ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A requereu, na pendência da acção declarativa de condenação anteriormente intentada, procedimento cautelar não especificado contra B, pretendendo a restituição imediata dos edifícios sitos na Doca dos Pescadores, composto por [Endereço(1)], [Endereço(2)] e [Endereço(3)], objecto dos contratos de Licença de Uso celebrados entre elas.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi indeferida a providência cautelar requerida.
Inconformando com esta decisão, recorreu a requerente A para o Tribunal de Segunda Instância.
E por douto Acórdão proferido no processo nº 658/2011, o Tribunal de Segunda Instância decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a sentença na parte que considerou inverificado o periculum in mora e a decisão que indeferiu a requerida restituição, julgando procedente o procedimento cautelar e ordenando a imediata restituição dos edifícios em causa.
Deste Acórdão vem agora a requerida recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
A. Competia à requerente do procedimento cautelar comum ter alegado e provado os factos constitutivos do periculum in mora, designadamente dos factos justificativos da necessidade da composição provisória do litígio, por força do princípio do ónus da prova e da auto-responsabilização das partes.
B. Ao revogar a decisão do Tribunal Judicial de Base que concluiu pela inexistência do periculum in mora, sem que tivesse ficado provado porque razão faltavam as licenças de utilização nem que a obtenção dessas licenças dependia da procedência do presente procedimento cautelar comum, o acórdão recorrido terá violado o disposto nos artºs 335°, nº 1 do CCM, o artº 437º do CPCM e, em consequência, o artº 332°, nº 1, segunda parte, do mesmo diploma.
C. Por outro lado, o argumento expendido no acórdão recorrido de que «não podemos concluir seguramente estes bens, mesmo restituídos às mãos da requerente, esta não pode levar a cabo diligências necessárias com vista à obtenção da licença» não se afigura decisivo.
D. É que tal argumento não infirma nem afasta a premissa donde partiu o Tribunal Judicial de Base para concluir pela inexistência do periculum in mora, ou seja, de que a impossibilidade de dar utilização aos prédios não resulta da circunstância de estarem a ser ocupados pela Requerida, pois no que concerne aos trâmites a realizar com vista à obtenção da licença de utilização a requerente tem nos termos dos contratos de licença de uso toda a legitimidade para entrar e vistoriar os edifícios em causa, podendo praticar todos os actos necessários com vista à obtenção daquela, o que, como também já se referiu não fez relativamente a outros prédios que estão inteiramente na sua disponibilidade.
E. Assim não tendo ficado provado que a falta das licenças de utilização dos imóveis tenha resultado da circunstância de a recorrente não os ter restituído à recorrida, não se mostra suficientemente fundado o receio da lesão grave e dificilmente reparável ao direito ameaçado exigido no artº 332º, nº 1, segunda parte, do CPCM, pelo que a providência não podia ter sido decretada.
F. Ao decretar a providência cautelar por considerar verificado o periculum in mora, sem que se mostrasse provada a necessidade da composição provisória do litígio, o acórdão recorrido terá, pois, violado o disposto no artº 332º, nº 1, in fine, do CPCM, devendo, por isso, ser revogado, com as legais consequências.
G. Por outro lado, face aos factos provados, não se afigura fundado nem actual o periculum in mora, ou seja, o receio dos prejuízos económicos advenientes da demora na composição definitiva do litígio.
H. Desde logo, porque faltam os factos integradores da iminência dos prejuízos receados.
I. No caso “sub judice”, não se afigura fundado nem actual o periculum in mora porque os factos dados como provados não permitem, com objectividade, considerar que estamos na iminência de uma lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade da recorrida, ou seja, na iminência da verificação dos prejuízos económicos resultantes da privação da utilidade e da disponibilidade económica dos imóveis.
J. Isto porque para que exista a possibilidade da ocorrência de prejuízos económicos resultantes da privação da utilidade e da disponibilidade económica dos imóveis é necessário que esses imóveis possam ser utilizados, ou seja, é necessário que existam as respectivas licenças de utilização.
K. Ora, face à matéria provada na alínea R) dos Factos Provados1 na sentença do TJB, a Recorrida não é titular, no caso “sub judice”, de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho»2, ou seja, não é titular das licenças de utilização que lhe confiram a possibilidade de utilizar os imóveis ora em causa, designadamente, de ceder o seu gozo a terceiros mediante um preço.
L. Pelo que, à luz do artº 558º do CCM, não sendo a ora recorrida titular de uma situação jurídica (licença de utilização) que lhe permita ceder os imóveis a terceiros, não se antevê a possibilidade da verificação de quaisquer prejuízos iminentes, não sendo, por conseguinte, fundado nem actual o receio da ora recorrida (artº 332º, nº 1, segunda parte, do CPCM).
M. Daí ter o acórdão recorrido violado o artº 332º, nº 1, do CPCM por faltar, no caso concreto, a prova dos factos constitutivos da certeza eminente do prejuízo receado.
N. Por outro lado, o Tribunal a quo entendeu que era de acautelar a verificação dos alegados prejuízos de difícil reparação ao direito de propriedade da requerente da providência cautelar porque enquanto os imóveis estiverem detidos pela requerida, a requerente fica impossibilitada de gerir e dispor dos mesmos, nomeadamente tirar proveitos económicos deles.
O. Sucede que a requerente da providência não pediu o pagamento dos preços da utilização e ocupação dos imóveis (vincendos na pendência da acção), por tal ser incompatível com o seu pedido de resolução dos contratos desde 4 de Novembro de 2009.
P. Quanto ao segundo argumento expendido no acórdão recorrido de que não resultam indiciariamente dos autos quaisquer factos que legitimaram a requerida a continuar a deter os imóveis, afigura-se que o mesmo contraria o disposto no artº 370º, nº 1 e 2 do CCM.
Q. Isto porque as declarações produzidas no “Memorandum Of Understanding” e no pacote de “documentos de investimento” a que se referem as alíneas o) e p) dos factos provados na sentença do Tribunal Judicial de Base, representam uma confissão, devendo, por isso, ser atribuído valor probatório pleno a esses documentos, nos mesmos termos que o é atribuído à confissão.
R. E, sendo atribuído valor probatório pleno a esses documentos, designadamente aos contratos de fls. 252 a 255 e 295 a 416 do processo principal, os factos neles representados devem-se considerar provados na medida em que forem contrários aos interesses da ora recorrida.
S. E tais factos são contrários aos interesses da ora recorrida na medida em que o “Memorandum Of Understanding” de 19 de Outubro de 2006 (fls. 252 a 255 da acção principal) e, depois, o “Escrow Undertaking Letter” (fls. 295 a 297 da acção principal) de 5 de Setembro de 2008, e os contratos dele integrantes, designadamente o “Surrender Agreement” (fls. 298 a 301 da acção principal), do “Subscription Agreement” (fls. 302 a 398 da acção principal), e o “Amendment Agreement” (fls. 399 a 416 da acção principal), configuram uma alteração dos direitos e obrigações emergentes dos contratos de fls. 27 a 58 e 63 a 66 da acção principal.
T. Assim, face ao teor do pacote de “documentos de investimento” integrados na “Escrow Undertaking Letter”, cuja autoria resulta reconhecida nos termos do artº 370º do CCM, e não resultando dos factos provados que a recorrida tenha cumprido as obrigações que assumiu na “Escrow Undertaking Letter” nem dos contratos dela integrantes, designadamente do “Subscription Agreement” ou que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso das obrigações não procedeu de culpa sua, procede contra ela a excepção de não cumprimento prevista no artº 422º, nº 1 do CCM, assistindo à recorrente a faculdade de recusar a sua prestação enquanto a recorrida não efectuar as que lhe cabiam ou oferecer o seu cumprimento simultâneo.
U. Isto por incumbir ao devedor provar que a falta de cumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (artº 788º, nº 1 do CCM).
V. Se essa prova não for feita, como não foi no caso “sub judice”, presume-se que houve culpa do devedor (artº 343º ex vi do artº 788º, nº 1, ambos do CCM). Presunção essa que não foi elidida pela recorrida, conforme resulta da lista dos factos provados da sentença proferida no Tribunal Judicial de Base.
W. Assim, face à matéria das alíneas o) e p) da lista dos factos provados da sentença proferida no Tribunal Judicial de Base, o entendimento de que não resultam dos autos quaisquer factos que legitimem a requerida a continuar a deter os imóveis, viola o disposto no artº 370º, nº 1 e 343º ex vi do artº 788º, nº 1, e 422º, todos do CCM.
X. Por outro lado, o facto dessa Escrow Undertaking Letter ser efectiva e irrevogavelmente vinculativa para as partes, não conter data-limite para a sua execução e não poder ser alterada sem o acordo das partes – Parecer dos advogados de fls. 182 e ss., e os contratos dela integrantes configurarem uma clara alteração dos direitos e obrigações emergentes dos contratos de fls. 27 a 58 e 63 a 66 da acção principal, torna, pelo menos, duvidosos os factos relativos ao periculum in mora, e impõe que a questão do “fundado receio” seja decidida contra a parte onerada com a prova nos termos do disposto no 437º do CPCM ex vi do artº 339º do CCM.
Y. Posto isto, o facto de a relação contratual original a que se refere o “License to Use Agreement” de fls. 28 a 62 da acção principal e o “License Agreement” de fls. 63 a 65 da acção principal, ter sido alterada no pacote de “documentos de investimento” integrados na Escrow Undertaking Letter referidos nas alíneas o) e p) da sentença proferida no Tribunal Judicial de Base; sem que a recorrida tenha cumprida a parte que lhe competia, configura um facto impeditivo do “fundado receio” da possibilidade da ocorrência, na pendência do litígio, de prejuízos económicos resultantes da privação da utilidade e da disponibilidade económica dos imóveis.
Z. Nesta perspectiva, o acórdão recorrido, ao dar por verificado o fundado receio da lesão do direito ameaçado, terá violado o disposto nos artºs 335º, nº 1 do CCM e, em consequência, o artº 332º, nº 1, segunda parte, do CPCM.
AA. A decisão que revogou a sentença do Tribunal Judicial de Base violou também o disposto no artº 437º do CPCM aplicável ao caso “sub judice” por força do artº 339º ex vi do artº 343º ex vi do artº 788º, nº 1, ex vi do 370º, nº 1 e 2, primeira parte, todos do CCM e por conseguinte, a excepção de não cumprimento a que se refere o artº 422º, nº 1 do mesmo diploma.
BB. Subsidiariamente, o acórdão ora recorrido terá incorrido na nulidade de omissão de pronúncia por não ter conhecido da questão da instrumentalidade do procedimento cautelar, cuja reapreciação se requereu, a título subsidiário, nas contra-alegações.
CC. E, não existindo identidade quanto à causa de pedir formulada nos artigos 104º a 130º da providência cautelar de fls. 3 e ss do Apenso C (factos relativos aos prejuízos económicos resultantes da privação da utilidade e da disponibilidade económica dos imóveis para além de 4/11/2009) e a causa de pedir da acção principal (factos relativos à resolução dos contratos de fls. 27 a 58 e 63 a 66 da acção principal a partir de 4/11/2009 e à exigibilidade das remunerações mensais “vencidas” até essa data), afigura-se que aquela não se destina a acautelar qualquer dos pedidos que constituem objecto desta.
DD. O presente procedimento cautelar comum não se destina, pois, a antecipar, cautelarmente, um dos pedidos formulados na acção principal, porque nela a requerente não pediu o ressarcimento dos prejuízos económicos resultantes da privação da utilidade e da disponibilidade económica dos imóveis para além de 4/11/2009.
EE. Não se vê, pois, de que forma, a procedência do presente procedimento cautelar pode configurar a antecipação de um pedido que não foi formulado na acção principal.
FF. Assim sendo, afigura-se, salvo melhor opinião, ser de manter a decisão do Tribunal Judicial de Base que indeferiu o procedimento cautelar comum, ainda que com diverso fundamento, designadamente, por falta do requisito da instrumentalidade ou dependência da acção previsto no artº 328º, nº 1 do CPCM’.
A requerente apresentou resposta, pugnando pela confirmação do douto Acórdão ora recorrido.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Os Factos Provados
Nos autos foram indiciariamente provados os seguintes factos:
“a) A Autora é uma sociedade comercial que desenvolve actividade de prestação de serviços e investimento nas áreas da indústria e do comércio.
b) A Ré é uma sociedade comercial que desenvolve actividade de restaurante e bar.
c) A Autora é dona e legitima proprietária do complexo comercial denominado A, também conhecido por A1, construído sob o terreno sito na Avenida da Amizade s/n, omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX do livro.
d) O complexo comercial A é constituído por lojas destinadas ao exercício de actividades comerciais de retalho e de prestação de serviços complementares, sendo ainda servido por um parque de estacionamento.
e) A Autora exerce a gestão do referido complexo comercial, nela se incluindo a organização e administração do seu funcionamento e utilização pelos lojistas nele instalados, e de um modo geral a promoção, organização, administração, direcção e fiscalização do funcionamento e utilização do mesmo.
f) Com inicio em 1 de Janeiro de 2006 entre a Requerente e a Requerida foram celebrados os contratos cujas cópias constam de folhas 28 a 62 e 63 a 66 dos autos principais os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, de acordo com os quais a Requerente cedia a licença de uso à Requerida dos [Endereço(1)], [Endereço(2)] e [Endereço(3)], ali melhor identificados, mediante o pagamento das quantias ali referidas por banda da Requerida à Requerente;
g) A Requerente emitia mensalmente as notas de Débito a pagar pela requerida conforme documentos de fls. 119 a 207 do processo principal no montante global de MOP$76.055.418,61;
h) A Requerente emitiu a favor da Requerida as notas de crédito de folhas 208 a 211 do processo principal no montante global de MOP$3.268.132,74;
i) Até ao presente a Requerida procedeu apenas ao pagamento da quantia de MOP$839.450, 00 – confissão da Requerente -;
j) A Requerida não exerce qualquer actividade nos locais referidos em f) não sendo possível contactá-la – cf. depoimento das testemunhas -;
k) Os edifícios e espaços objecto dos contratos referidos em f) estão encerrados não exercendo a requerida neles qualquer actividade desde Abril de 2009 – cf. depoimento das testemunhas -;
l) Os bens arrestados no âmbito do arresto decretado em bens da Requerida e que constitui o apenso A dos autos principais foram avaliados em MOP$290.764,50 – cf. fls. 148/174 do apenso A -;
m) O facto dos espaços referidos em f) estarem encerrados e sem utilização é negativo para a imagem da requerente desmotivando eventuais investidores – depoimento das testemunhas -;
n) A Requerente tem pessoas interessadas em ficar com a licença de uso dos espaços referidos em f) – depoimento das testemunhas –;
o) Entre a Requerente e a Requerida foi celebrado o acordo designado “Memorandum Of Understanding” de 19 de Outubro de 2006 o qual consta de fls. 252 a 255 dos autos principais e aqui se dá por integral reproduzido para todos os efeitos legais.
p) Em 5 de Setembro de 2008, ambas as partes assinaram um pacote de “documentos de investimento” integrados numa Escrow Undertaking Letter, constituída por “Surrender Agreement”, Subscription Agreement”, e “Amendment Agreement” e cujas cópias constam de fls. 295 a 416 dos autos principais que aqui se dão por reproduzidos.
q) A Requerida iniciou a sua actividade em 4 dos onze estabelecimentos indicados no ponto 5 do “The Schedule” de fls. 56 dos autos principais.
r) Nunca foi obtida a licença de utilização relativa aos [Endereço(1)] nem do [Endereço(3)].”
3. O Direito
No presente recurso, são 2 as questões suscitadas pela recorrente:
- Erro de julgamento na parte em que o Acórdão recorrido propendeu pela existência do requisito do periculum in mora;
- Subsidiariamente, nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, por não ter conhecido da questão suscitada nas contra-alegações apresentadas pela recorrida para o Tribunal de Segunda Instância, nos termos do artº 590º nº 1 do Código de Processo Civil, atinente à instrumentalidade do procedimento cautelar, por falta de coincidência de causa de pedir entre o procedimento e a acção principal.
3.1. No que concerne à primeira questão, entende-se que o Acórdão recorrido decidiu bem, ao ter concluído pela existência daquele periculum in mora.
Nos termos dos artº 326º nº 1 do Código de Processo Civil de Macau, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
E “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” – artº 332º nº 1 do Código de processo Civil de Macau.
Quanto à finalidade da figura, ensina-se que “as denominadas providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora ( o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica” 3.
No caso sub judice, não foi posta em causa a verificação da aparência do direito da ora recorrida, o que se discute é o preenchimento do segundo requisito necessário para que seja decretada a providência cautelar: a demonstração do perigo de insatisfação desse direito.
Na tese da ora recorrente, o Acórdão recorrido terá violado o disposto no artº 335º nº 1 do CCM, no artº 437º do CPCM e, em consequência, no artº 332º nº 1, segunda parte do mesmo diploma, uma vez que revogou a decisão do Tribunal Judicial de Base sem que tivesse ficado provado porque razão faltavam as licenças de utilização nem que a obtenção dessas licenças dependia da procedência do presente procedimento cautelar comum.
Alega ainda a recorrente que não se afigura fundado nem actual o periculum in mora, ou seja, o receio dos prejuízos económicos advenientes da demora na composição definitiva do litígio, face aos factos provados nos autos.
Ora, é inegável que em relação aos [Endereço(1)] e do [Endereço(3)] nunca foi obtida a licença de utilização, tal como se mostra claramente na matéria de facto indiciariamente provada.
No entanto, e mesmo reconhecendo a necessidade de obter a licença de utilização competente para que os imóveis em causa possam ser legalmente aproveitados, não nos parece que a falta de licença de utilização constitui motivo bastante que obste ao sucesso da providência cautelar requerida, até porque aquela falta pode ser revertida a todo o tempo.
Na verdade, não se constata nos autos por que motivo não foi emitida a licença de utilização, facto este que podia dever a várias razões, até porque não está ainda concluído o procedimento administrativo com vista à obtenção daquela licença, o que não afasta seguramente a hipótese de que o proprietário dos imóveis venha a obter depois a licença de utilização.
O que se importa é que a requerente da providência cautelar não tinha de indicar nem provar o motivo concreto que levou à não emissão da licença.
Por outro lado, face aos factos assentes nos autos, afigura-se que se deve concluir pelo fundado receio da lesão grave e dificilmente reparável.
Salienta-se que a ora recorrente tem uma quantia muito elevada para pagar, sendo que procedeu apenas ao pagamento da quantia de MOP$839.450, 00 e os bens arrestados no âmbito do arresto decretado em bens da recorrente foram avaliados em MOP$290.764,50.
Ao mesmo tempo, ficou provado que a recorrente não exerce qualquer actividade nos locais não sendo possível contactá-la.
Ora, face à diferença tão grande entre a dívida que a recorrente tem a pagar e a quantia já paga bem como o valor dos seus bens arrestados e a impossibilidade de contacto, somos levados a concluir razoavelmente pela difícil reparação dos prejuízos económicos causados e a ser causados pela privação da utilização dos imóveis em causa à sua proprietária ora recorrida.
Destarte, mostra verificado o requisito periculum in mora.
3.2. Quanto à segunda questão, afigura-se que assiste razão à recorrente.
Na verdade, constata-se nos autos que a ora recorrente suscitou, nas suas contra-alegações apresentadas no recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância e a título subsidiário, a questão em causa, invocando a inexistência de “identidade quanto à causa de pedir formulada nos artigos 104.º a 122.º da providência cautelar e a causa de pedir da acção principal”, tendo concluído pela clara desconformidade entre o fim que se visa alcançar na providência cautelar inominada e o que nela foi peticionado.
Ora, da leitura do Acórdão recorrido resulta que o Tribunal não se pronunciou pela aludida questão, o que é indiciado por não ter feito qualquer referência à mesma no relatório, como seria normal se se tivesse apercebido da necessidade de se ocupar da mesma. O relatório apenas menciona as alegações da então recorrente.
Por outro lado, a parte do Acórdão mencionada pela recorrida como respeitante à questão em apreço nada tem que ver com a mesma, respeitando ao exame da questão de saber se se verificava o periculum in mora.
A omissão de pronúncia gera nulidade, nos termos da al. d), primeira parte, do nº 1 do artº 571º do Código de Processo Civil, devendo o processo baixar ao Tribunal de Segunda Instância para conhecer da questão, ao comando do disposto no artº 651º nº 2 do Código de Processo Civil.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso no que se refere à não demonstração do perigo de insatisfação do direito e em julgar procedente o recurso na restante parte, ordenando a remessa do processo ao Tribunal de Segunda Instância a fim de conhecer da questão respeitante à omissão de pronúncia suscitada pela recorrente.
Custas em partes iguais por recorrente e recorrida.
Macau, 28 de Março de 2012
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
1 R) Nunca foi obtida a licença de utilização relativa aos [Endereço(1)] nem do [Endereço(3)].
2 Ac. STJ, de 23.5.78: BMJ277-258.
3 Cfr. Manual de Processo Civil, de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª Edição, pág. 23
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Recurso Civil – Processo n.º 6/2012