Processo nº 90/2011 Data: 14.04.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “dano” e de “ofensa simples à integridade física”.
Acusação particular.
Legitimidade do Ministério Público.
Concurso de crimes.
Dispensa de pena.
SUMÁRIO
1. Para que o crime de “dano” p. e p. pelo art. 206° do C.P.M. seja um “crime particular” não basta que o prejuízo causado seja de “valor diminuto”, (não superior a MOP$500.00), pois que nos termos do seu n.° 4 “é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 201° e 203°”, sendo assim necessário para tal qualificação atentar no disposto neste último preceito, ou seja, que o agente seja “cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau da vítima, ou com ela viva em condições análogas às dos cônjuges”, ou que a coisa danificada seja (de valor diminuto) e “destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa referida na alínea anterior”.
2. Assim, e ainda que a coisa danificada tenha valor diminuto, e não se verificando as restantes “circunstâncias” enunciadas no número anterior, bastante é a queixa do ofendido para ter o Ministério Público legitimidade para o seu procedimento criminal.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 90/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (A), com os sinais dos autos, respondeu – como 1° arguido – no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática em concurso real de 1 crime de “ofensa à integridade física” p. e p. pelo art. 137°, n.°1, do C.P.M. e um crime de “dano”, p. e p. pelo art. 206°, n.°1 do mesmo código, fixando-lhe o Tribunal a pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo a multa global de MOP$15.000,00 convertível em 100 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 190 a 191 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para, na sua motivação apresentar as conclusões seguintes:
“1ª. Embora seja de rejeitar o recurso que tenha como objecto único a discordância com a medida concreta achada pelo Tribunal a quo - salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada - a doutrina e a jurisprudência vão no sentido uniforme de que é possível sindicar, em sede de recurso, as operações de determinação da pena e nesta está incluída a aplicabilidade ao caso do instituto da dispensa da pena e da falta de promoção por parte da ofendida no caso de crime particular;
2ª. Tendo-se em vista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, trazendo-se ao conhecimento de Vossas Excelências a questão da aplicação do mecanismo da dispensa da pena e do mecanismo da acusação particular de que foi violada e por consequente a condenação do recorrente, ainda que multa, por que foi condenado.
3ª. A dispensa da pena depende da verificação do pressuposto de que o requerente tinha agido unicamente para o exercício da retorsão sobre a sua agressora.
4ª. No caso, existe sem qualquer dúvida o pressuposto de que dependa a activação do mecanisco da dispensa da pena, pois conforme os factos provados na audiência de julgamento outro não podia ser o resultado de que o requerente agiu, unicamente, para o exercício da retorsão sobre a agressora, sua ex-namorada que tentou lhe agredir múltiplas vezes com parões e outros instrumentos de agressão, provocando-lhe ferimentos.
5ª. No modesto entendimento do ora recorrente estamos, por outro lado, perante um caso dentro da alçada do no. 4 do artigo 206° do Código Penal de Macau de cujo procedimento depende da acusação particular da ofendida porque deste já, foi provado que o valor do dano foi valor diminuto, ou seja MOP$500 e que eles eram namorados e viviam-se maritalmente, ou seja, em condições análogas às dos cônjuges e, por outro, conforme as circunstâncias dos danos, deve entender que não tinha a intenção de danificar, mas tão só para satisfazer uma necessidade sua, manifestar seu descontentamento.
6ª. Pelo que, deve o venerando Tribunal tendo em consideração,
absolver o ora recorrente por falta de acusação particular por parte da ofendida.
7a. Assim, o ora recorrente limita-se a pedir a essa Alta Instância que pronuncie sobre a questão de saber se existem, no caso, razões da aplicação dos mecanismos de dispensa da pena e da falta de acusação particular por parte da ofendido e por conseguinte, a falta de legitimidade de promoção do processo quanto a esta parte.
8a. A douta sentença incorreu, assim, no vício de violação de lei,
nomedamente a alínea b) do no. 3 do art.° 137.° do Código Penal e do no. 4 do art.° 206.°, ambos do Código Penal ”; (cfr., fls. 217 a 226).
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Em resposta, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público que:
1) “O Ministério Público não concorda com a existência no processo de possibilidade de dispensa de pena estabelecida pelo art.° 137.°, n.° 3, al. b) do CPM. Pelo que o TSI deve julgar improcedentes os fundamentos do recorrente.
2) Dos factos provados resulta que o recorrente praticou, três vezes, ofensas a B, respectivamente em 12 de Julho, 13 de Julho e 9 de Agosto de 2003. Tendo em conta os três incidentes acima referidos, descobrimos que o recorrente não só exerceu meramente “retorsão” sobre B.
3) Quanto à segunda ofensa (13 de Julho de 2003), foi o recorrente que provocou o incidente que se tomou numa agressão recíproca; e depois o mesmo agrediu voluntariamente B no terceiro incidente (9 de Agosto de 2003). Pelo que, quando o Tribunal a quo condenou o recorrente pela prática, na forma continuada, de um crime de ofensa simples a integridade fisica, aquele decidiu não dispensar de pena ao abrigo do art.° 137.°, n.° 3, al, b) do CPM, decisão essa é certa.
4) Além disso, o MP entende que, mesmo que a conduta do recorrente constitua “retorsão”, não devia ser dispensada a pena lhe aplicada, por não se ter verificado as exigências previstas no art.° 68.° do CPM.
5) Tendo em conta a jurisprudência de Portugal como referência, a dispensa de pena referida no art.° 143.°, n.° 3 do Código Penal de Portugal (correspondente ao art.° 137.°, n.° 3 do Código Penal de Macau) só pode ser decretada quando se verifiquem os requisitos estabelecidos nos n.°s 1 e 3 do artigo 74.° do CP de Portugal (correspondente ao art.° 68.°, n.°s 1 e 3 do Código Penal de Macau); (vide o Ac. RL de 11 de Outubro de 2001; CJ, XXVI, tomo 4, 144 e Ac. RL de 22 de Setembro de 2004; do proc. 4622/2004-3, in www.dgsi.pt);
6) Neste processo, os factos provados mostram que as ofensas do recorrente causaram que B precisava, em total, pelo menos 8 dias para se recuperar, disso resulta que a ilicitude do facto não é diminuta; além disso, não se provou neste processo que o dano causado pelo recorrente a B já é reparado; afinal, o MP entende que neste processo não se revela a compatibilidade entre a dispensa de pena e prevenção criminal. Isso revela que não se verificam os requisitos enunciados no art.° 68.°, n.° 1 do CPM.
II. Se o crime de dano neste processo é de natureza de acusação particular
7) Antes de tudo, o MP entende que neste processo não pode ser, manifestamente, aplicável o art.° 203.°, al. a) do CPM. Dos factos provados resulta que o recorrente e B separaram-se em Abril de 2003 e deixaram de viver juntos. Em 29 de Julho de 2003, quando o recorrente chutou as vedações metais instaladas fora da porta da residência de B, os dois já não viveram em condições análogas às dos cônjuges.
8) Além disso, o MP entende que neste processo também não pode ser aplicável o art.° 203.°, al. b) do CPM.
Em primeiro lugar, os factos provados mostram que a perda pecuniária resulta do dano das vedações metais é cerca de 500 patacas, isto quer dizer que o valor concreto pode ser superior a 500 patacas, que
não constitui valor diminuto.
9) Por outro lado, não é aceitável a opinião do recorrente sobre “necessidade para manifestar descontentamento. A necessidade indicada no art.° 203°, al. b) do CPM refere-se de necessidades físicas, mas não meramente mentais, a satisfação destas necessidades deve ser urgente e imediata, pelo que, as coisas furtadas que preenchem as exigências da disposição só podem ser comida ou bebida. (vide, Actas C.P., EDUARDO CORREIA, 1979:126, e Ac. STJ, de 22.5.1997, in CJ, Acs. Do STJ, V, 2,224).”
10) A intenção do recorrente é, evidentemente, destruir as vedações metais. Além disso, não podemos imaginar nenhuma razão necessária do recorrente para destruir aquelas.
11) O recorrente, a fim de manifestar o seu descontentamento, sem tentar controlar a sua emoção, chutou e destruiu as vedações metais que pertencem a outrem, conduta essa não pode ser considerada como “necessidade” referida no art.° 203°, al. b) do CPM.
12) face ao exposto, o MP entende que, no processo, já que a ofendida B deduziu a queixa, aquele tem a legitimidade para iniciar o procedimento penal. Pelo que, o TSI deve julgar improcedentes os fundamentos do recorrente.” (cfr., fls. 261 a 275).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Previamente às questões suscitadas pelo recorrente e até porque, pelo menos com grande parte delas forçosamente colidirá o que em tal matéria se decidir, afigura-se-nos merecer reparo a integração jurídica operada relativa à prática, pelo recorrente, de crime continuado de ofensas simples à integridade física.
Com efeito, para além de, pelo próprio tipo de ilícito, mal se configurar a possibilidade de ocorrência daquela continuação criminosa, a verdade é que, pese embora os intervenientes tenham sido os mesmos, as agressões imputadas ocorreram em 3 diferentes ocasiões (12/7/03, 13/7/03 e 29/7/03), em 2 diferentes locais, em contextos e com pretextos diferenciados, bem como diferente forma de actuação, pelo que mal se vê que a realização plúrima do mesmo tipo de crime tenha sido executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior, a diminuir consideravelmente a culpa do recorrente.
Pensamos, assim, haver que imputar a este, no quadro da matéria fáctica estabelecida, a prática de 3 crimes daquela natureza, o que, por si, inviabiliza a pretensão da verificação de retorsão em todos eles, já que, pelo menos no âmbito do “episódio” de 29/7/03, a atitude do recorrente não terá sido de retorquir, mas provocar o incidente, provocação que também não terá deixado de existir em 13/7/03.
Seja como for, certo é que, nos termos expostos, se mostrará inviável a pretensão do recorrente no sentido da dispensa de pena, nos termos da al b) do n° 3 do art° 137°, C.P., sendo certo, contudo, que, dada a proibição de “reformatio in pejus” não poderá ser modificada, na sua espécie e medida e em prejuízo da recorrente, a sanção à mesma aplicada, “malgré” a diferente e mais perniciosa qualificação jurídica dos factos preconizada.
Quanto aos danos, pese embora no douto aresto se refira que o recorrente, em 13/7/03 “começou a danificar os móveis e aparelhos ...”, parece resultar que tais bens lhe pertenceriam (“que ele comprava”), pelo que, efectivamente, se registará tal tipo de ilícito apenas por uma vez, reportada a 29/7/03.
Constatando-se que o valor do prejuízo não excedeu 500 patacas, haverá o mesmo que considerar-se diminuto, face ao preceituado na al. c) do art° 196°, CP, pelo que assistirá, no específico, razão ao recorrente, no sentido de carecer o M.P. de legitimidade para o exercício da acção penal por esse ilícito, dada a carência de acusação particular, nos termos conjugados do art° 206°, n° 4 e 203°, al. b) do C.P., pelo que, relativamente ao mesmo, haverá que declarar extinto o procedimento criminal
Em suma: afigurando-se-nos que das correctas subsunção e integração jurídicas relativas aos crimes de ofensas corporais decorrerá, em sede de cúmulo das penas a aplicar, medida que ultrapassará o cúmulo operado pelo tribunal "a quo" relativo a apenas um crime dessa natureza, conjuntamente com o crime de dano, haverá, por força da proibição de “reformatio in pejus” que manter a pena concretamente aplicada ao recorrente”; (cfr., fls. 277 a 279).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“O arguido A e a 2ª arguida B foram namorados que viviam juntos. Em Abril de 2003, os dois separaram-se por causa de problemas de dinheiro e de relacionamento amoroso.
Em 12 de Julho de 2003, cerca das 3h00 de manhã, na sua então residência, isto é, Edf. Jardim ...... (Bloco …), …° Andar …, o arguido A começou brigar com a arguida B por causa de problema de dinheiro.
Durante a briga, a arguida B empunhou uma tesoura de
marca “SRAINLESS STEEL” com punhos de cor azul para agredir A, que ocultou a agressão e arrebatou-lhe a tesoura.
Depois, a arguida B pegou uma garrafa de cerveja e arremessou-a ao arguido A, que se defendeu com a mão direita, que foi atingida por aquela garrafa.
Ao depois, a arguida B tomou uma faca de cozinha de
marca “XX” para agredir o arguido A, que ocultou a agressão. Mas aquela ainda destruiu com a faca uma mesinha de chá em matéria de vidro do arguido A, mesinha essa no valor cerca de 150 patacas.
Ao depois, o arguido A apertou mãos da arguida B para arrebatou-lhe a faca de cozinha, e bateu na parte traseira da cabeça desta com as costas da faca, e também a agrediu em diversas partes do seu corpo com punhos deles, causando lesões nas partes. Ao depois, B saiu voluntariamente da residência acima aludida.
No dia seguinte (13 de Julho de 2003), às 16hOO da tarde, os dois
arguidos brigou outra vez na residência acima referida. Ao depois, B começou a arrumar as suas coisas na aludida fracção para voltar para a sua então residência (Edf. Jardim ...... (Bloco …), …. Andar …), enquanto o arguido A a seguiu de imediato.
Chegando os dois à residência de B, A começou a danificar os móveis e aparelhos domésticos que ele comprava, conduta essa irritou aquela, que pegou, uma após outra, uma cadeira de plástico verde de marca "San Shui Mei Er Le", uma cadeira de cor vermelha com pés pretos e uma gaveta de plástico cinzento já quebrado, para arremessá-las a A, cujos ombros e coxa foram atingidos pelos aludidos objectos. Ao depois, a arguida B agrediu A com um espátula de marca "STAINLESS STEEL", que atingiu o braço esquerdo deste.
A arguida B mais agrediu a cabeça de A com seus punhos, enquanto o arguido A apertou o colo dela e agrediu-a na sua cabeça e face com seus punhos, que atingiram os cantos dos olhos, a testa e a parte traseira da cabeça de B.
As condutas violentas do arguido A e da arguida B causaram-lhes, directa e reciprocamente, lesões nos corpos. O relatório médico e o parecer de medicina legal constam-se em fls. 12, 13, 18 e 19 ou 71 e 72 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos para o efeito jurídico.
As lesões acima aludidas de A precisam de 2 a 3 dias para recuperar-se, enquanto as lesões de B precisam de 5 dias para recuperar-se. As integridades físicas de ambos arguidos sofreram ofensas simples (vide o parecer de medicina legal consta de fls. 18 e 19 ou 71 e 72 dos autos de inquérito).
Em 29 de Julho de 2003, às 2h15 de manhã, o arguido A deslocou-se à porta da então residência de B (Edf. Jardim ...... (Bloco …), … Andar …), pedindo que ela devolvesse o empréstimo, altura em que esta estava na casa mas não lhe respondeu.
Tal conduta de B fez com que A se tomasse descontente, pelo que chutou duas vezes as vedações metais instaladas fora da porta, causando afundamento destas. Conduta essa causou a B perda económica no valor de 500 patacas.
Em 9 de Agosto de 2003, na então residência do arguido A (Edf. Jardim ...... (Bloco …), … Andar …), os dois arguidos brigaram outra vez por causa de problema do relacionamento.
Durante a briga, o arguido A agrediu B, utilizando os seus punhos e pés, até ela desmaiou.
Ao depois A levou B ao tratamento em hospital KEANG WU. Após a diagnose, provou-se contusões de tecidos moles do couro cabeludo de B. O relatório do tratamento médico e o parecer de medicina legal constam-se em fls. 121 e 123 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos para o efeito jurídico.
As lesões acima aludidas de B precisam de 3 dias para recuperar-se, durante a altura, a mesma perdeu a capacidade de trabalho, sendo simplesmente ofendida a sua integridade fisica. (vide o parecer de medicina legal consta de fls. 123 dos autos de inquérito).
Os dois arguidos agiram de forma livre e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
Os mesmos, com a intenção de ofensa recíproca aos seus corpos, praticaram, de forma dolosa, violência que ofenderam reciprocamente os corpos deles durante a briga oral e conflito físico entre eles, causando reciprocamente ofensas simples às integridades físicas dos mesmos. O arguido A praticou duas vezes, num curto prazo, ofensas ao corpo de B, causando duas vezes ofensas simples à integridade física da mesma.
Com a intenção de danificar reciprocamente os bens, cada um dos dois arguidos praticou uma vez, dolosa e reciprocamente, conduta que danificou ou desfigurou as coisas suas.
Os dois arguidos bem sabiam que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
O 10 arguido é croupier, com rendimento mensal de MOP$15.000,00.
O mesmo é divorciado, tendo a seu cargo dois filhos.
O arguido confessou os respectivos factos, e é delinquente primário.
Segundo o registo criminal, a 2ª arguida é delinquente primária.
O 1° arguido disse que não precisou de indemnização.”; (cfr., fls. 251 a 255).
Do direito
3. Condenado que foi como autor da prática em concurso real de 1 crime de “ofensa à integridade física” p. e p. pelo art. 137°, n.°1, do C.P.M. e um crime de “dano”, p. e p. pelo art. 206°, n.°1 do mesmo código, vem o arguido A recorrer do assim decidido, imputando ao mesmo o “vício de violação de lei, nomeadamente a alínea b) do no. 3 do art.° 137.° do Código Penal e do no. 4 do art.° 206.°, ambos do Código Penal”; (cfr., concl. 8°).
–– Perante as questões assim colocadas, e no que toca ao crime de “dano”, mostra-se desde já de dizer que improcede o recurso.
Vejamos.
Nos termos do art. 206° do C.P.M.:
“1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. O procedimento penal depende de queixa
4. É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 201.º e 203.º”.
Por sua vez, nos termos do art. 203° do mesmo Código:
“Nos casos previstos no artigo 197.º, no n.º 1 do artigo 199.º e nos artigos 200.º e 202.º, o procedimento penal depende de acusação particular se:
a) O agente for cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau da vítima, ou com ela viver em condições análogas às dos cônjuges; ou
b) A coisa furtada, ilegitimamente apropriada ou utilizada for de valor diminuto, destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa referida na alínea anterior”.
No caso, e ainda que o prejuízo pelo arguido causado à “vedação de metal instalada fora da porta” da residência da ofendida B, não seja de “valor superior a MOP$500.00”, sendo assim de considerar um “valor diminuto” (cfr., art. 196°, al. c) do C.P.M.), não se pode olvidar que verificado não está o restante “circunstancialismo” previsto no art. 203°, al. b), pois que não parece de considerar a referida vedação como “destinada à utilização indispensável” da ofendida; (cfr., sobre a questão, L. Henriques e Simas Santos in “C.P.M. Anotado”, página 570, e Maia Gonçalves, in “C.P. Português Anotado e Comentado”, 18 edição, página 757).
Assim, e provado estando que o arguido e a ofendida estavam separados desde Abril de 2003, e assim afastada estando também a aplicação da al. a) do mesmo art. 203°, há que concluir que necessária não era a acusação particular para que ao Ministério Público assistisse legitimidade para o exercício da acção penal pelo ilícito (de “dano”) em questão, o que leva, por sua vez, a que se declare correcta e isenta de reparo a decisão quanto ao dito crime, nomeadamente, no que toca à pena pelo mesmo imposta de 60 dias de multa à taxa de MOP$100.00 por dia, perfazendo a multa global de MOP$6.000,0, que se mostra justa e equilibrada.
–– Resolvida esta questão, vejamos agora da também assacada “violação do art. 137°, n.° 3, al. b) do C.P.M.”.
Pois bem, prescreve o art. 137° em questão que:
“1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. O procedimento penal depende de queixa.
3. O tribunal pode dispensar de pena quando:
a) Tiver havido lesões recíprocas e não se tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou
b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor”.
E, atento o assim estatuído e à factualidade provada e atrás retratada, cremos que a primeira coisa que se nos mostra de consignar é que adequada não foi a qualificação jurídico-penal da conduta do ora recorrente como a prática de 1 crime (continuado) de “ofensa simples à integridade física”; (de facto, nestes termos foi o arguido ora recorrente acusado e assim se decidiu, dado até que foi a acusação julgada “integralmente procedente”); (cfr., fls. 190 a 191).
Porém, e como (também aqui) bem nota o Exmo. Magistrado do Ministério Público no seu douto Parecer, “pelo próprio tipo de ilícito, mal se configura a possibilidade de ocorrência de uma continuação criminosa”, pois que não se vislumbra a “situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do arguido”, e que constitui, como sabido é, pressuposto de tal continuação criminosa.
Assim, visto que observado foi o contraditório e podendo este T.S.I. alterar a qualificação jurídico-penal efectuada pelo T.J.B., nesta conformidade se decide, declarando-se o ora recorrente autor da prática em concurso real de 3 crimes de “ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., (isto, sem prejuízo do estatuído no art. 399° do C.P.P.M., isto é, do “princípio da proibição da reformatio in pejus”).
Aqui chegados, continuemos, passando então a apreciar da questão pelo recorrente colocada.
Pois bem, nos termos do n.° 3, al. b) do art. 137°, pode o Tribunal dispensar a pena quando “o arguido tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor”.
Como no Acórdão por este T.S.I. proferido em 27.01.2010, (Processo n°. 880/2010), tivemos oportunidade de afirmar, tem-se entendido que o conceito de “retorsão” implica a ocorrência conjunta dos seguintes elementos:
“a) - que a agressão se siga, de forma imediata e instantânea a uma outra agressão;
b) - que surja em resposta a essa prévia agressão”; (cfr., v.g., Ac. da Relação de Lisboa de 31.10.2001, Proc. n° 0060793).
Mais recentemente, entendeu também a Relação do Porto que:
“A retorsão corresponde a situações nas quais o agente se limita a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (a ao mesmo tempo agressor) empregando a força física”; (cfr., Ac. de 22.09.2010, Proc. n°1281/05.9TAVLG.P1).
Também Pinto de Albuquerque, (no “Comentário do Código Penal”, pág. 386), diz que a retorsão consiste numa reacção ilícita de agressão diante de uma agressão, também ela, ilícita.
A retorsão diferencia-se assim da legítima defesa e do estado de necessidade porque supõe a ilicitude da reacção da vítima.
E, como parece evidente, tem de ter lugar no mesmo acto, sendo essencial o carácter imediato da reacção do agente; (cfr., no mesmo sentido, o Acórdão de 02.12.2010, Processo n.° 871/2010, ambos do relator deste).
No caso, e como resulta da matéria de facto dada como provada, os crimes de “ofensa à integridade física” ocorreram em 12.07.2003, 13.07.2003 e 09.08.2003.
E, se bem ajuizamos, dúvidas cremos que não pode haver que a agressão cometida em 09.08.2003 deveu-se apenas a uma (nova) “briga” entre o ora recorrente e a ofendida, mas sem nenhuma agressão por parte desta, sendo assim claro que afastada está (pelo menos aqui) a figura da “retorsão”, o que faz com que inviável seja a pretendida dispensa da pena, (aqui em causa, de 90 dias de multa, à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo a multa global de MOP9.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária), mesmo que em relação às agressões cometidas em 12.07.2003 e 13.07.2003 se viesse a entender, (eventualmente), que ocorreram em retorsão a anterior agressão da ofendida na pessoa do ora recorrente.
Assim, e não se mostrando também de reduzir a dita pena agora em questão que não se mostra excessiva, impõe-se reconhecer que improcede o recurso, necessárias não sendo mais alongadas considerações.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e com a alteração da qualificação jurídica efectuada pelo T.J.B., acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente as respectivas custas com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Macau, aos 14 de Abril de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (subscrevo o presente acórdão, sem prejuízo do sentido e alcance da minha declaração de voto então apendiculada aos acórdãos deste TSI, de 27/1/2011 no Processo n.º 880/2010, e de 2/12/2010 no Processo n.º 871/2010).
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 90/2011 Pág. 26
Proc. 90/2011 Pág. 1