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Processo nº 343/2011 Data: 09.06.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.



SUMÁRIO

A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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Processo nº 343/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Coloane, (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional.

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Motivou para concluir nos termos seguintes:
“1. A decisão de que ora se recorre considera que a Reclusa não reúne os pressupostos para a concessão da liberdade condicional, ponderada a sua vida anterior.
2. Atenta a carta de justificação da ora Recorrente, podemos verificar que a própria, para além de reconhecer os seus erros, interioriza efectivamente a razão que a levou ao mundo da droga., Alega a Recorrente, que teve problemas familiares com o seu marido, facto que aliado a outros tantos de vaidade e preconceitos, a empurraram para a perdição deste mundo da criminalidade.
3. Realmente, as circunstâncias da vida por vezes colocam os indivíduos em situações de desafio, sendo que quem tiver estruturalmente mais fraco, no sentido de não ter apoios, antes pelo contrário, ter pressões sociais, muitas vezes, quase sem se aperceber, acaba por escorregar.
4. E no caso da Recorrente, por duas vezes, é certo! Mas contudo, a interiorização dessas recaídas parecem efectivamente ser sincera.
5. Realmente, cada caso é um caso. E a Recorrente já tem mais de meio século e conforme bem descrito nos relatórios sociais e no parecer do Exmo. Senhor Director do EPM, a evolução desta durante a execução da prisão tem sido bastante positiva.
6. Outro aspecto importante, é realmente, por um lado o apoio familiar apresentado por toda a família, (quer em tempos afectivos, quer em termos económicos), e em especial pela sua filha, que efectivamente pretende casar apenas quando a mãe sair da prisão. E não se pense que esta é uma falsa desculpa. E por outro lado, o facto da sua mãe realmente estar já com uma idade avançada e doente. Sendo que deve ser bastante doloroso para aleguém partir deste mundo com uma filha na prisão. E a Recorrente, tem consciência disso!
7. Mais, outro factor a ter em consideração é a idade da Recorrente. Não é realmente fácil reconstruir a vida e reintegrar-se na sociedade. Uma diferença de dois ou três anos nesta idade realmente faz a diferença na atitude de lutar pela reintegração e no acreditar numa nova oportunidade.
8. Tendo em consideração que em termos de prevenção especial, conforme parecer sobre a sua liberdade condicional, foi verificada a remodelação da sua personalidade e bom comportamento no cumprimento da pena, tendo-se chegado à conclusão que a reclusa poderá reintegrar-se na sociedade, sem voltar a praticar crimes, podemos realmente considerar que devemos acreditar, e dar um voto de confiança a Recorrente, pois mal seria se não houvesse esperança.
9. É importante não esquecer que a par da prevenção da segurança social está também o dever de educar, ensinar e de reinserção dos que saíram do caminho da vida social honesta e que de alguma maneira estão a tentar e a lutar para conseguirem reentrar novamente nessa vida social honesta.
10. Nestes termos se considera que adequado seria e compatível com as finalidade de punição e de exigência de punição no ponto de vista de prevenção geral do crime, conceder-se a liberdade condicional à ora reclusa, por estarem preenchidos todos os pressupostos formais e subjectivos capazes de neutralizar o grau de risco de perigo e ataque contra os princípios da defesa da ordem jurídica e da paz social.

Termos em que, não se conformando com a douta decisão que lhe negou a concessão da liberdade condicional, da mesma vem recorrer, motivando para concluir imputando à mesma, contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 4002, n.22, alínea b) do C.P.P.M. e um claro erro na apreciação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional, sempre salvo-o devido respeito”; (cfr., fls. 150 a 155 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 163 a 167).

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Em sede de vista, juntou o Exm° Procurador-Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Não assiste, a nosso ver, razão à recorrente.
Vejamos.

Conforme tem decidido este Tribunal, na esteira do preceituado no art°. 56° do C. Penal, a liberdade condicional é uma medida a conceder caso a caso, “dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação a defesa da ordem jurídica e da paz social” (cfr., por todos, ac. de 12-6-2003, proc. n°. 116/2003).

E, no caso presente, não se verifica, desde logo, o pressuposto referido na al. a) do n°. 1 do citado normativo.

Não é possível, realmente, formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro da recorrente em liberdade.
É certo que, em sede de comportamento prisional, a mesma mereceu a avaliação global de “Bom” (tendo ainda, como reclusa, a classificação de “Confiança”).
Mas o que importa, como é sabido, no âmbito em apreço, é o “comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização ...” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pgs. 538 e segs.).

Mostra-se inverificado, também, por outro lado, o requisito previsto na al. b) do mesmo dispositivo .

Há que ter em conta, a propósito, a repercussão do crime de tráfico de droga na sociedade.
O que vale por dizer, igualmente, que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico (cfr. loc. cit.).
Em termos de prevenção positiva, na verdade, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada, através do “ restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada ...” (cfr. mesmo Autor, Temas Básicos da Doutrina Penal, pg. 106).
Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 174 a 176).

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 29.11.2005, foi A, ora recorrente, condenada como autora da prática, em concurso real, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, na pena de 8 anos e 9 meses de prisão e MOP$9.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária, e 1 outro de “detenção de estupefacientes para consumo”, na pena de 2 meses e 15 dias de prisão, fixando-se-lhe a pena única de 8 anos e 10 meses de prisão;
– por Acórdão de 13.05.2009, operou-se novo cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos processos CR2-07-0543-PCS e CR2-05-0186-PCC, fixando-se-lhe a pena única de 8 anos e 11 meses de prisão e multa de MOP$9.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária;
– a mesma recorrente deu entrada no E.P.C. em 02.04.2005, e em 09.03.2011, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 27.02.2014;
– antes da condenação por cuja pena cumpre foi também várias vezes condenada por ilícitos da mesma natureza; (“tráfico de quantidades diminutas”, e “detenção de estupefacientes para consumo”)
– em 28.11.2000, foi lhe concedida liberdade condicional;
– se lhe vier a ser concedida a ora pretendida liberdade condicional, irá viver com a sua família, que lhe prestará apoio, em Cantão.

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida, considerando também que incorreu o Mmo Juiz a quo em “contradição insanável de fundamentação”.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 02.04.2005, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.01.2011, Proc. nº 30/2011 e o de 27.01.2011, Proc. nº 25/2011).

Assim, vejamos.

No caso, e atento os pressupostos legais para a pretensão em causa, assim ponderou o Mmo Juiz a quo:

“… mostra-se isento de dúvidas que o primeiro “- o objecto ou formal -” se observa. Todavia, quanto ao segundo tem o tribunal a maior das reservas, não obstante o comportamento prisional regular da reclusa.

Na verdade, não devemos olvidar que a reclusa é alguém que esteve ligada ao mundo do consumo de drogas, e que após uma anterior condenação, tornou a falhar.

O Tribunal não tem, pois, forma de deixar de fazer um ponderação negativa do passado da arguida e com vista a necessário ponderação do sucesso da sua inserção

Ocorre ainda que a concessão da L.C. depende igualmente do supra referido terceiro requisito, a saber, que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

A sociedade censura com veemência os crimes da natureza dos praticados pela reclusa.

Há, pois, uma maior exigência quanto a este tipo de crimes, maior exigência de ver restabelecido o sossego ou paz social.

Face a isto, relevando a dimensão da pena até então cumprida pela reclusa, cremos que as normas postas em causa não foram relevantemente reafirmadas e, desta sorte, pacificado o sentir comunitário, elevando a sua expectativa de que, futuros agentes, terão a efectiva noção que as normas postas em causa merecem tutela sustentada.

Pelo exposto julgo não estarem verificados os pressupostos previstos no artigo 56°, n° 1, al. a) e b) do C.P.”.

E, ponderando na factualidade atrás retratada, (evidente sendo que inexiste qualquer “contradição insanável”, já que o que realmente existe e uma diferente opinião da recorrente) poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que a ora recorrente, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, pois que atento o passado criminal da ora recorrente, inviável é o referido juízo de prognose favorável, afigurando-se-nos também ser a pretensão em causa incompatível com a defesa da ordem jurídica e paz social.

De facto, antes da condenação na pena única que agora cumpre cometeu a recorrente crimes relacionados com a droga (“tráfico de quantidades diminutas” e “detenção para consumo”, tendo já beneficiado de uma liberdade condicional), importando também ter em conta os tipos e as circunstâncias de cometimento dos crimes e a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. a) e b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 09 de Junho de 2011


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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc.343/2011 Pág. 16

Proc. 343/2011 Pág. 1