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Processo n.º 119/2008
(Recurso laboral)

Data: 26/Maio/2011

Recorrente: S.T.D.M.

Recorrida: A (A)

Recorrente (Do recurso Interlocutório): S.T.D.M.

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    A, melhor identificada nos autos, patrocinada pelo MP, veio interpor contra Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.” (澳門旅遊娛樂有限公司), Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede em Macau, Região Administrativa Especial de Macau, no Hotel Lisboa, 9º andar, acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação da Ré, a título de créditos laborais a pagar- lhe a quantia de MOP$125.665,71 acrescida dos respectivos juros a contar desde a cessação da relação laboral.
    Julgada a causa, foi decidido condenar a Ré a pagar o montante de MOP$123.559,98 acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da sentença.
    Foi proferido despacho saneador por força do qual foi julgada improcedente a prescrição arguida na contestação dos créditos reclamados, por não ter decorrido o respectivo prazo.
    Inconformada com esta decisão, veio a Ré recorrer interlocutoriamente para este Tribunal de Segunda Instância, a fim de obter a revogação da mesma.
    A este recurso respondeu a A., defendendo o acerto da decisão.
    
    Da decisão final vem recorrer a STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., R. alegando, em rotunda síntese:
    Carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da parte A., ora recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
    Deve considerar-se que o salário do trabalhador era um salário diário.
    Cabia ao trabalhador provar que a empregadora obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
    Não concluindo pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
    A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
    Ao trabalhar voluntariamente em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o trabalhador optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
    O trabalho prestado em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
    As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
    
    Pronunciando-se sobre quais as fórmulas aplicáveis, pugna pela procedência do recurso.
    
    O A. nas suas contra-alegações pugna pela manutenção da sentença recorrida.
    
    Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
    Matéria de facto provada :
    a) A Autora trabalhou para a Ré entre 1 de Agosto de 1998 e 2 de Abril de 2002 como empregado de casino.
    b) Como contrapartida da sua actividade laboral, a Autora, desde o início da relação laboral com a Ré e até à respectiva cessação, recebeu, de dez em dez dias, uma quantia fixa diária de MOP$15.00.
    c) Além disso, a Autora recebeu, de dez em dez dias, uma parte, variável, das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os trabalhadores desta.
    d) As gorjetas eram distribuídas pela entidade patronal segundo um critério por esta fixado por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
    e) Na distribuição interna das gorjetas, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e departamento em que trabalhavam.
    f) A Ré sempre pagou à Autora, regular e periodicamente, a respectiva quota-parte das gorjetas, as quais sempre integraram o orçamento normal do Autor, que sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
    g) Entre os anos de 1998 e 2002, a Autora recebeu, ao serviço da Ré, os seguintes rendimentos anuais:
    
    1998 - MOP$13,634.00
    1999 - MOP$26,418.00
    2000 - MOP$25,464.00
    2001 - MOP$26,769.00
    2002 - MOP$36,025.00
    h) Sobre esses rendimentos incidiu imposto profissional nos termos que constam da certidão de rendimentos de fls. 15 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
    i) A Autora prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
    j) A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
    - 1° e 6° turnos: das 7 às 11 horas e das 3 às 7 horas.
    - 3° e 5° turnos: das 15 às 19 horas e das 23 às 3 horas;
    - 2° e 4° turnos: das 11 às 15 horas e das 19 às 23 horas.
    k) Nos dias em que a Autora não prestou serviço efectivo não recebeu, da parte da Ré, qualquer remuneração.
    1) A Autora sempre prestou serviços nos seus dias de descanso semanal.
    m) Sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial nem disponibilizado com outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço.
    n) A Autora prestou serviço à Ré nos feriados obrigatórios de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1999, 2000 e 2001, bem como 1 de Janeiro e 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 2002.
    o) A Autora prestou também serviço à Ré nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng do ano de 1999, e 1 dia de Cheng Meng, 1 dia de seguinte ao de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong, e 20 de Dezembro dos anos de 2000 e 2001.
    p) Sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
    q) O Autor prestou serviço à Ré nos dias de descanso anual, sem que, por isso, a Ré lhe tenha pago qualquer compensação salarial.
    r) Nos dias de descanso em que o Autor trabalhou, auferiu os respectivos rendimentos.
    
    III - FUNDAMENTOS
    
    São dois os recursos a conhecer:
    A - Recurso do saneador sobre a prescrição
    B- Recurso da decisão final
    
    A - Recurso da Saneador
    1. A Ré, na douta contestação que apresentou, invocou a prescrição dos créditos alegados pela Autora.
    No entender da Ré, o prazo geral da prescrição é de cinco anos, nos termos do disposto no art. 303º, f) do Código Civil e interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o seu direito.
    2. A legislação de Macau respeitante às relações laborais a partir de 1984, ou seja, o DL 101/84/M, de 25 de Agosto e o vigente DL 24/89/M, de 3 de Abril, não contém um regime específico sobre a prescrição dos créditos emergentes das relações jurídico-laborais.
    Reconhece-se que, na falta de norma laboral específica, é de aplicar a norma geral resultante do Código Civil, 20 anos no CC de 66 e 15 anos no CC de 99.
    A primeira abordagem a fazer é a da aplicação da lei no tempo, ou melhor dizendo, - o Código Civil regula a sucessão das leis de alteração de prazos de forma autónoma em relação à regra da sucessão de leis no tempo1- importa indagar qual o prazo que se aplica, se o da lei velha ou o da lei nova? 20 anos do CC velho ou 15 anos do CC novo?
     O novo prazo aplica-se aos prazos que já estiverem em curso, mas conta-se apenas o tempo decorrido na vigência da nova lei, salvo se daí resultar um prazo mais longo do que o da lei anterior, caso em que o prazo continua a correr segundo esta lei (artigo 290º do Código actual).2
    Claro que para a escolha do prazo aplicável, vista a salvaguarda feita na parte final daquele preceito, sempre importará indagar do prazo a quo, isto é, a partir de que momento se iniciará a sua contagem.
    Em bom rigor pode dizer-se que é a nova lei que se aplica aos prazos que já estão a decorrer, importando não esquecer que a lei só dispõe para o futuro. Mas como no caso em apreço, em qualquer das situações a ponderar, o início do prazo sempre seria de computar antes da data da cessação da relação laboral, ou em qualquer outra data a atender em termos de vencimento do direito, necessariamente anterior àquela, pela sua aplicação, à data da vigência da nova lei, 1 de Novembro de 1999, sempre resultaria um prazo mais longo, teremos de fazer apelo à previsão da parte final do n.º 1 daquela norma e aplicar a lei antiga, já que ao abrigo da mesma sempre faltará menos tempo para o prazo se completar.
    O prazo a aplicar, visto o início do mesmo e o tempo decorrido até 1 de Novembro de 1999, é, pois, o prazo de 20 anos.
    E não de 5 como se chega a defender, já que se não trata aqui de uma prestação renovável.
    Importa não esquecer que os créditos não são os salários, mas sim as compensações por direitos não gozados. E esses direitos não são prestações renováveis, pela razão simples, desde logo, que não se chegaram a verificar.
   E mesmo em relação aos salários dos trabalhadores, a prestação de trabalho não se coaduna com a natureza de uma qualquer prestação renovável, antes se traduzindo na contrapartida de um serviço prestado durante um certo período, sob direcção e instruções da entidade empregadora, correspondendo cada salário a um trabalho próprio, não se podendo dizer que o salário seguinte é a renovação do anterior.
   Ainda, a não consideração de um prazo curto de prescrição insere-se num entendimento que leva a considerar que a relação de proximidade existente pode condicionar o exercício do direito pela parte do trabalhador, pelo que deve ele mostrar-se protegido, como acontecia anteriormente para o serviço doméstico e agora para as relações de trabalho em geral.
    
    3. Vejamos agora qual o momento a partir do qual se iniciará a contagem do prazo da prescrição.
    Para a análise do tema, há que considerar o seguinte quadro legal:
    Estabelece o art. 306º do Código Civil de 1966 que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse prazo se inicia o prazo da prescrição”.
    Não está prevista, de modo expresso, entre as causas bilaterais de suspensão reguladas no art. 318º do Código Civil de 1966, a situação que agora nos ocupa e relativa a créditos emergentes de relação de trabalho não-doméstico.
    Com efeito, o Código Civil de 1966, prevendo embora a figura do contrato de trabalho, relegou para legislação especial a sua regulamentação – cfr. art. 1152º e 1153º do Código Civil de 1966.
    Essa regulamentação no ordenamento jurídico português teve lugar, essencialmente, através do Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969, o qual, no seu art. 38º, estabeleceu um prazo de prescrição de um ano para todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal quer ao trabalhador, contando-se esse prazo “a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
    O art. 318º do Código Civil de 1966, regulando sobre as causas bilaterais da prescrição, determina, entre o mais que agora não releva, que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (al. e) do art. 318º do Código Civil).
    
    4. Por aplicação da regra geral, dir-se-á que o prazo de prescrição em relação a cada um dos créditos aqui reclamados iniciou o seu curso com o respectivo vencimento, uma vez que, a partir daí o Autor passou a estar em condições de exercer os seus direitos.
    Assim, só estariam prescritos os créditos antes de 20 anos de ter ocorrido a notificação para a tentativa de conciliação que ocorreu em 22 de Março de 2007, donde se verificar que em 22 de março de 1987 a A. ainda não estava a trabalhar para a Ré.
   Donde não se verificar qualquer prescrição no caso presente, sendo de confirmar a decisão recorrida.
    
    
    B – Recurso da decisão final
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre as partes;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
 - Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.
- Dos juros.

    As diferentes questões foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.3
    Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI4, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
    Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.5
    
    Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância.
    
    Ressalva-se a inflexão nessa Jurisprudência, a partir de 31/3/2011, v.g. com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI, apenas para os cálculos de algumas compensações relativamente aos descansos não gozados.
    2. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
    
     A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente entre a recorrente e a recorrida, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
    
    Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a parte autora e a ré, em que aquela, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções desta, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.
    
    Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.
     
     3. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.
     O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
     A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.
     O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
     É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
     Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.6
     Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
     As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
     Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
    Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
    Assim acontece em Hong Kong, onde o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.7
    
    Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
    
    4. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
    . prova dos factos
  . liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
  
    Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
    Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
    
    No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito(cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
    
    5. Da liberdade contratual.
    Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
    Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
    
    6. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
     E ainda da configuração do salário como mensal.
    As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
    Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
    Essa posição, no respeitante ao tipo do salário da parte A., releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).

7. Da lei aplicável.
    Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.
     Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
    Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e a inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI .8
    8. Os rendimentos deste processo constam da matéria acima dada como provada.
    

Ano
Salário Médio Diário
1
1998
281.12
2
1999
209.11
3
2000
294.59
4
2001
262.49
5
2002
244.11
    
9. Trabalho prestado em dia de descanso semanal
    Em sede do DESCANSO SEMANAL nada a alterar, uma vez que foi adoptada a mesma fórmula x2, no âmbito do DL 24/89/M, na sentença recorrida, tal como é pacífico neste Tribunal.

    10. Descanso anual
    Em sede de DESCANSO ANUAL, considerando que a fórmula da sentença é a mesma propugnada pela recorrente, não fazendo assim parte do objecto do recurso, manter-se-á a fórmula utilizada

    11. Feriados obrigatórios
    
    Nada a alterar por se ter entrado na sentença com os critérios seguidos por este Tribunal de Segunda Instância.

     12. Dos juros
    Segue-se a Jurisprudência uniforme adoptada nas diferentes matérias e onde se inclui a questão dos juros.
    Assim se tem decidido9 que, não tendo havido qualquer alteração nesta Instância dos valores encontrados, se consideram líquidos os créditos do trabalhador em causa sobre a Ré, tal como liquidados na 1ª instância, devendo ser a partir daí que se devem contar os juros de mora. Os juros são devidos a partir da liquidação operada na 1ª Instância, se ela vier a ser mantida na 2ª Instância. A remissão para o trânsito abrangerá as situações em que a liquidação só se assuma definitiva nesse momento.
    Esta a orientação que tem sido adoptada e aqui se adopta, não tendo razão o recorrente quando pretende um cálculo de juros a partir de um momento de vencimento sobre uma quantia cuja liquidação não se mostra pacífica.
    Este entendimento, aliás, recentemente confirmada em acórdão do TUI tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010).

13. Concluindo,
    Nada se altera em relação ao decidido na 1ª Instância.
    
    Conclui-se, pois, pela não existência de nulidades ou dos apontados vícios de erro de facto e de direito.

     
     IV - DECISÃO
     
     Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal de Segunda Instância, em conferência, em:
     
     - julgar improcedente o recurso interlocutório interposto pela STDM, mantendo o que decidido foi quanto à prescrição;
     - julgar improcedente o recurso da decisão final, também por ela interposto, mantendo o que decidido ficou na 1ª Instância.
    Custas do recurso do recurso interlocutório e da decisão final pela Ré.

                 Macau, 26 de Maio de 2011,

(Relator) João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - Mário Brito, CCAnot., I vol., 1968, 377
2 - CCA, Pires de Lima e A. varela, nota ao artigo 299º
3 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
4 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
5 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
6 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
7 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen XXX and HK XXX Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
8 - Vd. douto voto vencido nos Acórdãos 234/2005 e 257/2007, de 2/3/06 e 9/3/06, respectivamente
9 - Ac. TSI, proc. 2007-45-A, de 7/6
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119/2008 1/22