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Processo n.º 630/2010 Data do acórdão: 2011-6-16
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – erro notório na apreciação da prova
  – legis artis
  – imagens gravadas em disco compacto
S U M Á R I O
Tendo afirmado o próprio juiz a quo na fundamentação da sua sentença absolutória do arguido da prática de um crime de ofensa simples à integridade física, que o disco compacto de gravação visual do hotel revela que a ofendida e o arguido chegaram a travar disputa, não deveria ter o mesmo juiz dado por não provado que “ambas as partes travaram disputa...”, por essa convicção sua sobre a matéria de facto ter violado manifestamente as legis artis em matéria de julgamento de matéria de facto.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 630/2010
(Autos de recurso penal)
  Recorrente assistente: A
  Arguido recorrido: B
  Tribunal a quo: 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 123 a 125 dos autos de processo comum singular n.o CR4-08-0422-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou o arguido B, aí já melhor identificado, absolvido, por in dubio pro reo, do acusado crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.os 1 e 2, do Código Penal de Macau.
Inconformada, veio a ofendida assistente A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar, na sua motivação apresentada a fls. 142 a 151, a condenação do arguido no crime inicialmente imputado, por entender padecer a sentença recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova.
Ao recurso responderam o Ministério Público a fls. 155 a 156 e o arguido a fls. 165 a 170, pugnando identicamente pela manutenção do julgado.
Subido o processo, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 181 a 182, também no sentido de manutenção da decisão impugnada.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do recurso, é de coligir do exame dos autos os seguintes elementos:
O Mm.o Juiz a quo deu concretamente por não provada a seguinte matéria fáctica inicial e inclusivamente descrita no art.o 3.o da acusação pública deduzida a fls. 55 a 56: ambas as partes travaram disputa no bar, o arguido tirou a mala de A e saiu do bar, e A seguiu-o por detrás e interceptou o arguido no lado exterior das portas do hotel e recuperou a sua mala.
E na parte final da fundamentação jurídica da sua sentença (a fl. 124v), o Mm.o Juiz a quo afirmou que: “O disco compacto de gravação visual do hotel revela que a ofendida e o arguido chegaram a travar disputa...”.
Por outro lado, consta do auto de visionamento do disco compacto em questão (lavrado a fl. 33 na fase do inqúerito dos presentes autos penais), a seguinte referência, escrita originalmente em chinês, ao conteúdo das imagens nele gravadas: “... às 02H47:20, filmou-se um indivíduo estrangeiro de sexo masculino, a sair em passos rápidos da entrada do bar, ..., com uma mala preta na mão”, e “às 02H47:22, filmou-se a ofendida a seguir para fora da entrada do bar, travando... disputa com tal indivíduo, e depois, ambos andaram, uma parte à frente e a outra por detrás, para a direcção das portas principais do hotel”.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que este Tribunal de Segunda Instância (TSI), como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente postas pela parte recorrente na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas respectivas conclusões, e já não decidir, da justeza, ou não, de todos os argumentos invocados pela parte recorrente para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
Nesses parâmetros, e tal como já se deixou escrito no relatório do presente acórdão, a ofendida assistente só imputou à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
E em face dos elementos referidos na parte II do presente acórdão, mostra-se patente a este Tribunal ad quem a existência desse vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal de Macau (CPP), uma vez que tendo afirmado o próprio Mm.o Juiz a quo que o disco compacto de gravação visual do hotel revela que a ofendida e o arguido chegaram a travar disputa, não deveria ter o mesmo Mm.o Juiz dado por não provado que “ambas as partes travaram disputa...”, por essa convicção sua sobre a matéria de facto ter violado manifestamente as legis artis em matéria de julgamento de matéria de facto.
Como a assistente não pediu a renovação da prova nesta Segunda Instância, é de reenviar o processo para novo julgamento em primeira instância, a ser feito por um Tribunal Colectivo, nos termos do art.o 418.o, n.o 2, do CPP, mas somente em relação à matéria fáctica descrita nos art.os 3.o, 4.o, 5.o (primeira parte), 7.o e 8.o da acusação (isto porque a acima observada errada apreciação da prova atinente ao facto descrito no art.o 3.o da acusação afectou deveras o julgamento de facto então feito no respeitante aos factos descritos nos art.os 4.o, 5.o (primeira parte), 7.o e 8.o do mesmo libelo).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, reenviando o processo para novo julgamento em primeira instância, relativamente à matéria fáctica descrita nos art.os 3.o, 4.o, 5.o (primeira parte), 7.o e 8.o da acusação.
Custas do recurso pelo arguido (por ter pugnado pela manutenção da decisão recorrida), com mil e quinhentas patacas de honorários a favor da sua Exm.a Defensora Oficiosa, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 16 de Junho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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