Processo nº 523/2010 Data: 16.06.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Transgressão laboral.
Erro notório na apreciação da prova.
Prescrição.
SUMÁRIO
1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
2. Nos termos do art. 94°, n.° 1 do Código de Processo do Trabalho, é de 2 anos o prazo para a prescrição das infracções laborais.
3. O dito prazo de prescrição apenas começa a correr a partir da data da cessação da relação laboral.
O relator,
______________________
Processo nº 523/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar a “SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DA MACAU, S.A.” (proprietária do “Restaurante A”), como autora da prática em concurso real de 6 contravenções ao art. 17° do D.L. n.° 24/89/M, na multa de MOP$3.500,00 cada, 10 contravenções ao art. 24° do mesmo D.L. n.° 24/89/M, na multa de MOP$3.500,00 cada, e outras 2 contravenções ao art. 48°, n.° 1 do mesmo diploma legal, na multa de MOP$10.000,00 cada, perfazendo a multa global de MOP$76.000,00, e no pagamento de MOP$808,713.00, a título de indemnização a 10 trabalhadores/ofendidos; (cfr., fls. 2188 a 2189 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para a final produzir as conclusões seguintes:
“1- Entendeu a Meritíssima Juiz a quo que ficou provado em Audiência e Julgamento que a ora Recorrente impediu os 10 trabalhadores de gozarem as férias anuais e que por isso violou o disposto no artigo 24° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04.
2 - A Recorrente, com todo o respeito, e que é muito, discorda desta posição considerando que existiu erro na apreciação da prova produzida em Julgamento, nos termos do disposto no artigo 400°, n° 2, alínea c) do Código do Processo Penal.
3 - a Meritíssima Juiz alega na sua douta sentença que foi o pedido da Recorrente que levou a que os trabalhadores não optassem pelo gozo das férias anuais, com receio de virem a ser despedidos, mas não existem provas credíveis produzidas em Julgamento que levem a crer que a Recorrente tenha de alguma forma impedido os trabalhadores de gozarem as suas férias.
4 - Pois a maioria dos trabalhadores confirmaram em audiência que venderam as suas férias anuais à Recorrente mas quando inquiridos pelo Digno Ministério Público alguns afirmaram que tinham sido forçados a tal, mas não conseguiram demonstrar de que forma foram obrigados, tendo como exemplo a trabalhadora n° 1, B e n° 4 C, por outro lado, outros se recusaram a demonstrar de forma foram forçados a aceitar, tais como os trabalhadores n° 6 D e n° 7 E.
5 - Sendo que a trabalhadora n° 2 e o trabalhador n° 8 afirmaram que optaram pelas venda de férias incondicionalmente, não tendo sido obrigados a tal, e como relativamente aos trabalhadores n° 9 e 10 nada foi perguntado quanto às férias anuais, quanto a estes trabalhadores nada ficou provado.
6 - É estranho a contradição de testemunhos entre os trabalhadores acima referidos, já que estiveram todos presentes nas mesmas reuniões que se realizaram com a gerência do restaurante, uma realizada em 2002 e outra em 2004, das quais existem registos com a assinatura de todos os trabalhadores presentes ( Cfr. Fls. 2119 e 2125 junto aos autos).
7 - Ora, quando os trabalhadores afirmaram em audiência que se não aceitassem a venda de férias e optassem pelo gozo das mesmas eram despedidos foram confrontados com uma listagem, junto aos autos pela Recorrente, com a quantidade total de trabalhadores do restaurante à data de Dezembro de 2003 (Cfr. folhas 2174 ) e uma listagem de Janeiro do ano de 2004 dos trabalhadores que tinham optado pela venda de férias e respectivo pagamento( Cfr. fls. 2175 e 2176),
8 - onde se podia aferir que quase metade dos trabalhadores tinha optado pelo gozo de férias sem que por isso fossem penalizados com a demissão. Confrontados com esta situação os trabalhadores não souberam explicar.
9 - Constatando-se por isso que foram produzidas provas em como não existiu qualquer impedimento do gozo de férias por parte da ora Recorrente a quem pretendia gozar, não existindo qualquer prova do impedimento, tendo, aliás chegado à mesma conclusão as Meritíssimas Juízas do Tribunal Judicial de Base nos processos CRI - 09-0020-LCT e CR3 - 09-0014 - LCT, em que foram julgados os mesmos factos relativos a um grupo de 6 e de 11 trabalhadores, respectivamente, todos do Restaurante A, que reclamavam o impedimento por parte da entidade patronal do gozo de férias anuais, e as quais, absolveram a Recorrente da violação do artigo 24° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04.
10 - Por sua vez, o trabalhador n° 4, C, entrou ao serviço em 29/0712005, e veio reclamar a compensação de férias não gozadas relativas ao período de 2005 - 2006, o que salvo o devido respeito, não pode ser pedido, pois o gozo de férias só pode ser exercido no ano seguinte ao ano de entrada. Sucedendo o mesmo com o trabalhador n° 10 F não podendo este reivindicar as férias de 2004 - 2005,por entrado ao serviço apenas em 2004, pelo que a Recorrente deverá ser absolvida destes pedidos.
11- A Sra. Inspectora da DSAL, por sua vez não foi capaz de em relação aos valores tidos em conta pela DSAL para apuramento das férias anuais, determinar o significado de férias obrigatórias em alguns documentos apresentados pela entidade patronal. Sendo que quando lhe foi pedido para explicar relativamente à trabalhadora n° 10, F, a quantia constante a fls 1572 dos autos, a Sra. Inspectora referiu que se referiam a feriados obrigatórios e confrontada com o valor tão elevado - superior ao vencimento da trabalhadora -, aquela não conseguiu esclarecer o Tribunal.
12 - Esclareceu no entanto, quando inquirida sobre tal que se não fosse aplicada multa por força da violação pela ora Recorrente do artigo 24° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04, o valor atribuído a título de férias anuais a todos os trabalhadores era superior ao valor correspondente aos dias de férias a que tinham direito.
13 - Ora, isto é mais do que revelador da boa - fé e da igualdade de tratamento da Recorrente para com todos os seus trabalhadores e por isso entendemos que, face aos depoimentos contraditórios dos trabalhadores e da Sra. Inspectora da DSAL e ainda às provas apresentadas pela Recorrente em sede de julgamento, não foi violado pela Recorrente o artigo 24° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04, pelo que deverá a mesma ser absolvida
desta contravenção.
14 - De qualquer forma face à contradição de depoimentos e às dúvidas suscitadas pelos depoimentos produzidos em julgamento, tratando-se o presente caso de um processo contravencional do foro penal, ditam as regras do procedimento criminal que vigora o princípio In dúbio pró reo.
15 - Entendeu também a Meritíssima Juiz a quo que ficou provado em Audiência de Julgamento que a ora Recorrente despediu sem justa causa os trabalhadores D e E e que por isso violou o disposto no artigo 48° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04, fundamentando com o facto de a ora Recorrente, não ter cumprido com os princípios de igualdade e de boa-fé.
16 - Ora, a Recorrente não pode concordar com a decisão proferida pela Meritíssima Juiz a quo, considerando que também aqui existiu erro na apreciação da prova produzida em julgamento, pois o depoimento entre os dois trabalhadores foi contraditório entre eles.
17 - Em julgamento o Gerente do restaurante explicou que tinha havido em 2007, no período antes das festividades do Bolo Lunar uma reunião para se combinar com os departamentos as quantidades de bolo bem como os pagamento de horas extraordinárias a pagar e recebeu logo da parte dos chefes de departamento do Dim Sum a recusa de fazer uma marca de bolos, por se ter perdido a receita, bem como só estarem na disposição de fabricarem algumas quantias - as quais não eram suficientes para as encomendas - e ainda não querendo chegar a acordo para fazer horas extraordinárias. Tendo sucedido o mesmo em 2008 nas reuniões para planos de fabrico do Pudim de Ano Novo Chinês.
18 - Informando ainda que recebeu várias queixas no período entre Setembro de 2007 e o Ano novo Chinês de 2008 de vários clientes sobre o serviço de Dim Sum , acontecendo inclusive cancelamentos de serviços (Cfr Fls 392 a 396 juntas aos autos), dando assim origem a advertências orais por parte da ora Recorrente aos dois trabalhadores, referindo o quanto esta actuação tinha causado danos e prejuízo ao bom nome e reputação do restaurante, e ainda à elaboração de um relatório pelo Gerente do Departamento( Fls 397 dos autos) .
19- Para evitar que os acontecimentos da festividade do Bolo Lunar se repetissem em 2008 no período do Ano Novo Chinês, foi feita uma advertência escrita em 2008 por parte da Gerência ( Fls. 398) dirigida ao Departamento de Dim Sum que foi afixada a dada a conhecer a todos os trabalhadores.
20 - Quando em sede de julgamento os dois trabalhadores D e E, iniciaram o seu depoimento começaram por omitir que algo de grave tivesse ocorrido para serem despedidos e os seus depoimento relativamente a estas matérias mostraram-se muito díspares.
21 - Assim, o trabalhador D referiu que nas reuniões preparatórias que tiveram com o G, para preparação do plano de bolos Lunar e pudins do Ano Novo Chinês, não chegaram a acordo quanto ao número de bolos e ao quantitativo de pagamento e que nessas reuniões o Sr. G teria pedido a feitura de bolos suplementares.
22 - D confirmou até que o Sr G, exasperado , por ver que não ia ter bolos para satisfazer a clientela, até tinha dito que lhes pagava ele os bolos que eram necessários, mas inquirido sobre isso disse que tal não passou de um desabafo do Sr. G, sem importância, afirmando também que nos anos de 2005 e 2006 fizeram horas extraordinárias na feitura dos bolos mas não foram pagos.
23 - E, por sua vez confirmou que tinham estado todos reunidos - ele, o D e o resto do staff do departamento de Dim Sum - com o G para combinarem o numero de caixas de bolos e o pagamento de horas extraordinárias, que tinha sido acordado o numero de bolos a fazer, e que eles tinham feito as quantidades de bolos acordadas com o G, respondeu ainda, quando lhe foi perguntado, que não tinha havido qualquer discussão sobre as horas extraordinárias, nem o Sr. G se tinha oferecido para ser ele a pagar os bolos.
24 - Tendo ainda afirmado que tinham feito os bolos solicitados pelo Gerente e que este não lhes tinha pedido encomendas suplementares, rematando que foi com surpresa que recebeu a noticia do despedimento, contrariando o que afirmou na DSAL constante em documento a fls 435 dos autos. Tendo ainda omitido que houve várias advertências feitas pela gerência, só se pronunciado sobre estas quando inquirido sobre isso.
25 - E afirmou peremptoriamente que em anos anteriores a 2007 fizeram horas extraordinárias mas não foram pagos.
26 - Mas a verdade é que estes dois trabalhadores receberam essas horas extraordinárias conforme pode ser comprovado a fls. 417 verso, junto aos autos em que em 18/10/2006 na caderneta bancária de D, onde se pode ver o pagamento de MOP$ 16,7000,00 que foram pagas como horas extraordinárias do fabrico de bolos para as festividades do bolo lunar e relativamente a E, a fls. 430, verso, junto aos autos, foi depositado na mesma data a quantia de MOP$ 12,000,00, para o mesmo efeito, cujos comprovativos do deposito foram
juntos em audiência de julgamento os quais estão também junto aos autos ( Cfr fls. 1270 e 1272).
27 - Bem como as horas extraordinárias relativas ao ano Novo Chinês de 2005, pagas a estes dois trabalhadores e outros ( Cfr. Fls. 1504 dos autos).
28 - Como é que os dois trabalhadores tendo estado juntos nas mesmas reuniões podem ter depoimentos tão contraditórios sobre as mesmas.
29 - Isto só vem comprovar que não existiu da parte da Recorrente qualquer má fé no despedimento destes dois trabalhadores, Chefe e Sub -Chefe do departamento de Dim Sum, pois os dois episódios que ocorreram sequencialmente, um em Setembro/Outubro de 2007 e logo a seguir o outro em Janeiro/Fevereiro de 2008, recordando ainda os restantes episódios de cancelamento de Dim Sum que foram ocorrendo neste período, colocou em crise a relação laboral e a relação de confiança que existia entre a entidade patronal e os funcionários.
30 - E qual era a Gerência, com a reputação do Restaurante A, que ia recusar-se a pagar horas extraordinárias numa altura de Festival Lunar ou Ano Novo Chinês? Não é lógico nem tem qualquer, fundamento, o qual também não foi alcançado em sede de julgamento.
31 - E a verdade é que pelas declarações do Gerente da Recorrente e de dois clientes do restaurante, em Tribunal se constatou que o A baixou as vendas naquela época, houve queixas de clientes, por sentirem a falta de bolos e pudins tendo abalado a reputação do Restaurante.
32 - Bem como os cancelamentos de Dim Sum mas não se pode fundamentar a douta sentença recorrida no facto de as cartas de clientes a queixarem-se não referirem nem E nem o D, nem de que os cancelamentos foram feitos no horário do almoço dos funcionários.
33 - Primeiro porque os clientes queixaram-se do Dim Sum e os responsáveis por esse departamento são os sobreditos trabalhadores. E em segundo porque os trabalhadores do Dim Sum têm dois turnos para almoço entre as 11 horas e 11 h 30m e as 11h 30m e as 12h, precisamente para ter sempre serviço disponível naquela hora .
34 - Mais uma vez se demonstra que não existiu qualquer má fé no despedimento destes trabalhadores, pois os mesmos tal como referido pelo Gerente Geral foram advertidos, e não foi por acaso que foi afixado o aviso no Departamento de Dim Sum na véspera do Ano Novo Chinês de 2008, para que a situação ocorrida nas Festividades do Bolo Lunar não se repetisse. No entanto, voltou a repetir-se, colocando totalmente em causa a já parca confiança que a entidade patronal tinha nestes trabalhadores.
35 - E qual o restaurante que tendo dois trabalhadores nos seus quadros desde 1993, como era os caso de D e E, ao fim de 17 anos de serviço não tem outra alternativa senão o seu despedimento. Terá efectivamente que ter ocorrido um motivo muito forte, tão forte que abalou de forma irremediável e definitiva a confiança que existia e era exigida na relação laboral Que de facto ocorreu.
36 - Foram os dois trabalhadores D e E, que com o seu comportamento violaram as regras que obrigam os trabalhadores e se encontram estatuídas no artigo 8° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04, dando maior prevalência ao estatuído no n" 1, alíneas a), c), d) f) e h), não restando alternativa à Recorrente senão o seu despedimento , o qual foi com justa causa e nos termos do disposto no artigo 43° ,n° 2 do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04.
37 - Tendo por isso, a douta sentença recorrida violado o disposto nos artigos 8°, n° 1, alínea a), c), d) , f) e h), 43° n02 e 48° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04 devendo a mesma ser revogada quanto à condenação da Recorrente em multa e na indemnização a pagar aos dois trabalhadores no âmbito do artigo 48° do Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04 e substituída por douta decisão que absolva a recorrente nesta parte.
38 - Entendeu, ainda a Meritíssima Juiz a quo que ficou provado que a entidade empregadora organizou o plano de descansos semanais de seis trabalhadores de forma a gozarem apenas meio - dia de descanso durante a semana.
39 - A Recorrente, com todo o respeito, discorda desta posição, a qual aliás, se encontra em contradição com o que foi referido pelo representante da Recorrente em Tribunal, pois foi por este referido, e comprovado por documentos juntos aos autos, que os trabalhadores gozavam, por vezes meios dias de descanso, não porque tal fosse organizado pela Gerência do Restaurante, mas por conveniência dos mesmos trabalhadores, que muitas vezes por motivos pessoais solicitavam meio dia de descanso (uma tarde) e meio dia de descanso no dia seguinte (uma manhã) durante uma semana, desde que não perturbasse o normal funcionamento do Restaurante.
40 - E, salvo melhor opinião, tal forma de gozo de descanso semanal não desvirtua o sentido dado pelo artigo 17° do Decreto-Lei n° 24/89/M de 3 de Abril, isto porque em algumas situações, o período de descanso de 24 horas consecutivas que é estabelecido no sobredito artigo é respeitado.
41 - Os requerimentos para solicitar os meios dias de descanso semanal pelo trabalhadores se encontram apenas assinados pelo seu chefe directo que no caso é Decreto - Lei n° 24/89/M de 03/04, e não pelo Gerente Geral do Restaurante, tal como se pode comprovar pelos documentos juntos aos autos em audiência de julgamento.
42 - O restaurante não violou o previsto no artigo 17° do Decreto-Lei n° 24/89/M de 3 de Abril que aprovou o Regime Jurídico das Relações Laborais, entendendo a Recorrente, também no que diz respeito aos descansos semanais, não existir fundamentação legal para condenar a Recorrente, no pagamento da indemnização aos trabalhadores, nem na respectiva multa.
43 - Por fim, entende a Recorrente, salvo melhor opinião, e sempre com todo o respeito, que a douta decisão proferida pecou também na parte em que considera que não há prescrição na acção contravencional relativamente a estes 10 trabalhadores, pois o disposto no artigo 94° do Código de Processo do Trabalho é diferente do estatuído no artigo 111°, n°2, alínea b) do Código Penal, pois considera a Recorrente na sua mui modesta opinião que não foi por acaso que o legislador deu a redacção que deu ao artigo 94°, abstendo-se de remeter estas situações, para o artigo 111° do Código Penal.
44 - É uma norma que apesar de se inserir no âmbito penal é, especial e enquadrada no estrito âmbito das contravenções laborais.
45 - Por outro lado, não parece ter sentido, e dando como exemplo, que a infracção se tenha consumado em 1999 e 2000 e vindo a relação laboral a cessar em 2020, só venha a ter a sua acção contravencional extinta em 2022.
46 - Não parece que seja essa a letra da lei e, no caso concreto o espírito da lei, caso contrário o legislador remeteria directamente para o artigo 111°, n°2, alínea a) do Código Penal, não vigorando esta norma especial do artigo 94° do CPT, pelo considera a Recorrente que se encontra prescrita a acção contravenciona1 em relação a todos os trabalhadores, pelo decurso de dois anos.
47 - Sem conceder nem prescindir, caso V. Exas. entendam que não tem procedência o presente recurso, sempre se dirá que o valor aplicado nas multas é excessivo, sendo contrário ao princípio da proporcionalidade pois o Tribunal a quo fixou valores correspondentes a mais de metade do valor máximo da multa.
48 - A Recorrente actuou sempre em conformidade com os ditames da boa fé e tendo colaborado o máximo possível com o apuramento da verdade dos factos, apresentando todas as provas que estavam ao seu alcance e sempre com a convicção de que está inocente nas infracções de que vem acusada.
49 - Por isso e sempre com o mui douto arbítrio de V. Exas. a Recorrente desde já requer, caso venha a ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” – o que só concede por mera hipótese académica – que lhe sejam arbitradas as multas em valor mínimo”; (cfr., fls. 2236 a 2282).
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Em resposta pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 2285 a 2292).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer considerando que o recurso devia ser julgado improcedente; (cfr., fls. 2303 a 2304).
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Cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Dão-se aqui como reproduzidos para todos os efeitos legais os factos dados como provados na sentença recorrida e que nesta constam a fls. 2177-v a 2183.
Do direito
3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora da prática em concurso real de 6 contravenções ao art. 17° do D.L. n.° 24/89/M, na multa de MOP$3.500,00 cada, 10 contravenções ao art. 24° do mesmo D.L. n.° 24/89/M, na multa de MOP$3.500,00 cada, e outras 2 contravenções ao art. 48°, n.° 1 do mesmo diploma legal, na multa de MOP$10.000,00 cada, perfazendo a multa global de MOP$76.000,00, e no pagamento de MOP$808,713.00, a título de indemnização a 10 trabalhadores/ofendidos.
Entende a mesma que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação do direito”.
–– Mostrando-se de se começar pelo imputado “vício da matéria de facto”, vejamos.
Como se viu, a sentença ora recorrida deu (essencialmente) como provado que a ora recorrente cometeu:
– 6 contravenções p. e p. pelos art°s 17° e 50°, n.° 1 al. c) do D.L. n.° 24/89/M – “violação do direito ao gozo de descanso semanal” referente a 6 trabalhadores;
– 10 contravenções p. e p. pelos art°s 24° e 50°, n.° 1, al. c) do mesmo D.L. n.° 24/89/M – “violação do direito ao gozo do descanso anual” de 10 trabalhadores; e,
– 2 contravenções p. e p. pelos art°s 48°, n.° 1 e 50°, n.° 1, al. c) do dito diploma legal – “despedimento sem justa causa” referente a 2 trabalhadores, D e E.
Diz a recorrente que incorreu o Tribunal a quo em “erro na apreciação da prova”, pois que esta (prova) não deveria permitir que se desse como provado que impediu os seus trabalhadores de gozar qualquer descanso semanal e anual, o mesmo sucedendo com o despedimento sem justa causa de 2 trabalhadores.
Para tal, invoca o teor de determinadas declarações e depoimentos, alegando também que os são mesmos contraditórios e obscuros.
Ora, cremos que não se pode dar como verificado o imputado vício da matéria de facto.
De facto, em relação ao “erro” ora em questão, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).”
E, perante o que se deixou consignado quanto ao sentido e alcance do vício em causa, bem se vê que limita-se a ora recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o “princípio de livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.
De facto, importa não olvidar que para se dar como verificado o vício em questão necessário é que se constate que o Tribunal violou regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência e legis artis.
E, no caso, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não se vislumbra como, onde ou em que termos assim terá sucedido.
Com efeito, há que ter também presente que para se dar como verificado o vício de erro notório na apreciação da prova não basta uma mera “possibilidade” de uma outra versão dos factos, necessário sendo uma “certeza” de que a dada como provada não corresponde à verdade.
In casu, e ainda que possível fosse admitir-se a aludida “possibilidade”, nada nos leva a ter a “certeza” que o Tribunal a quo devia ter decidido de outra forma, e assim, sem necessidade de mais alongadas considerações, improcede o recurso na parte em questão.
–– Passemos agora para os “erros de direito”.
Diz a recorrente que em relação aos 4° e 9° trabalhadores C e H, incorreu-se em erro de direito porque estes trabalhadores ainda não tinham direito a férias anuais; que houve justa causa para o despedimento dos 6° e 7° trabalhadores D e E; que se devia considerar prescrito o procedimento contravencional, e, a final, e, subsidiariamente, que excessivas são as multas aplicadas.
Ponderando nas questões colocadas, afigura-se de começar pela alegada “prescrição”.
Vejamos.
Alega a recorrente que nos termos do art. 94°, n.° 1 do Código de Processo do Trabalho, é de 2 anos o prazo para a prescrição das infracções laborais.
De facto, assim é, sendo de se consignar também que, como já entendeu este T.S.I., o dito prazo de prescrição apenas começa a correr a partir da data da cessação da relação laboral; (cfr., v.g., os Acórdãos de 22.03.2007, Processo n.° 67/2006 e de 19.11.2009, Processo n.° 583/2007).
Por sua vez, e como igualmente decidiu esta Instância em recente Acórdão de 10.03.2011, proferido nos Autos de Recurso Penal n.° 62/2011:
- quando respeite a infracções presidenciais ou directamente verificadas, ainda que de forma não imediata, por funcionário no exercício das suas funções, o auto faz fé em juízo, desde que devidamente confirmado;
- para os efeitos do número anterior, consideram-se directamente verificadas de forma não imediata as infracções cuja ocorrência tenha sido comprovada através da confissão do infractor ou da consulta de documentos por ele emitidos (…) e que sejam suficientemente indicadores da prática dessas mesmas infracções;
- o auto que faça fé em juízo vale como acusação, e que,
- a notificação do auto de notícia ao infractor interrompe a prescrição.
No caso, o 4° trabalhador cessou a sua relação laboral em 05.08.2007, o 6° e 7° em 29.02.2008 e o 9° em 16.09.2008, continuando os outros a laborar.
E, verificando-se que foi a ora recorrente notificada do auto de notícia de fls. 4 a 9-v, (que faz fé em juízo), em 19.08.2009, (cfr., fls. 10 e 10-v) consta-se pois que prescrito está tão só o procedimento contravencional em relação ao mencionado 4° trabalhador, (C).
Verificando-se também que em relação a este trabalhador se deu como provado que a ora recorrente não respeitou o direito do mesmo ao gozo do descanso semanal e anual, há pois que absolver a mesma recorrente da prática de uma contravenção ao art. 17° (descanso semanal) e outra ao art. 24° (descanso anual) do D.L. n.° 24/89/M.
Constatando-se igualmente que este 4° trabalhador começou a trabalhar em 29.07.2005, impõe-se reconhecer da mesma forma que não tinha ainda direito a feriados anuais no mesmo ano de 2005, pelo que não se devia considerar os 6 dias de descanso anual que não gozou neste mesmo ano para efeitos de indemnização, (no montante de MOP$3.000,60), havendo que decidir em conformidade na parte em questão.
O mesmo sucede com o 9° trabalhador (H), pois que o mesmo começou a trabalhar em 2004, pelo que não tinha ainda adquirido o direito a férias anuais neste mesmo ano, havendo assim que se absolver a ora recorrente de outra contravenção ao art. 24° do D.L. n.° 24/89/M, sendo igualmente de se descontar da indemnização arbitrada o montante de MOP$1.800,00 fixado a título de compensação pelos ditos feriados.
No que ao “despedimento” diz respeito, alega a recorrente que o mesmo foi com “justa causa”.
Assim não resultando da factualidade provada, há que manter a decisão no ponto em questão, ociosas sendo outras considerações sobre a mesma.
Por fim, vejamos se excessivas são as penas de multa.
Às contravenções ao art. 17° e 24° cabe a multa de MOP$1.000,00 a MOP$5.000,00, e à do art. 48°, n.°1, a de MOP$3.000,00 a MOP$15.000,00.
Como se viu, por cada uma das primeiras, fixou o Tribunal a quo a multa de MOP$3.500,00 e pela do art. 48°, n.° 1 a de MOP$10.000,00.
Ponderando na factualidade dada como provada e nas supra referidas molduras cremos que mais adequado será a multa de MOP$2.500,00 por cada contravenção ao art. 17° e 24°, e a de MOP$8.000,00 por cada contravenção ao art. 48°, n.° 1, assim se alterando a decisão em causa.
Nesta conformidade, vai a ora recorrente condenada como autora de 5 contravenções ao art. 17° e outras 8 ao art. 24° do D.L. n.° 24/89/M, na pena de multa de MOP$2.500,00 cada, e 2 contravenções ao art. 48°, n.° 1, do mesmo diploma legal, na pena de multa de MOP$8.000,00 cada, perfazendo a multa global de MOP$48.500,00.
Quanto à indemnização, foi a recorrente condenada no pagamento do total de MOP$808.713.00, resultando da soma das seguintes parcelas:
(1°) B, MOP$25.60
(2°) I, MOP$2,380.00
(3°) J, MOP$6,146.20
(4°) C, MOP$3,834.10
(5°) K, MOP$7,331.20
(6°) D, MOP$413,000.00
(7°) E, MOP$316,216.00
(8°) L, MOP$52,520.00
(9°) H, MOP$5,500.00
(10°) F, MOP$1,760.00
Verificando-se que nada lhe cabe pagar aos 4° e 9° trabalhadores a título de compensação pelo não gozo de férias anuais, a estes mesmos apenas tem de pagar MOP$833.50 e MOP$3.700,00 respectivamente, passando a ser o total das indemnizações de MOP$803.912,50.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, acordam conceder parcial provimento ao recurso.
Custas pelo decaimento a pagar pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 9 UCs.
Macau, aos 16 de Junho de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(vencido, por entender ser de manter o quantum das multas aplicadas, por ser relativamente não curta a duração de relações de trabalho em questão, bem como ser de manter a indemnização civil de férias anuais não gozadas pelos 4.º e 9.º trabalhadores, em face dos dados do mapa de apuramento que faz parte integrante do auto de notícia, cuja factualidade foi dada por totalmente provada na sentença recorrida).
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
) Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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