de acolhimento com vantagem patrimonial, não se pode suspender a execução da pena de prisão imposta ao arguido recorrente, por não ser de acreditar que a mera ameaça da execução da prisão já consiga satisfazer as finalidades da punição (art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal de Macau).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 270/2011
(Recurso penal)
Recorrente: A (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A, 1.o arguido já melhor identificado no processo comum colectivo n.o CR1-10-0101-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foi aí condenado, pela co-autoria material, na forma consumada, de um crime de acolhimento, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto (e não de um crime de auxílio, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 2, da mesma Lei, como inicialmente acusado pelo Ministério Público), na pena de três anos de prisão efectiva (cfr. o teor do acórdão constante de fls. 388 a 391v dos presentes autos correspondentes).
Inconformado, veio aquele 1.o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir unicamente a suspensão da execução da sua pena de prisão (cfr. o teor da motivação de fl. 409 a 410v).
Ao recurso respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido no sentido de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fls. 415 a 417).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 438 a 442, pugnando pelo não provimento do recurso, para além de preconizar a necessidade de alteração oficiosa da qualificação jurídico-penal dos factos provados em primeira instância, no sentido de ser procedente o inicialmente imputado crime de auxílio do art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004.
Já depois da emissão do despacho liminar do relator a fl. 443 a 443v, veio declarar o arguido recorrente a fl. 447 a desistência do seu recurso, desistência essa que foi julgada pelo relator a fl. 448 como processualmente irrelevante, por na data em que o fez o recorrente, o processo já tiver sido concluso ao exame preliminar (art.o 405.o, n.o 1, do Código de Processo Penal de Macau (CPP)).
Outrossim, ficou silente o recorrente no referente à questão de alteração da qualificação jurídico-penal dos factos.
Corridos depois os vistos pelos Mm.os Juízes-Adjuntos, e realizada já também a audiência de julgamento, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, de natureza exclusivamente jurídica, é de relembrar aqui toda a matéria de facto já apurada e dada por assente na fundamentação fáctica do acórdão recorrido (concretamente a fl. 389 a 389v dos autos), cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil de Macau, ex vi do art.o 4.o do CPP, de acordo com a qual, e na sua essência:
– o 1.o arguido ora recorrente, em 20 de Janeiro de 2010, nas horas da madrugada, foi, por motivo não apurado, esperar, junto da costa de uma baía em Coloane, pela chegada, nesse local, de um senhor e três senhoras, transportados numa pequena embarcação proveniente do lado de Zhuhai da China, com o fim de entrarem em Macau sem passarem pela inspecção em posto fronteiriço legal;
– e assim que acabaram de sair esse indivíduos da embarcação, o recorrente foi recebê-los e levá-los para estarem escondidos em local perto, e depois, chamou por telefone o 2.o arguido para vir transportar os mesmos indívíduos num automóvel ligeiro;
– o 1.o arguido recorrente levou-os para dentro desse veículo. E a pedido do recorrente, os quatro indivíduos em questão pagaram ao recorrente e ao 2.o arguido, a cada um destes dois, quatro mil Renminbis de despesas de imigração clandestina;
– os dois arguidos sabiam que aquelas quatro pessoas não tinham documentos que lhes permitissem permanecer em Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que este Tribunal de Segunda Instância (TSI), como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente postas pela parte recorrente na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas respectivas conclusões, e já não decidir, da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela parte recorrente para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
Na sua motivação, colocou o 1.o arguido ora recorrente A apenas a questão de almejada suspensão da execução da sua pena de prisão.
Entretanto, antes de resolver essa questão única objecto do recurso vertente, há que decidir da questão levantada no douto parecer da Digna Procuradora-Adjunta.
Pois bem, como da matéria de facto já dada por provada em primeira instância, decorre que quando o 1.o arguido ora recorrente foi receber aqueles quatro indivíduos, estes já chegaram fisicamente à terra de Macau, e enquanto não se provou que o 1.o arguido tenha praticado esses factos em prévia conjugação de esforços com outrem por conta de quem foi promovido o transporte dos ditos indivíduos por tal embarcação, só resta a hipótese legal de convolação do crime inicialmente acusado de auxílio (p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004) para o crime, mais leve, de acolhimento (do art.o 15.o, n.o 2, desta Lei), não obstante o facto de as “despesas” pagas por tais indivíduos clandestinos terem sido chamadas como “despesas de imigração clandestina”.
Assim sendo, e consideradas sobretudo as elevadas exigências de prevenção geral deste crime de acolhimento (com vantagem patrimonial), não se pode suspender a execução da pena de prisão imposta nomeadamente ao arguido recorrente, por não ser de acreditar que a mera ameaça da execução da prisão já consiga satisfazer as finalidades da punição (art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal de Macau).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do arguido A, mantendo, pois, a decisão recorrida.
Custas do recurso por este arguido, com três UC de taxa de justiça.
Fixam em mil e quatrocentas patacas os honorários do Exm.o Defensor Oficioso do recorrente, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 23 de Junho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juiza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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