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Processo n.º 787/2010 Data do acórdão: 2011-7-7
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – suspensão da execução da prisão
  – valor diminuto do objecto furtado
S U M Á R I O
Embora o arguido, in casu condenado como autor de dois crimes de furto, já tenha tido vários antecedentes criminais, e chegado a cumprir até prisão efectiva, acredita o tribunal ad quem que atento especialmente o valor diminuto dos objectos furtados, conjugado com a circunstância de que esses foram logo recuperados, a simples censura do facto e a ameaça da prisão possam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que não repugna passar a determinar a suspensão da execução da pena de prisão do arguido, com a condição de ele tirar o vício de toxicodependência e cumprir rigorosamente o plano de acompanhamento de reinserção social.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 787/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 236 a 238 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-08-0020-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de dois crimes consumados de furto, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do Código Penal de Macau (CP), em seis meses de prisão por cada um dos crimes, e, em cúmulo jurídico, na pena única de nove meses de prisão efectiva, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar unicamente a suspensão da execução dessa pena única, por um período não superior a três anos (cfr. o teor da motivação de recurso apresentada a fls. 285 a 287 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Procuradora-Adjunta junto do Tribunal recorrido, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. a resposta de fls. 293 a 294v).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 315 a 317), no sentido de uma eventual prognose favorável à luz do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão do recurso, é de atender a toda a matéria de facto já dada por provada em primeira instância e descrita na fundamentação fáctica do acórdão recorrido (concretamente a fls. 236v a 237 dos autos), cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil de Macau, ex vi do art.o 4.o do CPP.
E dessa factualidade provada, decorre materialmente que:
– o arguido, em 15 de Julho de 2005, furtou cinco guarda-chuvas, postos à venda numa loja, no valor total de cento e vinte e cinco patacas, e, em 22 de Dezembro de 2005, furtou um pacote (em papel) de chocolate, posto à venda numa outra loja, com quatrocentas e vinte e cinco patacas de preço, e como essas condutas foram descobertas logo, esses objectos foram recuperados;
– em 16 de Agosto de 1995, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de furto, na pena de prisão de quatro meses e na multa de um mês (à taxa diária de doze patacas), sendo a prisão suspensa por dois anos;
– em 6 de Dezembro de 1995, foi condenado, pela prática de um crime de detenção de droga, em mil patacas de multa;
– em 28 de Setembro de 1998, foi condenado, pela prática de um crime de traficante-consumidor, em seis meses de prisão e cinco mil patacas de multa, sendo a pena de prisão suspensa na sua execução por dois anos;
– em 30 de Abril de 2004, foi condenado, pela prática de um crime de roubo, na pena de um ano e seis meses de prisão, pena essa já cumprida;
– e em 3 de Abril de 2006, foi condenado, pela prática de um crime de furto, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pena essa que já foi declarada extinta.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Pede o arguido a suspensão da execução da sua pena única de prisão.
In casu, embora o arguido já tenha tido vários antecedentes criminais, e chegado a cumprir até prisão efectiva (por um crime de roubo), acredita este Tribunal ad quem que atento especialmente o valor diminuto dos objectos furtados, conjugado com a circunstância de que esses objectos foram logo recuperados, a simples censura do facto e a ameaça da prisão possam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que não repugna passar a determinar a suspensão da execução da pena única de nove meses de prisão do arguido, pelo período de cinco anos, nos termos dos art.os 48.o e 50.o, n.o 1, do CP, com a condição de o arguido tirar o vício de toxicodependência e cumprir rigorosamente o plano de acompanhamento a ser traçado pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em determinar a suspensão, por cinco anos, da execução da pena única de nove meses de prisão, imposta no acórdão recorrido ao arguido A, pela prática, em autoria material, de dois crimes consumados de furto, suspensão essa subordinada à condição de o arguido tirar o vício de toxicodependência e cumprir rigorosamente o plano de acompanhamento a ser traçado pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça.
Sem custas.
Fixam em mil patacas os honorários a favor do Ilustre Defensor Oficioso do arguido, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique o presente acórdão (com cópia do acórdão recorrido) à Direcção dos Serviços de Justiça.
Macau, 7 de Julho de 2011.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)

Processo nº 787/2011
        (Autos de recurso penal)



Declaração de voto

Vencido.

No que toca a “suspensão da execução da pena”, tem este T.S.I., repetidamente, afirmado que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., o Acórdão de 26.05.2011, Proc. 276/2011).

Afigurando-se-me de manter este entendimento, que me parece adequado, não posso sufragar o douto Acórdão que antecede, pois que me parece que se olvida – ou, mesmo, inverte – o aludido entendimento.

Não se nega, (nem se pretende escamotear), que “cada caso é 1 caso”, e que também temos afirmado que se devem “evitar penas de prisão de curta duração”; (cfr., v.g. Acórdão de 17.02.2011, Proc. n.° 960/2010 e de 24.03.2011, Proc. n.° 937/2010).

Porém, (e como também se decidiu nos mencionados Acórdãos de 17.02.2011 e de 24.03.2011), “se o arguido tem um C.R.C. com várias condenações, de onde se denota uma personalidade com tendência para a prática de crime”, outra deve de ser a solução.

In casu, há ainda a notar que, pouco antes da prática dos ilícitos matéria dos presentes autos, foi o recorrente condenado pela prática de 1 crime de “roubo”, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, que cumpriu, vindo a ser libertado em 03.05.2005, pouco mais que 2 meses antes do 1° crime de “furto” dos autos, ao qual se seguiu, outro, não obstante ter sido surpreendido em flagrante a cometer o anterior, e pelo qual foi também detido e submetido a interrogatório, como arguido, no Ministério Público.

Por sua vez, julgado que foi à revelia em 1ª Instância, também não compareceu à audiência neste T.S.I., demonstrando assim, quanto a nós, um total alheamento às consequências da sua conduta.

Nesta conformidade, (e em nossa opinião, nada nos autos permitindo também afirmar que seja o arguido um “tóxico-dependente”), adequada não se nos mostra a decretada suspensão da execução da pena.

Como em recente Acórdão deste T.S.I. se consignou: “dúvidas não há que o Tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco fundado e calculado, sobre a manutenção do agente em liberdade.
Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada”; (cfr., Acórdão de 30.06.2011, Proc. n.° 336/2011).

Por fim, e não se negando que nos “furtos” dos presentes autos, em causa estão “valores diminutos”, na mesma não nos parece que a dita suspensão seja compatível com as necessidades da sua prevenção geral.

Macau, aos 7 de Julho de 2011

José Maria Dias Azedo




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