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Processo n. 464/2007 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Maio de 2011
Descritores: - Prescrição de créditos laborais
- Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
- Juros

SUMÁRIO:

I- Entre o prazo de 15 anos para a verificação da prescrição, fixado no Cod. Civil de 1999, e o de 20, estabelecido no Cod. Civil de 1966, aplicar-se-á o segundo, se o seu termo ocorrer primeiro, face ao disposto no art. 290º, nº1.
II- Para esse efeito, não se aplica ao contrato entre um trabalhador do casino e a STDM as normas dos arts. 318, al. e) do Cod. Civil de 1966 e 311º, al. c) do Cod. Civil vigente porque a relação laboral assim firmada entre as partes é de trabalho e não equivalente à do contrato doméstico.
III- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
IV- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
V- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).




Proc. N. 464/2007
Recorrentes: A e STDM
Recorridos: Os mesmos


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$333.29,44 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde 11 de Setembro de 1983, data em que para a ré começou a trabalhar, até 29 de Março de 1992, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.

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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador, julgando parcialmente prescritos os créditos peticionados, concretamente os anteriores a 27 de Setembro de 1986, uma vez que para a tentativa e conciliação fora notificada em 27 de Setembro de 2006.
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Dessa decisão recorreu o autor – recurso admitido com subida diferida - formulando as seguintes conclusões:
1. A douta decisão aplicou ao caso o Código Civil de 1966 na parte referente ao prazo de prescrição, mas julgou prescritos os créditos laborais decorrentes entre 1 de Setembro de 1984 e 26 de Setembro de 1986.
2. De facto, o autor começou a trabalhar para a Ré a partir de 11 de Setembro de 1983, e essa relação laboral mantinha até 29 de Março de 1992.
3. O autor reclama créditos laborais referentes ao período que decorreu entre o dia 1 de Setembro de 1984 (data da entrada em vigor do DL nº 101/84/M, de 25 de Agosto) e o dia 29 de Março de 1992.
4. O art. 318º, al. e), do Código Civil de 1966, regulando sobre as causas bilaterais da prescrição, determina, entre o mais que agora não releva, que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar”.
5. Face às relações de especial proximidade e confiança, o legislador prevê, no art. 318º do Código Civil de 1966, causas suspensivas na contagem do prazo de prescrição.
6. No nosso entender, a relação de trabalho, pela sua particularidade, é semelhante da relação de trabalho doméstico, pelo que merece de tratamento idêntico.
7. O que se prova pela redacção do Código Civil vigente, no seu art. 311º, al. c): “A prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador, por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
8. Pela razão acima exposta, verifica-se uma lacuna da lei no Código Civil de 1966, cuja integração deve ser feita por analogia.
9. Por aplicação analógica do art. 318º, al. e) do Código Civil de 1966, o prazo de prescrição dos créditos emergentes da relação laboral só corre a partir da cessação do contrato de trabalho.
10. Ou seja, os créditos laborais decorrentes entre 1 de Setembro de 1984 e 26 de Setembro de 1986 não estão prescritos.
11. A douta decisão ora recorrida violou, por omissão, a norma do art. 318º, al. e) do Código Civil de 1966. E, em consequência, deve ser revogada e ser julgado procedente o presente recurso.
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A STDM contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. Andou bem o Tribunal a quo ao julgar “prescritos os créditos anteriores a 27 de Setembro de 1986 e absolver os pedidos do A. relativo a créditos decorrentes entre 1 de Setembro de 1984 e 26 de Setembro de 1986”, por considerar que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos gerais do art. 306º, nº 1 do Código Civil de 1966.
2. Por outro lado, a Recorrida considera que jamais se poderá aplicar analogicamente a causa bilateral da suspensão do art. 318º, al. e) do Código Civil de 1966 ao caso sub judice.
3. O Recorrente, ao ter entendido que o regime prescricional aplicável era o do Código Civil de 1966, não pode ignorar que esse diploma não previa como causa de suspensão do prazo prescricional o decurso da relação laboral não doméstica, nem os dois anos posteriores ao termo do contrato de trabalho (que veio a ser reconhecida pelo legislador do actual Código Civil).
4. Só podemos concluir que o legislador considerou que a situação do trabalho doméstico merecia um tratamento distinto, por acarretar uma situação de dependência que não existe na relação de trabalho não-doméstico (maxime pelo facto do trabalhador doméstico viver na casa do empregador).
5. Ora, analisando o art. 318º, al. e) do Código Civil de 1966 e perante a especificidade oferecida por aquela disposição legal, só podemos concluir que o legislador entendeu não prever como causa de suspensão as restantes relações de trabalho (ou seja, de trabalho não doméstico).
6. Desta forma, entende a Recorrida que o legislador do Código Civil de 1966 decidiu prever diversas causas de suspensão que entendeu serem dignas de protecção jurídica, não contemplando a situação que veio a ser criada pelo legislador do Código Civil (a da al. c) do nº 1 do art. 311 º do Código Civil - cfr. Nota de Abertura do Coordenador do Projecto, Dr. Miguel Urbano, pág. XIX e XX do CC).
7. Neste sentido, só podemos concluir que não existia qualquer lacuna e que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”, nos termos gerais do art. 306º, nº 1 do Código Civil de 1966.
8. Deste modo, devem considerar-se prescritos os créditos decorrentes entre 1 de Setembro de 1984 e 26 de Setembro de 1986.
9. Em face de todo o exposto, afigura-se ser de manter o despacho ora recorrido, por correcta determinação das regras prescricionais aplicáveis.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 17/04/2007, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 188.793,31.
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É dessa sentença que, inconformado, novamente agora o autor recorre, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
I. A R. não concorda com a matéria dada como provada nos quesitos 17º a 24º, pois a única conclusão a retirar da apreciação de todos os documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas que depuseram em audiência, é não ter ficado provado que:
a) o Autor tivesse pedido autorização para gozar dias de descanso;
b) Ré tenha indeferido qualquer pedido do Autor para gozar dias de descanso; e, em especial,
c) Não ficou provado que o Autor não tenha gozado todos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios previstos por lei.
II. O A., ora Recorrido, não estava dispensado do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou, o que não o fez.
III. No entanto, foi precisamente com base na matéria de facto constante dos quesitos 17º a 24º, que o Tribunal a quo condenou o ora Recorrente no pagamento de uma indemnização pela não remuneração de dias de descanso.
IV. No caso dos presentes autos, analisada toda a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a ora Recorrente considera evidente que da mesma não resulta que o A, ora Recorrido, tenha deixado de gozar os dias descanso anual, semanal e feriados obrigatórios a que tinha direito.
V. Assim, na ausência de um facto constitutivo com base no qual o Tribunal a quo pudesse dar como provado o não gozo de dias de descanso por parte do A., ora Recorrido, não se entende como pôde o Tribunal Judicial de Base ter condenado a Recorrente.
VI. Assim, sendo totalmente omissa quanto à questão fundamental do não gozo de dias de descanso pelo A., ora Recorrido, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., ora Recorrido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
VII. Nos termos do nº1 do art. 335º do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
VIII. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 17º a 24º, da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
IX. Com base nos factos constitutivos do direito alegado pelo A., ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
X. E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
XI. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que apenas ficou provado que o A. precisava da autorização expressa da R. para ser dispensado dos serviços.
XII. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
XIII. Requer-se, pois, que V. Exas se dignem revogar a sentença ora em crise e julgar a matéria de facto em conformidade com o ora exposto e, consequentemente, absolver a R. da Instância.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XlV. O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XV. O facto de o A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per se, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso o Recorrido auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que o Recorrido, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
XVI. Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XVII. A aceitação do trabalhador de qoe aos dias de descanso semanal, anual e em feriados r v obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
XVIII. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
XIX. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XX. Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XXI. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XXII. E, não tendo o Recorrido, sido impedido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM ao Recorrido.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
XXIII. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido, era remunerado com base num salário mensal, sendo que toda a factual idade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário.
XXIV. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrido, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de HKD$10 (ou MOP$4.10/), ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XXV. Para reforçar este entendimento, ficou declarado pelas testemunhas que, mesmo a parte variável do rendimento dos trabalhadores - a quota-parte das gorjetas oferecidas pelos clientes dos casinos - era reunida e calculada diariamente ainda que, por razões de contabilidade interna da empresa, eram distribuídas de 10 em 10 dias pelos trabalhadores. A R. não concorda com a matéria dada como provada nos quesitos 1º a 5º, porque incompleta face aos depoimentos prestados pelas testemunhas, e na sequência dos quais, dúvidas não restam que as gorjetas eram contabilizadas diariamente e distribuídas de 10 em 10 dias, tendo apenas em conta os dias de trabalho efectivamente prestado pelo A., de tal forma que este apenas recebia a quota parte das gorjetas relativas aos dias efectivamente trabalhados.
XXVI. Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judicias nos processos pendentes.
XXVII. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. lº do RJRT.
XXVIII. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era remunerado com um salário mensal, a sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a Recorrente entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é arbitrária, ao tentar estabelecer como imperativo (i.e., o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como dispositivo (i.e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
XXIX. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar o salário auferido pelo A., ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
XXX. Esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar o salário auferido pelo A., ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
XXXI. O trabalho prestado pelo Recorrido em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
XXXII. A remuneração já paga pela ora Recorrente ao ora Recorrido por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A. tinha direito, nos termos do DL 101/84/M, depois nos termos do DL 24/89/M, e finalmente nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M.
XXXIII. Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.º 6 do art.º 17º do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XXXIV. Ora, nos termos do art. 26º, n.º 4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17º, n.º 6, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
XXXV. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XXXVI. A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da al. b) do nº 6 do art. 17º do artigo 26º do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda concluindo:
XXXVII. As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
XXXVIII. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
XXXIX. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
XL. O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
XLI. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
XLII. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de salário.
XLIII. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
XLIV. Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
XLV. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Juiz a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
XLVI. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
XLVII. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
XLVIII. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
*
Contra-alegou o autor, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
1.) A visão pessoal da recorrente em atribuir determinados sentidos às provas produzidas não vincula o tribunal recorrido;
2.) O tribunal deve seguir o princípio de “livre convicção” na sede de avaliação das provas produzidas, a não ser que haja prova vinculada;
3.) Há um círculo essencial e básico dos direitos do trabalhador que merece de uma tutela acrescida, inderrogável pelas vontades das partes;
4.) Só assim se justifica a existência do direito de trabalho, servindo-se como direito de protecção do trabalhador;
5.) No caso vertente, e dada ao peso que ocupa a gorjeta no vencimento do trabalhador, o seu modo de distribuição, a prática habitual e a inegável correspectividade entre a prestação de trabalho e o seu efectivo pagamento, é legítimo em afirmar que o salário do trabalhador é composto em duas partes, uma delas fixa e outra parte variável.

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Cumpre decidir.
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II- Os Factos

A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

“O A. iniciou a relação contratual com a R. em 11 de Setembro de 1983. (Doe. n.º 1) (A)
O A. cessou a relação contratual com a R. em 29 de Março de 1992. (B)
O A. foi admitido como empregado de casino, recebendo de dez em dez dias da R., como contrapartida da sua actividade profissional, desde o início da relação contratual até 29 de Março de 1992, data da sua cessação, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$4,10 por dia, desde o seu início da relação contratual até 30 de Junho de 1989, e de HK$10, 00 por dia desde 1 de Julho de 1989 até a data da cessação da relação contratual com a R., e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por “gorjetas”. (C)
As “gorjetas” eram distribuídas por todos os empregados de casinos da R., e não apenas aos que têm “contacto directo” com clientes nas salas de jogo. (D)
Os empregados que não prestavam a sua actividade directamente nas mesas ou os que não lidavam com clientes tinham também direito a receber “gorjetas”. (E)
As “gorjetas” eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes de casinos. (F)
Dependentes, pois, do espírito de generosidade desses mesmos clientes. (G)
Pelo que o rendimento do A. tinha uma componente quantitativamente incerta. (H)
Aquando do início da relação contratual, o A. foi informado pela R. que uma das condições contratuais propostas era proibido de fazer suas quaisquer “gorjetas” entregues pelos clientes de casinos. (I)
O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R. (J)
A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
1) 1º e 6º turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
2) 3º e 5º turnos: das l5H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
3) 2º e 4º turnos: das 11H00 até l5H00, e das 19H00 até 23H00. (K)
O A. tinha direito a pedir dispensa de serviço, mas não era remunerada, quer com rendimento diário fixo, quer com “gorjetas” correspondentes. (L)
As “gorjetas” oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas, contabilizadas diariamente por uma comissão paritária composta por um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas, e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R., de acordo com a categoria profissional a que pertenciam. (M)
As gorjetas eram geridas pela R., segundo os critérios adoptados por esta. (3º)
Como contrapartida da sua actividade prestada a favor da R., o A. recebeu nos anos de 1984 a 1992 (Doc. n.º 2), os seguintes rendimentos:
a) 1984 = 38.985,00;
b) 1985 = 68.159,00;
c) 1986 = 83.418,00;
d) 1987 = 105.714,00;
e) 1988 = 131.390,00;
f) 1989 = 167.871,00;
g) 1990 = 189.246,00;
h) 1991 = 160.184,00;
i) 1992 = 25.762,00. (6º)
A composição do rendimento a que se alude na alínea C) da matéria de facto assente foi acordada através de contrato verbal celebrado entre A. e R. (7º)
Ficou ainda acordado que o A. tinha direito a receber “gorjetas” conforme o método vigente adoptado pela R. (8º)
Do ponto de vista do A., a distribuição de “gorjetas” é considerada como um dos seus direitos inerentes à relação contratual entre A. e R. (9º)
O recebimento de “gorjetas” era uma das expectativas da remuneração do próprio A. (10º)
O modo de pagamento (do rendimento variável) foi sempre regular e periodicamente cumprido pela R. (11º)
Os empregados da R. (incluindo o A.) recebiam quantitativo diferente de gorjetas, consoante o respectivo cargo e tempo de serviço. (12º)
Tanto a parte fixa como a parte variável proveniente das “gorjetas” são tidas em consideração para efeitos de imposto profissional. (13º)
Tanto a R., como o A., tinham perfeita consciência que as “gorjetas” faziam parte do rendimento. (14º)
As “gorjetas” sempre integram no orçamento normal do A. (15 º)
O A. sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica. (16º)
Durante a vigência da relação contratual, o A. sempre prestou serviços nos dias de descanso semanal. (17º)
A R. nunca pagou qualquer compensação pelos serviços prestados pelo A. nesses mesmos dias de descanso semanal. (l8º)
Nem lhe foi compensado com outro dia de descanso. (19º)
O A. sempre prestou serviços à R. nos dias de feriados obrigatórios, quer remunerados quer não remunerados. (20º)
A R. nunca pagou ao A. qualquer compensação pecuniária pelos serviços prestados nos dias de feriados obrigatórios acima descritos. (21º)
O A. sempre prestou serviços à R. nos dias de descanso anual. (22º)
A R. nunca lhe pagou qualquer compensação pecuniária pelos serviços prestados nesses dias. (23º)
Até ao momento, a R. ainda não procedeu ao pagamento das quantias em dívida ao A. referentes aos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios não gozados. (24º)
Aquando do início da relação contratual, o A. foi informado pela R. que as gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores não eram para seu beneficio exclusivo, mas para todos os que naquela organização prestavam serviço, desde os seguranças aos quadros dirigentes. (25º e 26º)
Aquando da contratação do A. pela R., esta propunha o seguinte:
1. O rendimento seria pago à razão diária, mas apenas pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho;
2. Caso pretendesse gozar dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal não lhe era negado, simplesmente esses dias não seriam remunerados. (27º)
O A. foi informado pela R. das condições previstas na resposta dada ao quesito 27º. (28º)
O A. era livre de pedir o gozo de um número ilimitado de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo de dias não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. e que fosse por ela autorizado. (29º)”.
***
III- O Direito
A- Recurso do saneador (prescrição)

A ré STDM, na sua contestação, havia defendido que os créditos laborais invocados pelo A. anteriores a 11 de Novembro de 1991, porque com mais de 15 anos, segundo o art. 302º do Cod. Civil, estariam prescritos.
O autor, na sua resposta entendera que o prazo prescricional seria de 20 anos à luz do art.309º, do Cod. Civil de 1966.
No saneador foi decidido que o prazo aplicável seria o de vinte anos, porque completados antes do de quinze contados sobre a data da entrada em vigor do novo Código.
Desse despacho interpôs o então autor recurso jurisdicional (ver conclusões supra).
Apreciando.
A solução tomada no despacho saneador representa a decisão correcta, que abraça, aliás, a posição desta instância quando chamada a pronunciar-se sobre o tema. A respeito deste, portanto, e para não nos alongarmos em considerações escusadas, apenas algumas breves considerações.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL n. 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL no 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatuem, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. E se é certo que o Código Civil previa a figura do contrato de trabalho, a verdade é também que não regulamentou o seu regime, remetendo-o para legislação especial (arts. 1152º e 1153º). Regulamentação que viria a surgir com o Decreto-Lei no 49408, de 24/11/1969, que no seu art. 38º estabeleceu um prazo de prescrição de um ano para todos os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer ao trabalhador, contando-se esse prazo “a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014, enquanto o de 20 anos (art. 309º, C.C. anterior) se completaria antes disso. E para tanto se concluir basta pensar que, mesmo contado o prazo a partir do limite máximo – o correspondente ao termo da relação laboral, ocorrido em Junho de 1992 (tese do recorrente) – o período de 20 anos terminaria em Junho de 2012. E se isto é assim tendo por base de contagem a data da cessação da relação laboral, por maioria de razão se haverá de concluir se atendermos como “dies a quo” qualquer data em que, antes daquela cessação, se entenda que o direito pudesse ser exercido pelo trabalhador em relação a cada um dos seus autonomizados créditos.
Tratando-se a prescrição de um instituto que beneficia o credor, em razão da lassidão do devedor e em vista da estabilização das relações e da segurança do comércio jurídico, cremos, assim, que o regime da lei antiga será o aplicável ao caso em apreço.
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Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende o recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 311º, al. c), do C.C. vigente, segundo o qual “a prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos decorridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
Ora, em primeiro lugar, desta última disposição não decorre que o prazo apenas se inicia com o termo da relação laboral. Ao dizer no seu proémio que “a prescrição não se completa” está a partir de um pressuposto, que é o de haver um prazo já iniciado, o qual não terminará senão ao fim de um período de dois anos após o termo do contrato de trabalho. Trata-se, em suma, de uma disposição que estabelece uma suspensão do prazo prescricional e não um diferimento do “dies a quo”.
Em segundo lugar, na medida em que ela traz à luz do dia uma estatuição até então inexistente, a ideia de uma novação parece sair reforçada. Quis o legislador tomar posição expressa pela primeira vez sobre o assunto, não sendo legítimo inferir que essa sempre fora a sua intenção implícita contida na legislação anterior.
Mas regressemos ao art. 318º do C.C. de 1966. Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
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E como proceder para apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação (2ª). Assim sendo, visto que a ré foi notificada para a tentativa de conciliação em 27/09/2006, este será o marco a considerar. Prescritos estarão os créditos subsistentes para lá de vinte anos antes dessa data (portanto, os anteriores a 27/09/1986).
Pelo exposto, nenhuma censura o saneador merece.
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B) Recurso da sentença

Defende a recorrente STDM que a sentença errou quanto aos factos dados como apurados, por não se ter demonstrado que o trabalhador tivesse pedido autorização para gozar dias de descanso, que o seu pedido tivesse sido indeferido ou que o autor não tivesse gozado todos os dias de descanso semana, anual e feriados.
Em nossa opinião, não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. Terá andado bem o tribunal “a quo” ao dar por assente a factualidade dos pontos 17 a 24?
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º , n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.
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O contrato
O contrato de trabalho é caracterizado por três elementos essenciais: a prestação da actividade manual ou intelectual por parte do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
Por um lado, o contrato de trabalho tem um objecto próprio, que consiste na actividade a que o trabalhador se obriga manual ou intelectualmente, na qual aplicará a força de trabalho que, pelo negócio, pôs à disposição da contraparte, ou seja, da entidade patronal.
Por outro, o contrato de trabalho é oneroso, pois a atribuição patrimonial efectuada por cada um dos contraentes tem por correspectivo ou equivalente a atribuição proveniente do outro: o trabalhador obriga-se, mediante retribuição, a colaborar na empresa, como troca da disponibilidade da sua força de trabalho, prestando o seu próprio trabalho manual ou intelectual, na dependência ou sob a direcção do empresário, retribuição essa que pode ser certa, variável ou fixa, mas que terá de ser satisfeita, ao menos, parcialmente em dinheiro.
Por último, a subordinação jurídica consiste na relação de dependência em que o trabalhador se coloca por força da celebração do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização do dador de trabalho, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Ora, no caso sub judice, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos não haver dúvidas quanto à qualificação da relação contratual constituída pelo Autor e Ré como um contrato de trabalho, uma vez que o Autor, enquanto trabalhador da Ré, colocava à disposição desta o seu trabalho manual, sujeitando-se às ordens, direcção e fiscalização daquela, mediante uma retribuição, e a Ré, enquanto empregadora.
Nos autos, ficou apurado que como contrapartida da actividade prestada pelo Autor a favor da Ré, aquele recebia duas quantias, uma fixa e outra variável. A parte variável dependia, por um lado, do valor global do dinheiro recebido pelos clientes do casino, vulgarmente designados por gorjetas e, por outro, das regras e critérios de gestão internos da Ré. As gorjetas recebidas pelos empregados eram reunidas e contadas diariamente também por funcionários incumbidos pela Ré, a fim de serem distribuídas por todos os empregados dos casinos.
Daqui pode concluir-se que a Ré fazia suas as gorjetas entregues pelos clientes dos casinos, enquanto os trabalhadores não tinham qualquer controle, muito menos fiscalização, na sua distribuição.
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A natureza do contrato
Caracterizada que está a relação jurídica como contrato de trabalho, importa agora apurar da natureza jurídica da quantia variável recebida pelo Autor e entregue pela Ré.
O Autor alega que essas gorjetas devem ser vistas como remuneração ao seu serviço e como tal a elas se deve atender na determinação da indemnização a pagar.
Por seu lado, a Ré vem alegar que tal quantia não pode ser entendida como remuneração, ou seja, contrapartida do trabalho prestado pelo Autor uma vez que era entregue pelos clientes aos trabalhadores e variável. Assim sendo, não poderia ser a Ré responsável pelo seu pagamento e como tal, tal quantia não pode ser atendida para efeitos de cálculo de qualquer indemnização.
Vejamos.
Estabelece o artº 7º, nº 1, al. b) do DL nº 24/89/M que o empregador deve pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
Ora, de acordo com o artº 25º, nº 1 do mesmo diploma, pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores tem direito a um salário justo, entendendo-se por salário justo, conforme resulta do nº 2 do citado preceito e diploma, toda e qualquer prestação, susceptível de avaliação em dinheiro, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo, devida em função da prestação de trabalho e fixa por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal.
Ora, o montante do salário será fixado por acordo entre empregador e trabalhador e deve ser fixado tendo em atenção as necessidades e interesses do trabalhador, a evolução do custo de vida, a capacidade económica e a situação económico-financeira da empresa ou do sector económico da empresa e as condições de concorrência económica (artº 27º do citado diploma) .
Da leitura conjunta destes preceitos resulta que a retribuição corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador, cujo pagamento é regular e periódico e tem que ter um valor patrimonial (dinheiro ou espécie) .
Dos autos resulta provado que, desde o início, o Autor trabalhou para a Ré, no sentido de ter estado ao serviço desta. Ora, no contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré ficou acordado que aquela ia receber em contrapartida do seu serviço, para além de uma dada importância diária como retribuição fixa, uma outra quantia variável, designada por gorjetas, sendo certo que se o Autor não auferisse a prestação pecuniária correspondente à sua quota parte nas gorjetas, não teria celebrado qualquer contrato de trabalho com a Ré.
O salário justo
Por salário justo deve entender-se aquela prestação que, recompensando o serviço prestado (e não podemos esquecer que o serviço prestado pelo Autor era por turnos), permita ao trabalhador suportar as despesas mínimas com as necessidades básicas, seja a alimentação, vestuário, saúde e alojamento (neste sentido o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, de 23 de Março de 2006, proferido no processo 241/2005, e ultimamente o Acórdão de 12 de Outubro de 2006, Proc. Nº 272/2006, do mesmo Tribunal).
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, entendemos que a supra quantia diária fixa nunca permitiria ao trabalhador suportar aquelas despesas mínimas e, como tal nunca se poderia entender como salário justo.
A contrapartida auferida pelo Autor desdobrava-se, pois, em duas partes, uma fixa e outra variável.
A componente fixa da remuneração do Autor foi de MOP$4,10 por dia, desde o seu início da relação contratual até 30 de Junho de 1989, e de HK$10,00 por dia desde 1 de Julho de 1989 até a data da cessação da relação contratual com a R.
Ao passo que a componente variável já dependia, por um lado, do valor global do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, vulgarmente designados por gorjetas e, por outro, das regras e critérios de gestão internos da Ré.
As gorjetas recebidas pelos empregados eram contadas diariamente por funcionários incumbidos pela Ré, a fim de serem distribuídas a todos os empregados dos casinos.
Não obstante as gorjetas provirem de terceiro (clientes de casinos), “não custa de ficcionar que essas prestações se por um lado gratificam a simpatia e os bons serviços do trabalhador, por outro, provêm de clientes da empregadora que assim complementam a remuneração desta aos seus trabalhadores num ambiente por ela criado e propiciado, dentro dos usos e costumes dos Casinos daquela empregadora”, como dizem os Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, nos processos 241/2005, de 23 de Março de 2006 e 272/2006, de 12 de Outubro de 2006.
Finalmente, atento o facto de que era a Ré, como pessoa colectiva, que contabilizava e distribuía as gorjetas, segundo os critérios por ela definidos, a saber, não só aos trabalhadores que tinham estado em contacto directo com os clientes, mas também àqueles que nem estavam em contacto com quaisquer clientes e como tal esses nada tinham que gratificar, é forçoso concluir que as gorjetas dadas aos trabalhadores da Ré devem ser vistas como rendimento do trabalho por eles prestado.
A liberdade contratual
Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador, que durante muito tempo recebeu, atendendo às suas qualificações, remunerações elevadas. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
Salário mensal
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebeu uma quantia fixa diária de MOP$ 4,10 durante um período e de HKD$10,00 a partir de certa altura (facto 4). Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração (facto 23). Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio, face à latitude do facto levado à base instrutória (perguntava-se se no momento da celebração do acordo entre A. e R. esta informou aquele de que o gozo de dias de descanso não era remunerado) e à forma restritiva da resposta obtida. A prova desse facto poderia levar, sim, a conclusão diferente sobre o período a que corresponderia a remuneração, se conjugada com o valor da quantia fixa acertada para cada período diário. Mas o encurtamento da resposta ao alcance da pergunta, já não permite pensar que o salário era determinado em função de período de trabalho efectivamente prestado (art. 28º, n.1, do DL n. 101/84/M, de 25/8).
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é que é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nas respectivas respostas.
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A compensação

Como calculá-la?

Como o contrato atravessou a vigência dos DL n.s 101/84/M e 24/89/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer a ambos os diplomas, consoante o período a que respeite o trabalho nos dias de descanso, sem esquecer, porém, que alguns deles estão prescritos, como atrás foi julgado.

Vamos por partes. Assim:

a) Descanso semanal

A sentença não atribuiu nenhuma indemnização ao abrigo deste diploma, sem que dela o autor tivesse apresentado recurso. Assim, porque o tribunal está limitado às alegações do recurso da STDM, o TSI não se pronunciará sobre esta matéria.
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Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.
Assim, nesta parte a sentença tem que ser confirmada ao atribuir a indemnização no valor de Mop$ 143.048,62.
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b) Feriados obrigatórios
b).1 - Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença não atribuiu nenhuma indemnização. Não tendo havido recurso pelo trabalhador e não estando ela em causa no presente recurso interposto pela STDM, impedido está o TSI de se pronunciar, limitado que está ao seu objecto.
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b). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, o que equivale a Mop$23.504,64, tal como foi decidido na 1ª instância.
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c) Descanso anual
c)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A sentença entendeu que esta disposição só é válida para as relações que terminem dentro do período de vigência do diploma em apreço. E porque a relação deste trabalhador terminou sob o império do DL 24/89/M, o trabalhador não teria direito a qualquer compensação.
Não concordamos. Efectivamente, esta interpretação, de tão restritiva, equivaleria, se bem a entendemos, a concluir que o valor daqueles seis dias de salário só seriam pagos no momento da cessação da relação de trabalho e se o trabalhador ainda não tivesse gozado o respectivo período de descanso anual. Mas não é assim. Julgamos que a norma tem em vista estabelecer o modo como há-de o trabalhador ser retribuído do “respectivo período de descanso anual”, que não chegou a gozar até ao momento em que terminou a relação laboral. A lei diz por outras palavras o seguinte: o trabalhador recebe em dinheiro (no montante salarial) o valor de todos esses dias.
Mas não diz que o trabalhador perca o direito à compensação pelo trabalho prestado nesses dias em anos anteriores ao período a que se refere o número 2.
Portanto, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1.
Andou bem, pois, a sentença recorrida ao atribuir ao trabalhador a quantia de Mop$ 4.354,68 (considerando a prescrição dos créditos anteriores a 27/09/1986).
-
c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença aplicou o factor 2 a cada dia de descanso não gozado e apurou o valor de Mop$ 17.885,37. O trabalhador (autor) não recorreu e a STDM conformou-se com a fórmula. Assim sendo, dado o objecto do recurso contido nas alegações respectivas, o TSI não se pronunciará sobre esta matéria.
*
Assim sendo, o valor indemnizatório global a atribuir é, pois de Mop$ 188.793,31, exactamente tal como fixado na sentença recorrida.
***
IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
1- Negar provimento ao recurso do despacho saneador interposto pelo recorrente A.
Custas pelo recorrente.
2- Negar provimento ao recurso da sentença interposto por STDM e, em consequência, confirmá-la nos termos acima expostos e, por via disso, condenar a STDM a pagar à recorrida a quantia de Mop$ 188.793,31 acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pela recorrente.

Macau, TSI, 26 / 05 / 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto que se junte)










Processo nº 464/2007
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 26MAIO2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong