Processo n.º 968/2010 Data do acórdão: 2011-6-30
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– valoração dos documentos do processo
– julgamento da matéria de facto
– livre apreciação da prova feita
– declaração de nome falso referente à mãe
– dolo de falsas declarações sobre a identidade
– art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/204, de 2 de Agosto
S U M Á R I O
1. Como depois de analisados todos os elementos probatórios indicados na fundamentação probatória da sentença impugnada, o tribunal de recurso realiza que aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do julgador perante os mesmos elementos probatórios, não é manifestamente desrazoável o resultado de julgamento da matéria de facto a que chegou o tribunal recorrido, não pode vir a entidade acusadora pública ora recorrente atacar a livre apreciação da prova feita pelo tribunal a quo.
2. Na verdade, da mera circunstância provada de a arguida ter preenchido um nome falso referente à sua mãe no boletim de declaração de identidade à polícia, por si só, não se pode deduzir necessariamente que ela, com essa conduta, tenha pretendido fazer com que a polícia, aquando da sua futura reentrada em Macau, não soubesse que ela tenha chegado a entrar em Macau, evitando assim que viesse a ser possivelmente punida em sede criminal.
3. É, pois, e por falta de prova do dolo, de manter a decisão feita pelo tribunal a quo, de absolvição da arguida do crime de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/204, de 2 de Agosto.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 968/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrida arguida: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 61 a 64 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-09-0287-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, na parte em que absolveu a arguida A, aí já melhor identificada e julgada à revelia consentida, do inicialmente também acusado crime de declarações falsas sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, arguida essa que ficou apenas condenada como autora de um crime consumado de posse de documento falso, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 3, da mesma Lei, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, veio a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar a condenação directa da arguida no crime por que vinha absolvida, ou, o reenvio do objecto do processo relativo a este crime para novo julgamento, com fundamento na alegada existência do vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal de Macau (CPP) (cfr. o teor da motivação do recurso de fls. 67v a 73 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a arguida no sentido de manutenção do julgado, por entendida improcedência da motivação do Ministério Público (cfr. a resposta de fls. 75 a 78).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 86 a 87), pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A Primeira Instância considerou provados inclusivamente os seguintes factos, na parte que interessa à solução do objecto do recurso:
– em 27 de Janeiro de 2007, a arguida declarou à Polícia que o seu nome é A, e que nasceu em 14 de Janeiro de 1978 na Província de Hubei da China, tendo o pai por nome B e a mãe por nome C (cfr. o teor de fl. 20 dos autos) (facto provado 1);
– em 27 de Janeiro de 2007, a arguida forneceu ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) o seguinte dado identificativo falso: D como nome da sua mãe (cfr. o teor de fl. 19) (facto provado 6).
Ao mesmo tempo, deu o mesmo Tribunal recorrido concretamente por não provado o seguinte facto, com interesse à decisão do recurso:
– a arguida forneceu à Polícia dado identificativo que ela própria sabia que era falso, a fim de fazer com que aquando da sua futura reentrada em Macau, as Autoridades competentes não soubessem que ela tenha chegado a vir para Macau, evitando assim que viesse a ser punida possivelmente em sede criminal (facto não provado 2).
Outrossim, o Tribunal a quo indicou, no segundo parágrafo da página 3 do texto da sua sentença (a fl. 62 dos autos), os seguintes elementos probatórios que serviram de base à formação da sua convicção sobre os factos: o depoimento da testemunha, os documentos constantes do processo, o auto de interrogatório da arguida no Ministério Público, e demais documentos sobretudo relativos aos boletins de declaração de identidade fornecidos pelo CPSP.
E segundo o auto de interrogatório da arguida no Ministério Público (lavrado a fls. 26 a 26v dos autos), esta declarou, em chinês, que “nesta vez, o nome da mãe foi deliberadamente escrita por ela de modo erróneo, pois tinha medo de que não fosse bom para as pessoas da família”.
Em sede de fundamentação jurídica da decisão absolutória do crime de falsas declarações sobre a identidade, afirmou materialmente o M.mo Juiz a quo no quarto parágrafo da página 4 do texto da sua sentença, originalmente ridigida em chinês (a fl. 62v dos autos), que:
– A arguida, ao fornecer dado identificativo não verdadeiro da sua mãe, forneceu os seus verdadeiros dados identificativos respeitantes ao seu próprio nome, à data de nascimento, ao local de nascimento e ao nome do seu pai. Por isso, a propósito da questão de divergência no nome da mãe, o Tribunal entende que esta divergência não é susceptível de acarretar necessariamente a que a Polícia não conseguisse investigar e confirmar os dados identificativos da arguida. Ao mesmo tempo, dentro do processo, não se conseguiu provar que a arguida, ao fornecer o dado identificativo falso, teve por intuito fazer com que a Polícia não soubesse que ela tenha chegado a deixar dados identificativos na Polícia, pelo que sem prejuízo do suficiente respeito pelo entendimento jurídico do Ministério Público, o Tribunal decide declarar improcedente a acusação da prática, pela arguida, de um crime de falsas declarações sobre a identidade.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Dos elementos coligidos na parte II do presente aresto de recurso, resulta claro que o Tribunal a quo decidiu absolver a arguida do inicialmente também acusado crime de falsas declarações sobre a identidade, apenas por entendida não comprovação do dolo da arguida.
A Digna Delegada do Procurador ora recorrente considerou, porém, que o Tribunal recorrido errou manifestamente na apreciação da prova, ao ter dado como não provada a factualidade acusada com pertinência à afirmação do dolo da arguida.
Para o presente Tribunal ad quem, depois de analisados todos os elementos probatórios indicados na fundamentação probatória da sentença impugnada, realiza que aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do julgador perante os mesmos elementos probatórios, não é manifestamente desrazoável o resultado de julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal recorrido, pelo que não pode vir atacar aquela Digna Entidade Recorrente a livre apreciação da prova feita pelo Mm.o Juiz a quo, o qual concluiu pela não comprovação do dolo da arguida na prática do crime de falsas declarações sobre a identidade.
Na verdade, da mera circunstância provada de a arguida ter preenchido um nome falso referente à sua mãe no boletim de declaração de identidade, por si só, não se pode deduzir necessariamente que ela, com essa conduta, tenha pretendido fazer com que a Polícia, aquando da sua futura reentrada em Macau, não soubesse que ela tenha chegado a entrar em Macau, evitando assim que viesse a ser possivelmente punida em sede criminal.
Improcede, assim, e sem mais outra indagação por ociosa, o recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do Ministério Público.
Sem custas.
Fixam em mil patacas os honorários da Ilustre Defensora oficiosa da arguida, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 30 de Junho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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