Processo nº 263/2011
Data: 16 de Junho de 2011
Assuntos: - Indemnização
- Juros de mora
SUMÁRIO
1. A saber o termo inicial para cálculo de juros legais da soma indemnizatória como correspectiva dos seus créditos sobre outra parte, funciona a aplicação do disposto no nº 4 do art.º 794º do Código Civil de Macau, em que é determinante a liquidez da soma indemnizatória.
2. Quanto aos casos em que o crédito é ilíquido no momento em que é reclamado judicialmente, o n° 4 estabeleceu uma regra especial determinando que a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido.
3. Sabe-se que a obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado.
4. A soma indemnizatória só com a sentença da 1ª instância é que o direito da indemnização fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.
5. Para a decisão da sentença em primeira instância, é sempre de considerar que é a data de sentença determinante a liquidez da soma indemnizatória.
O Relator,
Recurso nº 263/2011
Recorrente: Companhia de Seguros de A, S.A.(A保險有限公司)
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
Nos presentes autos de Processo Especial do Trabalho no CV1-07-0051-LAE, em que o Ministério Público em representação do trabalhador B contra a Companhia de Seguros de A, S.A., foi decidido finalmente que condenou a ré a Companhia de Seguros de A, S.A a pagar ao autor a título de indemnização pelo acidente do trabalho pelo que lhe causou a Incapacidade permanente parcial no montante de MOP$205,005.60, acrescida os juros a taxa legal a contar a partir de 10 de Julho de 2009 (data de citação), até integral pagamento.
A com esta decisão de condenação dos juros não concordou, recorreu a ré a Companhia de Seguros de A, S.A, alegando que:
1. Nos termos do n° 4 do artigo 794 o do Código Civil, os danos só se tornam líquidos, contabilizáveis, com a decisão judicial que os fixe definitivamente.
2. E, in casu, o crédito reclamado pelo Recorrido na petição inicial é ilíquido até àquele momento, pois que, com efeito, a acção intentada poderia improceder, total ou parcialmente, com a consequente modificação do montante peticionado.
3. E, mesmo após proferida sentença em sede de 1ª Instância, o montante do crédito arbitrado poderia sempre ser alterado por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
4. Daí que, só com o trânsito em julgado da sentença final e não, como preconiza o segmento decisório recorrido, com a citação, tem início a contagem dos juros de mora.
5. Todavia, em boa verdade, o capital da indemnização propriamente dita já liquidada pelo tribunal a quo, não pode vir a sofrer qualquer alteração.
6. Pode, por outro lado, o cômputo global do montante a pagar pela ora Recorrente (incluindo, portanto, os juros de mora), vir a ser modificado.
7. A ora Recorrente, entende que, por força deste último raciocínio e face ao direito civil substantivo positivo, a contagem dos juros de mora apenas deve ter início após o trânsito em julgado da sentença proferida no caso subjudice.
8. Mas não lhe repugna aceitar que tal contagem tenha início a partir da data em que foi notificada da sentença de 1ª Instância.
9. O que não pode aceitar, por ser contra legem, é ser condenada no pagamento de juros de mora a contar desde a data em que foi citada para contestar, como o preconiza a douta sentença recorrida.
10. No caso vertente, acresce, ainda, que nem o próprio autor formulou expressamente tal pedido, apenas tendo requerido de modo vago o pagamento dos “juros vencidos e vincendos”.
Disposições violadas: Artigos 794º/4 e 795º/1 do Código Civil de Macau.
Nestes termos, deve ser revogada a douta sentença recorrida na parte em que condena a Recorrente no pagamento de juros de mora a contar desde a data em que foi citada para contestar, apenas se condenando a Recorrente no pagamento de juros de mora a contar após o trânsito em julgado da decisão final ou, no máximo, desde em que foi a Recorrente notificada da sentença proferida em 1ª Instância.
A este recurso o autor respondeu nos seguinte termos:
“O recorrente, em processo de acidente de trabalho, foi condenado ao pagamento de indemnização ao autor, bem como ao pagamento de juros de mora a contar da data da sua citação.
Delimita o âmbito do presente recurso à questão do pagamento de juros de mora, mais propriamente á questão de se saber qual data a partir da qual os mesmos são devidos.
Para tanto invoca não só o disposto no art. 794 n. 4 do Código Civil de Macau, bem como a jurisprudência mais recente.
O citado artigo impõe que somente há mora quando o crédito se tornar liquido.
Defende o recorrente que só com a prolacção da sentença condenatória é possível a quantificação da sua divida, e que só com o transito em julgado da sentença é que se torna possível, definitivamente quantificar o montante do credito do trabalhador. Por isso, entende que só como transito em julgado da sentença condenatória é que o credito se torna liquido, e portanto exigível, sendo que até esse momento sempre pode ser alterado, por via de recurso.
Para sustentar a sua tese invoca o ARL de 28 de Junho de 1978.
Na nossa modesta opinião, afigura-se-nos que assistirá razão ao recorrente quando se insurge quanto ao facto de a sua condenação ao pagamento de juros de mora remontar ao momento em que foi citado na presente acção. Na altura não sendo o credito liquido, não terá entrado em mora.
Mas, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, julgamos que a partir do momento em que foi notificado da sentença, o credito se torna liquido, sendo que a partir desse momento o devedor pode efectuar o seu pagamento, evitando entrar em mora.
Nesse sentido surge o Ac do TSI de 26 de Julho de 2007 in Proc 426/2007.
Vexas, decidirão, todavia, como for de melhor Justiça.”
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais.
Conhecendo.
À matéria de facto foi dada por assente a factualidade que consta das fls. 230 a 231 da sentença.1
Está em causa apenas os juros, ou seja a contagem do tempo dos juros de mora.
A saber o termo inicial para cálculo de juros legais da soma indemnizatória acima encontrada como correspectiva dos seus créditos sobre outra parte, funciona a aplicação do disposto no nº 4 do art.º 794º do Código Civil de Macau, em que é determinante a liquidez da soma indemnizatória.
Dispõe o artigo 794º (Momento da constituição em mora) do Código Civil que:
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito; ou
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3. No caso da alínea a) do número anterior, devendo a prestação ser cumprida no domicílio do devedor, só há mora se o credor a reclamar aí.
4. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.”
Este artigo estabelece o momento da constituição em mora: como regra geral, no n° 1 recorre ao da interpelação judicial ou extrajudicial para o respectivo cumprimento feita pelo credor, e como excepções desta apresenta-se o n° 2.
Quanto aos casos em que o crédito é ilíquido no momento em que é reclamado judicialmente, o n° 4 estabeleceu uma regra especial determinando que a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido.
Sabe-se que a obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado.2
Em princípio, o quantum indemnizatório só com a sentença da 1ª instância é que o direito da indemnização fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.3
Podendo a definição do direito eventualmente não ter ainda um carácter definitivo por virtude do recurso jurisdicional da sentença, tal não aconteceu no presente caso, pois, havendo recurso da sentença final, a soma indemnizatória ficará líquida após o acórdão do Tribunal de recurso quando este alterou o montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo, caso contrário, quando a decisão recorrida for mantida, a data de liquidez da soma indemnizatória seria a data de sentença da primeira instância.
Definiu-se nesta situação a questão na uniformização de jurisprudência (Acórdão do Tribunal de Última Instância, tirado em 2 de Março de 2011, no Processo n° 69/2010), nos termos da qual “a indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação”.
Assim, não se afigura ser adequada a sentença recorrida que optou a data de citação como momento determinante da constituição da mora, devendo a mesma ser reparada em conformidade com o que foi ora consignado.
Procede-se assim, em parte, o recurso.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento parcial ao recurso nos exactos termos acima consignados.
Custas pelo recorrente e recorrido, na proporção do seu decaimento.
RAEM, aos 16 de Junho de 2011
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Choi Mou Pan
(Relator)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1- 原告B受聘於XX澳門機場服務有限公司。(A)
- 接受XX澳門機場服務有限公司負責人的工作指令、指揮及領導,依從該公司負責人的指示及引導下工作。(B)
- 原告的月薪為澳門幣$9,203元,另外再收取每月固定交通津貼澳門幣$288元。(C)
- 於2005年11月27日,約於下午5時10分,原告正在澳門國際機場停機坪B2位附近執行僱主指派的運輸工作。在拖運途中,原告從乘坐的拖車跌落地面,並導致其左手手腕受傷。(D)
- 法醫在2007年11月15日對原告的傷勢進行臨床法醫學檢查及鑑定。(E)
- 是次工作意外而引致之醫藥開支,原告已收回。(F)
- 另外,關於205手暫時絕對無能力之賠償,已收取由保險實體,即被告支付的澳門幣$43,237.23元。(G)
- 原告於1967年9月7日出生,意外發生時38歲。(H)
- 透過第11-006944-001號保單,原告之僱主將該工作意外所引致之賠償責任轉移予被告。(I)
- 試行調解會議於2008年1月15日在檢察院進行,就替療費用及暫時絕對無能力之賠償,原告與被告達成協議,並已收取相關金額>(J)
- 經2008年1月28日法院批示認可:
- 是次事故屬於工作意外;
- 意外與損害之間存在因果關係;
- 原告為XX澳門機場服務有限公司之僱員;
- 原告每月可收取澳門幣$9,203元底薪及澳門幣$288元固定交通津貼。(L)
- 意外發生後,原告隨即被送往鏡湖醫院接受治療,是次意外直接及必然地導致其左撓骨端骨折,斷骨向撓背側移位,伴遠側尺撓關節脫位,左尺骨莖突骨折,斷骨分離。(1)
- 被診斷為左撓尺骨遠端粉碎性骨折。(2)
- 原告自意外當日至2006年3月8日在鏡湖醫院接受治療,接着,在仁伯爵綜合醫院繼續醫治至2006年10月24日。(3)
- 其間接受多次手術,包括:意外當日在鏡湖醫院留醫,進行左橈尺骨遠端骨折閉合復位外固定術支架固定等處理及骨槳注射,至2005年12月7日出院。並於2006年l月23日再次入院進行左colles外固定支架拆除術,至2006年1月25日出院。(4)
- 及後發現左撓骨及尺骨遠端折不癒合及伴畸型,於2006年3月8日轉仁伯爵綜合醫院繼續接受醫治,於2006年3月20日入院接受左撓骨遠端粉碎性骨折切開復位及取右髂骨植骨,加銅板內固定及石膏外固定手術,至2006年3月31日出院。(5)
- 於2007年11月15日,評定原告的傷殘為20%。(6)
- 原告經過治療後,左肩及左肘關節活動良好無受限,左前臂後外下部可見一長8cm的疤痕,左撓骨遠端呈短縮及腕部呈撓偏畸形,左腕關節強硬,可主動背伸40º、掌屈20º、外旋45º及內旋可,各方向用力活動時感疼痛;左手可見輕度肌肉萎縮,左手各掌指關節及近、遠端指間關節屈伸及對指活動可,肌力未見明顯減弱。(7)
2 A obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado (Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed., pag. 113).
3 Vide Acórdão deste TSI do PRocesso n° 780/2011.
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TSI-263-2011 Página 1