Processo nº 200/2010
(Recurso Cível)
Data: 30/Junho/2011
Assuntos:
- Interesse em agir
- Indeferimento liminar da petição
- Acção de apreciação positiva
SUMÁRIO :
1. Tem interesse em agir o A. que pretende ver definida a situação jurídica decorrente da resolução comunicada pelo promitente comprador que pretende dele, promitente vendedor, a restituição do sinal.
2. Não obstante o promitente vendedor ter o sinal consigo o seu interesse não será apenas tutelado com uma posição de facto de não restituição do sinal.
3. A incerteza objectiva e grave a que alude o artigo 73º, n.º 1 do CPC há-de ser aquela que mereça tutela jurídica a que alude o artigo 1º do CPC.
4. A incerteza será objectiva quando provém de factos exteriores e não apenas da mente do autor; será grave, quando causadora de prejuízos (patrimoniais e/ou não patrimoniais)
5. A gravidade da incerteza medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor.
6. Não deixa de ser facilmente apreensível que qualquer pessoa tenha um interesse legítimo em ver definida uma situação jurídica emergente de um contrato que a contraparte deu como resolvida, pretendendo a devolução de uma quantia algo significativa e cuja definitividade na integração do património se traduz num valor atendível, enquanto fundo negocial do A.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 200/2010
(Recurso Civil)
Data: 30/Junho/2011
Recorrentes: A e B
Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A e B, recorrentes nos autos, aí melhor identificados, em que são recorridos C e D, face ao despacho de indeferimento da petição inicial em acção por eles intentada e em que pediam fosse declarado que os réus incumpriram definitivamente o contratro-promessa e que os autores tinham o direito a fazer seu o sinal que receberam dos réus vieram alegar, dizendo, em síntese:
Se os autores, alegando ter prometido vender aos réus um imóvel que este lhes prometeu comprar, e que estes lhes enviaram uma notificação judicial avulsa para que considerassem o contrato-promessa sem efeito e lhes devolvessem o sinal prestado, intentaram uma acção declarativa de simples apreciação positiva pedindo que seja declarado que os réus incumpriram definitivamente o contrato-promessa e que os autores têm o direito de fazer seu o sinal recebido, encontra-se assegurado o pressuposto processual do interesse em agir.
Porque os autores trazem à apreciação do Tribunal uma questão de natureza jurídica, reagindo contra uma situação de incerteza objectiva e grave, consubstanciada em factos externos que põem em causa o cumprimento do contrato e susceptível de causar prejuízo.
O interesse em agir é um pressuposto que, apesar de ser aferido relativamente a ambas as partes (autor e réu) é preenchido simultaneamente pelo autor para ambas as partes, pelo que ao assegurar o seu interesse em demandar o autor garante igualmente o interesse em contradizer do réu e vice-versa.
Pelo que decidindo de forma diferente, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 72° e 73°/1, do CPC.
Pedido
Nestes termos, concluem, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que ordene a notificação dos réus para contestarem, querendo, no prazo e sob cominação legais, seguindo-se os demais termos até final.
C e sua mulherD, ambos melhor identificados nos autos à margem cotados, contra-alegam, em síntese:
Os recorrentes bem lembram, no n.º 3 das suas, aliás mui doutas, alegações, foi já instaurada contra os mesmos uma acção pedindo a sua condenação na restituição do sinal, recebido dos aqui respondentes, e a anulação do negócio jurídico ora em litígio.
Pelo que, mal se entende qual o efeito útil que os recorrentes visam conseguir com esta porfia.
Ora, em ambas as acções agora em referência, é patente que os sujeitos processuais são os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Que o mesmo é dizer, são os mesmos outorgantes do negócio controvertido.
Dúvidas não podem restar sobre identidade do pedido, uma vez que a pretensão dos recorrentes é a mesma que a dos aqui respondentes.
Ou seja, querem ambas as partes, conflituosamente, obter ganho de causa sobre o destino a dar ao sinal convencionado.
Claramente, é inequívoca a identidade entre as duas pretensões no tocante à causa de pedir, isto é, ambas derivam da celebração de um mesmo negócio, que uns alegam ser válido e os outros que o não é.
De outro modo, para obter os efeitos pretendidos em qualquer dos pedidos em causa, é imperioso apreciar, previamente, a idoneidade jurídica dos factos (o negócio causal) de onde os mesmos efeitos possam, eventualmente, brotar.
Como bem salta à vista, no caso presente, não é agora vislumbrável o necessário requisito da objectiva incerteza, (se é que alguma vez a houve), que brote de factos exteriores e de circunstâncias externas susceptíveis de causar prejuízo.
Pois os recorrentes foram já citados, nos referidos autos, para contestar a pretensão dos agora respondentes.
O que, já fizeram e, certamente, foram atentamente ouvidos.
Pelo que, os princípios fundamentais do contraditório e da igualdade das partes, que consagram a paridade substancial de condições e oportunidades de que as partes devem beneficiar no uso de meios de defesa, foram amplamente observados.
No caso presente, verifica-se, pelas razões supra indicadas, ser este recurso espúrio, por manifestamente impertinente.
Sendo evidente que os recorrentes, lançando mão deste expediente processual, nenhum benefício dele poderão aproveitar.
No caso em apreço, tanto a pretensão indeferida liminarmente, como os presentes autos recursórios, carecem, inequivocamente, de fundamento sério.
E, ainda que se entenda que não seja pacífica (o que não se concede) a falta de fundamento da acção indeferida liminarmente,
Temos já por inquestionável que o enquadramento factual e jurídico em que foi moldado o presente recurso configura um caso, por abusivo, de um uso manifestamente reprovável dos meios processuais.
O que, para além de contribuir para congestionar o tráfego processual, fez incorrer os recorridos em incómodos e despesas inerentes à sua defesa.
Nestes termos, concluem, no sentido de que deve o presente recurso ser julgado improcedente por ser inútil e, consequentemente, ilegal, condenando-se os recorrentes, por litigância de má fé, em avultada multa e no pagamento aos respondentes de uma indemnização, a fixar equitativamente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - Despacho recorrido:
É do seguinte teor:
“Os autores, afirmando-se donos de um imóvel que prometeram vender aos réus e alegando que estes os notificaram através de uma notificação judicial avulsa para que considerassem o contrato promessa sem efeito e para que lhes devolvessem o sinal prestado, intentaram esta acção declarativa de simples apreciação positiva pedindo que seja declarado que os réus incumpriram definitivamente o contratro-promessa e que os autores têm direito a fazer seu o sinal que receberam dos réus.
Nas acções declarativas de simples apreciação, como é a presente (art. 11°, n.° 2, al. a) do Código de Processo Civil), há interesse processual quando o autor pretenda reagir contra uma situação de incerteza objectiva e grave (art. 73°, n.° 1 do mesmo código).
Não oferece dúvidas que os autores pretendem reagir contra uma situação de incerteza objectiva. Com efeito, há divergência entre autores e réus, o que configura incerteza, e tal incerteza foi objectivada numa notificação judicial avulsa, tendo saído da esfera subjectiva do pensamento dos réus através de razões objectivas plasmadas na referida notificação. E as razões objectivas plasmadas no referido "objecto" judicial avulso poderão configurar erro na formação da vontade negocial, espontâneo ou provocado por dolo, pelo que, também na perspectiva jurídicosubstantiva é objectiva a incerteza.
Porém, a incerteza não se reveste de gravidade suficiente para conferir aos autores interesse em agir judicialmente, isto é, não faz com que a situação jurídica dos autores fique numa situação de carência que justifique o recurso às vias judiciais para a suprir (art. 72° do C.P.C.).
O art. 73°, n.° 1 do Código de Processo Civil ao exigir que a incerteza tenha o qualificativo de grave para conferir interesse processual ao autor, exige que a dúvida cause ao mesmo autor prejuízo material ou moral relevante1. Ora, no caso em apreço, os réus dizem que não querem celebrar o contrato definitivo, pelo que nesta parte, querendo os autores que se declare definitivamente incumprido o contrato-promessa, ambos os contraentes pretendem a mesma coisa, donde não resulta litígio ou incerteza que conceda aos autores interesse processual. E se alguma incerteza existe, ela não causa qualquer prejuízo aos autores, pois que também eles não querem celebrar o contrato definitivo. A questão do prejuízo coloca-se em sede da divergência quanto ao destino do sinal, pois que os réus querem que os autores lho devolvam, ao passo que os autores pretendem fazê-lo seu, já tendo dado a conhecer aos réus tal pretensão. Porém, os autores têm o sinal em seu poder, razão por que não necessitam de recorrer ao tribunal para o conservar basta-lhes recusar a devolução, não necessitando, no momento actual, de qualquer tutela judicial dessa faculdade de conservação do sinal2. São os réus que necessitam de recorrer às vias judiciais se quiserem reaver o sinal que os autores não querem devolver, pois que não têm outro meio lícito de os coagir. Enquanto os réus não os demandarem judicialmente, nada necessitam fazer. E se os réus resolverem demandar os autores no tribunal, nessa altura, os autores poderão defender-se plenamente, não havendo qualquer razão para antecipar a intervenção do tribunal, pois que configura uso de recursos escassos sem proveito de relevo para os autores. Pelo contrário, nesta acção impenderá sobre os autores o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que alegam, ao passo que na que os réus intentem, a eles incumbirá o ónus da prova dos factos constitutivos. Não se vê razão para os autores demandarem os réus "à cautela" e por antecipação. Não é grave a incerteza, no sentido de causar aos autores prejuízo que configure uma situação de carência ou necessidade de intervenção do tribunal.
Falta, pois, interesse em agir aos autores, nos termos dos arts. 72° e 73°, n.° 1 do Código de Processo Civil.
Tal falta de interesse processual constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso que implica a absolvição do réu da instância e, se detectada "in limine", implica o indeferimento liminar da petição inicial.
Pelo exposto, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 394°, n.° 1, al. c), 412°, n.° 2, 413°, al. h), 414°, 72° e 73°, n° 1, todos do Código de Processo Civil, julga-se verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir dos autores nesta acção declarativa de simples apreciação positiva e, em consequência, indefere-se liminarmente a petição inicial.
Custas pelos autores.
Notifique.”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber se a pretensão do A. consubstancia um interesse que se possa considerar objectivo e grave, tal como decorre do artigo 73º, n.º 2 do CPC (Código de Processo civil).
Fundamentalmente o que está em causa é o seguinte:
Os AA. prometeram vender aos RR. uma dada fracção X.
Estes pagaram-lhes o sinal acordado de HKD 258.000,00.
A uma dada altura os RR notificaram(por notificação judicial avulsa) os AA. de que consideravam o contrato promessa resolvida, que em caso algum celebrariam o contrato prometido e intimaram os AA. a devolver- lhes o sinal.
O Mmo Juiz a quo entendeu que os AA. não tinham interesse em agir e indeferiu liminarmente a petição.
Basicamente, com o argumento de que os AA. já tinham o sinal consigo e competiria aos RR. proceder judicialmente contra eles a fim de lograrem a pretensão da devolução do sinal. Pelo que o interesse dos AA. não seria grave.
Para melhor esclarecimento leia-se o teor do despacho acima transcrito.
2. Com todo o respeito não assiste razão ao Mmo Juiz.
O legislador de Macau verteu na norma - inexistente no Direito positivo anterior ou sequer em Portugal - o conceito elaborado doutrinariamente, nomeadamente pela pena de Manuel de Andrade e Antunes Varela, do que deva ser o interesse em agir, na linha da doutrina italiana.
Mas terá sido menos feliz na conceptualização do instituto, levando a pensar que a gravidade do interesse se traduza na sua comensurabilidade.
Desde logo, numa interpretação literal e estrita, havendo prejuízos, nomeadamente materiais, de acordo com os valores em jogo teríamos que alguns seriam graves e outros não.
O que seria então um prejuízo grave? O que estivesse abaixo das 100, 500, 1000 patacas? Algum credor que estivesse prejudicado nesse valor não poderia recorrer à via judicial para satisfação do seu crédito?
Estamos em crer que não é e esse o caminho.
3. Como a lei de Macau tomou posição sobre a vexata quaestio acerca do alcance do conceito de interesse para efeitos de legitimidade, tomando partido a favor da posição defendida por Barbosa de Magalhães, em que a legitimidade seria aferida em termos da titularidade da relação material controvertida, tal como configurada pelo A. - cfr. art. 58º do CPC -, em detrimento da posição de Alberto dos Reis, em que seria aferida em função da titularidade do interesse na relação controvertida3, importaria autonomizar o interesse em agir. E fê-lo, regulando-o e conceptualizando-o nos artigos 72º e 73º do CPC.
4. Atentemos no que sobre este requisito diz A. Varela:
“O interesse processual consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção.
Chamam-lhe os autores italianos interesse em agir e dá-lhe a doutrina germânica, com maior propriedade, o nome de necessidade de tutela judiciária (Rechtsschutrbedurfnis). O autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção idos tribunais.
(...)
Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade ide satisfazer um mero capricho (de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial.
O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso.
(...)
Nas acções de simples apreciação é que o apuramento do interesse processual reveste maior acuidade.
Destinando-se essas acções a «obter unicamente a declaração da existência ou inexistência dum direito ou dum facto», tem-se entendido que não hasta qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto, para que haja interesse processual na acção.
Se o escritor quiser fazer reconhecer em juízo a autoria de uma obra cuja paternidade nunca lhe foi negada por quem quer que fosse, no intuito de prevenir dúvidas que o autor admite -possam futuramente vir a ser levantadas, faltar-lhe-á interesse processual. De igual falta sofrerá a acção de negação da paternidade que só por manifesta ironia ou por evidente gracejo foi atribuída ao autor.
Para afastar estes e outros casos semelhantes se tem sustentado que, nas acções de simples apreciação, a incerteza contra a qual o autor pretende reagir deve ser objectiva e grave. “
5. Posto isto, importa delimitar o conceito.
A incerteza objectiva e grave a que alude o artigo 73º, n.º 1 do CPC há-de ser aquela que mereça tutela jurídica a que alude o artigo 1º do CPC.
Desde que haja danos e haja uma incerteza sobre a sua existência parece que haverá interesse em agir e a definição da situação jurídica se configure controvertida.
Esta aproximação encontramo-la, incisiva, na Doutrina de Macau4, quando se explicita que “a incerteza será objectiva quando provém de factos exteriores e não apenas da mente do autor; será grave, quando causadora de prejuízos (patrimoniais e/ou não patrimoniais)”
Na esteira, aliás, da melhor Doutrina comparada.5
É aliás, o que resulta da própria lição extraída de A. Varela, quando afirma que a gravidade da incerteza "medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor" 6
6. Não deixa de ser facilmente apreensível que qualquer pessoa tenha um interesse legítimo em ver definida uma situação jurídica emergente de um contrato que a contraparte deu como resolvida, pretendendo a devolução de uma quantia algo significativa e cuja definitividade na integração do património se traduz num valor atendível, enquanto fundo negocial do A.
Dizer que o dinheiro já está do lado de cá e cabe à contraparte mexer-se parece uma visão algo simplista e ao arrepio do princípio da tutela jurídica do acesso aos tribunais.
É legítimo que os cidadãos nos seus negócios possam saber com o que contam e saber se um dado negócio por si celebrado se mantém ou não erecto.
Isto até para não falar noutra obrigações contratuais, nomeadamente em relação à posse e uso da coisa ou até obrigações fiscais.
Pelo que o dano potencial em causa nos autos não está sequer e apenas no facto de os promitentes vendedores, autores e ora recorrentes, não verem reconhecido o direito de fazerem seu o sinal recebido, no montante de 258 mil dólares de Hong Kong.
6. Acresce que, por outro lado, como se alega, a gravidade presente num conflito, ademais se emergente de um contrato bilateral, é ele próprio correlativo.
Na verdade, se o autor tiver interesse em demandar, ou seja, se essa parte extrair alguma vantagem na sua situação relativa perante o réu com a concessão da tutela judiciária, então o réu tem igualmente interesse em contradizer, porque tem interesse em opor-se à vantagem que o autor pretende obter com a tutela judicial requerida. Correspondentemente, se o autor não tiver interesse em demandar - em nada benificiando relativamente à posição de que já desfruta sem essa tutela -, então o réu não tem interesse em contradizer, porque essa tutela obtida pelo autor, que não atribui qualquer vantagem a esta parte, também não o coloca em situação desvantajosa perante a parte activa.
No caso em apreço, se o prejuízo para os autores é não ficarem com o sinal, o prejuízo para os réus é não obterem a restituição desse sinal e se estes podem vir a juízo para fazerem valer o seu direito, o interesse da contraparte há-de corresponder exactamente ao seu inverso, qualitativa e quantitativamente considerando.
Esta correlatividade apenas cederá em certa medida nas situações das acções de apreciação negativa, como anota Manuel de Andrade, citando Invrea, porquanto seria altamente gravoso que um qualquer titular de um direito de um direito subjectivo material pudesse reivindicar para si a tutela da oponibilidade do seu direito erga omnes e pudesse solicitar para si uma qualquer das formas de tutela judiciária, impondo à contraparte o gravame e o incómodo que se traduz em suportar a defesa sobre um direito a que se não oponha.
Mas nada disto se passa no caso “sub judice”, em que estamos perante uma acção de apreciação sim, mas positiva, como interesse concretizado acima visto e que se não deixa de ter por estimável.
7. Os autores têm, pois, o direito de recorrer a Tribunal para verem resolvida a dúvida (de facto e de direito) em que se funda o conflito de interesses em causa. Independentemente de terem já consigo o dinheiro do sinal, querem a situação esclarecida para ser ultrapassada a situação de conflito e alcançada uma situação de paz jurídica.
8. Uma referência breve à motivação dos recorridos quando pretendem extrair da acção entretanto interposta pelos RR. uma situação de inutilidade por litispendência com uma outra entretanto interposta.
Pedindo até a condenação dos AA., ora recorrentes, como litigantes de má-fé..
Sinceramente que não se vê onde possam ter razão. Misturam alhos com bugalhos.
A questão da litispendência e a inutilidade ou desnecessidade da acção é uma outra questão e não é objecto deste recurso nem foi considerada pelo Mmo Juiz.
Se eventualmente houver alguma litispendência há-de ser oportunamente declarada. Nada disso tem que ver com um indeferimento de uma acção e apuramento da validade da sua causa de pedir, do pedido que aí se formula e respectivos pressupostos processuais.
Para mais, quando a presente acção até foi interposta em primeiro lugar, porventura desconhecendo os AA. se os RR. iriam interpor alguma acção, pretendendo pôr legitimamente termo a um grau de incerteza que se podia eternizar com todos os incómodos e prejuízos daí decorrentes.
Em palavras simples, como já transpirou acima, no mínimo, não basta ter o sinal consigo, importa saber se esse dinheiro pode ser livremente disponibilizado, não se vá dar o caso de ter que ser restituído.
Essa aspiração pela certeza e definição de uma situação jurídica merece a tutela do Direito e sendo isso que está em causa neste recurso, cederão obviamente todas as considerações expendidas pelos recorridos que não terão de ser aqui avaliadas.
E tanto basta para desconsiderar qualquer litigância de má-fé por parte dos AA., não fora até dar-se o caso de se poder considerar que a quem não assiste qualquer fundamento na oposição aventada seria aos recorridos.
9. Face ao exposto, conclui-se no sentido de que se os autores, alegando ter prometido vender aos réus um imóvel que estes lhes prometeram comprar, e que estes lhes enviaram uma notificação judicial avulsa para que considerassem o contrato-promessa sem efeito e lhes devolvessem o sinal prestado, intentaram uma acção declarativa de simples apreciação positiva pedindo que seja declarado que os réus incumpriram definitivamente o contrato-promessa e que os autores têm o direito de fazer seu o sinal recebido, encontra-se assegurado o pressuposto processual do interesse em agir que não se deixa, assim, de ter por objectivo e grave.
Pelas razões expostas, o recurso não deixará de proceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, determinam o prosseguimento da acção se a tal outras razões o não impedirem.
Custas pelos recorridos.
Macau, 30 de Junho de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Cfr. Varela/Bezerra/Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 187.
2 Miguel Teixeira de Sousa, O Interesse Processual na Acção Declarativa, Lisboa, 1989, p. 9, afirma que "o interesse processual é aferido em função da necessidade tutela judicial ... ".
3 - Alberto dos Reis, CPC Anot., I vol., Reimp., 2004, 74 e segs
4 - CPC de Macau Antado e Comentado, Cândida Pires e Viriato Lima, 2006, I, 234
5 - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil,, 1993, Reimp, 79
6 - Manual de Processo Civil. 2ª ed., Coimbra, p. 187
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