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Processo nº 264/2007
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Maio de 2011
Descritores: Caso julgado formal
Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

SUMÁRIO:

Se ao apreciar matéria exceptiva invocada pelo Réu, o juiz do saneador expressamente declarou que ela não era causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e fez prosseguir os autos, não pode o juiz da sentença, com base precisamente na mesma matéria, julgar extinta a causa com aquele fundamento, porque a tal o impede o caso julgado formal a que se refere o art. 575º do CPC.

Processo nº 264/2007

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório


A, com os demais sinais dos autos, moveu contra B, C, D, E, F, G e Associação de Médicos de Macau, acção declarativa na forma de processo comum pedindo, inter alia, a declaração de nulidade, ou a anulação, da deliberação da Assembleia Geral de 19/12/2002 da última ré que aprovou e confirmou a eleição de pessoas para membros da 7ª Direcção e do 7º Conselho Fiscal, as quais o então autor considerava não qualificadas para serem médicos privados e fazerem parte da Associação.
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Após o despacho saneador, que julgou os 1º a 6º réus parte ilegítima, o processo prosseguiu apenas contra a Associação.
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Desse despacho saneador recorreu o autor A, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
(l) Do despacho recorrido, absolve-se os primeiro a sexto réus. Salvo os devidos respeitos, o recorrente não se conformou com a decisão e interpôs este recurso.
(2) Dos documentos constantes dos autos, os primeiro a sexto réus efectuaram o acto eleitoral controvertido nos presentes autos por causa dos seus interesses directos, nomeadamente, os segundo e quinto réus não têm qualificação de médico de Macau, mais, os mesmos dois e o primeiro réu não são elementos da Associação de Médicos de Macau. Mais, os segundo e quinto réus ficam titulares do órgão de direcção no contencioso. Além disso, os terceiro e quatro réus estavam no período de suspensão da licença durante o período da eleição.
(3) Para isso, existe uma relação de interesse directo estreita entre o acto eleitoral objecto do contencioso efectuado pelos primeiro a sexto réus e o facto de que os mesmos ficam titulares do órgão da Associação, pelo que, esta acção tem legitimidade.
(4) Do despacho recorrido, absolve-se os primeiro a sexto réus em razão de falta da legitimidade processual. Isso viola o art.º 58.º do Código de Processo Civil, pelo que, deve ser declarado a anulação pelo tribunal.
(5) O recorrente entende que, na aplicação correcta do art.º 58.º do Código de Processo Civil, deve declarar que os primeiro a sexto réus possuem legitimidade na presente acção e notificar aos mesmos nos termos da lei para proceder ao processo subsequente.”
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Sobre estas conclusões, mandadas apresentar pelo despacho de fls. 509 e vº, a Associação de Médicos de Macau pronunciou-se do modo que segue (fls. 518/520 dos autos/tradução a fls. 59 e 60 do apenso “traduções”:
I. De acordo com o art.º 58.º do Código de Processo Civil, a lei só permite aos interessados directos nesta lide para constituir Partes, a fim de dirimir o litígio conforme os seus pedidos, e não são incluídos os indivíduos afectados indirectamente pela lide.
II. A lide da eleição Controvertida deve ser dirigida Contra apenas a recorrida, e os membros eleitos não possuem legitimidade para constituir réus.
III. Por isso, o despacho recorrido não padece do vício indicado pelo recorrente.
Pelos expostos, pede-se ao Juiz para julgar improcedente o pedido do recorrente constante da sua alegação e indeferi-lo.
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Também a ré Associação de Médicos de Macau recorreu do despacho saneador (fls. 317/320 e fls. 22e 23 do apenso “traduções”), mas tal recurso viria a ser dado sem efeito por despacho de fls. 414 e vº, já transitado.
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A seu tempo foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e, em consequência, declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (fls. 373).
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É dessa sentença que, inconformado, o autor agora recorre jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões (fls. 51vº 2 52 do apenso “traduções”):

(i) A sentença recorrida não conheceu a matéria de facto sujeita a julgamento e padece do vício de irregularidade que afectou a sentença, pelo que nos termos do art.º 147.º do Código de Processo Civil, deve-se declarar inválida a sentença recorrida e mandar julgar de novo a matéria de facto acima referida;
(ii) A sentença recorrida violou os dispostos nos art.ºs 3.º, 4.º e 5.º do Código de Processo Civil e padece do vicio de violação da lei, pelo que nos termos do art.o 147.º do Código de Processo Civil, deve-se declarar inválida a sentença recorrida e mandar julgar de novo a matéria de facto acima referida.
(iii) A decisão na sentença recorrida de declarar extinta a instância pela inutilidade superveniente da lide é, na verdade, entendimento errado do art.º 165.º n.º 2 do Código Civil de Macau e do art.º 229.º al. e) do Código de Processo Civil, ou seja que padece dos vícios de entendimento errado dos factos e de aplicação errada da lei, pelo que nos termos do art.º 147.º do Código de Processo Civil, deve-se declarar inválida a sentença recorrida. Entendemos que conjugando os factos provados neste processo com o art.º 165.º n.º 2 do Código Civil de Macau, o tribunal deve julgar procedentes os requerimentos do recorrente constantes do articulado.
Pedido
Pelos expostos, vem-se apresentar os seguintes pedidos ao MM.º Juiz:
(1) Declarar que a sentença recorrida entendeu erradamente o art.º 165.º n.º 2 do Código Civil de Macau e o art.º 229.º al. e) do Código de Processo Civil, ou seja que padece dos vícios de entendimento errado dos factos e de aplicação errada da lei, pelo que nos termos do art.º 147.º do Código de Processo Civil, declarar inválida a sentença recorrida. E conjugando os factos provados neste processo com o art.º 165.º n.º 2 do Código Civil de Macau, julgar procedentes os requerimentos do recorrente constantes do articulado.
Se assim não for entendido, então
(2) Declarar que a sentença recorrida não conheceu a matéria de facto sujeita a julgamento e padece do vício de irregularidade que afectou a sentença, pelo que nos termos do art.º 147.º do Código de Processo Civil, declarar inválida a sentença recorrida e mandar julgar de novo a matéria de facto acima referida;
Se assim também não for entendido então,
(3) Declarar que a sentença recorrida violou os dispostos nos arts. 3º, 4º e 5º do Código de Processo Civil e padece do vício ilegal, pelo que nos termos do art. 147º do Código de Processo Civil, declarar inválida a sentença recorrida e mandar julgar de novo a matéria de facto acima referida”.
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A Associação de Médicos de Macau contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
(1) O recorrente apontou que a sentença recorrida não conheceu a matéria de facto sujeita ao conhecimento, mas de facto, os respectivos factos já foram admitidos pelo tribunal a quo no despacho saneador e constam dos fundamentos da sentença recorrida, isto significa que o tribunal a quo, na verdade, já julgou estes factos. Pelo que a sentença recorrida não padece do vício da nulidade provocado pelo não conhecimento dos factos sujeitos a conhecimento como o recorrente referiu.
(2) A sentença recorrida não violou os princípios da iniciativa das partes e do contraditório, o princípio da igualdade das partes nem o princípio dispositivo.
(3) Além disso, a Assembleia Geral convocada em 14 de Fevereiro de 2004 elegeu a 8ª Direcção e o 8º Conselho Fiscal segundo os novos estatutos efectivos e efectuou o respectivo registo na DSI, pelo que estão sem sentido os pedidos apresentados pelo recorrente de declarar inválida a aprovação do resultado da eleição da 7ª Direcção e do 7º Conselho Fiscal por parte da Assembleia Geral em 19 de Dezembro de 2002, porque aparece a inutilidade superveniente prevista no art.º 229.º al. e) do Código de Processo Civil.
(4) Apesar de o juiz do tribunal a quo entender no despacho saneador que “as novas circunstâncias acima referidas fazem com que a deliberação de 19 de Dezembro de 2002 deixe de produzir efeitos”, mesmo que entender-se procedente parte dos pedidos na petição inicial do recorrente (mera hipótese, não significa que a ré está de acordo), deve ser limitados na eleição da 7ª Direcção e do 7º Conselho Fiscal.
(5) Hipoteticamente, mesmo que uma parte dos membros da 7ª Direcção e do 7º Conselho Fiscal não tivesse a qualidade prevista pelos estatutos vigentes naquele tempo, os efeitos produzidos pelo vício da respectiva deliberação devem limitar-se aos membros não qualificados, mas não devem afectar os membros qualificados. Quer dizer, em qualquer caso, não se deve declarar completamente inválida a deliberação tomada em 19 de Dezembro de 2002.
(6) Os requerimentos apresentados pelo recorrente na sua petição inicial já se encontram na situação de inutilidade superveniente de acordo com o art.º 299.º al. e) do Código de Processo Civil, pelo que deve-se julgar improcedentes tais requerimentos.
(7) Pelos expostos, deve-se manter a sentença recorrida.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
- A Ré, Associação de Médicos de Macau, é uma associação (alínea A da Especificação).
- Foi fundada no Cartório Notarial do Governo de Macau, com o estatuto de versão portuguesa publicado no Boletim Oficial de Macau, de 18 de Maio de 1994, páginas 1907 a 1910 (alínea B da Especificação).
- O autor é médico e associado da Ré (alínea C da Especificação).
- Segundo a Unidade Técnica de Licenciamento das Actividades Privadas, verificou-se que em 17 de Janeiro de 2003, não houve nenhum registo de C e F enquanto D e E estavam com suspensão do exercício das funções de médico pelo período de 2 anos (alínea D da Especificação).
- Em 19 de Dezembro de 2002, C e F não eram associados da Ré enquanto G era médico dentista (alínea E da Especificação).
- Segundo o estipulado no artigo 4.º do Capítulo 2 do estatuto da Ré, podem ser admitidos como associados efectivos os médicos de clínica geral e os médicos especialistas, inscritos na Direcção dos Serviços de Saúde de Macau, que se comprometam a contribuir para a realização dos objectivos da “Associação” (alínea F da Especificação).
- Em 19 de Dezembro de 2002, a Ré realizou uma reunião da assembleia-geral, tendo aprovado uma deliberação pela qual foram eleitos 35 membros do sétimo mandato da direcção e do conselho fiscal, cuja lista a seguinte: XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, B, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, D, XXX, XXX, E, XXX, XXX, XXX, G, XXX, XXX, XXX, XXX, C, XXX, XXX e F (alínea G da Especificação).
- Em 16 de Novembro de 2003, a Ré realizou uma reunião da assembleia-geral, tendo aprovado uma deliberação pela qual foi alterado o estatuto (alínea H da Especificação).
- O estatuto alterado foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 5, II Série, de 4 de Fevereiro de 2004 (alínea I da Especificação).
- Segundo o artigo 5.º do Capítulo 2 (associados) do “novo estatuto”, “os residentes permanentes de Macau que são médicos privados de medicina ocidental inscritos no governo de Macau ou licenciados em medicina de cinco anos dos institutos de medicina, sem distinção de nacionalidade, podem requerer a qualidade de associados da nossa Associação” (alínea J da Especificação).
- Em 14 de Fevereiro de 2004, a Ré realizou uma reunião da assembleia geral, tendo aprovado uma deliberação pela qual foram eleitos os membros do oitavo mandato da direcção e do conselho fiscal, cuja lista é a seguinte: XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, B, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX, D, XXX, XXX, E, XXX, XXX, XXX, G, XXX, XXX, XXX, XXX, XXX (alínea K da Especificação).
- A estrutura e os membros do oitavo mandato dos órgãos sociais já foram registados na Direcção dos Serviços de Identificação (alínea L da Especificação).
- O autor não votou a favor da deliberação aprovada em 19 de Dezembro de 2002 (Resposta ao quesito 1.º)
- O autor não votou a favor da deliberação de 16 de Novembro de 2003 (Resposta ao quesito 3.º).
- Segundo o antigo estatuto, a eleição da direcção e do conselho fiscal tinha lugar de dois em dois anos (cfr. fls. 11 a 15, 149 a 150 e 183 a 188) (Resposta ao quesito 5.º).
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III- O Direito
1- Do recurso do despacho saneador
O referido despacho absolveu da instância os 1º a 6º réus em virtude de os não considerar partes legítimas, enquanto membros da pessoa colectiva demandada.
O então autor não se satisfez com tal decisão e, diferentemente desta, assevera que tais réus têm interesse directo em contradizer, uns porque não tinham a qualificação de médicos de Macau, outros porque se encontravam no período de suspensão da licença durante o período da eleição, outros ainda por não serem elementos da Associação.
Ora bem. Em nossa opinião, tal como referido na decisão sob censura, não há aqui litisconsórcio voluntário, nem necessário. Num caso, porque a relação material controvertida não respeita a várias pessoas, mas sim à Associação em cuja deliberação os referidos simplesmente participaram (art. 60º, do CPC). Noutro, porque não é exigida a intervenção dos 1º a 6º réus na acção, nem a sua presença é necessária para que a decisão produza o efeito útil normal (art. 61º do CPC). Com efeito, o que o autor pretendia na acção era que a referida deliberação fosse eliminada do mundo jurídico através da declaração de nulidade ou da sua anulação, embora a causa de pedir radicasse na qualidade - ou falta dela – de certas pessoas que participaram na deliberação. Mas, como foi dito em casos similares, “A demandada em juízo é a sociedade e não cada um dos sócios em concreto” (Ac. R. Lisboa, 7/07/2009, Proc. nº 1357/08.0TVLSB-B.L1-1)1. Portanto, demandada deve ser apenas a Associação em apreço, por ser o sujeito da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor (art. 58º do Cod. Civil).
Improcede, pois, o recurso.
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2- Do recurso da sentença
2.1- Da validade da sentença
Nas suas alegações (conclusão i)) o recorrente defende que a “sentença recorrida não julgou a matéria de facto sujeita ao julgamento”. Não se percebe muito bem o alcance desta asserção, que tanto pode reportar-se à não inclusão da matéria que indica no elenco dos factos assentes, como à omissão de pronúncia sobre essa factualidade no quadro da decisão de mérito. Cautelarmente, apreciaremos ambas as hipóteses.
A respeito da primeira, diz, o tribunal a quo deveria ter incluído na matéria de facto assente, não só a que resulta da deliberação cuja invalidade foi pedida (onde se aprovou a 7ª direcção e 7º Conselho Fiscal), mas também aquela outra que dava conta da deliberação posterior de 16/11/2003, da publicação dos novos estatutos em Fevereiro de 2004 e a constituição da 8ª Direcção e do 8º Conselho Fiscal.
Não procede, contudo, esta argumentação. Em primeiro lugar, as alíneas h), i) e J) e k), da especificação encerram, precisamente, essa matéria. E assim sendo, a invocação feita não carece de melhor argumento do que este para demonstrar a sem razão do recorrente.
Se, por outro lado, o recorrente não quer referir-se à inclusão dessa matéria no elenco dos factos provados, mas antes manifestar que o tribunal não extraiu as consequências dessa factualidade, então o tema é diferente e não tem que ver com o julgamento de facto. Está, em vez disso, relacionado com a decisão propriamente dita, que pode estar errada por não ter atendido àquele conjunto de factos.
Mas, ainda assim, devemos dizer que os factos que invoca nas alegações não eram importantes ou necessários à decisão efectivamente tomada, que foi, como se viu, de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
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2.2- No ponto seguinte das suas alegações (cfr. tb. Conclusão ii)), o recorrente esforça-se por imputar à sentença vício semelhante ao anterior, com o argumento de que ela, atendendo aos “factos provados”, deveria julgar procedente o pedido, dado que eles revelam a ilicitude resultante da participação de alguns elementos na deliberação de Dezembro de 2002, o que deveria levar ao preenchimento do disposto no art. 165º, nº2, do C.C. de Macau, preceito que o tribunal teria erradamente entendido, segundo expressão sua.
O raciocínio do recorrente é aclarado no ponto 26 das alegações. Segundo ele “ A sentença recorrida entende que a alteração posterior do Estatuto determina a inutilidade da discussão da exigência de ser sócio para poder eleger ou ser eleito, porque na altura a eleição foi realizada à luz dos novos estatutos”.
Mais uma vez somos levados a dizer que este argumentário não procede. Realmente, ele parte do princípio de que o tribunal tinha que apreciar a ilicitude eventual da deliberação citada. Ora, se ela não foi apreciada, isso se deveu à decisão formal de extinção da instância que foi tomada. Saber se tal decisão é errada, isso já se prende com outra questão de que mais adiante trataremos. O que não há dúvida é que a sentença proferida não padece do vício que lhe foi imputado, nomeadamente o da violação dos arts. 3º, 4º, 5º e 147º do CPC. Se o recorrente pretendia ver cometida alguma nulidade processual com base em tais preceitos, é patente que nenhum deles lhe presta qualquer socorro.
Resta, então, concluir pela improcedência da conclusão ii).
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2.3- Por fim, o recorrente acha-se no direito de contrariar a decisão de extinção da instância. Em sua opinião, a extinção só poderia ser decretada depois de os “seus requerimentos” terem sido satisfeitos. Ao não o ter feito dessa maneira, a sentença fez errado entendimento do art. 165º, nº2, do C.C: e do art. 229º, al.e), do CPC. Além disso, o despacho de 10/10/2006 constitui caso julgado formal com “valor de referência neste recurso”, diz.
Vejamos.
Quanto à primeira questão, ela, como demos a entender já, está prejudicada pela circunstância de a sentença ter partido para uma decisão formal, em vez de ter apreciado a substância da matéria. Por isso, não podemos dizer se houve, ou não, uma má apreciação do art. 165º do C.C. do Código Civil e se deveriam ser procedentes os seus “requerimentos” (referindo-se aos pedidos formulados na acção). A não apreciação destes requerimentos, por conseguinte, ficou prejudicada (cfr. art.563º, nº2, do CPC) e desse modo justificada.
Quanto ao segundo aspecto, há que ter em conta o seguinte: a sentença sob sindicância, considerou que a deliberação que aprovou o sétimo mandato da Direcção e do Conselho Fiscal da Associação, e cuja invalidade veio pedida nos autos, estaria prejudicada pela alteração dos Estatutos ocorrida em deliberação posterior. Isto é, os factores que impediriam a elegibilidade de certos membros, segundo os Estatutos antigos, teriam desaparecido com os novos Estatutos.
Ou seja, se naquela deliberação da Assembleia-Geral de 19/12/2002 participaram elementos que ainda não estavam inscritos como médicos ou estavam com a licença suspensa (aliena D) da Especificação) ou não eram sequer membros (um dos quais, dentista) da Associação (alínea E) da Especificação) – e tanto era motivo da invalidade requerida ao abrigo do art. 165º do Cod. Civil – o que ali foi decidido viria a ficar prejudicado por deliberação de 16 de Novembro de 2003 que aprovou a alteração dos estatutos da Associação, de forma a permitir ser sócio dela quem anteriormente o não podia ser (ver i) e J) da Especificação).
Por essa razão e ainda pelo facto de em nova Assembleia-Geral de 14 de Fevereiro de 2004 ter sido eleita a 8ª Direcção e o 8ª Conselho Fiscal, deixava de ter sentido discutir a invalidade da deliberação de Dezembro de 2002.
E por assim ser, julgou haver causa para extinção da instância por inutilidade da lide.
Todavia, no despacho saneador (fls. 223 a 225) o juiz titular do processo de então havia dito o contrário, conforme se pode ler:
“O réu indicou que o pedido do presente processo já não fazia sentido, pois já tinham sido eleitos novas direcção e conselho fiscal na reunião da Assembleia Geral convocada pelo sétimo réu em 14 de Fevereiro de 2004.
A referida circunstância faz extinguir realmente o efeito da deliberação de 19 de Dezembro de 2002, no entanto, não afecta os efeitos já produzidos. Considerando que um dos pedidos é declarar nula a deliberação em causa, caso o pedido seja uma vez aceite, produzir-se-ão os efeitos dos artigos 167º, 278º e seguintes do Código Civil, por isso, a presente acção não perde efeito por factos acima referidos. Baseado nisso, este tribunal decide a improcedência da excepção dilatória em causa”.
Portanto, o juiz do saneador, conhecendo da questão relativa à relação processual que havia sido suscitada na contestação dos autos, asseverou que não havia motivo para julgar extinta a instância, porque da apreciação de fundo sempre poderiam advir efeitos para terceiros, invocando para tanto os arts. 167º e 278º e sgs. do Código Civil. Quer isto dizer que o despacho que, em decisão expressa, julgou improcedente a matéria da inutilidade da lide e não determinou a extinção da instância, adquiriu força de caso julgado formal (art. 575º do CPC), circunstância que tornaria impeditiva uma nova pronúncia decisora em sentido diferente sobre a mesma questão.

Mas a verdade é que o juiz da sentença, diferentemente, e com base na mesma matéria de facto (superveniência de nova deliberação que altera os Estatutos), prosseguiu um caminho oposto. Embora tenha reconhecido que haveria motivo para a anulação da deliberação em virtude de terem participado nela 2 pessoas que não eram associados da ré, acabou por decidir (“… o Tribunal… decide…”) extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, não sem que antes disso, um tanto contraditoriamente, tivesse julgado improcedente a acção (esta improcedência, porém, não nos parece ter um sentido decisor tout court, uma vez que a sentença não fez um conhecimento de mérito no pleno sentido do termo). E a fundamentação utilizada foi esta: “Só que essa exigência de ser sócio para poder ser eleito para os membros dos órgãos da Ré veio a ser alterada mediante alteração dos Estatutos, o que determina a inutilidade da discussão em causa, porque também já foram eleitos, à luz das disposições estatutárias válidas, outros membros da direcção da Ré. Pelo que é de julgar extinto o procedimento por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no art. 229º-e), do CPCM”.
Portanto, a decisão foi, efectivamente, de julgar extinta a instância. Mas ao fazê-lo, substituiu a anterior decisão negativa que não tinha sido posta em causa em nenhum recurso e que, por isso, estava formalmente tranquila pelo trânsito, por outra de sentido positivo, que lhe totalmente contrária, violando assim o citado art. 575º do CPC.
Tem, pois, razão o recorrente na conclusão iii) das suas alegações.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
a) Negar provimento ao recurso interlocutório do despacho saneador intentado por A.
Custas pelo recorrente.
b) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que aprecie o mérito da acção se outra causa a tal não obstar.
Custas pela recorrida apenas no TSI.
TSI, 26 / 05 / 2011.
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Ainda: O administrador não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos: Ac. STJ de 2/02/2006, Proc. nº 05B4296.
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