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Processo n. 860/2009
Recurso jurisdicional
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Maio de 2011
Descritores: Preterição de tribunal arbitral

SUMÁRIO:

Tendo um contrato de prestação de serviços sido celebrado entre uma empresa de importação de trabalhadores não residentes e uma outra de apoio às empresas de Macau, qualquer cláusula compromissória que nele estipule convenção arbitral para decidir quaisquer litígios entre as partes, não pode vincular terceiros, designadamente os trabalhadores posteriormente contratados, no que a esta cláusula se refere.

Processo n. 860/2009



Acordam no T.S.I. da R.A.E.M.


I- Relatório


A, de nacionalidade filipina, com os demais sinais dos autos, moveu uma acção comum de trabalho contra “Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada”, com sede na Av. Venceslau de Morais, s/n, Edifício Industrial ……, Fase …, …º andar, “…”, Macau, pedindo o pagamento do quanto de Mop $ 219.289,00 e juros legais até efectivo e integral pagamento.

O despacho saneador (fls. 206), conhecendo de matéria exceptiva invocada pela contestante, julgou improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral e determinou o prosseguimento dos autos.

Desse despacho interpôs recurso jurisdicional a contestante “Guardforce”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

1.º Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Tribunal “a quo” em 15 de Julho de 2009, a fls. ... e v.:
Não versando a presente acção sobre qualquer litígio ou questão emergente do aludido contrato de prestação de serviços não se aplica no caso em apreço a referida cláusula.
Assim sendo, julgo improcedente a invocada excepção de preterição do Tribunal Arbitral, julgando competente este Tribunal”.
2.º Se dúvidas restassem quanto ao litígio e às diversas questões serem emergentes do contrato de prestação de serviços em causa, os factos dados como assentes, em conjugação com os argumentos do Autor na sua p.i. e os documentos, assim como a resposta à contestação, bem como as questões resultantes da base instrutória, são elucidativos;
3.º Quer isto dizer que, salvo o devido respeito que é muito, a premissa na qual se funda a decisão do Tribunal “a quo” para julgar improcedente a invocada excepção de preterição do Tribunal Arbitral, é incorreta, pois, afigura-se-nos evidente que em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, o contrato de prestação de serviços é o verdadeiro cerne desta demanda;
4.º Por outro lado, a decisão em causa não apresenta qualquer fundamento quer de facto quer de direito que permita ao respectivo destinatário compreender e apreender a motivação da decisão, o que configura violação do disposto no n.º 2 do artigo 31.º, no n.º 2 do artigo 33.º e o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º todos do Código de Processo Civil de Macau, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1.º do C.P.T.M.;
5.º Por conseguinte, a decisão do Tribunal “a quo” de se considerar como competente é nula, por manifesta contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão relativa à competência do Tribunal, assim como por falta de fundamentação de facto e de direito;
6.º Na realidade, como resulta do contrato de prestação de serviços, nomeadamente da cláusula décima segunda, sob a epígrafe “Disposições Finais”:
“Quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3.º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade”.
7.º E, quer dos factos dados como assentes quer da base 'Instrutória, assim como do pedido do Autor, a alegada fonte/origem destes alegados direitos é precisamente o “contrato de prestação de serviços”;
8.º E, sem prejuízo de não ser parte do mesmo, o que configura uma violação do princípio “res inter alia acta aliis nec nocet nec prodest”;
9.º Acontece que as cláusulas dos referidos contratos de prestação de serviços ainda se encontram em vigor, designadamente quanto ao Autor, pelo que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos;
10.º Para além disso, no domínio das formas de auto vinculação, a lei substantiva (Lei de Arbitragem Voluntaria) bem como a lei adjectiva (C.P.C.M. aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1.º do C.P.C.M.) reconhecem e atribuem efeito e tutela jurídica a estas cláusulas compromissórias, como corolário do princípio da autonomia da vontade;
11.º Pelo que, de acordo com a cláusula décima segunda dos referidos “contra tos de prestação de serviços”, não é o Tribunal “a quo” que tem competência para apreciar a presente demanda, mas sim o Tribunal Arbitral;
12.º Porquanto, se o Tribunal “a quo” especificou certos factos ~ na matéria de facto dada como assente e, questionou outros na base instrutória, com base nos “contratos de prestação de serviços”, no que tange a determinadas cláusulas, teria de extrair todas as consequências e efeitos jurídicos em função do vertido em todas as suas cláusulas e da respectiva lei aplicável;
13.º Ao decidir de modo diverso, o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito que é muito, violou o disposto no n.º 2 do artigo 31.º, no n.º 2 do artigo 33.º, no n.º 2 do artigo 412.º, na alínea a) do artigo 413.º e no artigo 414.º todos do C.P.T.M., o que configura uma nulidade da sentença de acordo com a estatuído na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do C.P.T.M. aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1.º do C.P.T.M.
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Em resposta ao recurso, o autor, aqui recorrido, apresentou as suas alegações, que concluiu do seguinte modo:
1. Em primeiro lugar, ao contrário do que insistentemente afirma a Ré, não é verdade que o Autor não se limitou, na sua essência, em “alegados direitos decorrentes do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.”;
2. Do mesmo modo, e uma vez mais ao contrário do alegado pela Ré, não é verdade que “em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, o contrato de prestação de serviços seja o verdadeiro busílis desta demanda”;
3. Bem pelo contrário, o Autor plasmou o seu” raciocínio jurídico” da sua “causa de pedir” em quatro pressupostos, em caso algum autonomizáveis uns dos outros: i) no conteúdo do «despacho de autorização governativa» que terá permitido à Ré a importação e posterior contratação do Autor, enquanto trabalhador não residente; ii) no conteúdo imperativo do normativo constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, enquanto diploma regulador da contratação de mão-de-obra não residente; iii) no conteúdo do «contrato de prestação de serviços» que a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., com vista à importação do Autor; iv) no conteúdo do «contrato individual de trabalho» celebrado com a Ré;
4. Ou melhor, o que reiteradamente foi afirmado pelo Autor, foi antes que a Ré só poderia celebrar contratos de trabalho com trabalhadores não residentes (in casu, com o Autor), desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização», tendo por base as condições de contratação tidas por mínimas previamente aprovadas pelo Gabinete para os Assuntos do Trabalho e constantes do «contrato de prestação de serviços» que a Ré assinou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
5. Sendo que uma vez aprovadas as condições tidas como mínimas, designadamente, as constantes da al. e) do n.º 9 do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, a Ré estava obrigada a contratar o Autor, na medida em que as referidas condições foram previamente aprovadas ou em condições que não poderiam, em caso algum, ser inferiores a elas;
6. Por esta razão, e bem, decidiu o douto Tribunal a quo que não está em causa a apreciação do referido contrato de prestação de serviços.
7. O mesmo é dizer que não é o exacto conteúdo do referido «contrato de prestação de serviços» celebrado pela Ré com um terceiro que constitui o “cerne” dos presentes autos, desde logo porque o mesmo não se aplica de forma directa às relações entre o Autor e a Ré.
8. Ademais, o Autor não é “parte directa” do referido «contrato de prestação de serviços», o qual apenas se aplica “inter partes”.
9. Ao que acresce que os próprios termos da “cláusula compromissória” registam uma vontade inequívoca de dirimir, por essa via, os conflitos eventualmente surgidos entre as partes do contrato em que se insere, sendo que da mesma “cláusula compromissória” não se vislumbra uma qualquer referência à possibilidade de designação de árbitros por terceiros (in casu, pelo Autor), omissão essa que seria sempre insuprível, por ser indeterminável a vontade das partes quanto a este ponto.
10. Por outro lado, a “cláusula compromissória” ao estipular que os litígios devem ser decididos segundo a equidade conduz à pura e simples ablação do direito de acção inscrito no n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo Civil, já que - na ausência de um seu representante e perante a desnecessidade de julgar segundo as leis - tal acção jamais seria «adequada» a reparar a violação dos direitos do Autor.
11. O mesmo é dizer que, em caso algum, o referido «contrato de prestação de serviços» poderia de per si ser “fonte directa” dos direitos invocados pelo Autor, razão pela qual, não sendo o Autor parte do mesmo em caso algum a cláusula respeitante à “arbitragem” daquele constante se poderá aplicar de forma directa ao Autor.
12. De onde, e uma vez mais correctamente o Tribunal a quo concluiu que a «cláusula compromissória» constante do referido «contrato de prestação de serviços» em caso algum poderia vincular o Autor e, como tal só pode improceder a invocada excepção de preteriçõo de Tribunal Arbitral.
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Cumpre decidir
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II- Os Factos
1. “Guardforce”, aqui recorrente e ré na acção, é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, transporte de valores, entre outros.
2- A recorrente tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros.
3- A recorrente celebrou com a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda” os contratos de prestação de serviços n. 9/92, em 29 de Junho de 1992, n. 6/93, em 1 de Março de 1993, 2/94, em 3 de Janeiro de 1994, n. 29/94, em 11 de Maio de 1994, n. 45/94, de 27 de Dezembro de 1994.
4- Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços o autor, ora recorrido, foi recrutado pela sociedade referida em 3 supra e, posteriormente, iniciou a sua prestação de trabalho para a recorrente.
5- O contrato cessou em 31 de Maio de 2008, tendo posteriormente o recorrido movido a presente acção contra a ora recorrente reclamando o pagamento de MOP$ 219.289,00.
6- No contrato de prestação de serviços celebrado entre “Guardforce” e “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda” consta a seguinte cláusula 12ª: “quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade”.
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III- O Direito

1- Diz a recorrente que o despacho de que recorre é nulo porque “não apresenta qualquer fundamento” de facto e de direito e por contradição entre fundamentos e a decisão tomada quanto à competência.
Vejamos o conteúdo do despacho:
“Estabelece o artº 29º, nº 1 do Código de Processo Civil que “as partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação material controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica”.
Ora, de acordo com o nº 2 do citado diploma, tal designação só se mostra válida se disser respeito a litígio sobre direitos disponíveis, se for aceite pela lei do Tribunal designado, corresponder a um interesse sério das partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra, não recair sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau e resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito.
No caso sub judice, a relação material controvertida traduz-se no contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré e o cumprimento ou não das obrigações dele decorrentes.
Pretender, como pretende a Ré obrigar o Autor a clausulas que resultam de um contrato de prestação de serviço celebrado entre esta e terceiro, alegando que o Autor seria dele beneficiário, é tentar impor ao Autor cláusulas de um contrato a que este não se encontra sujeito.
Não versando a presente acção sobre qualquer litígio ou questão emergente do aludido contrato de prestação de serviços não se aplica no caso em apreço a referida cláusula.
Assim sendo, julgo improcedente a invocada excepção de preterição do Tribunal Arbitral, julgando competente este Tribunal”.
Não tem razão a recorrente. Em 1º lugar, mal se compreende que ache nulo o despacho em crise por não ter “qualquer fundamento”e, logo a seguir, considere que nele detecta contradição entre os fundamentos e a decisão. Em 2º lugar, tal como acabado de transcrever, o despacho é suficientemente claro para se perceber o alcance da decisão tomada. Por outro lado, estão lá vertidos os fundamentos de facto e de direito essenciais, ainda que expostos de forma sintética. Pode o despacho não ter acolhido os pontos de vista da recorrente, mas isso contende já com o mérito da decisão. Assim, improcede a imputação de nulidade, face ao disposto no art. 571º, n.1, als. b) e c), do CPC.
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2- Pretende-se no presente recurso saber se o pedido indemnizatório formulado pelo aqui recorrido pode ser discutido no âmbito da acção que contra a recorrente foi movida no TJB da RAEM, isto é, se para a sua apreciação dispõe o tribunal de competência, face ao disposto no art. 30º do CPC de Macau1, ou se, face à convenção de arbitragem incluída na cláusula 12ª do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre “Guardforce” e a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada”, deveria o litígio ter sido submetido à decisão de uma “comissão arbitral”.
Ora, esta não é questão virgem. Com efeito, ela foi já objecto de ajuizamento, por exemplo, nos processos deste TSI números 739/2009, 749/2009, 841/2009,1027/2009 e 916/2009.
Com a devida vénia, a propósito de situação em tudo igual à que ora nos ocupa, transcrevamos o que diz o Ac. de 10/12, no Processo n. 749/2009:

“É inegável que como fundamento do seu pedido, alegou o A. o “contrato de prestação de serviços” que a R. celebrou com a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.”, no qual consta a “cláusula 12.ª”, com base na qual invoca a R. a excepção de preterição do tribunal arbitral aqui em apreciação.
Porém, há que distinguir o seguinte:
Uma coisa é ter ou não o A. razão no que pede, em virtude das alegadas obrigações que a R. assumiu perante a dita “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.”, outra, é a “oposição” que a R. faz ao pedido do A. com base na dita preterição do Tribunal arbitral.
De facto, se o pedido do A. deve ou não proceder, é questão que oportunamente se verá. (…)
(…) o facto de invocar o A. o referido contrato entre a R. e a mencionada empresa “Sociedade...”, não implica que aceite o A. todo o seu clausulado, como que “confirmando” tudo o que nele consta.
(…) De facto, sendo a “convenção arbitral”, no caso, “cláusula compromissória”, um “negócio jurídico bilateral”, (desde sempre) definido como “acordo de regulamentação coordenada de interesses contrapostos” – cfr., C. Mendes, in “Direito Civil, Teoria Geral”, III, pág. 723 – nele havendo duas (ou mais) declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se à comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte, havendo, assim, “uma oferta ou proposta e uma aceitação” – cfr., M. Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 387 – inviável se nos mostra outro entendimento, pois que, como também já se entendeu, “para que haja preterição do tribunal arbitral é necessário que da interpretação da cláusula contratual resulte que as partes quiseram submeter à decisão de um árbitro o litígio em causa” –cfr., Ac. do R.P. de 14.10.94, Proc. n° 9530929) (…)
No mesmo sentido, em situação equivalente e mais recentemente, consignou-se também no Ac. do S.T.J. de 27.11.2008, Proc. n° 08B3522, que “Não é oponível ao trabalhado/autor (terceiro) a cláusula compromissória incluída em contrato de seguro celebrado entre uma determinada seguradora (promitente) e a entidade empregadora do autor (promissária), em benefício dos seus trabalhadores”, já que, “partes no contrato são apenas o promitente e o promissário”.

Neste mesmo TSI foi dito ainda, noutra ocasião, o seguinte:

“As condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
Se o «despacho da autoridade administrativa» apenas vincula a Administração e a Ré e se o «contrato de prestação de serviços» apenas vincula a Ré e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, então o trabalhador é alheio quer ao despacho, quer ao contrato e deles não se pode prevalecer – a não ser que para benefício ou direito instituído a seu favor - nem por eles pode ser obrigado – nomeadamente a recorrer ao tribunal arbitral.
O «despacho de autorização administrativa» não obriga a ré a contratar com "convenção de arbitragem", uma vez que se reporta apenas às condições de trabalho, nelas se não podendo incluir a obrigatoriedade de solucionar os conflitos através do recurso ao tribunal arbitral.
Nos termos da alínea c) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro:
“(...)
3.º A autorização implica a sujeição da requerente a obrigações específicas determinadas, determinadamente, as seguintes (...).
Tal Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa urna disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes (trabalhadores estes que estão excluídos do Regime Geral das Relações Laborais apenas aplicável aos os trabalhadores residentes – DL 24/89/M, de 3 de Abril e LRT) obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.).
Acresce que nem todo o clausulado incluído no «contrato de trabalho» celebrado entre a Ré e o Autor, ora Recorrente, se acha previsto no «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Nos termos do n.º 2 do art. 29º do Código de Processo Civil, - hoje, em assento próprio, artigo 2º, nº 1 da Lei 29/96/M, de 11 de Junho - a validade de uma "cláusula compromissória" só se mostra válida se disser respeito a litígio sobre direitos disponíveis.
Donde se realçar o facto de a relação controvertida submetida a juízo respeitar a matérias indisponíveis, subtraídas a convenção arbitral, excluídas de uma solução baseada em critérios de equidade, antes pelo contrário, a critérios de legalidade estrita.
(…) Configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação" Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nada resulta do contrato que o direito eventualmente estabelecido a favor do terceiro, neste caso o trabalhador, esteja dependente da aceitação daquela cláusula compromissória.
Reafirma-se que o conteúdo do «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a Ré e a entidade fornecedora de mão-de-obra não é fonte directa dos direitos invocados pelo Autor, ora Recorrente, tão-somente parcialmente mediata, importando não esquecer o contrato de trabalho directamente celebrado entre o empregador e o trabalhador, sendo que aquele contrato podia nem sequer ser do conhecimento do trabalhador enquanto durou a relação laboral fonte das obrigações questionadas” (Ac. de 21/01/2010, Proc. n. 841/2009).

São arestos com os quais concordamos em absoluto e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso. Não são, aliás, os únicos. Na verdade, também nos processos números 739/2009, 916/2009 (ambos decididos por acórdão de 15/12/2009) e mais recentemente nos acórdãos lavrados em 14/04/2011, nos Processos 619/2010 e 562/2010, se chegou a igual conclusão.

É jurisprudência que aponta a boa solução, com a qual se conforma, aliás, o despacho impugnado.

Em reforço desta tese, um só elemento acrescentaríamos, resultante, aliás, de expressão literal, tão simples, quanto cristalina, contida na própria cláusula 12ª. Com efeito, nela se diz que “quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade” (negrito nosso). Ora, como admitir que esta cláusula vincule um terceiro, se a própria composição da comissão arbitral só poderia resultar da escolha de cada uma das partes! Então não se vê que, em virtude de não ter sido interveniente no contrato de prestação de serviço, o ora recorrido nunca podia escolher o seu árbitro?! A circunstância de o autor na acção pretender extrair efeitos daquele contrato não é senão uma forma de a si estender o seu alcance material, isto é, de aproveitar as vantagens substantivas nele estabelecidas. Saber se tal é razoável ou legal é questão diferente que a seu tempo há-de ser discutida. Mas o que por ora está em causa é saber se uma cláusula compromissória como aquela, de efeitos adjectivos, pode vincular quem não a subscreveu. E nós, tal como os citados arestos, achamos que não (neste mesmo sentido, ainda o Ac. do TSI de 15/12/2009, Proc. n. 1027/2009).

Eis a razão pela qual, nada mais havendo a discutir, se consideram improcedentes as conclusões do recurso.

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IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido que julgou competente o Tribunal Judicial de Base para o prosseguimento da acção.
Custas pela recorrente.

TSI, 26 / 05 / 2011.

(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan

1 A consequência seria, para a resposta negativa, a absolvição da instância, nos termos dos arts. 413º, al. a) e 414º do CPCM, segundo a posição que a considera excepção dilatória
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